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Parecer do Comité Económico e Social sobre a "Direitos humanos no trabalho"

Jornal Oficial nº C 260 de 17/09/2001 p. 0079 - 0085


Parecer do Comité Económico e Social sobre a "Direitos humanos no trabalho"

(2001/C 260/14)

Na reunião plenária de 30 de Novembro de 2000, o Comité Económico e Social decidiu, em conformidade com o disposto no n.o 3 do artigo 23.o do Regimento, elaborar um parecer sobre "Direitos humanos no trabalho".

De acordo com o n.o 4 do artigo 11.o e com o n.o 1 do artigo 19.o do Regimento, o Comité constituiu um subcomité para preparar os respectivos trabalhos.

O subcomité adoptou o seu projecto de parecer em 11 de Junho de 2001, sendo relator H. Putzhammer e co-relator J. Gafo Fernández.

Na 383.a reunião plenária de 11 e 12 de Julho de 2001 (sessão de 11 de Julho), o Comité Económico e Social adoptou, por 120 votos a favor e 10 votos contra, com 23 abstenções, o presente parecer.

1. Observações na generalidade

1.1. Em 18 de Outubro de 2000, o comissário Pascal Lamy solicitou ao CES Europeu a elaboração de um parecer exploratório sobre os "Direitos humanos no trabalho".

2. Objectivo do parecer

2.1. O objectivo principal do parecer é expressar a posição do CES sobre o tema "Comércio e desenvolvimento social" com base na consulta da sociedade civil, contribuindo desse modo para a definição da posição da UE nas negociações em fóruns internacionais. O CES analisou já esta temática em vários pareceres anteriores.

2.2. Partindo de uma análise das relações complexas entre o comércio e o desenvolvimento social e da relação entre o comércio e a luta contra a pobreza, o parecer procurará delinear uma estratégia global, com o objectivo de deixar claro que as normas fundamentais do trabalho não devem ser encaradas pelos países em desenvolvimento como uma política proteccionista dissimulada por parte dos países industrializados.

2.3. Igualmente interessante poderia ser a análise da conexão entre as normas sociais e os fluxos comerciais, assim como da interrelação entre o crescimento económico e a melhoria das condições de trabalho.

3. Temas principais analisados no parecer

3.1. Ponto da situação

O comércio internacional torna necessárias normas internacionais, entre as quais se incluem os direitos fundamentais dos trabalhadores. Além disso, o grande impacto da mundialização sobre o mundo do trabalho tornou mais urgente o debate sobre os direitos fundamentais dos trabalhadores.

3.1.1. A relação entre o comércio e o desenvolvimento social tornou-se, após a Segunda Guerra Mundial, um ponto central nas relações externas entre os Estados e foi consagrada como princípio na Carta de Havana da Organização Internacional de Comércio. O Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT) de 1948 colocou a ênfase sobretudo na liberalização do comércio enquanto instrumento para a promoção do crescimento económico e do emprego.

3.1.2. O CES salienta a importância do comércio livre para o crescimento económico global. O crescimento económico é o principal motor da prosperidade, da criação de emprego e da diminuição da pobreza. No entanto, esse crescimento deve processar-se dentro de um quadro adequado que permita a consecução desses objectivos. O CES chama a atenção para a necessidade de um crescimento sustentável e socialmente responsável.

3.1.3. Dados da OMC revelam que os países em desenvolvimento (exceptuados os países em guerra e os antigos Estados comunistas) que participam no comércio livre mundial registaram em média um aumento das exportações da ordem dos 4,3 % nos anos 80 e de 6,4 % nos anos 90. É certo que nos países em desenvolvimento se registou um aumento geral da percentagem do PIB representada pelas exportações, mas este aumento concentrou-se em apenas 13 países (3 na América Latina e 10 no Extremo Oriente), os quais se aproximaram dos países industrializados em termos de poder económico e nível de desenvolvimento. As exportações dos restantes países em desenvolvimento consistiram essencialmente em matérias-primas, e não em produtos industriais. Tal deve-se nomeadamente ao facto de os países industrializados não terem ainda aberto suficientemente os seus mercados aos produtos agrícolas dos países em desenvolvimento, ao passo que os seus produtos industriais têm de enfrentar dificuldades tecnológicas e entraves técnicos para se tornarem competitivos nesses mercados.

3.1.4. O relatório de 1997 da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento demonstra que o acesso aos mercados e a liberalização do comércio não conduzem automaticamente a um maior crescimento económico nos países em desenvolvimento. Isso pode ser explicado pela queda dos preços das matérias-primas, pelo reduzido crescimento económico dos países industrializados na década de 90, assim como pelos severos programas fiscais e de estabilização dos preços introduzidos pelos países em desenvolvimento, que enfraqueceram a procura interna.

3.1.5. Apesar das diferenças de interesses e de opinião, é inegável que a globalização deve resultar num aumento geral da qualidade de vida. Todavia, há provas concretas de que o crescimento económico nem sempre leva a uma melhoria dos indicadores da política do desenvolvimento (rendimento per capita, nível de pobreza, índice de escolarização, taxa de mortalidade infantil, acesso universal aos cuidados de saúde). Um maior crescimento económico continua a estar na base da melhoria da situação do emprego, mas o crescimento por si só não implica mais emprego e menos pobreza. Há vários tipos de crescimento. Se o crescimento conduzir, como no Brasil, na Colômbia, no Quénia ou na África do Sul, a maiores desigualdades sociais em termos de salários e de rendimentos, então a pobreza aumenta em vez de diminuir, o que por sua vez acarreta obstáculos ao crescimento(1).

3.1.6. Em muitas regiões do mundo não foi ainda possível reduzir os índices de pobreza nem a distância entre os níveis de desenvolvimento e de bem-estar. Em 1960, o PIB per capita dos 20 países mais ricos era 18 vezes superior ao do dos 20 países mais pobres. Em 1995, era 37 vezes superior. Mais de 80 países têm hoje rendimentos per capita reais mais baixos do que há 10 anos(2).

3.1.7. De acordo com o relatório sobre o emprego no mundo para o ano 2000, um terço da população activa mundial continua desempregada ou subempregada. Mais de três mil milhões de pessoas (cerca de metade da população mundial) sobrevivem actualmente com menos de dois dólares por dia(3).

3.2. Importância do cumprimento das normas básicas de trabalho enquanto princípios de ordenamento económico e social

3.2.1. Há numerosos factores que podem conduzir a uma melhoria da situação económica e social, conforme descrita nos pontos precedentes. As normas básicas de trabalho, internacionalmente definidas em 1998, constituem um importante instrumento que permite:

- a promoção de uma economia de mercado social e das respectivas bases jurídicas e instituições;

- o reconhecimento de associações de empresas e de sindicatos e, desse modo, a construção de uma sociedade civil;

- a melhoria da situação socioeconómica dos grupos marginalizados (trabalhadores a prazo, crianças, mulheres, trabalho forçado);

- e a obtenção de efeitos distributivos positivos para os trabalhadores (no sector formal).

3.2.2. O comércio mundial deve trazer benefícios a todos. Não pode tolerar-se uma concorrência selvagem entre os países em desenvolvimento, marcada por vantagens comparativas como salários baixos ou exploração do trabalho. Muitos deles não conseguem competir com a qualidade da produção dos países industrializados. Para permitir aos países mais pobres escapar a esta armadilha devem ser lançadas as bases para uma maior produtividade e inovação - as quais repousam nos próprios trabalhadores. O desrespeito da liberdade de associação e do direito à greve e o recurso ao trabalho infantil ou forçado não oferecem quaisquer vantagens comparativas aos países em desenvolvimento.

Por isso, o investimento directo estrangeiro (IDE)(4) orienta-se preferencialmente para mercados dinâmicos com um quadro económico estável. Sem ter em conta países como a China ou a Indonésia, de acordo com a OCDE, 55 % do IDE realizado em 1998 concentrou-se em países em desenvolvimento cujo ambiente político e social revelava uma tendência para maior estabilidade, como o Brasil, o México ou Singapura. Os 48 países em desenvolvimento mais pobres, pelo contrário, receberam em conjunto apenas 1 % do IDE.

3.2.3. A exploração através do trabalho infantil ou do trabalho forçado impede um desenvolvimento económico sustentável, uma vez que implica que o nível de qualificação da população permanecerá baixo. O recurso a essa exploração esteia-se apenas na vantagem comparativa de salários mais baixos ou do não pagamento de salário, sem pretender aumentar a produtividade do trabalho. A liberalização do comércio e as novas tecnologias reduziram a procura de mão-de-obra pouco qualificada no mercado de trabalho. O ritmo acelerado da actividade económica e da evolução tecnológica torna necessário mais inovação e conhecimento - ou seja, o capital humano e o nível de qualificações são cada vez mais importantes. Como exemplo de como é possível contribuir para o cumprimento da proibição do trabalho infantil foi introduzido, em 1991, o Programa Internacional para Abolição do Trabalho Infantil (IPEC). A comunidade internacional compreende a participação no IPEC como um sinal de que os países implicados estão empenhados na abolição efectiva do trabalho infantil. O IPEC tornou-se o maior programa de cooperação técnica da OIT e veio demonstrar que, se houver vontade política, as normas internacionais do trabalho podem ser aplicadas de maneira transparente através de cooperação entre os implicados(5).

3.2.4. A declaração sobre os princípios e os direitos fundamentais no trabalho refere expressamente os trabalhadores migrantes. Muitos desses trabalhadores exercem a sua actividade profissional em países ou em sectores económicos nos quais estão sujeitos a normas específicas para estrangeiros, nomeadamente proibição de constituição de sindicatos ou de adesão aos mesmos (p. ex., no Koweit), exclusão do âmbito de aplicação do direito laboral (p. ex., no Quirguizistão) ou ainda limitação abusiva do mandato em organizações profissionais (p. ex., na Mauritânia, na Nicarágua, no Ruanda ou na Venezuela). Neste contexto, as normas internacionais do trabalho podem constituir um nível mínimo de protecção global dos trabalhadores migrantes(6).

3.2.5. A liberdade de associação e o reconhecimento efectivo do direito de negociação colectiva permitem aos trabalhadores baterem-se por um salário correspondente à produtividade do seu trabalho. Tal não implica o nivelamento dos salários a nível mundial, embora permita a sua aproximação gradual. Assim, persistem vantagens comparativas de país para país. Além disso, a liberdade de associação e o reconhecimento efectivo do direito de negociação colectiva podem reforçar a criatividade e a empregabilidade dos trabalhadores, e igualmente a sua dedicação a longo prazo à mesma empresa.

3.2.6. O cumprimento das normas básicas de trabalho da OIT é igualmente incentivado pela sensibilização dos consumidores, os quais preferem cada vez mais os produtos cuja manufactura ou produção corresponda às normas do comércio justo.

3.2.7. As normas internacionais de trabalho são cada vez mais objecto de negociações, tanto a nível multilateral como bilateral:

- Na Cimeira Mundial para o Desenvolvimento Social realizada em Copenhaga em 1995 os chefes de Estado e de governo participantes comprometeram-se a promover os seguintes direitos fundamentais dos trabalhadores:

- liberdade de associação e direito à greve;

- abolição do trabalho forçado;

- proibição do trabalho infantil;

- igualdade de direitos no local de trabalho.

- Na Conferência Ministerial de Singapura em 1996 foi adoptada a decisão de cooperação entre os secretariados da OMC e da OIT sobre a dimensão social do comércio mundial. Não se chegou, porém, a uma verdadeira cooperação formal.

- Em 1998, com a declaração da OIT sobre os princípios e os direitos fundamentais no trabalho, chegou-se a um consenso quanto à necessidade de um nível mínimo globalmente aceite para impedir que a concorrência mundial leve à degradação das condições de vida e de trabalho. Esse nível mínimo foi universalmente definido e apenas a ele se fará referência nos pontos seguintes. A OIT foi incumbida de prestar assistência técnica, criar programas de apoio financeiro e fiscalizar o cumprimento das convenções ratificadas de modo a promover a aplicação das normas básicas do trabalho. A OIT pode fiscalizar o cumprimento ou não das normas internacionais do trabalho mesmo nos países que não tenham ratificado as suas convenções. A ratificação das convenções da OIT tem carácter vinculativo; dos 184 membros da OIT, cerca de 150 ratificaram já as oito convenções fundamentais no atinente aos quatro grupos de normas de trabalho supramencionados.

- O recente Acordo de Cotonou, de 23 de Junho de 2000, refere, tanto no preâmbulo como no seu artigo 50.o, à relação entre o comércio e as normas básicas de trabalho. Os objectivos fundamentais do acordo são o combate à pobreza, o desenvolvimento sustentável e a progressiva integração dos países ACP na economia mundial. O acordo obriga ainda os países ACP a desenvolverem uma estratégia para a política de desenvolvimento.

- O acordo de comércio livre com a África do Sul, assim como as orientações da UE para as negociações para um acordo de comércio livre com o Mercosul, incluíram pela primeira vez normas básicas no trabalho e respectiva fiscalização no respeitante ao comércio livre.

- Os sistemas de preferências generalizadas (SPG) da UE e dos EUA apresentam incentivos adicionais para os países em desenvolvimento, desde que os mesmos respeitem os padrões laborais fundamentais.

- As manifestações maciças dos críticos da mundialização desde Seattle têm demonstrado que os direitos humanos e laborais fundamentais continuarão a ser um ponto central do debate público e não podem, por isso, desaparecer da agenda política.

3.2.8. Para a transposição das normas internacionais de trabalho e outros progressos em matéria social nos países em desenvolvimento é necessário tempo e dinheiro, para além do empenho político da parte dos governos dos países em desenvolvimento e do apoio da sociedade civil a nível mundial. É por isso que o CES entende que essa transposição deve decorrer gradualmente e ser acompanhada de medidas de apoio da União Europeia e de outras organizações internacionais.

3.3. Empenho na inclusão de uma "agenda social" numa nova ronda de negociações

3.3.1. Os países industrializados estão empenhados em fazer avançar a liberalização do comércio mundial na OMC e têm, por isso, procurado envolver os países em desenvolvimento numa nova ronda de negociações no Qatar, em Novembro do corrente ano. Essa ronda deverá assumir o carácter de uma "ronda do desenvolvimento", que dará aos países em desenvolvimento condições especiais de acesso aos mercados e apoiará a sua integração na economia mundial ao abordar a vertente desenvolvimento do comércio. O Comité Económico e Social apoia a ideia de uma "agenda social" internacional e interinstitucional em paralelo com a agenda da OMC. Nesse pacote de negociações devem ser devidamente contempladas as seguintes medidas:

3.3.1.1. Apoio da iniciativa de Kofi Annan - "O Pacto Global - Um desafio à economia". A OIT procura, juntamente com a maioria dos seus Estados-Membros e os respectivos parceiros económicos, persuadir as empresas a cumprirem os padrões laborais e ambientais mínimos reconhecidos internacionalmente. O Pacto Global não é, porém, um código de conduta e não prevê, por isso, quaisquer procedimentos de fiscalização do cumprimento ou não pelas empresas dos compromissos por elas assumidos. Trata-se, ainda assim, de um instrumento importante de promoção dos padrões.

3.3.1.2. Garantia do cumprimento de, por exemplo, normas de trabalho e ambientais reconhecidas internacionalmente, entre outras. Pretende-se que a aplicação dessas orientações seja apoiada por um mecanismo de acompanhamento que envolva os serviços de contacto nacionais. Códigos de conduta voluntários também podem constituir uma boa forma alternativa de assegurar a execução efectiva a nível das empresas.

3.3.1.3. Medidas de apoio, tais como prémios internacionais ou acesso preferencial às instituições públicas de crédito internacionais para as empresas multinacionais que se comprometam a respeitar as normas internacionais de trabalho, de acordo com a organização tripartida da Declaração da OIT, por intermédio de um código de conduta vinculativo ou de disposições especiais de produção socialmente suportáveis.

3.3.1.4. O cumprimento das normas internacionais do trabalho, assim como o respectivo controlo, deveriam ser progressivamente incluídos como princípios nos acordos bilaterais de comércio livre da União. O actual sistema de preferências generalizadas da União Europeia confere vantagens aduaneiras sempre que sejam respeitados a liberdade de associação e o direito de negociação colectiva, assim como a idade mínima para o emprego (convenções 87, 98 e 138 da OIT). No caso da Birmânia, as preferências adicionais da União Europeia foram retiradas, após um período de observação de dez anos, por se terem verificado violações graves dos direitos humanos sob a forma de trabalho forçado e infantil. Entretanto, a alavanca económica dos incentivos deve ser reforçada. Este sistema de preferências generalizadas da UE, que permite conferir vantagens aduaneiras aos países que apliquem as normas internacionais de trabalho, deve ser aprofundado e revisto através de estímulos adicionais. Para esse efeito, deveriam ser realizados estudos de viabilidade urgentemente necessários.

3.3.1.5. A iniciativa "Everything But Arms" adoptada pelo Conselho da UE, que consiste em suprimir imediatamente as taxas aduaneiras e as restrições quantitativas à importação para os 49 países menos desenvolvidos, é saudada pelo Comité como uma importante demonstração de boa vontade para com os países em desenvolvimento. Tais iniciativas devem ser ainda mais desenvolvidas no futuro e articuladas com o respeito pelas convenções fundamentais da OIT.

3.3.1.6. Na próxima ronda da OMC deverão ser objecto de negociação com os países em desenvolvimento ainda outros temas, que poderão ajudar esses países a melhorar a sua situação económica e social, nomeadamente:

- a renegociação do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (TRIPS);

- melhoria do acesso ao mercado para as exportações dos países em desenvolvimento;

- isenções por categoria, cumpridos alguns requisitos objectivos, para os países em desenvolvimento de certas obrigações de liberalização no quadro da OMC, de modo a ter em conta o diferente grau de desenvolvimento;

- apoio aos países em desenvolvimento através do procedimento de resolução de litígios no tocante ao comércio.

O Comité irá mais longe nestas recomendações num parecer que está a elaborar sobre "A Preparação da 4.a Conferência Ministerial da OMC no Catar - A posição do CES".

3.3.2. Visto no seu conjunto, um tal pacote de negociações deixa claro que o tema das normas fundamentais de trabalho não é nem pode ser interpretado pelos países em desenvolvimento como uma política proteccionista dos países mais industrializados. Se a União Europeia pretende que o cumprimento dessas normas seja um ponto central da sua agenda política, deve naturalmente preconizar e aplicar ela mesma uma política baseada nesses princípios, nomeadamente nas suas relações externas.

3.3.3. Esta responsabilidade social cabe a todas as organizações internacionais, tais como a OIT, o Banco Mundial, o FMI, a OMC, a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (CNUCED) e outras, que influenciam directamente a política dos países em desenvolvimento. Nas últimas três décadas, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, através de empréstimos, de apoio aos investimentos directos e do perdão de dívidas aos países pobres e necessitados de reformas, introduziram uma orientação primordialmente para a oferta na economia dos países em desenvolvimento, acompanhada por uma correspondente política salarial, fiscal e financeira restritiva que deveria permitir a redução da inflação e dos défices comerciais. Esperava-se que os programas de reforma estrutural, isto é, a privatização do sector público e a liberalização dos mercados de bens e de factores, beneficiassem o comércio livre e aumentassem a eficiência do mercado. O resultado, porém, foi limitado, com um crescimento fraco (e por vezes negativo) da economia e do emprego, um maior endividamento dos países em desenvolvimento e o aumento das diferenças de rendimentos e da pobreza. Tal deveu-se igualmente a um esforço insuficiente no sentido de acompanhar essas medidas com o necessário aumento da capacidade governativa desses países. Para permitir o crescimento económico sustentável dos países em desenvolvimento após estas experiências negativas, os programas de reforma estrutural das instituições financeiras internacionais deverão ser acrescidos de uma "dimensão social", único modo de respeitar a situação social nacional, e dever-se-á insistir numa governação eficaz nesses países. O que implica medidas de apoio dos países industrializados aos programas de redução da dívida.

3.3.4. No que respeita à sociedade civil, o empenho da União Europeia numa agenda social deverá ser o ponto de partida para a inclusão das normas mínimas de trabalho nas negociações para um sistema de comércio internacional renovado. Para poderem introduzir essas normas mínimas, os países em desenvolvimento deveriam receber assistência tanto técnica como financeira, assim como beneficiar de prazos de transição adequados. Neste sentido, um importante auxílio técnico poderia ser prestado por comités consultivos mistos para acordos de comércio livre da UE ou por outras organizações. A nível mundial há já uma série de tais comités consultivos mistos, como por exemplo os encontros dos meios económicos e sociais ACP-UE, as Cimeiras Euromediterrânicas dos Conselhos Económicos e Sociais e Instituições Similares, reuniões regulares com o Fórum Económico e Social do Mercosul e com o Conselho do Diálogo Social do Chile, etc. O mesmo se aplica às relações com a Índia e com alguns dos países candidatos.

3.4. Qual a melhor forma de o sistema internacional promover a aplicação universal de normas mínimas de trabalho, incluindo a ligação positiva com a liberalização do comércio e do investimento?

3.4.1. A consagração dos padrões laborais fundamentais enquanto princípio de precaução poderia fazer-se através de uma declaração conjunta de um número tão elevado quanto possível de membros da OIT/OMC.

3.4.2. Para tal, impõe-se uma análise das relações entre as medidas comerciais, a liberalização do comércio e os padrões laborais fundamentais, conforme proposto nas conclusões do Conselho Europeu de Outubro de 1999, através de um fórum permanente entre a OIT e a OMC. No entender do CES, para que este fórum seja verdadeiramente representativo será necessário alargá-lo de forma a incorporar instituições internacionais para o desenvolvimento e ou financeiras como o Banco Mundial ou o FMI. Do mesmo modo, os trabalhos desse fórum permanente deveriam contar igualmente com a participação de parceiros sociais internacionais e de outros elementos da sociedade civil.

3.4.3. Esse fórum permanente seria incumbido de examinar a ligação entre a liberalização do comércio e o desenvolvimento social, a fim de identificar as melhores práticas e chegar a acordo quanto à forma de promover um sistema de comércio defensor do desenvolvimento social.

4. Organização e seguimento do trabalho do subcomité

4.1. Dada a dimensão internacional do tema e a necessidade de encetar um diálogo com os representantes de países terceiros, tem-se trabalhado em ligação com os diversos grupos do CES que mantêm relações regulares com esses representantes:

4.1.1. A Parceria Euromediterrânica: foi elaborado um relatório de informação do CES sobre "Comércio internacional e desenvolvimento social" e organizada uma audição da sociedade civil organizada egípcia em Alexandria, em 5 de Maio de 2001;

4.1.2. As relações ACP-UE: o CES e os representantes dos países ACP estão a elaborar uma contribuição temática sobre "Comércio equilibrado e desenvolvimento económico e social"; foi organizada uma audição dos grupos de interesses económicos e sociais de 15 países das Caraíbas em Santo Domingo, em 22 e 23 de Maio de 2001;

4.1.3. A Associação Internacional dos Conselhos Económicos e Sociais e Instituições Similares, composta de cerca de 40 organizações de várias partes do mundo: o tema a analisar este ano é "Dominar a globalização - uma necessidade para os mais fracos", sobre o qual adoptou um relatório de informação (CES 326/2001 final rev.);

4.1.4. Foram organizadas várias audições em relação com o parecer, designadamente a que teve lugar em Genebra, na sede da OIT, com a participação de sindicatos e de representantes dos empregadores de África, da Ásia e da América Latina.

4.2. Propõe-se que o presente parecer seja apresentado em diversos fóruns relacionados com a aplicação da estratégia global para os direitos humanos no trabalho e que se continue o diálogo iniciado sobre esta matéria com os representantes de países terceiros.

4.3. A Mesa do Comité propôs a organização de uma conferência final em Bruxelas para divulgar os trabalhos do Comité sobre a matéria.

Bruxelas, 11 de Julho de 2001.

O Presidente

do Comité Económico e Social

Göke Frerichs

(1) Sengenberger, Werner, "Globale Trends bei Arbeit, Beschäftigung und Einkommen - Herausforderungen für die soziale Entwicklung", OIT, Genebra, 2001.

(2) Sengenberger, Werner, "Globale Trends bei Arbeit, Beschäftigung und Einkommen - Herausforderungen für die soziale Entwicklung", OIT, Genebra, 2001.

(3) Relatório da OIT sobre o emprego no mundo em 2001, "Trabalho na economia da informação", Genebra 2001.

(4) IDE: Investimento Directo Estrangeiro.

(5) A supressão do trabalho infantil passa pela definição de actividades exploratórias concretas, como por exemplo a escravatura infantil em certos Estados africanos.

(6) Relatório global no quadro das medidas de acompanhamento da Declaração da OIT, Genebra, 2000.

ANEXO

ao parecer do Comité Económico e Social

Proposta de alteração rejeitada

Durante o debate, a seguinte proposta de alteração, que recolheu mais de 25 % dos votos expressos, foi rejeitada:

Ponto 3.3.4

Alterar a primeira frase da seguinte forma:

"(...) deverá ser o ponto de partida para a promoção a nível internacional da aplicação universal de normas mínimas de trabalho. (...)".

Justificação

Evidente.

Resultado da votação

Votos a favor: 47, votos contra: 85, abstenções: 4