52001DC0506

Relatório da Comissão- Terceiro relatório da Comissão sobre a cidadania da União /* COM/2001/0506 final */


RELATÓRIO DA COMISSÃO - Terceiro relatório da Comissão sobre a cidadania da União

Síntese

O presente relatório incide essencialmente sobre os direitos previstos na segunda parte do Tratado CE. Integra no entanto alguns progressos realizados em domínios estreitamente relacionados com a cidadania em sentido lato, tais como a protecção dos direitos fundamentais, incluindo a luta contra a discriminação ilegal.

Neste contexto, existem dois textos que merecem especial atenção: a proposta de directiva relativa ao direito à livre circulação e residência dos cidadãos da União e membros das suas famílias no território dos Estados-Membros e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

A proposta de directiva sobre o direito de residência

A proposta de directiva relativa ao direito à livre circulação e residência dos cidadãos da União e membros das suas famílias no território dos Estados-Membros, adoptada pela Comissão em 23 de Maio de 2001, inscreve-se no quadro jurídico e político criado pela instauração da cidadania da União. Tem por objectivo, nomeadamente, substituir os diferentes instrumentos legislativos em vigor neste domínio por um único instrumento legislativo, flexibilizar e simplificar as condições e formalidades relacionadas com o exercício deste direito e clarificar os limites aplicáveis a esses direitos por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública.

A grande novidade da proposta reside no facto de os cidadãos adquirirem um direito de residência permanente no Estado-Membro de acolhimento após quatro anos de residência ininterrupta. Uma vez adquirido, esse direito deixa de estar sujeito a quaisquer condições.

A proposta de directiva flexibiliza e simplifica consideravelmente as condições e as formalidades relacionadas com o exercício deste direito. Por outro lado, circunscreve e clarifica a possibilidade de recusar ou de pôr termo ao direito de residência por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública.

Assim, a proposta de directiva dá resposta aos principais problemas e entraves ao exercício do direito à livre circulação que a Comissão tem vindo a detectar.

A Carta dos Direitos Fundamentais

Em 3 e 4 de Junho de 1999, em Colónia, os Chefes de Estado e de Governo chegaram a acordo sobre a necessidade de elaborar uma Carta dos Direitos Fundamentais na qual fiquem consignados, com toda a evidência, a importância primordial de tais direitos e o seu alcance para os cidadãos da União.

Para levar a cabo essa missão, o Conselho Europeu decidiu constituir uma instância ad hoc (que passou a designar-se por Convenção), composta por representantes do Parlamento Europeu, dos parlamentos nacionais, dos governos nacionais e da Comissão.

Entre 17 de Dezembro de 1999 (data da sua primeira reunião) e 2 de Outubro de 2000 (data em que o texto foi apresentado ao Conselho Europeu de Biarritz), a Convenção realizou um trabalho notável, tendo conseguido reunir um amplo consenso sobre um projecto de Carta que, embora ambicioso e inovador, não deixava de ser pragmático.

A Carta foi proclamada em Nice pelas três instituições. Não foi integrada nos Tratados, devendo, no entanto, a sua natureza jurídica ser analisada na sequência do debate público lançado para preparar a Conferência Intergovernamental de 2004.

A Carta reúne pela primeira vez num só texto todos os direitos individuais: os direitos civis e políticos, os direitos económicos e sociais e os direitos dos cidadãos da União Europeia. É constituída por 54 artigos, precedidos de um Preâmbulo. Além das disposições gerais que figuram no final do texto (artigos 51º a 54º), os artigos são agrupados em torno de seis valores fundamentais: dignidade (artigos 1º a 5º), liberdades (artigos 6º a 19º); igualdade (artigos 20º a 26º) ; solidariedade (artigos 27º a 38º), cidadania (artigos 39º a 46º) e justiça (artigos 47º a 50º).

Importa salientar que, nos termos do artigo 51º da Carta, as suas disposições têm por destinatários as instituições e órgãos da União, bem como os Estados-Membros, apenas quando apliquem o direito da União.

O Capítulo V da Carta relativo à cidadania agrupa os direitos que figuram na segunda parte do Tratado CE: direito de eleger e de ser eleito nas eleições para o Parlamento Europeu (artigo 39º), direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais (artigo 40º), direito de apresentar petições ao Provedor de Justiça (artigo 43º), direito de petição ao Parlamento Europeu (artigo 44º), liberdade de circulação e de permanência (artigo 45º), protecção diplomática e consular (artigo 46º). O Capítulo V da Carta retoma igualmente o direito de acesso aos documentos (artigo 42º), que figura no artigo 255º do Tratado e, consciente do impacto crescente de um procedimento administrativo equitativo para a salvaguarda dos direitos e interesses das pessoas, o direito a uma boa administração (artigo 41º), o que constitui uma inovação da Carta e se baseia nos princípios estabelecidos na matéria por uma abundante jurisprudência do Tribunal de Justiça.

Direito de eleger e de ser eleito nas eleições para o Parlamento Europeu e nas eleições municipais

A Comissão constata que a taxa de participação dos cidadãos da União nos respectivos Estados-Membros de residência nas eleições para o Parlamento Europeu de Junho de 1999 foi muito baixa (9%), embora tenha sido superior à de 1994 e registe um aumento em todos os Estados-Membros, com excepção da Alemanha.

A Comissão incita todos os Estados-Membros a instaurar um sistema de contacto directo e pessoal com os eleitores comunitários e a seguir outras pistas, tais como a distribuição de formulários de pedido de inscrição por ocasião de qualquer contacto com as autoridades locais ou nacionais.

No que respeita às eleições municipais, a Comissão elaborará um relatório antes de Março de 2002 que dará conta da aplicação da directiva e da evolução do eleitorado após a sua entrada em vigor.

Direito à protecção diplomática e consular

As decisões adoptadas pelos representantes dos governos dos Estados-Membros para pôr em prática este direito ainda não entraram em vigor, uma vez que nem todos os Estados-Membros adoptaram no seu ordenamento jurídico interno os procedimentos necessários para a sua aplicação.

Não obstante, na prática, tudo indica que todos os Estados-Membros tomaram medidas para garantir que os cidadãos da União beneficiam de protecção diplomática e consular nos países terceiros onde o seu Estado de origem não se encontre representado.

Direito de petição ao Parlamento Europeu e direito de recorrer ao Provedor de Justiça

O número de petições apresentadas ao Parlamento tende a diminuir ligeiramente (3274 durante o período de 1997-2000, contra 3628 no período de 1994-1997), embora permaneça bastante elevado.

O grande número de petições declaradas inadmissíveis revela que os cidadãos não têm uma visão clara das competências da União e dos direitos conferidos pela cidadania da União.

O número de queixas apresentadas ao Provedor de Justiça não parou de aumentar durante os anos de 1997 a 1999 (1181 queixas em 1997, 1372 em 1998 e 1577 em 1999). Há que ter em conta, contudo, o número considerável de queixas declaradas inadmissíveis (73% em 1997, 69% em 1998 e 73% em 1999) por não se integrarem dentro do âmbito do mandato do Provedor de Justiça europeu.

Medidas de luta contra o racismo

O ano de 1997 foi declarado Ano Europeu contra o Racismo. Esse ano europeu proporcionou o lançamento de iniciativas e a realização de progressos significativos em matéria de luta contra o racismo. Entre essas iniciativas há que salientar o plano de acção contra o racismo, a criação de uma rede europeia contra o racismo e a criação de um Observatório do racismo e da xenofobia. O racismo representa um perigo para as sociedades europeias e as instituições europeias têm um papel importante a desempenhar na luta contra este flagelo.

Medidas antidiscriminação

A Comissão adoptou vários instrumentos de aplicação do artigo 13º do TCE. A Directiva 2000/43/CE destina-se a proibir em todos os Estados-Membros qualquer discriminação em razão da raça ou origem étnica em domínios como o emprego, a educação, a segurança social, os cuidados de saúde ou o acesso aos bens e serviços. A Directiva 2000/78/CE tem por objectivo estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à actividade profissional. Por último, a Decisão 2000/750/CE estabelece um programa de acção comunitário de luta contra a discriminação.

Estes diplomas demonstram a ambição da Comunidade de promover uma sociedade mais justa e adoptam uma abordagem pragmática, ao incidirem sobre os principais domínios onde são praticadas discriminações.

Informação dos cidadãos

O presente relatório insiste várias vezes na necessidade de informar melhor os cidadãos sobre os seus direitos.

Durante os últimos anos, foram tomadas iniciativas significativas, nomeadamente o lançamento do "Diálogo com o cidadão e as empresas" e a criação de "Europe Direct" (Europa em Directo) e de "Citizens Signpost Service" (Serviço de Orientação dos Cidadãos).

1. INTRODUÇÃO

2. A CIDADANIA DA UNIÃO

3. DIREITOS CONFERIDOS PELA CIDADANIA DA UNIÃO

3.1. O direito de circular e de residir livremente

3.1.1. Proposta de directiva relativa ao direito à livre circulação e residência

3.1.2. Aplicação das directivas sobre o direito de residência das pessoas inactivas, dos reformados e dos estudantes

3.1.3. Comunicação da Comissão sobre medidas especiais justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública

3.1.4. Mobilidade para fins de educação, formação e investigação

3.2. O direito de eleger e de ser eleito no Estado-Membro de residência

3.2.1. Eleições municipais

3.2.2. Eleições para o Parlamento Europeu

3.3. Direito a protecção diplomática e consular

3.4. Direito de petição

3.5. O Provedor de Justiça europeu

4. DIREITOS FUNDAMENTAIS

4.1. Carta dos Direitos Fundamentais da União

4.1.1. O método convencional

4.1.2. Conteúdo da Carta

4.1.3. Evolução futura da Carta

4.2. Instrumentos jurídicos antidiscriminação

4.3. Programa Daphne

4.4. Medidas de luta contra o racismo

5. A INFORMAÇÃO DOS CIDADÃOS DA UNIÃO

1. Introdução

Nos termos do artigo 22º do Tratado CE, a Comissão apresentará ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social, de três em três anos, um relatório sobre a aplicação das disposições da presente parte [do Tratado] . Esse relatório terá em conta o desenvolvimento da União.

Foram já adoptados dois relatórios em aplicação desta disposição. O primeiro relatório [1] abrangia o ano de 1993 e o segundo [2] o período de 1994 a 1996.

[1] Documento COM(93) 702 final.

[2] Documento COM(97) 230 final.

O terceiro relatório sobre a cidadania da União deveria, por conseguinte, abranger os anos de 1997, 1998 e 1999. A Comissão considera, contudo, que este terceiro relatório não pode deixar de contemplar dois acontecimentos significativos em matéria de cidadania: a proclamação da Carta dos Direitos Fundamentais (Conselho Europeu de Nice, de Dezembro de 2000) e a adopção, pela Comissão, da proposta de directiva [3] relativa ao direito à livre circulação e residência dos cidadãos da União e membros das suas famílias no território dos Estados-Membros ("reformulação" do direito de residência).

[3] Documento COM(2001) 257 final.

Assim, este terceiro relatório abrangerá um período mais longo, que incluirá a data de adopção, pela Comissão, da sua proposta de reformulação do direito de residência.

Em conformidade com o artigo 22º do Tratado CE, o presente relatório incidirá sobre a aplicação das disposições da segunda parte do Tratado CE, intitulada precisamente "A cidadania da União". O relatório examinará, por conseguinte, o alcance da cidadania da União, a liberdade de circulação e de residência no território dos Estados-Membros, o direito de eleger e de ser eleito no Estado-Membro de residência nas eleições municipais e para o Parlamento Europeu, a protecção diplomática e consular, bem como os direitos de petição junto do Parlamento Europeu e de queixa perante o Provedor de Justiça.

Contudo, nos termos do nº 2 do artigo 17º do TCE, os cidadãos da União gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres previstos no presente Tratado. Assim, os direitos que figuram na segunda parte do Tratado, intitulada "A cidadania da União", constituem o núcleo duro dos direitos conferidos no âmbito da cidadania, mas não esgotam o seu conteúdo. O Tratado CE confere aos cidadãos da União outros direitos, que figuram noutras partes dos Tratados, tais como a proibição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade (artigo 12º).

Justifica-se, por conseguinte, que este terceiro relatório sobre a cidadania da União extravase os direitos específicos que figuram na segunda parte do Tratado CE e aborde igualmente uma série de questões claramente relacionadas com a cidadania da União, nomeadamente a luta contra qualquer forma de discriminação e, em termos mais gerais, a protecção dos direitos fundamentais na União.

2. A cidadania da União

O termo "cidadania" é difícil de definir, nomeadamente nas suas acepções mais ou menos sinonímicas com a noção de "nacionalidade" ou mesmo de "identidade". Se se pode afirmar, citando Condorcet, que ninguém nasce cidadão: é a instrução que faz o cidadão, o Tratado CE atribuiu uma génese mais prosaica à cidadania da União: é cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-Membro. A cidadania da União é, por conseguinte, tal como foi salientado pelos comentadores, uma cidadania de "sobreposição", que vem acrescentar-se à cidadania nacional e, eventualmente, regional e local, num quadro de cidadania a vários níveis. Este aspecto foi clarificado pelo Tratado de Amesterdão, que acrescentou ao nº 1 do artigo 17º a seguinte frase: a cidadania da União é complementar da cidadania nacional e não a substitui.

A Comissão constata que a relação entre a cidadania de um Estado-Membro e a cidadania da União nem sempre é correctamente entendida pelos cidadãos [4].

[4] A Comissão recebe um número considerável de cartas pedindo informações sobre o procedimento a seguir para obter a cidadania da União sem passar pela cidadania de um Estado-Membro. Ver também a declaração do Senhor Emil Scuka, Presidente da União internacional do povo cigano, proferida derante uma conferência de imprensa no Senado italiano, em 4 de Dezembro de 2000: "Para os ciganos da Europa, a única cidadania verdadeiramente adequada é a cidadania europeia" (citação extraída de um comunicado de imprensa da Agência France Presse, de 4 de Dezembro de 2000).

Não é por conseguinte inútil especificar o seguinte:

- cabe a cada Estado-Membro definir as condições de aquisição e de perda da respectiva nacionalidade. A Declaração n° 2 anexa ao Tratado de Maastricht (que instituiu a cidadania da União) é bastante clara a este respeito: sempre que no Tratado que institui a Comunidade Europeia é feita referência aos nacionais dos Estados-Membros, a questão de saber se uma pessoa tem a nacionalidade de determinado Estado-Membro é exclusivamente regida pelo direito nacional desse Estado-Membro;

- não existe nenhuma forma autónoma de aquisição de cidadania da União. Ter a nacionalidade de um Estado-Membro é a única forma de adquirir a cidadania da União. Em contrapartida, os Estados-Membros não podem ignorar a qualidade de cidadão da União, mesmo que a pessoa em questão tenha também a nacionalidade de um país terceiro [5].

[5] Processo C-369/90, Micheletti, Acórdão de 7.7.1992, Colectânea de Jurisprudência de 1992, p. I-4239.

A cidadania da União é simultaneamente fonte de legitimação do processo de integração europeia, devido ao reforço da participação dos cidadãos, e um elemento fundamental para a criação de um sentimento de pertença dos cidadãos à União Europeia, de uma verdadeira identidade europeia.

Na avaliação do alcance da cidadania da União, é necessário evitar qualquer tentativa de paralelismo com a cidadania nacional. Tanto pela sua génese, como pelos direitos e deveres que lhe são inerentes, a cidadania da União é uma cidadania sui generis, não comparável com a cidadania nacional de um Estado-Membro.

Nesta nova cidadania múltipla, a vários níveis, a cidadania da União desempenha um papel complementar em relação à cidadania nacional, sem a substituir.

3. Direitos conferidos pela cidadania da União

3.1. O direito de circular e de residir livremente

3.1.1. Proposta de directiva relativa ao direito à livre circulação e residência

O artigo 18º do Tratado CE confere a qualquer cidadão da União o direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros. Integrado na segunda parte do Tratado, este direito apresenta-se como um direito fundamental e pessoal.

Tal como salientava o segundo relatório sobre a cidadania da União, o direito de circulação e de residência dos cidadãos da União é regido por um dispositivo legislativo complexo, composto por dois regulamentos (um dos quais da Comissão) e nove directivas. Esses textos, que assentam em diversas bases jurídicas do Tratado CE, abrangem categorias diferentes de beneficiários e prevêem por vezes direitos específicos reservados à categoria em que se insere o beneficiário.

A necessidade de reformular estes instrumentos legislativos à luz da cidadania da União foi identificada pela Comissão [6], confirmada pelo Conselho Europeu de Bruxelles em Dezembro de 1993 [7] e reafirmada pelo Conselho Europeu de Nice [8].

[6] Relatório da Comissão ao Conselho Europeu sobre a adaptação da legislação em vigor ao princípio da subsidiariedade: COM(93) 545 final, de 24.11.1993.

[7] Conclusões do Conselho - Boletim CE n° 12, 1993, p. 14, ponto I.14.

[8] Conclusões do Conselho, Anexo I, ponto I, alínea h), terceiro travessão.

As dificuldades suscitadas por este trabalho de reformulação são conhecidas e foram especificadas no segundo relatório sobre a cidadania da União [9].

[9] Ver ponto 4.3, pp. 17-18.

Em 23 de Maio de 2001, a Comissão adoptou uma proposta de directiva relativa ao direito à livre circulação e residência dos cidadãos da União e membros da sua família no território dos Estados-Membros [10]. Este texto tem por base jurídica o artigo 12º, o nº 2 do artigo 18º e os artigos 40º, 44º e 52º do Tratado [11].

[10] Documento COM(2001) 257.

[11] Foi necessário, para manter os direitos específicos que são previstos para esta categoria de pessoas, recorrer às bases jurídicas específicas dos artigos 40º, 44º e 52º, que abrangem as pessoas que exercem uma actividade económica no Estado-Membro de acolhimento.

Esta proposta de directiva inscreve-se no contexto jurídico e político decorrente da instituição da cidadania da União e tem em conta os resultados do relatório do Grupo de alto nível sobre a livre circulação de pessoas, a comunicação da Comissão sobre o seguimento a dar às recomendações do Grupo de alto nível [12], o segundo relatório sobre a cidadania, as resoluções do Parlamento Europeu e a evolução da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

[12] Documento COM(1998) 403.

Os objectivos da proposta de directiva são os seguintes:

- substituir os diversos instrumentos legislativos em vigor por um único instrumento legislativo;

- flexibilizar as condições e formalidades relacionadas com o exercício do direito à livre circulação e residência nos Estados-Membros por parte dos cidadãos da União;

- introduzir o direito de residência permanente;

- simplificar o direito de livre circulação e de residência dos membros da família;

- clarificar e circunscrever a possibilidade de limitar estes direitos por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública.

A proposta de directiva é aplicável a todas as categorias de beneficiários do direito de residência: trabalhadores assalariados e não assalariados, estudantes, pessoas inactivas e reformados.

A proposta reduz ao estritamente necessário as condições e formalidades administrativas relacionadas com o exercício do direito de residência. Para estadias inferiores a seis meses, basta possuir um bilhete de identidade e, para estadias de duração superior a seis meses, o cidadão da União deverá garantir ao Estado-Membro de acolhimento, através de uma simples declaração, que exerce uma actividade económica ou que dispõe de recursos suficientes e de um seguro de doença. Para um primeiro período de permanência não superior a quatro anos, é suprimido o cartão de residência para os cidadãos da União, sendo substituído pelo registo junto dos serviços de registo da população do local de residência.

A grande novidade da proposta reside no facto de o cidadão adquirir um direito de residência permanente no Estado-Membro de acolhimento após quatro anos de residência ininterrupta. Uma vez adquirido, este direito deixa de estar sujeito a quaisquer condições e é certificado por um documento previsto para o efeito.

A proposta facilita igualmente o exercício do direito de livre circulação e de residência dos membros da família. Os membros da família nacionais de países terceiros beneficiam também de uma maior protecção jurídica, especialmente em caso de falecimento do cidadão da União de que dependem ou em caso de dissolução do matrimónio, sob determinadas condições.

Por último, a proposta reduz ainda mais a possibilidade de recusar ou de pôr termo à residência por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública e garante aos cidadãos da União uma melhor protecção, tanto a nível administrativo como judicial, face a decisões que limitem o seu direito de residência. A proposta confere mesmo uma protecção completa aos menores e às pessoas que tenham adquirido um direito de residência permanente, que deixam de poder ser expulsas por razões de ordem pública. A proposta integra e substitui, a este respeito, as disposições da Directiva 64/221/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estadia justificadas por razões de ordem publica, segurança pública e saúde pública [13].

[13] JO 56 de 4.4.1964, p. 850/64. Última versão alterada pela Directiva 75/35/CEE (JO L 14 de 20.1.1975 p. 14).

3.1.2. Aplicação das directivas sobre o direito de residência das pessoas inactivas, dos reformados e dos estudantes

Em 17 de Março de 1999, a Comissão adoptou um relatório [14] sobre a aplicação das Directivas 90/364/CEE [15] (direito de residência das pessoas inactivas), 90/365/CEE [16] (direito de residência dos reformados) e 93/96 [17] (direito de residência dos estudantes).

[14] COM(1999)127 final.

[15] JO L 180 de 13.7.1990, p. 26.

[16] JO L 180 de 13.7.1990, p. 28.

[17] JO L 317 de 18.12.1993, p. 59. A Directiva 93/96 foi adoptada na sequência da anulação pelo Tribunal de Justiça da Directiva 90/366.

A transposição das directivas pelos Estados-Membros registou um certo atraso na maioria dos Estados-Membros: só três Estados-Membros transpuseram as referidas directivas dentro do prazo previsto (30 de Junho de 1992). O Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 20 de Março de 1997 [18], condenou a Alemanha por não ter adoptado no prazo estabelecido as disposições necessárias para transpor para o direito nacional as Directivas 90/364 e 90/365.

[18] Processo C-96/95, Comissão / Alemanha, Col. 1997, I-1653.

O conteúdo da legislação de transposição também deixou a desejar, uma vez que a Comissão teve de dar início a processos de infracção por transposição incorrecta contra 14 Estados-Membros, embora a maior parte dos processos tenham sido arquivados, a um ritmo variável, graças às alterações legislativas introduzidas pelos Estados-Membros. A Comissão teve contudo de recorrer ao Tribunal de Justiça contra a Itália. No seu acórdão de 25 de Maio de 2000 [19], o Tribunal de Justiça declarou que a Itália, ao limitar os meios de prova que podem ser apresentados e ao impor, nomeadamente, que determinados documentos sejam emitidos ou visados pelas autoridades de um dos Estados-Membros, bem como ao exigir dos estudantes a garantia de que dispõem de um rendimento de um nível determinado, ao não lhes permitir claramente escolher entre uma declaração e qualquer outro meio pelo menos equivalente, e, por último, ao não autorizar a utilização de uma declaração quando os interessados estão acompanhados de membros da sua família, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das Directivas 90/364, 90/365 e 93/96.

[19] Processo C-424/98, Comissão / Itália, Col. 2000, I-4001.

Os Estados-Membros acabaram por reconhecer o fundamento dos argumentos da Comissão e alteraram as suas medidas de transposição em conformidade. Contudo, os processos de infracção desenrolaram-se a um ritmo relativamente lento, o que deu origem a que, durante um período relativamente longo, vários cidadãos da União se vissem privados, por motivos de transposição incorrecta das directivas, de alguns dos seus direitos ou confrontados com dificuldades administrativas injustificadas.

A Comissão considera que é necessário:

* melhorar o trabalho de informação dos cidadãos sobre o alcance dos direitos em matéria de livre circulação;

* continuar a garantir firmemente o respeito do direito comunitário em vigor, assegurando, em especial, um seguimento vigilante das práticas administrativas dos Estados-Membros;

* tornar mais legível o direito comunitário em matéria de livre circulação das pessoas e reorganizá-lo em torno da noção de cidadania. A Comissão deu seguimento a esta necessidade mediante a adopção, em 23 de Maio de 2001, da proposta de directiva relativa ao direito à livre circulação e residência dos cidadãos da União no território dos Estados-Membros (ver ponto 3.1.1. supra).

3.1.3. Comunicação da Comissão sobre medidas especiais justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública [20]

[20] COM(1999)372 final de 19.7.1999.

O direito à livre circulação dos cidadãos da União, direito fundamental e pessoal conferido à margem de qualquer contexto económico, está sujeito aos limites e condições previstos no Tratado e nas disposições adoptadas com vista à sua aplicação.

Concretamente, o nº 3 do artigo 39º, o nº 1 do artigo 46º e o artigo 55º do Tratado CE permitem aos Estados-Membros limitar a livre circulação das pessoas por razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública. Estas medidas devem respeitar as disposições da Directiva 64/221/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964 [21].

[21] JO 56 de 4.4.1964, p. 850.

A Comissão, após ter constatado que esta directiva tem sido frequentemente interpretada pelo Tribunal de Justiça ao longo dos anos, que a introdução da cidadania da União altera o contexto em que se inscreve a interpretação da directiva e tendo em conta os ensinamentos extraídos das numerosas denúncias de cidadãos relativas à sua aplicação, decidiu adoptar uma comunicação destinada a chamar a atenção para as principais dificuldades levantadas pela aplicação da referida directiva e a propor algumas orientações quanto à forma de resolver essas dificuldades.

No final da sua comunicação, a Comissão conclui que:

* A aplicabilidade das disposições nacionais justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública é consagrada no Tratado que institui a Comunidade Europeia e garante aos Estados-Membros determinados poderes discricionários.

* A aplicação da definição nacional e dos critérios nacionais a quaisquer medidas adoptadas por razões de ordem pública ou de segurança pública continua, contudo, a estar sujeita ao respeito do direito comunitário. Mais concretamente, o direito pessoal e fundamental de livre circulação dos cidadãos da União deveria, juntamente com o princípio da proporcionalidade e o respeito dos direitos fundamentais, orientar as autoridades nacionais quando adoptam decisões referentes a uma medida de afastamento do território nacional.

* Qualquer medida adoptada por razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública deve ser convenientemente justificada por uma ameaça verdadeira e suficientemente grave que afecte um interesse fundamental da sociedade e deve respeitar os direitos fundamentais do interessado, tal como garantidos no ordenamento jurídico comunitário.

* Qualquer garantia de natureza administrativa e jurisdicional prevista na Directiva 64/221/CEE, de acordo com a interpretação do Tribunal de Justiça, deve ser estritamente respeitada, incluindo o direito de ser informado das razões de qualquer medida adoptada, bem como das respectivas consequências, e o direito de reexame do caso.

* Importa salientar a importância de uma apreciação global da situação pessoal (familiar, social e cultural) antes da adopção de uma medida de afastamento do território nacional relativamente a um cidadão da União ou a um membro da sua família, independentemente da sua nacionalidade. Esta apreciação deve ser feita caso a caso, sem que possam ser invocadas razões de prevenção geral. As condenações penais anteriores constituem apenas um dos elementos a ter em conta nesta apreciação global e não justificam, por si só, a adopção de qualquer medida por razões de ordem pública ou de segurança pública.

* Deve ser dada especial atenção à preservação dos direitos, incluindo a protecção da vida familiar, dos cidadãos da União que sejam residentes de longa duração ou menores, bem como dos direitos do grupo de beneficiários mais vulnerável, ou seja, os nacionais de países terceiros que são membros da família de um cidadão da União.

3.1.4. Mobilidade para fins de educação, formação e investigação

Existem dois instrumentos que contemplam as questões de mobilidade nos domínios da educação, da formação e da investigação:

- a Recomendação do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à mobilidade na Comunidade de estudantes, formandos, jovens voluntários, docentes e formadores, adoptada em 25 de Junho de 2001;

- o Plano de Acção para a Mobilidade (PAM), iniciativa da Presidência Francesa em colaboração com a Comissão Europeia, na sequência do mandato do Conselho Europeu de Lisboa, adoptado sob forma de resolução pelo Conselho em 14 de Dezembro de 2000 e aprovado pelo Conselho Europeu de Nice.

A mobilidade das pessoas envolvidas numa actividade de formação, de ensino ou de voluntariado constitui uma dimensão cada vez mais importante da afirmação da cidadania europeia, bem como um instrumento de integração intercultural e social.

Baseada nos artigos 149º e 150º do Tratado, a Recomendação tem por objectivo suprimir os obstáculos importantes que ainda subsistem em matéria de livre circulação de estudantes, formandos, jovens voluntários, docentes e formadores. A proposta insta os Estados-Membros a adoptar estratégias com vista a integrar o aspecto da mobilidade transnacional nas suas políticas nacionais aplicadas aos grupos visados pela recomendação.

A recomendação e o Plano de Acção instam igualmente a Comissão a cooperar com os Estados-Membros no que se refere à troca de informações sobre as possibilidades de mobilidade transnacional para os grupos em causa, a fim de facilitar o acesso a tal mobilidade, nomeadamente através do desenvolvimento de um portal na Internet que permita ter facilmente acesso às diferentes fontes de informação sobre a mobilidade.

Por último, a recomendação e o Plano de Acção prevêem a elaboração de um relatório de acompanhamento a apresentar ao Parlamento e ao Conselho de dois em dois anos.

A Comissão está também a preparar a supressão dos obstáculos à mobilidade dos investigadores, de acordo com os objectivos fixados no Conselho Europeu de Lisboa de 23-24 de Março de 2000, no âmbito da criação de um Espaço Europeu de Investigação. Em Julho de 2000, a Comissão criou um Grupo de peritos de alto nível para a melhoria da mobilidade dos investigadores. Este grupo publicou um relatório com base no qual a Comissão adoptou uma Comunicação intitulada "Estratégia de Mobilidade no Espaço Europeu de Investigação" [22] em Junho de 2001, propondo um certo número de acções a lançar.

[22] Documento COM(2001) 331 final.

O direito de qualquer cidadão de circular e residir livremente no território dos Estados-Membros é o direito central da cidadania da União.

A manutenção da legislação anterior à instituição da cidadania da União, dispersa por muitos textos jurídicos sectoriais, constitui uma herança do passado à qual é necessário pôr termo.

A nova proposta de directiva sobre o direito de residência contribui para uma maior simplicidade e legibilidade, dando resposta aos principais problemas e obstáculos ao exercício deste direito, assinalados tanto na Comunicação sobre a aplicação das directivas "inactivos", "reformados" e "estudantes", como na Comunicação sobre as medidas adoptadas por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública.

O exercício deste direito fundamental da cidadania da União será, por conseguinte, facilitado e o direito comunitário será simplificado, dando assim resposta às recomendações do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu.

O alcance prático da cidadania da União ficará reforçado aos olhos de muitos nacionais dos Estados-Membros que exercem, por períodos mais ou menos longos, o direito à livre circulação

3.2. O direito de eleger e de ser eleito no Estado-Membro de residência

3.2.1. Eleições municipais

Nos termos do nº 1 do artigo 19º do Tratado CE, é garantido a qualquer cidadão da União residente num Estado-Membro que não seja o da sua nacionalidade o direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais do Estado-Membro de residência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado.

Em 19 de Dezembro de 1994, o Conselho adoptou a Directiva 94/80/CE [23] que estabelece as regras de exercício do direito de voto e de elegibilidade nas eleições autárquicas dos cidadãos da União residentes num Estado-Membro de que não tenham a nacionalidade [24].

[23] JO L 368 de 31.12.1994, p. 38.

[24] A respeito do conteúdo da Directiva, ver o segundo relatório sobre a cidadania, COM(97) 230 final, ponto 1.1.

A Directiva 94/80/CE já foi transposta em todos os Estados-Membros [25].

[25] O último Estado-Membro a transpô-la foi a Bélgica, que só o fez mediante a Lei de 27 de Janeiro de 1999. A Bélgica já tinha sido condenada pelo Tribunal de Justiça por não ter transposto esta Directiva (Processo C-323/97, Col. 1998 p. I-4281).

Aquando da análise da conformidade da legislação de transposição, a Comissão viu-se obrigada a dar início a vários processos de infracção por transposição incorrecta da directiva. Esses processos diziam essencialmente respeito às condições de inscrição nas listas eleitorais, bem como à exigência de conhecimento da língua nacional ou à indicação da nacionalidade dos candidatos não nacionais nos boletins de voto, por exemplo.

Na sequência das alterações introduzidas pelos Estados-Membros em causa, foi possível arquivar a maior parte dos processos. Estão ainda em curso quatro processos, relativos à Áustria, Portugal, França e Grécia [26], dos quais só o processo contra a Grécia se encontra em fase de contencioso.

[26] Portugal e a Áustria já manifestaram a intenção de alterar as respectivas legislações no sentido preconizado pela Comissão.

Nos termos do artigo 13º da Directiva, a Comissão deve apresentar ao Parlamento Europeu e ao Conselho um relatório sobre a aplicação da directiva - incluindo a evolução do eleitorado verificada desde a sua entrada em vigor - no prazo de um ano a contar da realização, em todos os Estados-Membros, de eleições autárquicas organizadas com base nas disposições da directiva. Uma vez que as últimas eleições se realizaram em França, em Março de 2001, o relatório em questão deverá ser adoptado até Março de 2002.

3.2.2. Eleições para o Parlamento Europeu

O direito de qualquer cidadão da União de eleger e de ser eleito nas eleições para o Parlamento Europeu no Estado-Membro de residência está consagrado no nº 2 do artigo 19º do Tratado CE e foi executado pela Directiva 93/109/CE do Conselho [27], de 6 de Dezembro de 1993, que estabelece o sistema de exercício do direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu dos cidadãos da União residentes num Estado-Membro de que não tenham a nacionalidade.

[27] JO L 329 de 30.12.1993, p. 34.

Embora a transposição da directiva pelos Estados-Membros tenha sido, em geral, satisfatória, em alguns casos foi necessário dar início a processos de infracção por transposição incorrecta.

Num único caso, foi necessário prosseguir o procedimento previsto no artigo 226º do Tratado até à fase do parecer fundamentado. Trata-se do processo iniciado contra a República Federal da Alemanha. A Comissão contestava a exigência, para os cidadãos da União, de solicitarem a sua inscrição nos cadernos eleitorais antes de cada escrutínio, uma vez que, nos termos do nº 4 do artigo 9º da directiva, os eleitores comunitários que tenham sido inscritos nos cadernos eleitorais mantêm a sua inscrição nas mesmas condições dos eleitores nacionais, até solicitarem a eliminação da respectiva inscrição. Este processo de infracção foi encerrado na sequência da alteração da legislação alemã de transposição da directiva.

A Directiva 93/109/CE foi pela primeira vez aplicada nas eleições para o Parlamento Europeu de Junho de 1994 [28]. A Comissão, em conformidade com o artigo 16º da Directiva 93/109/CE, apresentou um relatório ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a sua aplicação nas referidas eleições [29].

[28] Na Suécia, as primeiras eleições para o Parlamento Europeu realizaram-se em 17 de Dezembro de 1995, na Áustria em 13 de Outubro de 1996 e na Finlândia em 20 de Outubro de 1996.

[29] Documento COM(97) 731 final.

Em 18 de Dezembro de 2000, a Comissão adoptou uma comunicação sobre a aplicação da directiva nas eleições de Junho de 1999 [30], destinada a chamar a atenção para os principais problemas detectados e a divulgar e promover as boas práticas em vigor em alguns Estados-Membros, com vista a reforçar a participação dos cidadãos da União na vida política do Estado-Membro de residência.

[30] Documento COM(2000) 843 final.

Nessa comunicação, a Comissão refere que a taxa de participação dos cidadãos da União no seu Estado-Membro de residência foi bastante baixa (9%), embora tenha sido superior à taxa de 1994 (5,9%). A Comissão constata, contudo, que a taxa de participação tem vindo a aumentar em todos os Estados-Membros, com excepção da Alemanha. A Comissão salienta, a este respeito, que os dois países que acolhem o maior número de cidadãos da União nacionais de outro Estado-Membro (França e Alemanha [31]) têm uma taxa de inscrição muito reduzida, o que faz baixar a média da União, que seria de 17,3% se estes dois países não fossem tomados em consideração.

[31] A França e a Alemanha acolhem 63% dos cidadãos da União residentes num Estado-Membro de que não têm a nacionalidade. A taxa de participação foi de 4,9% em França e 2,1% na Alemanha.

A comunicação centra-se em dois pontos: por um lado, a informação dos cidadãos da União não nacionais sobre o direito de eleger e de ser eleito e as modalidades práticas do exercício desse direito e, por outro lado, o funcionamento do sistema de intercâmbio de informações destinado a evitar votos duplos.

No que respeita à informação dos cidadãos da União, a Comissão incentiva todos os Estados-Membros que ainda não o tenham feito a instaurar um sistema de contacto directo e pessoal por correio com os eleitores comunitários que residam no seu território [32]. Na medida do possível, os Estados-Membros deveriam facilitar a inscrição nos cadernos eleitorais mediante reenvio por correio do formulário adequado.

[32] Nas eleições de Junho de 1999, a taxa média de participação nos países que utilizaram este sistema de informação elevou-se a 23,5%.

A Comissão considera que devem ser exploradas outras pistas, nomeadamente a colocação à disposição dos cidadãos comunitários de formulários de pedido de inscrição nos cadernos eleitorais sempre que aqueles contactem as autoridades locais ou nacionais. De facto, todos os esforços devem concentrar-se, de aqui em diante, em incentivar e facilitar a inscrição nos cadernos eleitorais do Estado-Membro de residência, bem como na informação sobre a existência do direito de voto e de elegibilidade. Este trabalho de incentivo deve ser permanente, contrariamente às campanhas de informação tradicionais, que só são realizadas durante o período que precede cada acto eleitoral.

No que respeita ao sistema de intercâmbio de informações, a Comissão verifica que o seu funcionamento se revelou uma vez mais insatisfatório por duas razões: o incumprimento, por parte de alguns Estados-Membros, das disposições previstas para a realização do intercâmbio e as disposições de algumas legislações eleitorais dos Estados-Membros, em especial os diferentes prazos do encerramento dos cadernos eleitorais.

A Comissão, em colaboração com as autoridades competentes dos Estados-Membros, tenciona prosseguir os seus esforços para melhorar o exercício prático do intercâmbio no quadro legislativo actual.

A cidadania da União confere o direito de eleger e de ser eleito no Estado-Membro de residência nas eleições municipais e europeias.

Importa salientar que este direito abrange cinco milhões de pessoas, algumas das quais se encontravam privadas do direito de eleger e ser eleito no Estado-Membro de origem pelo facto de residirem no estrangeiro.

A Comissão constata o enorme défice de informação neste domínio. Os dados disponíveis demonstram, de facto, que sempre que é organizada uma campanha de informação directa e específica, a taxa de participação nas eleições no Estado-Membro de residência é muito superior à média na União.

A Comissão insta todos os Estados-Membros a instaurar um sistema de contacto directo e pessoal com os eleitores comunitários e defende a exploração de novas pistas, nomeadamente a colocação à disposição de informações pormenorizadas em todos os contactos com as administrações nacionais ou locais.

3.3. Direito a protecção diplomática e consular

O artigo 20º institui o direito à protecção por parte das autoridades diplomáticas e consulares de qualquer Estado-Membro nos países terceiros em que o Estado-Membro do cidadão não se encontre representado, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado. O mesmo artigo indica igualmente que os Estados-Membros estabelecem entre si as regras necessárias e encetam as negociações internacionais requeridas para garantir essa protecção.

O segundo relatório sobre a cidadania da União fazia referência à adopção, pelos representantes dos governos dos Estados-Membros reunidos em Conselho, de três decisões: a primeira diz respeito à protecção dos cidadãos da União Europeia por parte das representações diplomáticas e consulares [33], a segunda, às regras de execução a adoptar pelos funcionários consulares [34], e a terceira às regras de emissão de um título de viagem provisório [35].

[33] Decisão 95/553/CE, JO L 314 de 28.12.1995, p. 73.

[34] Não publicada no Jornal Oficial.

[35] Decisão 96/409/PESC, JO L 168 de 6.7.1996, p. 4.

Estas decisões só entrarão em vigor quando todos os Estados-Membros as tiverem transposto para o seu ordenamento jurídico interno, o que ainda não aconteceu.

Importa contudo assinalar que, na prática, todos os Estados-Membros adoptaram medidas para que as suas representações diplomáticas e consulares possam garantir aos cidadãos da União não representados num país terceiro a protecção e assistência adequadas em caso de falecimento, acidente ou doença graves, captura ou detenção, actos de violência de que possam ser vítimas, repatriamento e outros casos de pedido de assistência.

Os documentos destinados a pôr em prática este direito, que adquiriu na Carta dos Direitos Fundamentais da União o estatuto de direito fundamental [36], continuam a não produzir efeitos jurídicos devido ao facto de alguns Estados-Membros não terem adoptado as medidas legislativas necessárias a nível nacional.

[36] Artigo 46º da Carta dos Direitos Fundamentais da União, JO C 364 de 18.12.2000, p. 1.

3.4. Direito de petição

Nos termos do artigo 21º do Tratado CE, qualquer cidadão da União goza do direito de petição ao Parlamento Europeu, nos termos do disposto no artigo 194º. Os cidadãos são os principais beneficiários deste direito, embora o artigo 194º estenda esse direito a todas as pessoas singulares ou colectivas com residência ou sede estatutária num Estado-Membro. O objecto das petições deve inserir-se no âmbito das actividades da Comunidade e deve afectar directamente o autor da petição. Embora a comissão das petições aplique uma interpretação bastante lata quando decide se uma petição é admissível, muitas petições são declaradas inadmissíveis.

A petição é uma oportunidade importante para as pessoas apresentarem formalmente as suas preocupações às instituições comunitárias. Os peticionários podem igualmente chamar a atenção para os numerosos casos em que as diversas autoridades dos Estados-Membros ignoram o direito comunitário, para as deficiência na sua aplicação ou para a necessidade de revisão de determinados elementos de legislação comunitária.

Experiência adquirida nos anos parlamentares 1997/1998, 1998/1999 e 1999/2000 [37]

[37] Fonte: Relatórios sobre as deliberações da Comissão das Petições durante os anos parlamentares 1996-1997 (Documento A4-0190/97), 1997-1998 (Documento A4-0250/98), 1998-1999 (Documento A4-0117/99). Estes relatórios estão disponíveis no sítio do Parlamento Europeu (http://www.europarl.eu.int/committees/peti_home.htm).

Durante o período de 1997-2000, o Parlamento recebeu um fluxo constante de petições. O Parlamento Europeu recebeu 1311 petições durante o exercício parlamentar de 1997-1998, 1005 em 1998-1999 e 958 em 1999-2000. Mantém-se a tendência para um decréscimo do número de petições, já referida no segundo relatório, com excepção do ano 1997-1998, em que o número de petições foi superior ao do ano anterior.

Petições recebidas pelo Parlamento nos últimos dez anos

>POSIÇÃO NUMA TABELA>

Durante os três anos parlamentares em causa, a Comissão das Petições declarou admissíveis 1767 petições, num total de 3275 (54%). Algumas dessas petições foram transmitidas ao Provedor de Justiça europeu e remeteram-se alguns dos peticionários para outro organismo competente, independente da Comunidade Europeia.

A elevada percentagem de petições declaradas inadmissíveis resulta de uma falta de informação das competências da União e de cada uma das suas instituições. Tal como assinalava a Comissão das Petições no seu relatório sobre o ano parlamentar 1999/2000 [38], parte das petições que chegam à Comissão das Petições resultam do facto de os seus autores não conhecerem claramente os seus direitos enquanto cidadãos da União Europeia.

[38] Documento A5-0162/2000, p. 12.

Entre todas as petições recebidas durante os três anos parlamentares em causa, 920 diziam respeito aos direitos dos cidadãos, nomeadamente a questões sociais, liberdade de circulação, tributação e reconhecimento de diplomas no Estado-Membro de residência. O elevado número de petições relacionadas com os direitos dos cidadãos demonstra que estes se deparam frequentemente com problemas quando residem noutro Estado-Membro.

3.5. O Provedor de Justiça europeu

Nos termos do segundo parágrafo do artigo 21º, qualquer cidadão da União pode dirigir-se ao Provedor de Justiça, cujo âmbito de acção é definido no artigo 195º. Qualquer pessoa singular ou colectiva, com residência ou sede estatutária num Estado-Membro pode dirigir-se ao Provedor de Justiça. O Provedor de Justiça tem por função proceder a inquéritos sobre casos de alegada má administração [39] por parte das instituições e órgãos comunitários, não podendo proceder a inquéritos sobre a actuação das autoridades nacionais ou de outras organizações internacionais.

[39] No seu relatório anual de 1997, o Provedor de Justiça apresenta a seguinte definição do termo "má administração": "A má administração ocorre quando um organismo público não actua em conformidade com uma regra ou princípio a que está vinculado". Sob proposta da Comissão das Petições (A4-0258/98), o Parlamento adoptou uma Resolução em que perfilha esta definição.

O primeiro Provedor de Justiça da União, o Senhor Jacob Söderman, assumiu funções no final de Dezembro de 1995 e desde então apresentou vários relatórios [40] que contém informações sobre as queixas recebidas pelo Provedor de Justiça e sobre as regras que regem a admissibilidade das mesmas e procedimento subsequente.

[40] Todos os relatórios estão disponíveis no sítio Internet do Provedor de Justiça europeu, no seguinte endereço: http://www.europarl.eu.int/ombudsman/relatório/en/default.htm.

Queixas apresentadas durante o período de 1997-1999

Em 1997, o Provedor de Justiça recebeu 1181 queixas, 1067 das quais foram apresentadas por cidadãos da União. Só 200 queixas deram origem a um inquérito por parte do Provedor de Justiça [41]. Em 1998, o Provedor de Justiça recebeu 1372 queixas, 1237 das quais foram apresentadas por cidadãos e 170 deram origem a um inquérito. Os dados referentes a 1999 revelam que 1577 queixas (1458 das quais foram introduzidas por cidadãos) deram origem a 201 inquéritos. Não foi comprovada qualquer prática de má administração em 59 casos referentes a 1997, 96 casos referentes a 1998 e em 107 casos referentes a 1999.

[41] O Provedor de Justiça examinou anualmente queixas não concluídas no ano anterior e iniciou inquéritos por iniciativa própria. O número de inquéritos indicado poderá eventualmente incluir, por conseguinte, estes dois casos e não apenas as queixas apresentadas num único ano.

As principais instituições que foram objecto de inquérito durante o período de 1997-1999 são a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o Conselho. Neste aspecto, as estatísticas referentes a este período não são muito diferentes das dos anos anteriores.

Instituições e órgãos objecto de inquéritos em 1997-1999

>POSIÇÃO NUMA TABELA>

O principal tipo de alegada má administração durante o período de 1997-1999 dizia respeito à falta ou à recusa de informação ou transparência [42]. A segunda categoria mais comum dizia respeito a casos de atraso evitáveis (1997 e 1999) e de negligência (1998). Outros tipos de alegada má administração muito frequentes consistiam em casos de discriminação, injustiça, abuso de poder e de recursos a procedimentos de direito de defesa.

[42] 23 % em 1999, 30 % em 1998 e 25% em 1997.

As estatísticas fornecidas pelo Provedor de Justiça mostram que o número de cidadãos que apresentam queixas ao Provedor de Justiça tem vindo a aumentar anualmente desde 1996. A percentagem de queixas durante o mandato do Provedor de Justiça não tem aumentado ao mesmo ritmo, embora a tendência seja para um aumento gradual. Todos os relatórios anuais relativos a 1997-1999 revelaram uma percentagem muito elevada de queixas inadmissíveis: 73% em 1997 e 1999 e 69% em 1998. Nesses casos, o Provedor de Justiça procura ajudar o cidadão, aconselhando-o a dirigir-se à instituição adequada como, por exemplo, ao Parlamento Europeu ou a um Provedor de Justiça local ou nacional. Todos os anos existem casos em que o Provedor de Justiça transfere a queixa para outra instituição, com o consentimento dos seus autores.

4. Direitos fundamentais

O período abrangido pelo presente relatório foi assinalado pela proclamação da Carta dos Direitos Fundamentais da União, pela adopção de instrumentos jurídicos que aplicam o artigo 13º do Tratado CE e pelas medidas adoptadas no âmbito do Ano Europeu contra o racismo (1997).

4.1. Carta dos Direitos Fundamentais da União

A Carta dos Direitos Fundamentais da União foi proclamada conjuntamente pela Presidente do Parlamento Europeu, pelo Presidente do Conselho e pelo Presidente da Comissão, à margem do Conselho Europeu de Nice, em 7 de Dezembro de 2000. A Carta foi publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias [43].

[43] JO C 364 de 18 de Dezembro de 2000, p 1.

Esta proclamação resultou da decisão do Conselho Europeu de Colónia, de 3 e 4 de Junho de 1999, em que os Chefes de Estado e de Governo chegaram a acordo sobre a necessidade de elaborar, na presente fase de evolução da União, uma Carta dos direitos fundamentais na qual fiquem consignados, com toda a evidência, a importância primordial de tais direitos e o seu alcance para os cidadãos da União [44].

[44] Conselho Europeu de Colónia, conclusões da Presidência, Anexo IV.

4.1.1. O método convencional

Para a elaboração do projecto de Carta, o Conselho Europeu decidiu reunir uma instância ad hoc, composta por representantes do Parlamento Europeu, dos parlamentos nacionais, dos governos nacionais e da Comissão. A composição desta instância, já esboçada em Colónia, foi definida no Conselho Europeu de Tampere, de 15 e 16 de Outubro de 1999. Faziam parte dessa instância, que decidiu posteriormente passar a designar-se por "Convenção", 62 membros divididos em quatro grupos: dezasseis membros do Parlamento Europeu, trinta membros dos parlamentos nacionais, quinze representantes dos Chefes de Estado e de Governo e um representante da Comissão.

Participaram igualmente nos trabalhos observadores do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e do Conselho da Europa (entre os quais um representante do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem). O Comité Económico e Social, o Comité das Regiões e o Provedor de Justiça foram convidados a apresentar os respectivos pontos de vista.

Os países candidatos à adesão à União Europeia foram ouvidos pela Convenção.

Os métodos de trabalho da Convenção foram definidos, nas suas grandes linhas, nas conclusões do Conselho Europeu de Tampere. Um elemento apreciável dessa metodologia diz respeito à transparência dos trabalhos. De facto, o Conselho Europeu de Tampere estabeleceu o princípio da divulgação dos debates da Convenção e dos documentos apresentados nesta instância. Essa divulgação concretizou-se, nomeadamente, na abertura de um sítio Internet [45] no qual foram colocados à disposição do público os documentos relativos à elaboração da Carta. Essa divulgação permitiu uma estreita concertação com os representantes da sociedade civil.

[45] http://db.consilium.eu.int/df.

A Convenção reuniu-se pela primeira vez em 17 de Dezembro de 1999, em Bruxelas. Nessa reunião, foi eleito Presidente o Senhor Roman Herzog, antigo Presidente da República Federal da Alemanha. O Presidente da Convenção confirmou, em 2 de Outubro de 2000, a existência de um amplo consenso em torno do projecto de Carta e transmitiu o facto ao Presidente do Conselho Europeu. Reunidos informalmente em Biarritz, em 13 e 14 de Outubro de 2000, os Chefes de Estado e de Governo manifestaram o seu acordo unânime sobre esse projecto.

Por seu turno, a Comissão adoptou duas Comunicações divulgadas em 13 de Setembro e em 11 de Outubro de 2000 [46]. Nessas Comunicações, a Comissão manifestou o seu apoio ao projecto de Carta, apresentando simultaneamente algumas sugestões, respectivamente, quanto à formulação de determinados direitos retomados no projecto e quanto à natureza jurídica da Carta.

[46] COM(2000)559 final e COM(2000) 644 final.

4.1.2. Conteúdo da Carta

A Carta reúne no mesmo texto todos os direitos individuais: direitos civis e políticos, direitos económicos e sociais e direitos dos cidadãos da União Europeia. Assim, a Carta constitui o primeiro instrumento sobre os direitos fundamentais a nível internacional em que a indivisibilidade desses direitos é efectivamente respeitada.

Esses direitos encontram-se já largamente consagrados em diversas fontes, tais como as tradições constitucionais e as obrigações internacionais comuns aos Estados-Membros, o Tratado da União Europeia e os Tratados comunitários, a Convenção Europeia para a protecção dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais, as Cartas sociais aprovadas pela Comunidade e pelo Conselho da Europa, bem como a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

A Carta é constituída por 54 artigos, precedidos de um Preâmbulo. Além das disposições gerais retomadas no final do texto (artigos 51º a 54º), os artigos são reagrupados em torno de seis valores fundamentais: dignidade (artigos 1º a 5º), liberdades (artigos 6º a 19º), igualdade (artigos 20º a 26º), solidariedade (artigos 27º a 38º), cidadania (artigos 39º a 46º) e justiça (artigos 47º a 50º).

No âmbito do presente relatório, a Comissão chama especialmente a atenção para os direitos que são retomados do Tratado que institui a Comunidade Europeia e reagrupados no Capítulo V da Carta, relativo à cidadania: direito de eleger e de ser eleito nas eleições para o Parlamento Europeu (artigo 39º), direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais (artigo 40º), direito de acesso aos documentos (artigo 42º), direito de recorrer ao Provedor de Justiça (artigo 43º), direito de petição ao Parlamento Europeu (artigo 44º), liberdade de circulação e de residência (artigo 45º) e protecção diplomática e consular (artigo 46º). Este Capítulo V da Carta retoma igualmente, consciente do impacto crescente de um procedimento administrativo equitativo para a salvaguarda dos direitos e interesses das pessoas, o direito a uma boa administração (artigo 41º). Este direito baseia-se nos princípios definidos na matéria por uma abundante jurisprudência do Tribunal de Justiça.

A Carta prevê que os direitos nela reconhecidos que se baseiem nos Tratados comunitários ou no Tratado da União Europeia sejam exercidos de acordo com as condições e limites definidos nos Tratados (nº 2 do artigo 52º). De igual modo, a Carta prevê que os direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção Europeia para a protecção dos direitos do Homem tenham o mesmo sentido e o mesmo âmbito dos direitos conferidos pela referida Convenção, sem que tal impeça que o direito da União, incluindo a própria Carta, proporcione uma protecção mais ampla (nº 3 do artigo 52º).

4.1.3. Evolução futura da Carta

O Conselho Europeu de Nice preconizou que a Carta fosse divulgada de uma forma tão ampla quanto possível junto dos cidadãos da União. Esta ampla divulgação dá resposta ao objectivo de visibilidade dos direitos fundamentais e é indispensável para levar a cabo o debate público sobre a Europa.

A declaração sobre o futuro da União anexa ao projecto de Tratado de Nice inclui, de facto, o estatuto da Carta entre os pontos que devem ser objecto de um amplo debate público para preparar a Conferência Intergovernamental prevista para 2004. A este respeito e em conformidade com as conclusões de Colónia [47], deve começar a ser analisada a questão do alcance da Carta.

[47] Conselho Europeu de Nice, conclusões da Presidência, ponto I.2.

Mas, tal como foi salientado pela Comissão na Comunicação de Outubro acima referida, mesmo antes da conclusão desses trabalhos, é também evidente que a própria proclamação da Carta deverá produzir efeitos, inclusive no plano jurídico. O Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão não podem ignorar um texto elaborado a pedido do Conselho Europeu por todas as fontes de legitimidade nacional e europeia reunidas na mesma instância e proclamado pelas três instituições.

A proclamação da Carta dos Direitos Fundamentais, ao enumerar o conjunto dos direitos fundamentais que as instituições e os Estados-Membros devem respeitar e proteger quando agem no quadro do direito da União, é o sinal evidente de que o cidadão está doravante no centro da construção europeia.

O objectivo da criação de um espaço de liberdade, segurança e justiça, consagrado nos Tratados, tem por corolário a necessidade de assegurar uma melhor protecção dos direitos dos cidadãos. A Carta dos direitos fundamentais dá precisamente resposta a essa necessidade.

Para além do facto de as três instituições que a proclamaram publicamente dificilmente a poderem ignorar no futuro, a Carta será sem dúvida, independentemente da sua natureza jurídica, uma referência incontornável para o Tribunal de Justiça no que se refere à evolução da sua jurisprudência sobre os direitos fundamentais protegidos a nível da União.

Em razão do seu conteúdo, da sua formulação jurídica rigorosa e do seu alto valor jurídico, a Carta está vocacionada para ser integrada nos Tratados.

4.2. Instrumentos jurídicos antidiscriminação

A Comissão, em cumprimento do seu compromisso de apresentar logo que possível medidas de aplicação do artigo 13º do Tratado CE, e em resposta à vontade expressa pelo Parlamento Europeu, os Estados-Membros e os Chefes de Estado e de Governo aquando do Conselho Europeu de Tampere, apresentou uma comunicação e três propostas que têm por objectivo a luta contra a discriminação na União Europeia.

Em 29 de Junho de 2000, o Conselho adoptou a Directiva 2000/43/CE [48], que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica. Esta Directiva tem por objectivo proibir em todos os Estados-Membros quaisquer formas de discriminação baseada na origem racial ou étnica em diversos domínios, tais como o emprego, a educação, a segurança social, os cuidados médicos ou o acesso aos bens e serviços.

[48] JO L 180 de 19.7.2000, p. 22.

Em 27 de Novembro de 2000, o Conselho adoptou a Directiva 2000/78/CE [49], que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional. Esta directiva tem por objecto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à actividade profissional.

[49] JO L 303 de 2.12.2000, p. 16.

Na mesma data, o Conselho adoptou a Decisão 2000/750/CE, que estabelece um programa de acção comunitário de luta contra a discriminação (2001-2006) [50] com um orçamento global de 98,4 milhões de euros.

[50] JO L 303 de 2.12.2000, p. 23.

Este programa apoia e completa os esforços desenvolvidos a nível da Comunidade e nos Estados-Membros para promover medidas de prevenção e de luta contra a discriminação simples e múltipla. Os seus objectivos são os seguintes:

* melhorar a compreensão das questões relacionadas com a discriminação através de uma melhoria do conhecimento deste fenómeno e da avaliação da eficácia das políticas e práticas;

* desenvolver uma capacidade de prevenção e de luta eficaz contra a discriminação, designadamente mediante o reforço dos meios de acção das organizações e do apoio ao intercâmbio de informações e de boas práticas, bem como da criação de redes a nível europeu, tendo no entanto em conta a especificidade das diversas formas de discriminação;

* promover e divulgar os valores e práticas subjacentes à luta contra a discriminação através, nomeadamente, de actividades de sensibilização.

Para atingir estes objectivos, a decisão prevê uma estratégia baseada em três vectores de intervenção:

- reforçar a análise da natureza e das consequências da discriminação na Comunidade;

- apoiar as organizações que participam na luta e na prevenção em matéria de discriminação, permitindo-lhes comparar e colocar em paralelo as suas abordagens com experiências realizadas noutras regiões da Comunidade;

- sensibilizar os principais responsáveis pela tomada de decisões para as possibilidades de aumentar a eficácia das medidas e práticas antidiscriminatórias.

Estes textos demonstram claramente a ambição da Comunidade de promover uma sociedade mais justa e apresentam uma abordagem pragmática, centrando-se nos principais domínios onde existe discriminação.

4.3. Programa Daphne

No âmbito da protecção dos direitos fundamentais em geral, e da não discriminação em particular, importa referir igualmente que a Comissão criou um programa comunitário plurianual (2000-2003) que tem por objectivo combater todas as formas de violência exercida contra as crianças, os adolescentes e as mulheres (Programa Daphne [51]). Esta acção completa as actividades legislativas da Comissão através de um apoio financeiro às organizações públicas ou privadas da União que actuam no terreno contra quaisquer formas de violência sexual, física ou psicológica. O programa Daphne já financiou cerca de 200 projectos desde 1997. Todos esses projectos incidem sobre acções de apoio directo às vítimas da violência, tendo sido objecto de dois estudos de impacto realizados em 1999 e em 2000.

[51] Decisão n° 293/2000/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, JO L 34 de 9.2.2000, p. 1.

4.4. Medidas de luta contra o racismo

1997, Ano Europeu contra o racismo

O Ano Europeu constituiu uma nova etapa no processo de intensificação da colaboração no domínio da luta contra o racismo e conseguiu mobilizar pessoas e organizações em toda a União Europeia. Essa mobilização suscitou, por seu turno, um clima favorável aos progressos políticos. Alguns exemplos significativos desses progressos são a adopção de novas disposições em matéria de não discriminação no Tratado da União Europeia, a criação do Observatório do Racismo e da Xenofobia em Viena, o Plano de acção contra o racismo, bem como a rede europeia das ONG anti-racistas, que é um resultado directo no ano europeu e de um esforço de mobilização importante.

Plano de acção contra o racismo

O lançamento pela Comissão, em Março de 1998, de um Plano de acção contra o racismo [52], destinado a colocar a luta contra o racismo no centro de uma série de políticas europeias, situa-se explicitamente no prolongamento do Ano europeu e dos progressos realizados no decurso desse ano.

[52] COM(1998) 183 final, de 25 de Março de 1998.

O Plano incide especialmente sobre o reforço e o apoio à cooperação e à criação de parcerias a todos os níveis, com vista a promover a diversidade e o pluralismo, reforçando a cooperação com e entre os diferentes participantes.

Rede europeia de organizações anti-racistas

No âmbito dos preparativos no Ano Europeu, um certo número de organizações anti-racistas tinha manifestado à Comissão o desejo de criar uma rede europeia de organizações anti-racistas.

Os trabalhos preparatórios para a criação dessa estrutura foram levados a cabo durante todo o ano de 1998 e, em 8 e 10 de Outubro desse ano, cerca de 250 representantes de um grande número de ONG participaram na conferência que instituiu a rede e definiram uma agenda política e um programa de acção europeus, bem como os meios de executar o programa.

O principal objectivo desta rede é conferir à luta contra o racismo, a xenofobia, o anti-semitismo e o anti-islamismo uma dimensão europeia, com vista a assegurar uma articulação entre as iniciativas locais ou nacionais e as iniciativas europeias, trocar experiências na matéria, reforçar as iniciativas em curso, desenvolver novas estratégias para combater o racismo e promover a igualdade de oportunidades e de direitos.

A rede realiza campanhas europeias e coopera com as instituições europeias para maximizar o impacto das políticas europeias no domínio da luta contra o racismo. A rede tem também um papel primordial a desempenhar no contecto do Programa de Acção Comunitária de luta contra as discriminações (2001-2006) e na aplicação das directivas antidiscriminação adoptadas com base no artigo 13º do Tratado.

O Observatório do Racismo e da Xenofobia

O Observatório [53] tem por principal objectivo fornecer à Comunidade Europeia e aos seus Estados-Membros informações objectivas, fiáveis e comparáveis a nível europeu sobre os fenómenos do racismo, da xenofobia e do anti-semitismo, que possam ajudá-los a tomar medidas adequadas.

[53] O Observatório foi criado pelo Regulamento (CE) n° 1035/97 e tem sede em Viena.

De acordo com o segundo relatório do Observatório, publicado em Novembro de 2000 [54], em todos os Estados-Membros existem minorias étnicas/raciais, imigrantes e refugiados expostos a crimes raciais e a formas de discriminação. Os crimes perpetrados por grupos xenófobos visam sobretudo os imigrantes, as pessoas de origem estrangeira e a comunidade judaica. Em 1999, foram assinalados em vários Estados-Membros actos de discriminação para com as minorias ciganas.

[54] Este relatório está disponível no seguinte endereço: http://www.eumc.at/publications/.

A maioria dos actos discriminatórios constatados em 1999 dizem respeito ao emprego e ao mercado de trabalho.

O racismo na Internet tornou-se um motivo de especial preocupação em alguns Estados-Membros, na medida em que a Internet é frequentemente utilizada por grupos racistas para divulgar ideias racistas, anti-semitas, xenófobas e que incitam ao ódio junto de um vasto público, num contexto de grande impunidade.

Segundo este relatório, as novas directivas europeias baseadas no artigo 13º do Tratado CE deverão contribuir substancialmente para melhorar a situação.

O Observatório conta entre as suas tarefas estabelecer e coordenar uma "rede europeia de informação sobre o racismo e a xenofobia" (RAXEN), constituída por uma unidade central que coopera com organizações a nível nacional, tais como centros universitários de investigação, organizações não governamentais e órgãos especializados. O seu papel consiste em recolher e analisar os dados e as informações disponíveis e elaborar uma base de dados acessível ao público. Constituirá igualmente a base de informação, de conhecimento e de experiência a fim de estabelecer estratégias de luta contra o racismo na Europa.

5. A informação dos cidadãos da União

O projecto "Diálogo com os Cidadãos e com as Empresas" é o sucedâneo da iniciativa "Prioridade aos Cidadãos" descrita no segundo relatório sobre a cidadania da União [55].

[55] Documento COM(97) 230 final, p. 19.

O Diálogo com os Cidadãos e com as Empresas tem dois objectivos específicos: sensibilizar as pessoas para os seus direitos na União Europeia e estabelecer uma comunicação nos dois sentidos com os cidadãos, com vista a recolher informações sobre os problemas com que estes se deparam no exercício dos seus direitos.

Para fornecer aos cidadãos essa informação numa base de diálogo permanente, foi criado o serviço "Europe Direct".

Os sítios Internet do Diálogo com os Cidadãos e com as Empresas e o "Europe Direct" fornecem também informações e pareceres provenientes de muitas outras fontes.

Por outro lado, o Diálogo com os Cidadãos e com as Empresas informa também os cidadãos através de publicações destinadas a dar uma panorâmica geral dos seus direitos e dos meios de os exercer.

A Comissão procedeu assim, a pedido dos cidadãos, à actualização dos guias publicados no âmbito da iniciativa Prioridade aos Cidadãos.

Foram também publicados novos guias. O Guia "Como invocar os seus direitos no mercado único-" publicado em 2000 e as fichas nacionais a ele relativas pretendem colmatar, por exemplo, a falta de informação dos cidadãos sobre os diferentes meios de recurso de que dispõem para fazer valer os seus direitos ao nível nacional e ao nível comunitário. O Guia "Protecção dos dados na União Europeia", publicado em 2001, informa os cidadãos dos seus direitos em matéria de recolha e exploração de dados pessoais, bem como do comportamento a adoptar em caso de violação de tais direitos.

Estes guias podem ser obtidos gratuitamente mediante pedido enviado pelo correio ou junto do centro telefónico do "Europe Direct".

A central telefónica do "Europe Direct" dispõe de linhas telefónicas gratuitas em cada Estado-Membro e um serviço de resposta directo por correio electrónico, carta ou fax. Este serviço responde a perguntas sobre todos os domínios de actividade da UE, nas onze línguas oficiais da UE.

O "Europe Direct" constitui um primeiro ponto de contacto para orientar as pessoas que não sabem como ou onde encontrar as respostas para as suas perguntas. Trata-se de um serviço destinado a completar as redes de informação existentes nos Estados-Membros com vista a orientar os cidadãos, em primeiro lugar, para informações básicas e, em segundo lugar, para os serviços mais adequados entre os muitos serviços de informação geral ou especializada existentes.

A central telefónica responde a perguntas gerais sobre a Comissão Europeia e as restantes instituições da UE. O serviço "Europe Direct" interno está encarregado de responder a perguntas que requerem investigação adicional.

O Europe Direct recebeu, desde 1998, mais de 200.000 pedidos de informação sobre todos os assuntos relacionados com a actividade da Comissão Europeia e das instituições da UE em geral.

As perguntas relacionadas com problemas práticos com que as pessoas se deparam no exercício dos seus direitos no Mercado Único são transferidas para o Serviço de Orientação para os Cidadãos ("Signpost Service"), um serviço mais especializado que fornece pareceres jurídicos informais. Este serviço, que agora faz parte do programa Diálogo com os Cidadãos e com as Empresas, dispõe de uma equipa de peritos que abrange todas as línguas da União Europeia.

O relatório de Março de 2000 do Serviço de Orientação para os Cidadãos revela que são muito poucos os casos em que o requerentes levantam questões verdadeiramente relacionadas com a aplicação e o âmbito do direito comunitário. A maioria dos pedidos de informação resultam geralmente da falta de conhecimento do alcance do direito comunitário ou de uma certa confusão quanto às instituições europeias ou nacionais competentes para resolver os problemas dos interessados.

Quando se trata de defender os seus direitos, os cidadãos tendem claramente a sobrestimar o que podem esperar da Comunidade, especialmente quando residem noutro Estado-Membro. Mesmo em domínios obviamente de carácter nacional, as instituições europeias são muitas vezes consideradas competentes para intervir enquanto entidade supranacional em nome do interesse geral.

A análise dos problemas encontrados pelos cidadãos permite simultaneamente à Comissão identificar e dar resposta às necessidades de informação dos cidadãos e detectar eventuais disfuncionamentos ou carências na aplicação do direito comunitário; os problemas apresentados ao «Serviço de Orientação» farão, de resto, brevemente parte integrante da iniciativa de carácter mais geral de «elaboração interactiva das poíticas», actualmente a ser lançada pela Comissão. Por último, é necessário lembrar que, no âmbito dos esforços envidados para aproximar os cidadãos e as instiuições europeias, a Comissão Europeia organiza visitas de informação para cerca de 40 000 visitantes por ano.

O défice de informação sobre as actividades da União foi diversas assinalado no presente relatório.

Um efeito preverso deste défice de conhecimento é o facto de os cidadãos partirem do pressuposto de que as competências e poderes da União, especialmente da Comissão, são mais vastos do que acontece na realidade.

Esta constatação foi confirmada pela experiência do Serviço de Orientação para os Cidadãos, pelas queixas dirigidas ao Provedor de Justiça, pelas petições ao Parlamento Europeu e pelas cartas dirigidas aos diferentes serviços da Comissão.

A criação do «Europe Direct" e, no domínio do mercado interno, do « Diálogo com os Cidadãos e com as Empresas », de que o « Serviço de Orientação » constitui o elemento principal, estão, por conseguinte, no bom caminho: fornecer rapidamente aos cidadãos as informações de que estes necessitam, de uma forma simples e descentralizada. Tal deveria igualmente permitir às instituições europeias tomarem melhor em consideração os problemas com que os cidadãos se deparam para exercer os seus direitos quando alteram ou elaboram políticas comunitárias a favor dos cidadãos.