52000DC0066

Livro Branco sobre responsabilidade ambiental /* COM/2000/0066 final */


LIVRO BRANCO SOBRE RESPONSABILIDADE AMBIENTAL

(apresentado pela Comissão)

LIVRO BRANCO SOBRE RESPONSABILIDADE AMBIENTAL

Introdução

Nos últimos tempos, tem sido necessário fazer face a casos de danos ambientais graves resultantes de actividades humanas. O recente naufrágio do Erika provocou uma poluição generalizada da costa francesa e o sofrimento e a morte dolorosa de várias centenas de milhares de aves marinhas e outros animais. Este não foi, nem por sombras, o primeiro caso de derrame de petróleo no mar com consequências terríveis para o ambiente. Há alguns anos, uma catástrofe de natureza diferente ocorreu próximo da reserva natural de Doñana, no Sul de Espanha, quando a ruptura de uma barragem contendo um volume significativo de águas tóxicas provocou danos colossais no ambiente circundante, incluindo a inúmeras aves protegidas. Estes e outros acidentes semelhantes colocam a questão de saber quem deverá assumir os custos de descontaminação e reparação dos danos. Caberá à sociedade no seu conjunto, ou seja, ao contribuinte, pagar a factura, ou deverá ser o poluidor a pagá-la, nos casos em que possa ser identificado-

Por outro lado, no que respeita aos produtos geneticamente modificados, a opinião pública receia seriamente que estes possam afectar a saúde ou exercer efeitos negativos no ambiente. Estes receios suscitam uma chamada à responsabilidade das partes envolvidas.

Uma das formas de garantir uma maior prudência, com vista a evitar a ocorrência de danos ambientais, consiste em impor responsabilidades às partes cujas actividades encerram riscos de provocar esse tipo de danos. Isto significa que, quando uma tal actividade provoca efectivamente danos, a parte que exerce o seu controlo (o operador), que é o verdadeiro poluidor, deve assumir os custos da sua reparação.

O presente Livro Branco estabelece a estrutura de um futuro regime comunitário de responsabilidade ambiental que tem por objectivo aplicar o princípio do poluidor-pagador e descreve os principais elementos necessários para tornar um regime desse tipo eficaz e viável.

O regime proposto deverá abranger não só os danos causados às pessoas e aos bens e a poluição dos sítios como os danos provocados à natureza, em especial aos recursos naturais que são importantes na perspectiva da conservação da diversidade biológica na Comunidade (nomeadamente áreas e espécies protegidas pela rede Natura 2000). Os regimes de responsabilidade ambiental existentes até à data nos Estados-Membros da UE ainda não abordam este aspecto.

A responsabilidade pelos danos causados à natureza constitui uma condição prévia para fazer os operadores económicos sentir-se responsáveis pelos eventuais efeitos negativos das suas operações no ambiente enquanto tal. Até agora, os operadores parecem sentir essa responsabilidade em relação à saúde ou à propriedade alheias - relativamente às quais a responsabilidade ambiental já existe, sob diversas formas, ao nível nacional -, mas não em relação ao ambiente. Estes tendem a considerar o ambiente um "bem público" pelo qual o conjunto da sociedade, e não um indivíduo que lhe causou danos, deverá ser responsável. A responsabilidade constitui uma forma segura de permitir que as pessoas compreendam que são igualmente responsáveis pelas eventuais consequências dos seus actos na natureza. Esta mudança de atitude prevista deverá provocar um aumento do nível de prevenção e precaução.

RESUMO

O presente Livro Branco analisa diversas formas de configurar um regime comunitário de responsabilidade ambiental, tendo em vista melhorar a aplicação dos princípios ambientais consagrados no Tratado CE e a implementação do direito ambiental comunitário, bem como assegurar uma restauração adequada do ambiente. Entre os seus antecedentes incluem-se um Livro Verde da Comissão datado de 1993, uma audição conjunta com o Parlamento Europeu no mesmo ano, uma Resolução do Parlamento solicitando uma directiva comunitária e um parecer do Comité Económico e Social, em 1994, e ainda uma decisão da Comissão, de Janeiro de 1997, no sentido de publicar um Livro Branco. Vários Estados-Membros expressaram o seu apoio a uma acção comunitária neste domínio, incluindo alguns comentários recentes sobre a necessidade de tratar a questão da responsabilidade civil em relação aos organismos geneticamente modificados (OGM). Ao longo da elaboração do Livro Branco, foram realizadas consultas às partes interessadas.

A responsabilidade ambiental obriga o causador dos danos ambientais (o poluidor) a pagar a reparação dos danos que causou. A responsabilidade só é eficaz quando os poluidores podem ser identificados, os danos são quantificáveis e é possível demonstrar o nexo causal. Não é, por conseguinte, apropriada para a poluição difusa oriunda de fontes numerosas. Entre as razões para a introdução de um regime comunitário de responsabilidade civil contam-se a melhor aplicação dos princípios ambientais fundamentais (poluidor-pagador, de prevenção e de precaução) e da legislação ambiental comunitária, a necessidade de assegurar a descontaminação e a restauração do ambiente, a melhor integração do ambiente nas demais áreas políticas e o melhor funcionamento do mercado interno. A responsabilidade civil deverá reforçar os incentivos para um comportamento mais responsável por parte das empresas, exercendo assim um efeito preventivo, embora muita coisa dependa do contexto e das especificações do dito regime.

O Livro Branco descreve as possíveis características principais de um regime comunitário, entre as quais a ausência de retroactividade (aplicação limitada aos danos futuros); a cobertura tanto dos danos ambientais (contaminação de locais e danos causados à biodiversidade) como dos danos tradicionais (danos a pessoas e bens); um âmbito de aplicação fechado ligado à legislação ambiental comunitária: as zonas contaminadas e os danos tradicionais apenas serão abrangidos se forem causados por uma actividade perigosa ou potencialmente perigosa regulamentada pela Comunidade; os danos causados à biodiversidade referem-se apenas às áreas protegidas ao abrigo da rede Natura 2000; responsabilidade estrita para os danos causados por actividades intrinsecamente perigosas, responsabilidade baseada na culpa para os danos causados à biodiversidade por uma actividade não perigosa; [1] causas de justificação comummente aceites, algum alívio do ónus da prova do queixoso e alguma redução equitativa para os arguidos; responsabilidade centrada no operador que controla a actividade causadora dos danos; critérios para avaliar e tratar os diferentes tipos de danos; obrigação de gastar a compensação paga pelo poluidor na restauração do ambiente; introdução de um maior acesso à justiça nos casos de danos ambientais; coordenação com as convenções internacionais; segurança financeira para as potenciais responsabilidades, trabalho com os mercados.

[1] Ver perspectiva esquemática do possível âmbito de aplicação do regime no anexo ao presente resumo.

São apresentadas e avaliadas diversas opções de acção comunitária: a adesão da Comunidade à Convenção de Lugano do Conselho da Europa; um regime que abranja apenas os danos transfronteiriços; uma recomendação da Comunidade para orientar a acção dos Estados-Membros; uma directiva comunitária e, finalmente, um regime sectorial centrado na biotecnologia. São expostos os argumentos a favor e contra cada uma destas opções, sendo a directiva comunitária considerada como a opção mais coerente. Uma iniciativa comunitária neste domínio justifica-se em termos de subsidiariedade e de proporcionalidade, por razões que incluem a insuficiência dos regimes separados dos Estados-Membros quando se trata de abordar todos os aspectos dos danos ambientais, o efeito integrador da aplicação comum através do direito comunitário e a flexibilidade de um regime-quadro comunitário que fixe objectivos e resultados, deixando ao mesmo tempo ao cuidado dos Estados-Membros a escolha das formas e dos instrumentos para os alcançar. O impacto de um regime comunitário de responsabilidade na competitividade da indústria da UE a nível externo será provavelmente limitado. Os dados sobre os regimes de responsabilidade existentes foram analisados e sugerem que o seu impacto na competitividade da indústria nacional não foi desproporcionado. Os efeitos nas PME e nos serviços financeiros e a importante questão da cobertura por seguro dos elementos essenciais do regime são igualmente abordados. A eficácia de qualquer regime jurídico de responsabilidade exige um sistema de segurança financeira exequível, baseado na transparência e na segurança jurídica no que diz respeito à responsabilidade civil. O regime deverá ser concebido de modo a minimizar as custas de transacção.

O Livro Branco conclui que a opção mais apropriada seria uma directiva-quadro que estabeleça uma responsabilidade estrita para os danos causados por actividades perigosas regulamentadas pelo direito comunitário, com causas de justificação, abrangendo tanto os danos tradicionais como os danos ambientais, e uma responsabilidade baseada na culpa para os danos causados à biodiversidade por actividades não perigosas. Os pormenores de uma tal directiva deverão ser objecto de uma maior elaboração, tendo em conta as consultas realizadas. As instituições comunitárias e as partes interessadas são convidadas a debater o Livro Branco e a apresentar os respectivos comentários até 1 de Julho de 2000.

ANEXO

possível âmbito de aplicação de um regime comunitário de responsabilidade ambiental

>REFERÊNCIA A UM GRÁFICO>

ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO

1.1. Objectivo do presente Livro Branco

1.2. Estrutura do Livro Branco

1.3. Antecedentes e contexto institucional

1.3.1. O Livro Verde sobre a reparação dos danos causados no ambiente

1.3.2. Posição do Parlamento Europeu

1.3.3. Parecer do Comité Económico e Social

1.3.4. Decisão da Comissão de elaborar um Livro Branco

1.3.5. Posições dos Estados-Membros

1.3.6. O processo de consultas

2. O que é a responsabilidade ambiental-

2.1. O objectivo da responsabilidade ambiental

2.2. Tipos de danos ambientais a que a responsabilidade civil se adequa

3. Razões que justificam um regime comunitário de responsabilidade ambiental e os seus efeitos previstos

3.1. Implementação dos princípios ambientais essenciais do Tratado CE

3.2. Assegurar a descontaminação e a restauração do meio ambiente

3.3. Reforçar a implementação da legislação ambiental comunitária

3.4. Permitir uma melhor integração

3.5. Melhorar o funcionamento do mercado interno

3.6. Resultados esperados

4. Características possíveis de um regime comunitário de responsabilidade ambiental

4.1. Ausência de retroactividade

4.2. Âmbito do regime

4.2.1. Danos a cobrir

4.2.2. Actividades abrangidas

4.3. O tipo de responsabilidade, as causas de justificação permitidas e o ónus da prova

4.4. Quem deve ser responsável-

4.5. Critérios para os diferentes tipos de danos

4.5.1. Danos causados à biodiversidade

4.5.2. Zonas contaminadas

4.5.3 Danos tradicionais

4.5.4 Relação com a Directiva relativa à responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos

4.6. Assegurar uma descontaminação e restauração efectivas do meio ambiente

4.7. Acesso à justiça

4.7.1. "Abordagem em duas camadas": o Estado deve ser responsável em primeiro lugar

4.7.2. Casos urgentes (acções inibitórias, custos da acção preventiva)

4.7.3. Assegurar conhecimentos especializados suficientes e evitar custos desnecessários

4.8. Relação com as convenções internacionais

4.9. Segurança financeira

5. Diferentes opções de acção comunitária

5.1. A adesão da Comunidade à Convenção de Lugano

5.2. Um regime exclusivamente para os danos transfronteiriços

5.3. Orientação da acção dos Estados-Membros por uma recomendação comunitária

5.4. Uma directiva comunitária

5.5. Responsabilidade sectorial, nomeadamente na área da biotecnologia

6. Subsidiariedade e proporcionalidade

7. O impacto económico global da responsabilidade ambiental a nível comunitário

8. CONCLUSÃO

1. INTRODUÇÃO

1.1. Objectivo do presente Livro Branco

Nos termos do nº 2 do artigo 174º do Tratado CE:

"A política da Comunidade no domínio do ambiente (...) basear-se-á nos princípios da precaução e da acção preventiva, da correcção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador».

O objectivo do presente Livro Branco consiste em analisar a melhor forma de permitir que o princípio do poluidor-pagador sirva estes objectivos de política ambiental comunitária, tendo em conta que a prevenção dos danos ambientais é a principal finalidade desta política.

Neste contexto, o presente Livro Branco analisa a melhor forma de configurar um regime comunitário de responsabilidade ambiental, de modo a melhorar a aplicação dos princípios ambientais consignados no Tratado CE, e assegurar a reparação dos danos causados ao ambiente. O Livro Branco também analisa o modo como um regime comunitário de responsabilidade ambiental poderá contribuir para melhorar a aplicação do direito ambiental comunitário e examina os possíveis efeitos económicos de uma tal acção comunitária.

1.2. Estrutura do Livro Branco

Após uma parte introdutória contendo algumas informações contextuais e uma explicação do objectivo da responsabilidade ambiental, nas secções 1 e 2, o Livro Branco apresenta as razões que justificam a adopção de um regime comunitário na secção 3. A secção 4 contém algumas características possíveis desse regime e a secção 5 analisa e compara diferentes opções para a sua adopção. Enquanto a secção 6 considera a questão da perspectiva da subsidiariedade e da proporcionalidade, a secção 7 analisa o impacto económico de um regime comunitário de responsabilidade ambiental. Por último, a secção 8, formula uma conclusão e apresenta os próximos passos nesta matéria.

1.3. Antecedentes e contexto institucional

1.3.1. O Livro Verde sobre a reparação dos danos causados no ambiente

Em Maio de 1993, a Comissão publicou o Livro Verde sobre a reparação dos danos causados no ambiente [2]. Na sequência dessa publicação, foram apresentados mais de cem comentários pelos Estados-Membros, a indústria, os grupos ambientalistas e outras partes interessadas, e realizaram-se consultas contínuas. Em Novembro de 1993, o Parlamento e a Comissão realizaram uma audição pública conjunta.

[2] Comunicação de 14 de Maio de 1993 (COM 93/47 final) apresentada ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social.

1.3.2. Posição do Parlamento Europeu

Em Abril de 1994, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução instando a Comissão a apresentar "uma proposta de directiva que regulamente a responsabilidade relativa aos (futuros) danos causados ao ambiente" [3]. Nessa Resolução, o Parlamento aplicou pela primeira vez o número 2 do artigo 192º (número 2 do ex-artigo 138º-B) do Tratado CE, que lhe permite solicitar à Comissão que submeta à sua apreciação propostas legislativas. Desde então, a questão da responsabilidade ambiental foi levantada pelo Parlamento em diversas ocasiões, tais como os programas de trabalho anuais da Comissão, em perguntas parlamentares e em cartas à Comissão.

[3] Resolução de 20 de Abril de 1994 (JO C 128/165).

No seu questionário aos candidatos a comissários, tendo em vista as audições dos mesmos, o Parlamento voltou a levantar esta questão e exprimiu mais uma vez a sua opinião de que é urgentemente necessária uma legislação comunitária neste domínio. O PE salientou, em especial, a necessidade de inserir disposições relativas à responsabilidade civil na legislação comunitária existente no domínio da biotecnologia.

1.3.3. Parecer do Comité Económico e Social

O Comité Económico e Social emitiu um parecer minucioso sobre o Livro Verde, em 23 de Fevereiro de 1994, no qual apoiava a acção comunitária em matéria de responsabilidade pelos danos causados ao ambiente, sugerindo que esta poderia assumir a forma de uma directiva-quadro baseada nos artigos 174º e 175º (ex-artigos 130º-R e 130º-S) do Tratado [4].

[4] Parecer do CES de 23.2.94 (CES 226/94).

1.3.4. Decisão da Comissão de elaborar um Livro Branco

Após um debate de orientação realizado em 29 de Janeiro de 1997, Comissão decidiu, tendo em conta a necessidade de dar resposta à Resolução do Parlamento Europeu que solicitava uma acção comunitária, que deveria ser elaborado um Livro Branco sobre a responsabilidade ambiental [5].

[5] Foram realizados quatro estudos para efeitos da preparação de uma política comunitária nesta área. Há resumos dos quatro estudos referidos à disposição do público.

1.3.5. Posições dos Estados-Membros

Vários Estados-Membros expressaram, formal ou informalmente, um parecer favorável a respeito da acção comunitária no domínio da responsabilidade ambiental em geral (Áustria, Bélgica, Finlândia, Grécia, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal e Suécia). Sabe-se que vários Estados-Membros aguardam as propostas da Comissão, antes de iniciarem o processo de adopção de legislação nacional neste domínio, especialmente no que diz respeito à responsabilidade pelos danos causados à biodiversidade. Além disso, a Áustria, a Bélgica, a Finlândia, a Alemanha, os Países Baixos, a Espanha e a Suécia declararam recentemente no Conselho que saúdam a intenção da Comissão de avaliar, no contexto do próximo Livro Branco sobre a responsabilidade ambiental, a questão da responsabilidade pelos danos ambientais ligados à libertação e colocação no mercado deliberadas de OGM. O Reino Unido solicitou recentemente à Comissão que considerasse, como questão prioritária, a viabilidade de um ou vários regimes de responsabilidade destinados a abranger a libertação e comercialização dos OGM, bem como os possíveis critérios para esses regimes. As posições dos outros Estados-Membros ainda não são claras.

1.3.6. O processo de consultas

Durante o processo de elaboração do Livro Branco, efectuaram-se consultas a peritos independentes oriundos dos Estados-Membros, a peritos nacionais dos Estados-Membros e às partes interessadas, muitas das quais também enviaram comentários por escrito relativos a documentos de trabalho informais que receberam no decurso deste processo. As opiniões expressadas foram muito diferenciadas, nomeadamente no que diz respeito à necessidade de uma acção comunitária. Encontra-se disponível, a pedido, um relatório resumido dos comentários das partes interessadas.

2. O que é a responsabilidade ambiental-

2.1. O objectivo da responsabilidade ambiental

A responsabilidade ambiental visa obrigar o causador de danos ambientais (o poluidor) a pagar a reparação dos danos que causou.

A regulamentação ambiental estabelece normas e procedimentos destinados a preservar o ambiente. Sem a responsabilidade civil, as consequências do incumprimento das normas e procedimentos existentes poderão ficar-se pelas meras sanções administrativas ou penais. Contudo, se a responsabilidade for adicionada à regulamentação, os potenciais poluidores também enfrentam a perspectiva de terem de pagar a reparação ou a compensação dos danos que causaram.

2.2. Tipos de danos ambientais a que a responsabilidade civil se adequa

Nem todas as formas de dano ambiental podem ser reparadas através da responsabilidade civil. Para que esta última seja eficaz, são necessárias as seguintes condições:

- existência de um (ou mais) actor(es) (poluidores) identificável(eis)

- o dano tem de ser concreto e quantificável, e

- é necessário estabelecer um nexo causal entre o dano e o(s) poluidor(es) identificado(s).

Por conseguinte, a responsabilidade civil pode ser aplicada, por exemplo, nos casos em que o dano resulte de acidentes industriais ou de uma poluição gradual causada pela libertação de substâncias ou resíduos perigosos para o ambiente por fontes identificáveis.

Contudo, a responsabilidade civil não é um instrumento adequado para lidar com a poluição de carácter disperso, difuso, em que é impossível relacionar os efeitos ambientais negativos com as actividades de determinados actores individuais. São exemplo disso os efeitos das alterações climáticas causadas pelas emissões de CO2 e outros gases, a morte das florestas devido à chuva ácida e a poluição atmosférica resultante do tráfego automóvel.

3. Razões que justificam um regime comunitário de responsabilidade ambiental e os seus efeitos previstos

3.1. Implementação dos princípios ambientais essenciais do Tratado CE

A responsabilidade ambiental é uma forma de implementar os principais princípios de política ambiental consagrados no Tratado CE (nº 2 do artigo 174º), sobretudo o princípio do poluidor-pagador. Se este princípio não for aplicado na cobertura dos custos da reparação dos danos ambientais, ou o ambiente fica sem reparação ou o Estado, e em última instância o contribuinte, tem de a pagar. Assim, um primeiro objectivo é tornar o poluidor responsável pelo dano que causou. Se os poluidores tiverem de pagar pelos danos causados, reduzirão a poluição até ao ponto em que o custo marginal da sua atenuação seja superior à compensação que evitam pagar. Deste modo, a responsabilidade ambiental leva à prevenção dos danos e à internalização dos custos ambientais [6] Esta responsabilidade também poderá levar à aplicação de uma maior precaução, que terá como resultado uma prevenção dos riscos e dos danos, além de poder encorajar o investimento em investigação e desenvolvimento para aumentar os conhecimentos e melhorar as tecnologias.

[6] A internalização dos custos ambientais significa que os custos de prevenir e reparar a poluição do ambiente serão pagos directamente pelas partes responsáveis pelos danos e não financiados pela sociedade em geral.

3.2. Assegurar a descontaminação e a restauração do meio ambiente

Para tornar o princípio do poluidor-pagador verdadeiramente operacional, os Estados-Membros devem assegurar uma descontaminação e restauração ou substituição efectivas do ambiente, nos casos em que exista um poluidor responsável, velando por que a compensação que este tem de pagar seja utilizada de forma adequada e eficaz para esse efeito.

3.3. Reforçar a implementação da legislação ambiental comunitária

Se a responsabilidade civil exercer o efeito preventivo atrás descrito e a reparação for assegurada quando os danos se verificarem, deverá melhorar igualmente o cumprimento da legislação ambiental comunitária. Por conseguinte, a ligação entre as disposições do regime comunitário de responsabilidade civil e a legislação ambiental existente assume grande importância. Embora a maioria dos Estados-Membros tenha introduzido leis nacionais para lidar com a responsabilidade estrita dos danos causados por actividades que são de algum modo perigosas para o ambiente, estas leis possuem âmbitos muito diferentes e muitas vezes não abrangem de forma coerente todos os danos causados pelas actividades contêm reconhecidamente um risco para o ambiente. Além disso, estes regimes de responsabilidade apenas são operacionais quando se trata de danos à saúde humana ou ao património, ou de zonas contaminadas. Em geral, não são aplicados aos danos aos recursos naturais. É, pois, importante, que um regime comunitário de responsabilidade ambiental também abranja os danos infligidos aos recursos naturais, pelo menos aqueles que já se encontram protegidos pelo direito comunitário, nomeadamente ao abrigo das directivas "Aves" e "Habitats", nas áreas designadas da rede Natura 2000 [7]. Os Estados- Membros deverão assegurar a reparação dos danos causados nestes recursos naturais protegidos, aconteça o que acontecer, mesmo nos casos em que um regime de responsabilidade não possa ser aplicado (por exemplo, se o poluidor não puder ser identificado), uma vez que se trata de uma obrigação imposta pela Directiva "Habitats". Os efeitos preventivos da responsabilidade civil deverão, por sua vez, ter um efeito de "estímulo" numa União alargada, facilitando assim a aplicação das regras ambientais pelos novos Estados-Membros.

[7] Directiva 79/409/CEE do Conselho relativa à conservação das aves selvagens, JO L 103, p. 1, e Directiva 92/43/CEE do Conselho relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, JO L 206, p. 7.

3.4. Permitir uma melhor integração

O Tratado de Amesterdão introduziu, no artigo 6º do Tratado CE, o princípio de que as exigências em matéria de protecção do ambiente devem ser integradas na definição e execução das outras políticas e acções da Comunidade. Um regime comunitário de responsabilidade ambiental que abranja todas as actividades regulamentadas pela comunidade que impliquem um risco para o ambiente (ver actividades que devem ser abrangidas no número 4.2.2) permitirá uma melhor integração das considerações ambientais nos diferentes sectores envolvidos através da internalização dos custos ambientais.

3.5. Melhorar o funcionamento do mercado interno

Mesmo que os principais objectivos de um regime comunitário sejam de natureza ambiental, ele também pode contribuir para criar uma situação de igualdade nas condições de concorrência no mercado interno. Este aspecto é importante, uma vez que a maior parte do comércio da União Europeia tem lugar no mercado interno, ou seja, o comércio intra-UE é mais importante para os Estados-Membros do que o comércio extra-UE e, por conseguinte, as diferenças de quadro legal e de custos que as empresas enfrentam no mercado interno têm mais importância do que as diferenças em relação a países terceiros.

Actualmente, a existência de qualquer problema de concorrência no mercado interno suscitado pelas diferenças nas abordagens à responsabilidade ambiental dos diversos Estados-Membros ainda é pouco clara. Isto poderá dever-se ao facto de os sistemas nacionais de responsabilidade ambiental serem relativamente novos na UE e ainda não estarem totalmente operacionais.

Contudo, a maioria dos regimes de responsabilidade ambiental existentes nos Estados-Membros não abrange os danos causados à biodiversidade. É concebível que o impacto económico destes últimos possa ser significativamente maior do que o impacto resultante das leis de responsabilidade civil nacionais existentes e atingir limiares em que as preocupações com a competitividade das empresas estabelecidas num Estado-Membro tornem recomendável que as autoridades nacionais aguardem uma iniciativa comunitária e se abstenham de impor unilateralmente a responsabilidade civil em relação à biodiversidade. Sendo assim, isto também justificaria a acção da União Europeia com base na necessidade de assegurar uma igualdade nas condições de concorrência no mercado interno.

As considerações anteriores sugerem que um regime comunitário de responsabilidade civil também deverá ser concebido tendo em vista a minimização dos possíveis impactos na competitividade da indústria da UE a nível externo [8] - uma questão que é especificamente analisada na secção 7. Esta é uma das razões para se aplicar uma abordagem gradual na introdução de um regime comunitário (ver também a secção 6).

[8] É de salientar a este respeito que, no quadro da legislação de responsabilidade ambiental, que também se aplica aos danos causados aos recursos naturais, os EUA aplicam impostos ajustados consoante as fronteiras aos sectores mais sensíveis, ou seja, as indústrias petrolífera e química.

3.6. Resultados esperados

Resulta daquilo que é dito no número 3.1 sobre a implementação dos princípios do poluidor-pagador, de prevenção e de precaução, que se espera que a responsabilidade civil gere incentivos para um comportamento mais responsável por parte das empresas. Contudo, é necessário que várias condições sejam preenchidas para que este efeito ocorra. Por exemplo, a experiência com a legislação do Superfund dos Estados Unidos (responsabilidade pela limpeza das zonas contaminadas) mostra a necessidade de evitar quaisquer possibilidades de contornar a responsabilidade civil por meio da transferência das actividades perigosas para empresas pouco capitalizadas, que se tornem insolventes em caso de danos significativos. Se as empresas conseguirem proteger-se contra os riscos da responsabilidade civil por meio de seguros, não tenderão a recorrer a esta via perversa. A disponibilidade de segurança financeira, por exemplo através de seguros, é, por conseguinte, importante para assegurar a eficácia da responsabilidade civil em termos ambientais, uma preocupação que é analisada na secção 4.9. A eficácia de qualquer regime de responsabilidade ambiental exige um sistema de segurança financeira exequível, o que significa que a segurança financeira deverá estar disponível em relação aos principais elementos constituintes do regime. Além disso, a eficácia da responsabilidade pelos danos ambientais (contrariamente aos danos tradicionais) depende da capacidade que as autoridades administrativas e judiciais tenham de tratar os processo de forma expedita, bem como da existência de meios adequados de acesso à justiça à disposição da população.

O efeito global da responsabilidade civil depende, pois, do contexto mais amplo e da concepção específica do regime de responsabilidade.

4. Características possíveis de um regime comunitário de responsabilidade ambiental

A presente secção oferece uma descrição das possíveis características principais de um regime comunitário. Todos ou alguns destes elementos terão de ser tidos em conta, dependendo da opção escolhida para a tomada de novas medidas (ver secção 5).

4.1. Ausência de retroactividade

Por motivos de segurança jurídica e legítima confiança, o regime comunitário apenas deverá funcionar prospectivamente. Os danos que forem conhecidos após a entrada em vigor do regime comunitário deverão estar abrangidos, a menos que o acto ou omissão que os originou tenha tido lugar antes dessa entrada em vigor. O tratamento da poluição herdada do passado deverá ficar ao cuidado dos Estados-Membros. Estes poderão criar, por exemplo, mecanismos de financiamento para tratar as zonas contaminadas existentes, ou os danos causados à biodiversidade, da maneira que melhor se adequar à sua situação nacional, tendo em conta elementos como o número de zonas nessas condições, a natureza da poluição e os custos da sua limpeza ou restauração. Para que o princípio da ausência de retroactividade seja aplicado de uma forma harmonizada, haverá que definir o conceito de "poluição passada" numa fase posterior.

São de prever algumas custas de transacção associadas à litigação respeitante ao ponto de separação entre aquilo que deverá ser considerado como poluição passada e a poluição abrangida pelo regime. Todavia, um sistema retroactivo teria impactos económicos significativamente mais elevados.

4.2. Âmbito do regime

O âmbito do regime tem de ser abordado de dois ângulos diferentes: primeiro, os tipos de danos a cobrir e, segundo, as actividades que dão origem a esses danos e que devem ser abrangidas. Os parágrafos seguintes expõem o modo como esta questão poderá ser resolvida.

4.2.1. Danos a cobrir

Danos ambientais

Uma vez que o regime diz respeito à responsabilidade ambiental, os danos ambientais deverão estar abrangidos. Ora isto não é, à partida, tão evidente como poderá parecer: várias leis nacionais designadas por "lei da responsabilidade ambiental" (ou por nomes semelhantes) tratam de tipos de danos tradicionais, tais como os danos pessoais ou patrimoniais, e não com os danos causados ao ambiente em si mesmo. Os danos são abrangidos por essas leis, se forem causados por actividades consideradas perigosas para o ambiente, ou se forem causados por efeitos que originem danos (tradicionais) por intermédio do ambiente (por exemplo, poluição do ar ou da água). São exemplos dessa legislação a Lei Alemã da Responsabilidade Ambiental, de 1990, e a Lei Dinamarquesa das Compensações por Danos Ambientais, de 1994. Em algumas outras leis nacionais, a degradação do ambiente também se encontra abrangida, juntamente com os danos tradicionais, mas raramente são apresentadas quaisquer outras regras para especificar este conceito.

No presente Livro Branco, dois tipos diferentes de danos são reunidos sob a designação de "danos ambientais", devendo ambos ser abrangidos por um regime comunitário, nomeadamente:

a) Danos causados à biodiversidade

b) Danos sob a forma de contaminação de locais.

A maioria dos Estados-Membros ainda não começou a abranger explicitamente os danos causados à biodiversidade nos seus regimes de responsabilidade ambiental. Contudo, todos os Estados-Membros possuem leis ou programas para tratar da responsabilidade pelas zonas contaminadas. Na sua maioria, são leis administrativas que visam assegurar a descontaminação das zonas poluídas a expensas do poluidor (e/ou de outros).

Danos tradicionais

Para uma abordagem coerente é importante abranger também os danos tradicionais, como os danos a pessoas e bens, caso tenham sido causados por uma actividade perigosa abrangida pelo âmbito de aplicação do regime, uma vez que, em muitos casos, os danos tradicionais e os danos ambientais resultam de um mesmo acontecimento. Cobrir apenas os danos ambientais com o regime comunitário e deixar a responsabilidade pelos danos tradicionais inteiramente aos Estados-Membros poderia originar resultados injustos (por exemplo, nenhuma reparação ou uma reparação menor para os danos pessoais do que para os danos ambientais causados pelo mesmíssimo incidente). Além disso, a saúde humana - um importante objectivo político por direito próprio - é um interesse estreitamente interligado com a protecção do ambiente: o nº 1 do artigo 174º do Tratado CE determina que a política da Comunidade no domínio do ambiente contribuirá para a prossecução (entre outras coisas) do objectivo da protecção da saúde das pessoas.

4.2.2. Actividades abrangidas

O objectivo de quase todos os regimes nacionais de responsabilidade ambiental é cobrir as actividades [9] que contêm um risco intrínseco de causar danos. Muitas dessas actividades encontram-se presentemente regulamentadas pela legislação comunitária no domínio do ambiente, ou por legislação comunitária que possui um objectivo ambiental a par dos seus outros objectivos.

[9] No presente documento, a manipulação de substâncias que possuem esse risco intrínseco também está incluída na referência a actividades (perigosas).

Para ser coerente, o quadro do regime de responsabilidade tem de estar ligado à legislação comunitária relevante em matéria de protecção do ambiente. Além de assegurar a restauração do ambiente em casos em que, actualmente, esta não é possível, o regime de responsabilidade também forneceria, deste modo, incentivos adicionais para uma correcta observância das leis nacionais que transpõem a legislação ambiental comunitária. Uma infracção a essa legislação incorreria não só em sanções administrativas ou penais, mas também, se ocorressem danos, numa obrigação imposta ao causador (poluidor) de reparar os danos ou pagar uma compensação pelo valor perdido do património danificado. Esta abordagem de âmbito fechado, associada à legislação comunitária existente, tem além do mais a vantagem de assegurar um nível óptimo de segurança jurídica.

As actividades a abranger, no que diz respeito aos danos pessoais ou patrimoniais e às zonas contaminadas, poderiam ser as que estão regulamentadas nas seguintes categorias de legislação comunitária: legislação contendo limites de descarga ou de emissão para as substâncias perigosas presentes na água ou na atmosfera; legislação que trata das substâncias e preparações perigosas tendo (também) em vista a protecção do ambiente; legislação com o objectivo de prevenir e controlar os riscos de acidentes e de poluição, nomeadamente a Directiva IPPC e a Directiva Seveso II, alterada; legislação relativa à produção, manipulação, tratamento, valorização, reciclagem, redução, armazenamento, transporte, transferências transfronteiras e eliminação dos resíduos perigosos e outros; legislação no domínio da biotecnologia e legislação no domínio do transporte de substâncias perigosas. Na configuração futura de uma iniciativa comunitária, será necessário definir o âmbito das actividades com maior precisão, estabelecendo, por exemplo, uma lista de todos os actos da legislação comunitária relevante com os quais o regime de responsabilidade civil deveria ser ligado. Além disso, algumas destas actividades, como as referentes aos organismos geneticamente modificados (OGM), não são perigosas em si mesmas, mas têm potencialidades para, em determinadas circunstâncias, causarem danos à saúde ou ambientais significativos. Isto poderia acontecer, por exemplo, em caso de fuga de uma instalação de confinamento de alto nível ou em relação aos resultados imprevistos de uma libertação deliberada. Por este motivo, considera-se adequado que tais actividades sejam incluídas no âmbito de um regime de responsabilidade civil a nível comunitário. Nestes casos, a definição precisa do regime, por exemplo, as causas de justificação que deverão ser permitidas, poderá não ser a mesma para todas as actividades relacionadas com os OGM, mas poderão ter de ser diferenciadas de acordo com a legislação pertinente e as actividades envolvidas.

Um factor importante a ter em conta no que diz respeito aos danos causados à biodiversidade é a existência de uma legislação comunitária específica destinada a conservar a biodiversidade, nomeadamente a Directiva "Aves" e a Directiva "Habitats". Estas directivas estabelecem um regime, a implementar através da rede Natura 2000, de protecção especial dos recursos naturais, nomeadamente os que são importantes para a conservação da biodiversidade. Elas contêm, nomeadamente, exigências de que os danos significativos aos recursos naturais protegidos sejam reparados. Os Estados-Membros são os destinatários dessas obrigações. O regime de responsabilidade ambiental forneceria o instrumento para obrigar o poluidor a pagar pela reparação desses danos. Uma vez que o objectivo das duas directivas é a protecção dos recursos naturais em questão, independentemente da actividade que lhes causou os danos, e dado esses recursos serem vulneráveis e também poderem, por conseguinte, ser danificados com bastante facilidade por outras actividades para além das intrinsecamente perigosas, um regime de responsabilidade aplicável aos danos causados à biodiversidade deveria abranger igualmente outras actividades, para além das perigosas, que causam danos significativos nas áreas protegidas ao abrigo da rede Natura 2000. Contudo, o tipo de responsabilidade, neste caso, deverá ser diferente da responsabilidade aplicável aos danos causados por actividades perigosas, como é explicado no número 4.3.

4.3. O tipo de responsabilidade, as causas de justificação permitidas e o ónus da prova

A responsabilidade estrita significa que não é necessário determinar a culpa do agente, mas apenas o facto de o acto (ou omissão) ter causado o dano. À primeira vista, a responsabilidade baseada na culpa [10] poderá parecer mais eficiente do ponto de vista económico do que a responsabilidade estrita, visto que os incentivos para as despesas de atenuação não excedem os benefícios da redução das emissões. Todavia, os regimes de responsabilidade ambiental nacionais e internacionais mais recentes tendem a ser baseados no princípio da responsabilidade estrita, porque se parte do princípio de que é mais fácil atingir os objectivos ambientais dessa forma. Uma das razões para que isto aconteça é a grande dificuldade que os queixosos têm de provar a culpa do arguido nos processos de responsabilidade ambiental. Outra razão é a convicção de que deve ser a pessoa que exerce uma actividade intrinsecamente perigosa a suportar o risco de a sua actividade poder causar danos, e não a vítima ou a sociedade em geral. Estas razões militam a favor de um regime comunitário baseado, regra geral, na responsabilidade estrita. Tal como é referido no número 4.2.2, os danos causados à biodiversidade deveriam ser abrangidos pela responsabilidade ambiental, quer fossem causados por uma actividade perigosa, quer não. Propõe-se, todavia, que seja aplicado uma responsabilidade baseada na culpa em vez da responsabilidade estrita a esses danos se estes forem causados por uma actividade não perigosa. As actividades realizadas em conformidade com as medidas de implementação das directivas "Aves" e "Habitats" que visam salvaguardar a biodiversidade não suscitariam a responsabilidade civil da pessoa que exerce a actividade, a não ser se houver culpa. Essas actividades podem realizar-se, por exemplo ao abrigo de um contrato agro-ambiental em conformidade com o Regulamento do Conselho relativo ao apoio ao desenvolvimento rural [11]. O Estado será responsável pela reparação ou pela compensação dos danos causados à biodiversidade por uma actividade não perigosa, caso a culpa do seu causador não possa ser provada.

[10] A responsabilidade baseada na culpa existe quando um operador age de forma incorrecta intencionalmente, por negligência ou por falta de cuidado. Tal acto (ou omissão) pode envolver o incumprimento de normas jurídicas ou das condições de uma licença ou pode assumir qualquer outra forma.

[11] Regulamento (CE) nº 1257/99 do Conselho (JO L160 p. 80).

No quadro de um regime de responsabilidade ambiental, haveria que assegurar a coerência com outras políticas comunitárias e com as medidas que aplicam essas políticas.

A eficácia de um regime de responsabilidade depende não só do carácter básico do regime, mas também de elementos como as causas de justificação permitidas e a divisão do ónus de prova. Os efeitos positivos da responsabilidade estrita não deverão, portanto, ser prejudicados pela permissão de demasiadas causas de justificação, ou pela imposição de um ónus da prova impossível ao queixoso.

Causas de justificação

As causas de justificação comummente aceites deverão ser permitidas, como o caso de força maior, a contribuição para os danos ou o consentimento por parte do queixoso e a intervenção de terceiros (um exemplo desta última causa de justificação é o caso em que um operador causou danos através de uma actividade realizada em obediência a uma ordem compulsiva dada por um autoridade pública). [12]

[12] Há determinados aspectos processuais que também podem ser relevantes com vista à contestação da responsabilidade, tais como a falta de jurisdição do tribunal que instaura o processo ou questões de limitação.

Várias partes interessadas, em especial os operadores económicos, expressaram o ponto de vista de que também deveria ser permitida uma causa de justificação em relação aos danos causados por emissões para o ambiente autorizadas nas regulamentações comunitárias, devido ao estado da arte e/ou como risco de desenvolvimento. Por razões económicas, eles necessitam de previsibilidade no que se refere às suas responsabilidades em relação a terceiros, mas a ocorrência e a extensão destas responsabilidades estão de qualquer modo sujeitas a uma evolução contínua (por exemplo, alterações na legislação e na jurisprudência, progressos médicos, etc.). As causas de justificação como as aqui mencionadas não são normalmente autorizadas pelos regimes nacionais de responsabilidade ambiental em vigor nos Estados-Membros da UE.

As decisões sobre essas causas de justificação deverão ter em conta todos os impactos pertinentes, entre os quais os eventuais efeitos nas PME (ver igualmente a secção 7).

Ónus da prova

Nos processos relativos ao ambiente, o queixoso poderá ter mais dificuldade do que o arguido em provar factos respeitantes à ligação causal (ou à sua ausência) entre uma actividade realizada pelo arguido e os danos ocasionados. Por isso, vários regimes de responsabilidade ambiental nacionais contêm disposições destinadas a aliviar o ónus da prova em relação à culpa ou à causalidade a favor do queixoso. O regime comunitário também poderá conter uma ou outra forma de alívio do ónus da prova tradicional, permitindo que seja definida com maior precisão numa fase posterior.

Aplicação da equidade

Poderão ocorrer determinadas circunstâncias que tornem injusto que o poluidor tenha de pagar totalmente a compensação pelos danos que causou. Poderá ser concedida alguma latitude ao tribunal (ou a qualquer outro organismo competente, designadamente um organismo de arbitragem) para que decida - por exemplo, nos casos em que o operador que causou os danos possa provar que estes foram inteira e exclusivamente provocados por emissões explicitamente autorizadas na licença de que é titular - que parte da compensação deverá ser paga pela autoridade que concede as licenças, em vez do poluidor. Seria ainda necessário definir outros critérios para uma tal disposição, por exemplo o de que o operador responsável tivesse feito todos os possíveis para evitar os danos.

4.4. Quem deve ser responsável-

A pessoa (ou pessoas) que exerce(m) o controlo de uma actividade (abrangida pela definição do âmbito) causadora do dano (isto é, o operador) deve ser a parte responsável ao abrigo de um regime comunitário de responsabilidade ambiental [13]. Se a actividade é realizada por uma empresa sob a forma de pessoa colectiva, a responsabilidade é da pessoa colectiva e não dos gestores (decisores) ou outros empregados que possam ter participado na actividade. As entidades que concedem empréstimos sem exercer qualquer controlo operacional não deverão ser responsáveis.

[13] Contudo, os Estados-Membros também podem responsabilizar outras partes, com base no artigo 176º do Tratado CE.

4.5. Critérios para os diferentes tipos de danos

Há diferentes abordagens indicadas para lidar com os diferentes tipos de danos. Em relação aos danos causados à biodiversidade, não existem regras e critérios de responsabilidade em número significativo, sendo pois necessário desenvolvê-los. No que diz respeito à responsabilidade pelas zonas contaminadas, já existem leis e sistemas nacionais, mas são bastante diferentes entre si. Os danos tradicionais deverão ser tratados de forma coerente em relação às outras formas, ambientais, de danos, o que só poderá ser alcançado se as regras fundamentais forem as mesmas para cada tipo de danos.

4.5.1. Danos causados à biodiversidade

Dado que esta área não está geralmente abrangida pelas regras de responsabilidade civil dos Estados-Membros, um regime de responsabilidade comunitário poderia dar início à cobertura deste tipo de danos, dentro dos limites da legislação comunitária existente em matéria de biodiversidade.

- Que danos causados à biodiversidade deverão ser cobertos-

Os danos causados à biodiversidade, que esteja protegida nas áreas da rede Natura 2000, com base nas directivas relativas aos habitats e às aves selvagens, deverão ser cobertos. Tais danos poderiam assumir a forma de danos aos habitats, à fauna selvagem ou a espécies de plantas, como se define nos anexos às directivas em questão.

- Quando devem os danos causados à biodiversidade ser cobertos-

Deverá existir um limiar mínimo para desencadear o regime: só os danos significativos devem ser cobertos. Os critérios para determinar este limiar deverão ser obtidos, em primeiro lugar, a partir da interpretação deste conceito no contexto da Directiva "Habitats" [14].

[14] Em breve, será publicado um documento dos serviços da Comissão sobre a interpretação deste e de outros conceitos no contexto do artigo 6º da Directiva "Habitats".

- Como avaliar os danos causados à biodiversidade e assegurar a sua reparação a custos razoáveis-

A avaliação económica dos danos causados à biodiversidade assume uma importância especial nos casos em que os danos são irreparáveis. Contudo, mesmo que a reparação dos danos seja exequível, também têm de existir critérios de avaliação para o recurso natural danificado, a fim de evitar que os custos da sua restauração sejam desproporcionados. Terá de ser realizada uma análise de custo-benefício ou uma análise de razoabilidade, caso a caso. O ponto de partida para uma tal análise, nos casos em que a restauração é exequível, deverá ser os custos de restauração (incluindo os custos da avaliação dos danos). Para avaliar os benefícios do recurso natural [15], é necessário elaborar um sistema para o qual se poderá recolher inspiração em alguns sistemas existentes ou actualmente em desenvolvimento a nível regional (por exemplo, Andaluzia, Hessen).

[15] Por exemplo, a presença do pica-pau mediano (ver primeira página), uma espécie protegida ao abrigo da Directiva "Aves".

Se a restauração não for tecnicamente possível, ou apenas o for parcialmente, a avaliação dos recursos naturais tem de basear-se nos custos de soluções alternativas, visando a instalação de recursos naturais equivalentes aos recursos naturais destruídos, de modo a restabelecer o nível de conservação da natureza e de biodiversidade incorporado na rede Natura 2000.

A avaliação dos recursos naturais poderá ser mais ou menos dispendiosa, consoante o método utilizado. Os métodos de avaliação económica, como a avaliação contingente, os custos de transporte e outras formas de técnicas de preferência revelada, que exigem a realização de questionários a um grande número de pessoas podem ser dispendiosos se forem efectuados em todos os casos. A utilização de técnicas de "transferência de benefícios" podem, todavia, reduzir os custos significativamente. O desenvolvimento de bases de dados sobre a transferência de benefícios, tais como o Inventário de Recursos para Avaliação Ambiental (EVRI), que contém material de avaliação relevante, é particularmente importante. Estas bases de dados podem ser utilizadas para contextualizar o problema e como uma fonte de avaliação directamente comparável.

- Como assegurar um nível mínimo de restauração-

A restauração deverá visar a reposição do estado em que se encontrava o recurso natural antes de ocorrer o dano. Para calcular esse estado, podem ser utilizados dados históricos e dados de referência (as características normais do recurso natural em causa). A reprodução da qualidade e da quantidade dos recursos naturais não será possível, na maioria das vezes, ou apenas será possível mediante custos extremos. Por conseguinte, o objectivo a atingir deverá ser antes o de repor os recursos danificados numa condição comparável, tendo igualmente em consideração factores como a função e a utilização futura presumível dos recursos danificados.

- O impacto dos danos causados à biodiversidade nos custos de prevenção e restauração

Os danos causados à biodiversidade, na acepção do presente Livro Branco, apenas podem verificar-se nas zonas protegidas ao abrigo das directivas "Habitats" e "Aves", as quais, uma vez implantada a rede Natura 2000, deverão abranger até cerca de 10% do território comunitário. Nestas áreas apenas poderão ser realizadas actividades que não prejudiquem o ambiente. Isto significa que o grosso dos danos ambientais causados a estas zonas só poderá advir de instalações que desenvolvam actividades perigosas em localidades próximas. Contudo, estas instalações já se encontram abrangidas pelos outros pilares do regime proposto, que abordam os danos sob a forma de danos tradicionais e de contaminação de locais. Disto resulta que o único custo adicional para estas actividades, devido à cobertura da biodiversidade, é o referente à prevenção dos danos e à restauração da biodiversidade em conformidade com os critérios previstos no Livro Branco.

Uma vez que, como foi dito, não deverão ser desenvolvidas actividades perigosas nas áreas protegidas, os danos à biodiversidade que nelas ocorram só excepcionalmente serão causados por indústrias ou grandes instalações abrangidas pela Directiva IPPC, para as quais os custos e a competitividade constituem uma questão crucial. Assim, o impacto da responsabilidade pelos danos causados à biodiversidade será mínimo no caso destas indústrias. Por outro lado, as actividades não prejudiciais para o ambiente autorizadas nas áreas protegidas, pela sua própria natureza, internalizarão provavelmente de forma pouco onerosa os níveis desejados de prevenção e restauração.

4.5.2. Zonas contaminadas

A maioria dos Estados-Membros possui leis ou programas especiais para resolver o problema da limpeza das zonas contaminadas, tanto antigas como recentes. O regime comunitário deverá visar a aplicação dos princípios ambientais (poluidor-pagador, de prevenção e de precaução) à contaminação recente e com um certo nível de harmonização em matéria de normas e objectivos de limpeza. Nas zonas contaminadas, aplicar-se-á a abordagem em termos de actividades perigosas e o regime apenas será desencadeado se a contaminação for significativa. As zonas contaminadas incluem o solo, as águas superficiais e as águas subterrâneas. Sempre que uma área protegida ao abrigo da legislação relativa à biodiversidade faça parte de uma zona contaminada, o regime para os danos causados à biodiversidade aplicar-se-á a essa área, em complemento do regime para as zonas contaminadas. Isto poderá significar que a restauração dos recursos naturais afectados tem de ser realizada depois da descontaminação da zona em causa.

- Normas de limpeza

Trata-se de normas para avaliar e decidir se é ou não necessário limpar uma zona contaminada. Tal como acontece com a biodiversidade, só os danos significativos serão cobertos nesta área. O principal critério qualitativo para este efeito será o seguinte: a contaminação suscita uma ameaça grave para o Homem e o ambiente-

- Objectivos da limpeza

Estes objectivos devem definir a qualidade do solo e da água da zona que deve ser mantida ou restaurada. O principal objectivo deverá ser o de eliminar toda e qualquer ameaça grave para o Homem e o ambiente. Os limiares aceitáveis seriam determinados de acordo com as melhores técnicas disponíveis em condições económica e tecnicamente viáveis (como no caso da Directiva IPPC). Outro objectivo deverá ser o de pôr o solo em condições para uma utilização efectiva e plausível dos terrenos. Estes objectivos qualitativos devem, sempre que possível, ser combinados com normas numéricas quantificadas que indiquem a qualidade do solo e da água que deve ser obtida. Se a limpeza não for exequível, por razões económicas ou por razões técnicas, o confinamento total ou parcial poderá ser uma possibilidade.

4.5.3 Danos tradicionais

A definição de danos tradicionais, nomeadamente os danos a pessoas e bens e possivelmente as perdas económicas continuarão a ser da responsabilidade dos Estados-Membros. Todos os elementos do regime tratados no presente Livro Branco deverão, todavia, ser igualmente aplicados aos danos tradicionais, com excepção das regras específicas sobre o acesso à justiça (4.7) e dos critérios específicos para a reparação e a avaliação dos danos ambientais (4.5.1 e 4.5.2). No que se refere aos danos tradicionais, o regime comunitário não deverá introduzir um conceito de "danos significativos".

4.5.4 Relação com a Directiva relativa à responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos [16]

[16] Directiva 85/374/CEE do Conselho relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos; JO 85, L210, p.29, alterada pela Directiva 99/34/CE; JO 99, L141, p. 20.

A Directiva relativa à responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos trata dos danos a pessoas e bens (isto é, danos tradicionais) causados por um produto defeituoso, mas não abrange os danos ambientais. As sobreposições entre os dois regimes de responsabilidade não podem ser excluídos no domínio dos danos tradicionais. É o que poderá acontecer, por exemplo, quando os danos são causados por um produto que contenha substâncias perigosas e que seja um produto defeituoso devido a uma maior presença de substâncias químicas do que a permitida pela legislação comunitária em matéria de ambiente. Num caso desses, a Directiva relativa à responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos deverá prevalecer como a legislação aplicável quando for exigida uma compensação por danos tradicionais [17]

[17] A Comissão publicou recentemente um Livro Verde sobre a responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos, a fim de reunir informações sobre a aplicação efectiva da directiva e iniciar um debate sobre a eventual necessidade de uma revisão substancial da mesma.

4.6. Assegurar uma descontaminação e restauração efectivas do meio ambiente

Uma obrigação comum aos danos causados à biodiversidade e à contaminação de locais deverá ser a de que a indemnização ou compensação paga pelo poluidor para a restauração ou limpeza terá de ser efectivamente gasta para esse efeito. Se a reparação dos danos não for, ou só for parcialmente, possível, por razões técnicas ou económicas (custo-benefício), a compensação correspondente ao valor dos danos não reparados deve ser gasta em projectos comparáveis de restauração ou melhoramento de recursos naturais protegidos. A determinação dos projectos comparáveis pelas autoridades competentes deverá depender de uma análise minuciosa dos benefícios ambientais obtidos.

4.7. Acesso à justiça

O processo de danos causados ao ambiente é diferente do processo de danos tradicionais, em que as vítimas têm o direito de apresentar queixa junto dos órgãos administrativos ou judiciais competentes com vista a salvaguardar os seus interesses privados. Dado que a protecção do ambiente é um interesse público, o Estado (incluindo outros sectores da governação) tem a primeira responsabilidade de agir se o ambiente sofrer danos, ou estiver ameaçado de os sofrer. Contudo, há limites para a disponibilidade dos recursos públicos para este efeito e é cada vez mais reconhecido que o público em geral se deveria sentir responsável pelo ambiente e ser capaz, em determinadas circunstâncias, de agir em sua defesa. A Comissão referiu-se à necessidade desse melhor acesso à justiça na sua Comunicação ao Conselho e ao Parlamento sobre a "Implementação da legislação comunitária em matéria de ambiente" [18].

[18] COM (96) 500 final. "O melhor acesso aos tribunais por parte das organizações não governamentais e dos indivíduos teria numerosos efeitos positivos no que diz respeito à implementação da legislação ambiental comunitária. Em primeiro lugar, tornará mais provável que, quando necessário, os processos individuais relativos a problemas de aplicação da legislação comunitária sejam resolvidos de acordo com os requisitos do direito comunitário. Em segundo lugar, e provavelmente com mais importância, terá um efeito geral de melhorar a aplicação prática e a execução do direito ambiental da Comunidade, em geral, uma vez que os agentes potencialmente responsáveis tenderão a cumprir os seus requisitos a fim de evitar a maior probabilidade de litigação" (p. 12).

Um importante instrumento jurídico neste domínio é a Convenção de Århus [19]. Nela se incluem disposições específicas sobre o acesso à justiça que constituem uma base para diferentes acções por parte de indivíduos e de grupos de interesse público. Entre estas acções contam-se as seguintes: contestar uma decisão de uma autoridade pública em tribunal ou noutro órgão independente e imparcial criado por lei (o direito de controlo administrativo e judicial), solicitar medidas correctivas adequadas e eficazes, incluindo acções inibitórias, e contestar actos e omissões por parte de particulares e autoridades públicas que infrinjam o direito ambiental [20]. Um regime de responsabilidade ambiental comunitário poderá contribuir para a aplicação da Convenção no direito comunitário, de acordo com as orientações seguintes.

[19] Convenção das Nações Unidas/Comissão Económica para a Europa sobre o acesso à informação, a participação pública na tomada de decisões e o acesso à justiça em questões ambientais, que foi adoptada e assinada, também pela Comunidade, na Quarta Conferência Ministerial realizada em Århus (Dinamarca), em 23-25 de Junho de 1998.

[20] Artigo 9º da Convenção de Århus.

4.7.1. "Abordagem em duas camadas": o Estado deve ser responsável em primeiro lugar

Os Estados-Membros devem estar sujeitos ao dever de serem os primeiros a assegurar a reparação dos danos causados à biodiversidade e a um dever de descontaminação (primeira camada), utilizando a compensação ou a indemnização pagas pelo poluidor. Deve considerar-se que os grupos de interesse público que promovem a protecção do ambiente (e preenchem os requisitos pertinentes nos termos do direito nacional) têm um interesse na tomada de decisões no domínio do ambiente [21]. Em geral, os grupos de interesse público devem obter o direito de agir de forma subsidiária, isto é, apenas se o Estado não agir ou agir de forma inadequada (segunda camada). Esta abordagem deve ser aplicável ao controlo administrativo e judicial e às acções contra o poluidor.

[21] Nº 5 do artigo 2º da Convenção de Århus.

4.7.2. Casos urgentes (acções inibitórias, custos da acção preventiva)

Nos casos urgentes, os grupos de interesse devem ter o direito de solicitar directamente ao tribunal uma acção inibitória, a fim de obrigar o poluidor (potencial) a agir ou abster-se de agir, prevenir danos significativos ou evitar que sejam causados danos futuros no ambiente. Para este fim, devem ser autorizados a proceder judicialmente contra o alegado poluidor, sem terem de se dirigir primeiramente ao Estado. O direito de interpor uma acção para obtenção de medidas preventivas ou reparadoras pode visar a proibição de uma actividade prejudicial ou uma ordem contra o operador para que este previna os danos, antes ou depois de um incidente, ou para que desenvolva medidas de recuperação. Compete ao tribunal decidir se essa acção inibitória se justifica.

A possibilidade de apresentar pedidos de reembolso de custos razoáveis em que tenham incorrido na tomada de medidas preventivas urgentes (isto é, para evitar danos ou novos danos) deverá ser concedida, numa primeira instância, aos grupos de interesse, sem que estes tenham de pedir primeiramente que uma autoridade pública tome medidas.

4.7.3. Assegurar conhecimentos especializados suficientes e evitar custos desnecessários

Só os grupos de interesse que cumpram critérios qualitativos objectivos deverão ter a possibilidade de proceder judicialmente conta o Estado ou o poluidor. A restauração do ambiente deverá ser realizada em cooperação com as autoridades públicas e de uma forma optimizada e economicamente eficiente. A disponibilidade de conhecimentos especializados específicos e o envolvimento de peritos e cientistas independentes e reconhecidos poderá desempenhar um papel fundamental.

Uma vez que haverá inevitavelmente custos envolvidos na utilização dos direitos de acesso à justiça, valerá a pena investigar de que modo as soluções extrajudiciais, como a arbitragem ou a mediação, poderão ser utilizadas neste contexto. Essas soluções visam poupar tempo e despesas.

4.8. Relação com as convenções internacionais

Há um número crescente de convenções e protocolos internacionais que tratam da responsabilidade (ambiental) em diversos domínios. Há muito que existe, por exemplo, um conjunto de convenções e protocolos respeitantes a danos causados pelas actividades nucleares e também no domínio da poluição marinha causada por hidrocarbonetos. Mais recentemente, foi estabelecida uma convenção sobre os danos causados pelo transporte marítimo de substâncias perigosas e tóxicas, a qual está a ser actualmente considerada pelos Estados-Membros tendo em vista a sua possível ratificação. Todas estas convenções são baseadas numa responsabilidade estrita, mas limitada, e no conceito de um segundo nível de compensação. No caso da poluição por hidrocarbonetos, o segundo nível é constituído por um fundo, conjuntamente mantido pelas empresas petrolíferas que para ele contribuem nos países importadores, que compensa - também até um determinado limite - as responsabilidades que ultrapassam a dos armadores dos navios. Tendo em conta os recentes acidentes de poluição marinha, deveria analisar-se se o regime internacional deverá ser complementado por medidas comunitárias. A Comissão irá elaborar uma Comunicação sobre a segurança dos petroleiros (Junho de 2000) analisando, designadamente, a necessidade de um regime complementar comunitário relativo à responsabilidade pelos derrames petrolíferos. Serão examinadas as diferentes opções neste domínio, tomando em consideração o carácter específico do sector. De um modo mais geral, um futuro regime comunitário em matéria de responsabilidade ambiental terá de clarificar até que ponto existe margem para a aplicação desse regime nas áreas que já se encontrem cobertas pelo direito internacional.

4.9. Segurança financeira

A cobertura por seguro é importante para garantir o cumprimento dos objectivos de um regime de responsabilidade ambiental.

Foi constatado que a responsabilidade estrita levava à criação de empresas-satélites, ou à delegação das actividades de produção arriscadas das empresas maiores em empresas mais pequenas, com o intuito de fugir à responsabilidade. Estas empresas mais pequenas, que carecem frequentemente dos recursos necessários para possuírem sistemas de gestão dos riscos tão eficazes como as empresas maiores do mesmo ramo, tornam-se frequentemente responsáveis por uma percentagem mais elevada dos danos causados do que a sua dimensão permitiria supor. Quando causam danos, também são menos susceptíveis de possuir os recursos financeiros para pagarem a reparação desses danos. A disponibilidade de seguros reduz os riscos a que as empresas estão expostas (transferindo-os em parte para as seguradoras). Deste modo, também seriam menos propensas a tentar fugir à responsabilidade [22].

[22] Por outro lado, uma empresa que tenha a possibilidade de fazer um seguro contra os danos que poderá potencialmente causar aos recursos naturais continua a ter interesse em comportar-se de forma responsável. Isto acontece porque, para obter uma apólice de seguro, uma empresa tem normalmente de passar por uma auditoria ambiental, é muitas vezes obrigada a possuir um sistema eficaz de gestão dos riscos e, se for necessário pagar uma indemnização de seguro, é frequentemente obrigada a suportar uma parte dos custos.

A disponibilidade de seguros para os riscos ambientais e, em especial, para os danos causados aos recursos naturais, irá aumentar provavelmente, de forma gradual. Enquanto não existirem mais técnicas de medição geralmente aceites para quantificar os danos ambientais, a amplitude da responsabilidade será difícil de prever. Contudo, o cálculo de tarifas relacionadas com o risco é importante para a satisfação das responsabilidades financeiras previstas nos contratos dos seguros e as companhias de seguros são obrigadas a estabelecer disposições técnicas adequadas em todas as ocasiões. O desenvolvimento de critérios qualitativos e quantitativos fiáveis para o reconhecimento e a medição dos danos ambientais melhorará a segurança financeira à disposição do regime de responsabilidade e contribuirá para a sua viabilidade, mas isto não acontecerá de um dia para o outro e continuará, provavelmente, a ser dispendioso. Este facto justifica que se adopte uma abordagem cuidadosa no estabelecimento do regime de responsabilidade.

A fixação de um limite máximo para as indemnizações pelos danos causados aos recursos naturais poderá aumentar as possibilidades de um desenvolvimento rápido do mercado de seguros neste domínio, muito embora debilite a aplicação efectiva do princípio do poluidor-pagador.

Quando se analisa o mercado de seguros - sendo os seguros uma das formas possíveis de prover à segurança financeira, a par, por exemplo, das garantias bancárias, as reservas internas ou os sistemas de "pooling" sectoriais - verifica-se que a cobertura dos riscos de dano ambiental ainda se encontra relativamente pouco desenvolvida, embora estejam a ser realizados nítidos progressos em sectores do mercado de seguros especializados nesta área. Um exemplo é o desenvolvimento de novos tipos de apólices de seguros para cobrir os custos envolvidos na limpeza das zonas contaminadas nos Países Baixos.

A cobertura por seguro dos riscos de dano ambiental é essencial para a segurança financeira mas depende consideravelmente da segurança jurídica e da transparência proporcionadas pelo regime de responsabilidade. Todavia, os regimes de responsabilidade ambiental de quase todos os Estados-Membros ainda não instituíram a segurança financeira como requisito legal. Nos casos em que isso foi feito, nomeadamente na Lei Alemã da Responsabilidade Ambiental, a implementação da disposição em causa deparou com dificuldades, que até à data impediram a promulgação do necessário decreto regulamentador.

As preocupações dos sectores financeiros são uma das razões da abordagem gradual mencionada no presente documento (ver secção 6). A gama restrita de actividades perigosas, a limitação aos recursos naturais que já se encontram protegidos pelo direito comunitário existente e a limitação aos danos significativos são tudo aspectos que contribuem para tornar os riscos suscitados pelo regime mais calculáveis e manejáveis. Além disso, o regime comunitário não deverá impor a obrigação de ter uma segurança financeira, a fim de permitir a flexibilidade necessária enquanto ainda for necessário acumular experiência com o novo regime. A oferta de segurança financeira por parte dos sectores de seguros e bancário para os riscos resultantes do regime deverá ocorrer voluntariamente. A Comissão tenciona continuar os debates com estes sectores, a fim de estimular o futuro desenvolvimento de instrumentos específicos de garantia financeira.

5. Diferentes opções de acção comunitária

Várias opções e instrumentos diferentes foram considerados no decurso do processo de desenvolvimento de uma abordagem à responsabilidade ambiental. Nesta secção descrevem-se os principais, bem como as respectivas vantagens e desvantagens.

5.1. A adesão da Comunidade à Convenção de Lugano

Em 1993, foi adoptada a Convenção do Conselho da Europa sobre a responsabilidade civil por danos resultantes de actividades perigosas para o ambiente. A Comissão e todos os Estados-Membros participaram nas negociações. A Convenção contém um regime de responsabilidade ambiental que abrange todos os tipos de danos (tanto os tradicionais, nomeadamente os danos causados a pessoas e bens, como a degradação do ambiente per se), quando causados por uma actividade perigosa. As actividades perigosas no domínio das substâncias perigosas, da biotecnologia e dos resíduos são objecto de uma definição mais aprofundada. O âmbito é aberto no sentido em que outras actividades, para além das que são explicitamente referidas, também poderão ser classificadas como perigosas. O público tem à sua disposição um resumo da história, do conteúdo e dos signatários desta convenção.

A adesão da Comunidade a esta convenção teria a vantagem de estar de acordo com o princípio da subsidiariedade a nível internacional (não deve ser estabelecida uma nova legislação comunitária se o problema em causa puder ser resolvido pela adesão da Comunidade a uma convenção internacional já existente). Além disso, a Convenção possui uma cobertura abrangente (todos os tipos de danos resultantes de actividades perigosas) e um âmbito amplo e aberto, que tem o mérito de apresentar um sistema coerente e de tratar os operadores de todas as actividades perigosas da mesma maneira. Seis Estados-Membros [23] assinaram a Convenção e outros estão a considerar a possibilidade de o fazerem. Vários Estados-Membros [24] já elaboraram legislação para aplicar a Convenção, ou estão em vias de preparar a ratificação. Porém, outros Estados-Membros [25] não tencionam assiná-la nem ratificá-la. A Convenção também está aberta à adesão dos países da Europa Central e Oriental, incluindo países que não são membros do Conselho da Europa, para poder ter uma importante expansão internacional. A adesão da Comunidade poderia encorajar outros países a aderirem também.

[23] Finlândia, Grécia, Itália, Luxemburgo, Países Baixos e Portugal.

[24] Áustria, Finlândia, Grécia, Países Baixos, Portugal.

[25] Dinamarca, Alemanha, Reino Unido.

Comparando o regime da Convenção de Lugano com os regimes de responsabilidade ambiental dos Estados-Membros, fica-se com a impressão geral de que a Convenção vai mais longe do que a maioria dos Estados-Membros, em alguns aspectos (nomeadamente no de abranger explicitamente os danos ambientais per se). O seu âmbito aberto de actividades perigosas também vai mais longe do que vários Estados-Membros, que possuem regimes com um âmbito fechado e mais limitado. Estes últimos Estados-Membros, e a maior parte da indústria, sentem que o âmbito da Convenção de Lugano é excessivamente amplo e proporciona muito pouca segurança jurídica, além de considerarem que as suas definições, especialmente no domínio dos danos ecológicos, são demasiado vagas. A convenção aborda efectivamente os danos ambientais, mas de forma bastante imprecisa. Por exemplo, não exige a adopção de medidas de reparação nem aponta critérios para a reparação ou para a avaliação económica de tais danos. Deste modo, se a adesão à convenção fosse considerada, seria necessário um instrumento jurídico comunitário que completasse o regime de Lugano, a fim de conferir maior clareza e precisão a esta nova área, no que diz respeito à responsabilidade.

5.2. Um regime exclusivamente para os danos transfronteiriços

Os Estados-Membros estão cada vez mais conscientes dos danos causados através das suas fronteiras, em grande medida devido à sensibilidade pública à poluição proveniente de outro país. É provável que a consciência dos problemas transfronteiriços aumente ainda mais com o progresso da aplicação da Directiva "Habitats" e da rede Natura 2000 e com a constatação de que muitas áreas protegidas ultrapassam as fronteiras entre Estados-Membros. Mesmo que a poluição e os danos imediatos a uma dessas áreas se restrinjam a um Estado-Membro, também podem vir a ter implicações para outros Estados-Membros, prejudicando, por exemplo, a integridade de uma espécie ou de um habitat no seu conjunto. A poluição dos rios ou dos lagos também assume frequentemente uma dimensão transfronteiriça.

O principal argumento utilizado a favor de um regime "exclusivamente transfronteiriço" é de que, em termos de subsidiariedade, não há argumentos suficientes para aplicar um regime de responsabilidade a problemas inteiramente circunscritos a um Estado-Membro, mas os problemas transfronteiriços são, na verdade, resolvidos de um modo mais eficaz a nível comunitário. As desvantagens advêm do facto de a adopção de um sistema exclusivamente aplicável a problemas transfronteiriços deixar um grave vazio no que respeita à responsabilidade pelos danos causados à biodiversidade, uma vez que estes ainda não estão cobertos pela maioria dos Estados-Membros. O importante objectivo de reforçar a aplicação da legislação ambiental comunitária não poderia ser atingido por um regime que, ao centrar-se apenas nos danos transfronteiriços, não abrangesse a maioria das potenciais infracções a essa legislação, nomeadamente todas as que tivessem lugar no interior de um Estado-Membro. Um sistema exclusivamente transfronteiriço levaria ainda a que os cidadãos fossem tratados de forma completamente diferente dentro do mesmo Estado-Membro, uma vez que aqueles que estivessem envolvidos num caso de danos transfronteiriços poderiam ser responsáveis por força do regime comunitário exclusivamente transfronteiriço, enquanto outros, que exercessem a mesma actividade no mesmo país, e causassem danos semelhantes, poderiam ficar em liberdade se o regime nacional não abrangesse o seu caso. Isto poderia até pôr em causa a legitimidade de um tal regime comunitário por força do princípio de igualdade de tratamento, tal como se encontra desenvolvido na jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.

5.3. Orientação da acção dos Estados-Membros por uma recomendação comunitária

Esta opção, por exemplo uma recomendação ligada à legislação comunitária existente com relevância neste domínio, poderia ter o apoio daqueles que não estão convencidos da necessidade de um documento juridicamente vinculativo. Podem considerar, por exemplo, que não existem provas suficientes de que as leis dos Estados-Membros não são suficientemente adequadas para lidar com os problemas ambientais relevantes. Uma recomendação, sendo um instrumento não vinculativo e sem mecanismos de execução, acarretaria menos custos para os operadores do que um instrumento vinculativo, mas também teria menos benefícios para o ambiente, designadamente em casos de danos transfronteiriços no interior da Comunidade. Os mesmos argumentos poderiam ser aplicados à utilização de acordos (voluntários) ambientais neste contexto.

5.4. Uma directiva comunitária

As principais diferenças entre uma directiva comunitária e a adesão da Comunidade à Convenção de Lugano residem no facto de o âmbito de uma acção comunitária poder ser mais bem delimitado e o regime para os danos causados à biodiversidade mais bem desenvolvido, em harmonia com a legislação comunitária pertinente. Estas duas diferenças proporcionam maior segurança jurídica do que a convenção. É de notar que, mesmo que a Comunidade não adira à Convenção de Lugano, esta última pode constituir uma importante fonte de inspiração para uma futura directiva comunitária. No que se refere à aplicação de um regime de responsabilidade a países terceiros, é evidente que qualquer directiva comunitária relativa à responsabilidade ambiental seria tida em conta no processo de alargamento dos países candidatos à adesão à UE, ao mesmo tempo que a situação nestes países no que diz respeito à responsabilidade ambiental seria igualmente examinada.

Comparando este tipo de acção comunitária com as opções mais limitadas e não vinculativas descritas nos números 5.2 e 5.3, a primeira é a opção com maior valor acrescentado em termos de uma melhor aplicação dos princípios e legislação ambientais da UE, e de restauração efectiva do ambiente.

5.5. Responsabilidade sectorial, nomeadamente na área da biotecnologia

Em diversas ocasiões, o Parlamento Europeu solicitou à Comissão que inserisse disposições relativas à responsabilidade civil nas directivas existentes no domínio da biotecnologia. A opção mencionada no número 5.4 poderia ser posta em prática através da proposta de disposições neste domínio mais orientadas e aplicáveis a sectores específicos (p.ex. biotecnologia), em vez de uma abordagem horizontal, abrangendo todas as actividades (potencialmente) perigosas de maneira igual.

Uma abordagem horizontal tem a vantagem de fornecer o quadro geral num único acto. Desde que as actividades abrangidas apresentem riscos ambientais semelhantes e suscitem questões económicas comparáveis, esta abordagem será não só mais consistente, mas também mais eficiente. Uma abordagem sectorial não asseguraria um sistema coerente ou uma aplicação igual dos princípios do poluidor-pagador, da prevenção e da precaução a actividades que são comparáveis na medida em que apresentam um risco para o Homem e para o ambiente. Além disso, o objectivo de uma melhor aplicação de todos os actos da legislação ambiental comunitária não seria alcançado se as disposições relativas à responsabilidade apenas fossem introduzidas numa área de legislação específica. Finalmente, seria difícil explicar a um sector o porquê da sua escolha para ser objecto dessas disposições, ao contrário de outros sectores que apresentam riscos semelhantes. Por todas estas razões, deverá ser preferido um regime horizontal de responsabilidade ambiental.

6. Subsidiariedade e proporcionalidade

O Tratado CE exige que a política comunitária no domínio do ambiente contribua para preservar, proteger e melhorar a qualidade do meio ambiente, e para proteger a saúde das pessoas (nº 1 do artigo 174º). Esta política também deve visar um nível de protecção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da Comunidade. Basear-se-á nos princípios da precaução e da acção preventiva, da correcção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador (nº 2 do artigo 174º). Todos estes princípios, que são, nos termos do Tratado (ver itálico) vinculativos para as instituições comunitárias, não estão a ser actualmente aplicados de forma óptima em toda a Comunidade. Uma das causas desta situação é a existência de uma lacuna nos regimes de responsabilidade ambiental da maioria dos Estados-Membros, no que diz respeito aos danos causados à biodiversidade (ver também, neste contexto, a secção 3).

Além disso, a legislação nacional não pode cobrir eficazmente as questões relativas aos danos ambientais transfronteiriços ocorridos na UE, os quais podem afectar, entre outros, os cursos de água e os habitats, muitos dos quais se estendem para além das fronteiras. Por conseguinte, afigura-se necessário um regime comunitário amplo que evite a adopção de soluções inadequadas para os danos transfronteiriços.

Os Estados-Membros utilizam instrumentos diferentes para implementar as suas regras de responsabilidade ambiental. Uns apoiam-se preferencialmente no direito administrativo ou público, enquanto outros recorrem em maior medida ao direito civil. Todos eles utilizam, porém, uma combinação dos dois. Um regime comunitário deverá visar a fixação de objectivos e resultados, mas os Estados-Membros deverão escolher os meios e os instrumentos para os atingir.

Também de acordo com os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, um regime comunitário - baseado no artigo 175º do Tratado - poderá ser um regime-quadro contendo requisitos mínimos essenciais, a completar ao longo do tempo com outros elementos que possam parecer necessários à luz da experiência reunida com a sua aplicação no período inicial (abordagem gradual).

Caso o instrumento para estabelecer o regime seja uma directiva, será assegurada uma aplicação coerente do sistema em toda a Comunidade, através da monitorização do direito comunitário por parte da Comissão e da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.

7. O impacto económico global da responsabilidade ambiental a nível comunitário

Um regime comunitário de acordo com as orientações do Livro Branco diferiria em alguns aspectos significativos dos regimes existentes. Por conseguinte, a experiência passada é insuficiente para apoiar quaisquer opiniões bem fundamentadas sobre o impacto económico global do regime comunitário, incluindo o seu impacto na competitividade a nível externo. A Comissão continuará a sua investigação nesta área e lançará novos estudos sobre o impacto económico e ambiental da responsabilidade ambiental. Os resultados desses estudos serão objecto de uma avaliação profunda, adquirindo a devida importância na preparação das futuras iniciativas da Comissão neste domínio. Contudo, neste momento, os dados sobre os regimes de responsabilidade existentes oferecem um quadro analítico geral proveitoso.

Os dados disponíveis sobre o impacto global da regulamentação ambiental na competitividade da indústria sugerem que não é discernível qualquer impacto negativo significativo. Existem igualmente dados disponíveis sobre o impacto dos regimes de responsabilidade ambiental. Os custos totais anuais de descontaminação do Superfund dos EUA, retroactivo [26], embora excluam os custos dos danos causados aos recursos naturais, representam cerca de 5% do montante total gasto por ano nos Estados Unidos para dar cumprimento a todos os regulamentos ambientais federais. Não existem valores globais das despesas do Superfund dos EUA com os danos causados aos recursos naturais. No que se refere aos regimes de responsabilidade ambiental em vigor nos Estados-Membros, os dados disponíveis sugerem que eles ainda não originaram quaisquer problemas significativos em matéria de competitividade.

[26] O Livro Branco é contrário à responsabilidade retroactiva que, sendo em tudo o resto igual, possui impactos maiores em termos de custos.

Embora não tenhamos certezas a respeito dos efeitos de um regime de responsabilidade comunitário sobre a competitividade a nível externo, é necessário ter em conta que a maioria dos países da OCDE possui legislação do mesmo tipo em matéria de responsabilidade ambiental.

Consequentemente, um regime comunitário de responsabilidade ambiental não equivalerá à adopção pela UE de uma norma unilateral de protecção do ambiente [27].

[27] Neste contexto, é conveniente assinalar que a maioria dos problemas de competitividade e deslocalização ocorrem entre países desenvolvidos e não entre países em desenvolvimento e países desenvolvidos (conclusão confirmada no recente estudo da OMC sobre comércio e ambiente, Special Studies, "Trade and the Environment", OMC 1999). Assim, uma vez que a maioria dos países da OCDE já dispõe de legislação do mesmo tipo no domínio da responsabilidade ambiental, é provável que o impacto de um regime comunitário de responsabilidade na competitividade externa seja limitado.

Isto não significa que a competitividade internacional da indústria da União Europeia e, em especial, das indústrias orientadas para a exportação e dos sectores confrontados com uma concorrência significativa por parte das importações não devam ser salvaguardados por todos os meios possíveis. Existem formas de compensar os eventuais problemas de competitividade a nível externo que possam ser suscitados pelas diferenças nas normas de responsabilidade civil a nível internacional, compatíveis com as regras do comércio mundial.

Quanto às PME, cabe-lhes frequentemente uma percentagem mais elevada dos danos ambientais do que a sua dimensão permitiria supor, possivelmente devido à falta de recursos. Desta perspectiva, poderão sentir um impacto mais substancial. Efeitos secundários indesejáveis, tais como um aumento da percentagem de danos causados pelas PME poderão ser atenuados por uma utilização mais direccionada dos mecanismos de apoio nacionais ou comunitários que visam facilitar a adopção de processos de produção mais limpos por parte das PME.

A abordagem à responsabilidade aqui proposta protege os operadores económicos do sector financeiro da responsabilidade, a menos que tenham responsabilidades operacionais. Os impactos negativos indesejáveis neste sector são, por conseguinte, pouco prováveis. Desde que seja assegurada a segurança jurídica no que diz respeito à responsabilidade e à transparência, o impacto, em especial no sector dos seguros, deverá revelar-se positivo com o tempo, à medida que se adquira experiência com o funcionamento do regime e surjam novos mercados para os produtos dos seguros.

O efeito da responsabilidade ambiental no emprego constitui igualmente uma questão importante. A investigação disponível sobre o impacto global da regulamentação em matéria de ambiente sugere que, embora os postos de trabalho possam aumentar ou diminuir em determinados sectores, o emprego total não será afectado de forma sistemática [28].

[28] Ver, por exemplo, o estudo de referência "Jobs, Competitiveness and Environmental Regulation: What are the real issues", R. Repetto, World Resources Institute, Março de 1995.

Embora não existam estudos empíricos disponíveis sobre o impacto específico da responsabilidade ambiental no emprego, é evidente que poderão surgir certos impactos negativos quando as empresas substituírem actividades e processos que causam mais danos ao ambiente por outros mais ecológicos. Porém, é provável que este impacto seja contrabalançado. A essência económica da responsabilidade consiste em proporcionar incentivos a um aumento dos níveis de prevenção. É por conseguinte de prever que o emprego nos sectores que oferecem e utilizam tecnologias limpas e serviços afins beneficie da responsabilidade ambiental. À medida que se vai desenvolvendo um seguro contra os danos a recursos naturais também deverão ser criados mais postos de trabalho neste sector.

O conceito fundamental neste contexto é o desenvolvimento sustentável, tendo em conta, de forma equilibrada, as dimensões económica, social e ambiental.

Por último, há que recordar que a utilização de instrumentos políticos gera frequentemente custos, mesmo que estes produzam um benefício líquido. É por conseguinte necessário procurar uma minimização dos custos associada a objectivos previamente definidos.

No caso da responsabilidade civil, as custas de transacção, ou seja, os custos de alcançar e aplicar normas, é uma questão que merece uma análise específica. Podem ser referidos três casos a este respeito. Em primeiro lugar, o caso dos EUA, onde a litigação está assumidamente mais disseminada do que na Europa, e onde as leis de responsabilidade civil têm implicado elevadas custas de transacção, principalmente custas judiciais, no elevado montante de 20% dos custos totais de execução e compensação. Em segundo lugar, em relação aos sistemas de responsabilidade ambiental estrita dos Estados-Membros, não há qualquer prova de que eles tenham dado origem a um aumento dos pedidos de indemnização ou das custas de transacção. Por último, existe na Comunidade a experiência da introdução da Directiva relativa à responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos (ver nota de pé-de-página 9).Um relatório de estudo sobre o primeiro período de aplicação desta directiva não encontrou qualquer aumento significativo no número ou no padrão dos pedidos de indemnização apresentados. Poderá concluir-se deste facto que, quando se definirem as características de um regime de responsabilidade ambiental, é importante examinar as razões para as diferenças nas custas de transacção entre os diferentes sistemas, e evitar os elementos que iriam contribuir, em particular, para essas custas.

As regras relativas ao acesso directo à justiça por outras partes que não as autoridades públicas também deveriam ser avaliadas a esta luz. A aplicação de soluções extrajudiciais poderia ser benéfica neste contexto. As normas de descontaminação e de reparação também deveriam ser avaliadas tendo em conta os custos que poderão originar.

A fim de poderem estar em condições de lidar com a poluição histórica e com outras formas de poluição para as quais a responsabilidade civil não seria um instrumento adequado, por exemplo no caso dos danos difusos, ou nos casos em que não é possível identificar o poluidor, os Estados-Membros poderão recorrer - como alguns já fazem - a outros instrumentos, como as taxas de impacto impostas às actividades poluentes, ou a fundos estabelecidos a nível nacional ou regional.

8. CONCLUSÃO

O presente Livro Branco procurou avaliar diferentes opções de acção comunitária no domínio da responsabilidade ambiental. Com base na análise apresentada neste documento, a Comissão considera que a opção mais apropriada é uma directiva-quadro em matéria de responsabilidade ambiental, instituindo uma responsabilidade estrita - com causas de justificação - no que diz respeito aos danos tradicionais (nomeadamente os danos a pessoas e bens) e aos danos ambientais (contaminação de locais e danos à biodiversidade nas áreas incluídas na rede Natura 2000) causados por actividades perigosas regulamentadas a nível comunitário, e uma responsabilidade baseada na culpa em relação aos danos causados à biodiversidade por actividades não perigosas. Esta abordagem proporcionaria o meio mais eficaz de implementar os princípios ambientais consagrados no Tratado CE, em especial o princípio do poluidor-pagador.

Os pormenores dessa directiva-quadro deverão ser mais aprofundados, tendo em conta as consultas a realizar.

A Comissão convida o Parlamento Europeu, o Conselho, o Comité Económico e Social e o Comité das Regiões, bem como as partes interessadas, a debaterem e comentarem o Livro Branco. Os comentários podem ser enviados à Comissão, para o seguinte endereço:

Direcção-Geral do Ambiente, Segurança Nuclear e Protecção Civil, Unidade Assuntos Jurídicos (DG ENV.B.3), Rue de la Loi, 200, 1049 Bruxelas, ou enviados por correio electrónico para Carla.DEVRIES@cec.eu.int ou Charlotta.COLLIANDER@cec.eu.int antes de 1 de Julho de 2000.