51999AC0069

Parecer do Comité Económico e Social sobre: - a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao acesso e ao exercício da actividade das instituições de moeda electrónica, bem como à sua supervisão prudencial» e - a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 77/780/CEE relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao acesso à actividade das instituições de crédito e ao seu exercício»

Jornal Oficial nº C 101 de 12/04/1999 p. 0064 - 0070


Parecer do Comité Económico e Social sobre:

- a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao acesso e ao exercício da actividade das instituições de moeda electrónica, bem como à sua supervisão prudencial» e - a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 77/780/CEE relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao acesso à actividade das instituições de crédito e ao seu exercício» () (1999/C 101/15)

Em 16 de Novembro de 1998, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 198.° do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social sobre as propostas supramencionadas.

A Secção do Mercado Único, Produção e Consumo, encarregada de preparar os correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 19 de Janeiro de 1999, sendo relator U. Burani.

Na sua 360.a reunião plenária (sessão de 27 de Janeiro de 1999), o Comité Económico e Social adoptou, por 36 votos a favor, 1 contra e 2 abstenções, o seguinte parecer.

1. Introdução

1.1. O comércio electrónico, e a sua previsível rápida difusão, constituem um fenómeno que, nas suas múltiplas vertentes, necessita de regulamentação a nível europeu e mundial. A Comissão, na sua função institucional de proponente, lançou ou programou iniciativas destinadas a definir normas europeias comuns para os Estados-Membros não esquecendo que a Europa está inserida num contexto global - o que torna necessária uma aplicação equilibrada das normas a nível mundial.

1.2. O comércio electrónico - aplicado à oferta e aquisição de bens e serviços - exige que a regulação das relações de débito e de crédito se efectue de forma rápida, segura e vantajosa para as partes envolvidas e a credibilidade do sistema no seu conjunto. O sistema financeiro introduziu uma série de sistemas que, em essência, colocam à disposição dos utilizadores quantias de dinheiro que são guardadas na memória de um computador e que podem ser transferidas para o credor por via electrónica. Fala-se de moeda de rede «network money» ou cibermoeda «software money». Como a Comissão afirma na introdução da exposição de motivos, aquela não é um meio de pagamento, mas o meio de pagamento do futuro no comércio electrónico via Internet.

1.3. A par da «moeda de rede» estão a surgir meios de pagamento menos sofisticados e ao alcance do cidadão comum, mesmo daquele que não dispõe de computador nem dos meios ou conhecimentos necessários para utilizar a Internet ou sistemas semelhantes, fechados ou abertos: os cartões de pré-pagamento, essencialmente cartões inteligentes que memorizam quantias previamente entregues ao emitente e que são progressivamente «descarregados» no pagamento de pequenas compras; na prática a versão electrónica do porta-moedas para moedas e notas de baixo valor.

1.4. A emissão de moeda electrónica () pode ser vista sob diversas perspectivas: comercial, técnica, financeira e monetária. A Comissão pretende regulamentar os dois últimos aspectos - ou melhor, tomou em consideração os aspectos financeiros sem perder de vista indirectamente os efeitos da emissão de moeda electrónica na circulação monetária, matéria da exclusiva competência dos bancos centrais.

1.5. A Comissão considerou que a emissão de moeda electrónica deve ser regulamentada nos seus aspectos prudenciais, o que, mais explicitamente, significa que os emitentes devem ser considerados instituições financeiras e, como tal, submetidas às Primeira e Segunda Directivas de Coordenação Bancária - naturalmente com os ajustamentos e excepções necessárias ao particular e restrito campo de acção de instituições não bancárias que têm por objecto apenas a emissão de moeda electrónica. Tais entidades são designadas «instituições de moeda electrónica»; que o Comité designará, neste parecer, pela sigla «IME».

2. Observações prévias

2.1. O Comité concorda com a iniciativa da Comissão. O mercado - entendendo como tal o conjunto de operadores e consumidores - deve ser protegido contra iniciativas que escapem ao controlo da autoridade designada pela legislação de cada Estado-Membro para velar pela solidez do sistema financeiro. A extensão das normas das directivas de coordenação bancária às IME é, por isso, acolhida favoravelmente pelo Comité, o que não o impede de formular algumas reservas de fundo não tanto sobre as propostas de directiva em si mas sobre as consequências da sua aplicação «minimalista». Tais consequências podem não ser evidentes à primeira vista, mas por isso todas as normas devem ser atentamente ponderadas à luz das suas repercussões noutros domínios para além da supervisão prudencial.

2.2. Uma das reservas de fundo respeita à abordagem da directiva baseada numa supervisão prudencial bastante branda que não tem em conta as exigências de supervisão em sentido lato. Esta afirmação necessita de um esclarecimento: a emissão de moeda electrónica constitui, antes de mais, um fenómeno monetário pois não cria moeda, mas substitui-a - pelo menos no sentido de que a moeda electrónica é emitida contra o levantamento de numerário ou débito de conta sem concessão de crédito. Com a introdução da moeda única, a supervisão dos fluxos monetários do euro passa a ser da competência de uma instituição central - o Banco Central Europeu - embora a supervisão prudencial continue a caber às instituições nacionais. Existe por isso uma inevitável separação de competências e de funções que, se as propostas de directiva fossem aplicadas na sua versão actual, tornaria difícil a prevista colaboração entre a autoridade monetária europeia e as instituições nacionais de supervisão prudencial.

2.3. Uma outra evidente deficiência da directiva é não ter tido em conta os efeitos nos sistemas de pagamento que estão sob o controlo e são da responsabilidade das autoridades monetárias. Tais sistemas são normalmente considerados de interesse público. A interoperabilidade dos sistemas de moeda electrónica - condição indispensável para assegurar a sua eficiência ao serviço do mercado interno e em particular do comércio electrónico - exige que os emitentes participem nos sistemas de compensação «clearing» e de liquidação «settlement». O acesso a tais sistemas está sujeito a regras extremamente rígidas determinadas pela necessidade de prevenir riscos sistémicos. Uma simples análise dessas regras permite afirmar que muito dificilmente as IME que obedeçam às normas minimalistas da proposta de directiva em exame preencherão os requisitos necessários para fazer parte dos sistemas de pagamento. É verdade que é possível participar na liquidação «settlement» através de intermediários habilitados, não devendo, por isso, diminuir o rigor da supervisão de todos os participantes no sistema. Por outro lado, a supervisão deve ter, na medida do possível, um nível uniforme visto que a moeda electrónica criada num país da União pode circular livremente nos outros países.

2.4. Uma outra reserva de fundo diz respeito à noção de «moeda electrónica». Sob esta designação foram reunidos dois produtos com algumas características comuns, mas substancialmente diferentes pelas técnicas e tecnologias utilizadas e, sobretudo, pelas suas finalidades e efeitos no mercado.

2.5. As características comuns () são a possibilidade de utilização sem autorização da banca ou de terceiros e o anonimato da utilização: uma vez trocado um depósito bancário ou uma quantia de numerário por moeda electrónica esta pode circular sob o exclusivo controlo do titular e ser transmitida a outros sem que a sua origem possa, em princípio, ser identificada. Estas características fazem dela o meio ideal de branqueamento de capitais ou outros fins ilícitos. A Comissão chama a atenção para este perigo mas parece quase subestimá-lo advertindo na exposição de motivos, entre parênteses, para que «naturalmente» a directiva sobre branqueamento de capitais se aplica também às IME (). O CES entende que a possibilidade de utilização da moeda electrónica para fins criminosos é uma das maiores preocupações e que a regulamentação desta matéria deve ser dirigida, em todos os seus aspectos, para a defesa da sociedade contra este perigo.

2.6. As diferenças nas finalidades consistem em que a «moeda de rede» pode ser usada para transferir somas de qualquer valor, desde poucos centésimos de euro ou de dólares, para utilizar uma página da Internet, até quantias potencialmente ilimitadas para fins comerciais, financeiros ou de outra natureza. Os cartões de pré-pagamento, pelo contrário, são o meio ideal para o pagamento de pequenas importâncias mas dificilmente se prestam a usos diversos daqueles para que foram previstos. A «moeda de rede» pode ser utilizada indiferentemente por grandes operadores ou por consumidores enquanto que o cartão de pré-pagamento é um meio utilizável, em princípio, apenas pelos consumidores. Tendo em conta as características das operações de branqueamento e o tipo de quantias que podem ser transferidas, os cartões de pré-pagamento representam um risco mínimo (), pelo contrário, a «moeda de rede» constitui o meio ideal para transferir dinheiro anonimamente e sem controlo ().

2.7. Este aspecto requer um esclarecimento tendo em vista a possibilidade - que o Comité sublinha vigorosamente - de branqueamento de dinheiro de origem criminosa. Os cartões de pré-pagamento são normalmente «carregados» com quantias relativamente modestas tendo os 250 ecus como limite máximo, segundo a Comissão (), rodando mais frequentemente os 150 ECU. No caso de cartões emitidos por instituições de crédito, o carregamento faz-se por levantamento de uma conta bancária. Nos termos da directiva em exame, as IME podem emitir cartões contra pagamento em numerário. Se o valor carregado nos cartões se mantiver dentro dos limites acima referidos, a sua utilização para branqueamento de capitais não deverá assumir aspectos preocupantes.

2.7.1. Diferente é o caso da «moeda de rede». Em princípio, nos poucos exemplos hoje conhecidos, o carregamento provem de transferência de conta bancária, por sua vez alimentada por depósitos controlados nos termos das normas anti-branqueamento (conhecimento do cliente, verificação da proveniência dos fundos, etc.). Existe pois um filtro preventivo: o numerário - controlado - alimenta um depósito bancário nominativo antes de se tornar «moeda de rede» anónima. No caso das IME, o numerário transforma-se directamente em «moeda de rede» anónima, que pode ser transferida em tempo real para qualquer destino o que constitui uma oportunidade de ouro para os criminosos. O conhecimento, mesmo que superficial, das técnicas usadas (codificação das mensagens, «caixa chinesa» etc.) é suficiente para avaliar os riscos. O CES recomenda vivamente à Comissão que pondere com a máxima atenção este aspecto já que, embora formalmente a directiva contra o branqueamento se aplique também às IME, o controlo da sua efectiva aplicação será extremamente difícil.

2.8. Também os efeitos no mercado são diferentes. Embora actualmente o risco dos cartões de pré-pagamento não constitua uma preocupação, a «moeda de rede» pode representar um elevado risco potencial imediato para o mercado. A questão não é de somenos importância como se verá nas observações aos artigos da directiva.

2.9. Cabe fazer mais uma observação. Os cartões de pré-pagamento são usados para pequenos pagamentos a pronto («face-to-face»); a «moeda de rede», pelo contrário, constitui um meio de pagamento para vendas à distância, em princípio, de qualquer valor. São pois produtos diferentes que dificilmente podem estar sujeitos à mesma regulamentação, pelo menos no que toca às normas sobre os emitentes.

2.10. Uma última reserva de fundo respeita aos aspectos internacionais. Na exposição de motivos, a Comissão lembra que nalguns países, como os Estados Unidos, não existe regulamentação das IME e que noutros, como o Japão, está a ser examinada essa possibilidade, mas não retira conclusões, nem prevê normas, para o reconhecimento das IME não regulamentadas, nem controladas, dos países terceiros que poderão operar no território da União Europeia. A Segunda Directiva Bancária - que abrange as IME - contem normas sobre a liberdade de estabelecimento de instituições de crédito dos países terceiros registadas e controladas nos seus países de origem (). Por outro lado, a emissão de moeda electrónica constitui uma prestação de serviço sem estabelecimento, o que é confirmado pela proposta de directiva sobre as IME, em exame, (número 1 do artigo 4.°) que estabelece expressamente que «os fundos recebidos em contrapartida de moeda electrónica não serão considerados como depósitos». Não é pois aplicável o artigo 3.° da Segunda Directiva Bancária que proíbe às «pessoas ou empresas que não sejam instituições de crédito» a actividade de receberem depósitos.

2.11. Interpretando à letra as disposições referidas no ponto anterior, a emissão de moeda electrónica por instituições de países terceiros, não registadas como instituições de crédito e não regulamentadas, configurar-se-á como prestação de serviços financeiros por intermediários não autorizados, constituindo por isso uma actividade proibida. No entender do CES, parece que é difícil aplicar tal conclusão na prática, tendo em conta as características da moeda electrónica. Não se vê, de facto, como seria possível controlar e impedir a utilização de moeda electrónica («moeda de rede») de um emitente de um país terceiro - por um beneficiário europeu, ou impedir a oferta de um serviço de «moeda de rede» de um emitente americano a clientes europeus.

2.12. É objectivamente difícil identificar os meios que as autoridades de supervisão poderão utilizar para impedir que operadores de países terceiros ofereçam serviços financeiros por via telemática no território da União. As normas existentes são claras, mas a sua violação pode ir além da simples infracção às normas sobre a livre prestação de serviços; de facto, poderá gerar fluxos monetários não controlados. O Comité não propõe soluções, limitando-se a chamar a atenção para este aspecto de fundamental importância.

2.13. O Comité exprime uma certa perplexidade a propósito das consequências que uma legislação demasiado minimalista terá na protecção dos consumidores. Os controlos sobre as IME têm como finalidade evitar situações de dificuldade ou impossibilidade de cumprimento dos seus compromissos. O princípio é naturalmente válido para todas as instituições de crédito e é perfeitamente aceitável tê-lo alargado às IME. Contudo, apesar dos controlos, os incidentes são sempre possíveis, como a prática mostra. Em tais casos, os consumidores não estão protegidos contra a perda dos seus haveres, dado que a moeda electrónica não é considerada «depósito» e, como tal, não está coberta pelo fundo de garantia de depósitos. Poderá objectar-se, com razão, dado o baixo valor das quantias em jogo nos cartões de pré-pagamento essa protecção não é indispensável, porém, tais considerações não serão porventura válidas para a «moeda de rede», que pode envolver valores mais elevados.

2.14. O problema principal diz respeito à protecção do mercado em geral, e em particular os credores de moeda electrónica no seguimento de venda de bens ou serviços. Em caso de falência de uma IME, tais credores não poderiam cobrar os seus créditos. O valor de cada crédito individual poderia não ser grande, mas a soma da totalidade das obrigações no mercado poderia ser de tal grandeza que acarretasse um risco sistémico para o sistema de pagamento e para o próprio mercado. Esta observação assume particular relevância considerando que a maior parte dos credores é constituída por pequenas e médias empresas comerciais, turísticas ou de serviços. Não nos iludamos com as actuais quantias relativamente modestas. Se é verdade que, para usar palavras da Comissão, os cartões de pré-pagamento «poderão (...) substituir, a longo prazo, uma parte substancial dos pagamentos em numerário» e que a moeda de rede «tem vindo a afirmar-se como o instrumento de pagamento do comércio electrónico» () os números em jogo poderão vir a ser gigantescos. Por isso, é necessário exercer sobre os operadores, tanto no início da actividade como, e sobretudo, durante o seu exercício, controlos severos, contínuos e aprofundados. Trata-se de condições que, no entender do Comité, são irrenunciáveis e que a proposta de directiva não parece ter tido suficientemente em conta.

2.15. A instituição de um fundo de garantia da moeda electrónica, de modo a segurar proprietários e beneficiários em caso de falência do emitente, seria provavelmente de difícil e onerosa realização e a sua gestão ainda mais problemática; na falta de soluções alternativas, a recomendação do parágrafo precedente assume ainda maior importância.

3. Observações na especialidade sobre a proposta de directiva relativa ao exercício da actividade das instituições de moeda electrónica, bem como à sua supervisão prudencial ()

3.1. Artigo 1.° - Âmbito de aplicação, definições e restrições às actividades

3.1.1. O conceito de «moeda electrónica», como expresso na alínea b) do n.° 3 deste artigo, não parece satisfatório pois agrupa numa só definição dois produtos que deveriam ser mantidos separados, como referido nos pontos 2.2 a 2.7 deste parecer. As definições constantes do ponto iii) da alínea b) do n.° 3 (substituto electrónico das moedas e notas de banco) e do ponto iv) da mesma alínea (para efeitos de transferências electrónicas de pagamentos de reduzido montante) adaptam-se bem aos cartões de pré-pagamento, mas não de todo, nem em todos os casos, à «moeda de rede».

3.1.2. Em especial, no ponto iv da alínea b) do n.° 3, o Comité observa que a expressão «pagamentos de reduzido montante» é demasiado vaga e não é aceitável numa directiva que precisa de ser clara. Não é líquido o que a Comissão entende por «pagamentos de reduzido montante», prestando-se a diferentes interpretações nos Estados-Membros. Por outro lado, nenhum artigo da proposta de directiva impõe limites à quantia de moeda electrónica, omissão que, segundo o Comité, torna ineficaz, ou pelo menos ilógica, a limitação implícita na definição da Comissão (ver também os pontos 3.7, 3.7.1 e 3.7.2 deste parecer).

3.1.3. As principais reservas incidem porém na natureza das IME que, nos termos do disposto no n.° 3 alínea a) e alínea b) ponto i) podem ser emitentes de moeda electrónica de qualquer tipo. Segundo o que anteriormente foi dito, a «moeda de rede» pode constituir uma actividade de bem maior importância - e com implicações bem mais sérias - do que a emissão de cartões de pré-pagamento. A directiva deveria distinguir nitidamente as duas actividades submetendo os emitentes de moeda de rede a normas bem mais rigorosas do que as agora previstas.

3.2. Artigo 2.° - Aplicação das directivas bancárias

3.2.1. A lista das extensões, excepções e exclusões das obrigações impostas às IME em matéria de controlos prudenciais pelas directivas bancárias referidas nos números 1, 2 e 3 deste artigo tem o perigo de levar a discussões demasiado técnicas que exigiriam uma análise longa e complexa que apenas especialistas na matéria compreenderiam. Após um exame sucinto - que não deixou de ser técnico - de toda a matéria, o Comité é de parecer que a sujeição das IME a obrigações de boa conduta administrativa e patrimonial é mais teórica que real. Vale para este artigo o que, mais em pormenor, se dirá a propósito do artigo 5.° (pontos 3.5.1 e 3.5.2); ainda que algumas autoridades apliquem regras mais severas é evidente que outras não estarão dispostas a seguir esta linha.

3.2.2. O último número deste artigo sugere a possibilidade de as importâncias não utilizadas de moeda electrónica poderem, por contrato, não serem restituíveis - sendo apropriadas pelo emissor. O Comité exprime o seu total desacordo sobre este ponto. A restituição das importâncias não utilizadas deve ser, pelo contrário, expressamente prevista. Não se trata apenas de elementar reconhecimento dos direitos do consumidor. Do ponto de vista jurídico, o não reembolso configura enriquecimento sem causa (). Não prevalece o princípio da liberdade contratual porque, sendo a emissão de moeda electrónica objecto de um contrato de adesão, qualquer cláusula que preveja uma vantagem injustificada do vendedor será considerada abusiva nos termos das directivas sobre a protecção do consumidor.

3.2.3. Prever a obrigação de reembolso teria posto em perigo a já frágil tese - defendida na primeira parte da disposição em exame - segundo a qual a emissão de moeda electrónica não constitui depósito, no sentido do artigo 3.° da Directiva 89/646/CEE (). O Comité não pretende analisar o mérito desta interpretação bastante arbitrária, mas não pode aceitar que se procure salvá-la à custa dos consumidores. Sugere-se assim que a salvaguarda dos seus interesses tome a forma de «restituição» das importâncias não utilizadas em vez de «reembolso».

3.2.4. Para concluir, não se vê porque é que numa directiva de supervisão prudencial se deva inserir uma norma que respeita às relações contratuais entre emitente e portador; mas a inseri-la ela deveria prever exactamente o contrário: as importâncias recebidas e não utilizadas devem sempre poder ser restituídas.

3.3. Artigo 3.° - Requisitos de fundos próprios iniciais e permanentes

3.3.1. Este artigo determina que os fundos próprios iniciais das IME não sejam inferiores a 500 000 ECU e que os fundos próprios nunca devam descer abaixo de 2 % do total das responsabilidades financeiras (para as instituições de crédito a relação é de 8 %). O Comité tem sérias dúvidas sobre o fundamento destes limites, em particular quanto aos fundos próprios iniciais. Meio milhão de ECU (euros) não chega, seguramente, para iniciar uma actividade séria, por limitado que seja o seu objectivo. Considerando portanto que devem ser permanentemente mantidos 2 % das quantias recebidas, pergunta-se como é que - no caso de sucesso das operações - uma empresa tão pequena pode encontrar imediatamente os capitais necessários.

3.3.2. Tendo em conta as substanciais diferenças entre os emitentes dos cartões de pré-pagamento e emitentes de «moeda de rede», o Comité sugere que se elevem os limites para 1 milhão de ECU (euros) e 3 %, para os primeiros, e para pelo menos 3 milhões de ECU (euros) e 6 %, para os segundos. Compreende-se a vontade da Comissão de facilitar o acesso a novas actividades ao maior número possível de novos participantes, mas este resultado não pode, e não deve, ser alcançado por via do enfraquecimento das normas prudenciais que - convém lembrá-lo mais uma vez - se destinam a proteger o mercado.

3.4. Artigo 4.° - Restrições aos investimentos

3.4.1. O número 1 deste artigo prevê os tipos de investimentos que as IME podem efectuar para obterem rendimento das quantias recebidas. Dado que não são consideradas instituições de crédito que investem tais somas em financiamentos, e considerando o tipo particular de actividade das IME, o princípio é o de que os investimentos sejam de «risco zero» e/ou tenham grande liquidez (depósitos à ordem ou títulos de dívida). Tal princípio parece ser respeitado, com excepção do artigo 4.° n.° 1 alínea b) ponto iv) cuja redacção permite, aparentemente, investimentos em instrumentos de dívida emitidos por qualquer empresa não relacionada com a IME. Nem todos os títulos de dívida existentes no mercado são seguros e líquidos. O Comité não pode acreditar em que a norma tenha tal âmbito, pelo que sugere que este ponto seja redigido de modo mais preciso e restritivo.

3.4.2. O resto do artigo não suscita observações especiais, contudo, o Comité chama a atenção da Comissão para o ponto 6, que obriga as autoridades competentes a intervirem «rapidamente» logo que o valor dos activos desça abaixo do montante das responsabilidades financeiras. Não se percebe bem como as autoridades poderão tomar conhecimento de uma situação crítica, se o artigo 5.° estipula que a verificação da conformação das IME com as regras seja efectuada pela autoridade com base nos dados fornecidos pelos menos duas vezes por ano.

3.5. Artigo 5.° - Controlo pelas autoridades competentes

3.5.1. Este artigo contém a incongruência assinalada no ponto 3.4.2, que pareceria implicar um conceito inaceitável de controlo prudencial. De facto, a obrigação de informação cada seis meses subestima a necessidade de haver um controlo permanente das empresas que por natureza devem ter sempre elevada liquidez e solvência. É verdade que na prática as autoridades prudenciais de alguns países estabelecerão regras mais severas e conformes com sãos princípios de supervisão, o que não elimina o risco de que noutros países se adoptem regras «minimalistas», criando assim uma distorção da concorrência entre IME de diferentes países. Tal risco é mais do que certo, pois que, no início, alguns países se opuseram a uma directiva sobre esta matéria e se forem obrigados a aceitá-la adopta-la-ão na forma mais «branda».

3.5.2. O Comité duvida de que todas as autoridades nacionais competentes adoptem espontaneamente uma orientação de controlo estrito, acompanhando a situação de cada IME frequentemente de modo a poder intervir a tempo como é já norma para todas as instituições de crédito. O artigo 5.° deverá por isso, impor às autoridades nacionais que submetam as IME a controlos iguais aos das outras instituições financeiras e com a mesma frequência.

3.6. Artigo 6.° - Funcionamento em bases sólidas e prudentes

3.6.1. Este artigo inspira-se nas disposições da Segunda Directiva Bancária, com as adaptações requeridas pela natureza específica das operações das IME. O Comité não tem observações particulares a fazer.

3.7. Artigo 7.° - Derrogações

3.7.1. Com base no número 1 deste artigo, as IME com actividade puramente «nacional» a) cujas responsabilidades financeiras (importâncias recebidas e não utilizadas) não excedam normalmente 10 milhões de ECU e, em momento algum 12 milhões de ECU e b) que emitam moeda electrónica até ao montante máximo carregável, por utilizador, de 150 ECU, ficam isentas da observância de diversas disposições:

- da obrigação, prevista no n.° 4 do artigo 1.° desta directiva, de separar a actividade financeira das outras actividades;

- da necessidade - prevista no n.° 1 do artigo 3.° - de um capital inicial mínimo de 500 000 ECU;

- da obrigação de registo, sob certas condições, nos termos do artigo 8.°;

- da observância das normas da Primeira e da Segunda Directivas Bancárias.

3.7.2. É evidente que a intenção destas normas é isentar as «pequenas» iniciativas locais da obrigações que poderiam ser demasiado onerosas, porém é possível que as suas consequências vão bem além do que a Comissão prevê. Na prática as IME de dimensão negligenciável (mas um montante de fundos de 10 milhões de ECU (euros) é verdadeiramente negligenciável?) estão isentas de obrigações e, em larga medida, de controlos. Uma medida tão liberal favoreceria certamente o surgimento de pequenos sistemas locais mas não se sabe qual seria o benefício para o mercado pois que, por um lado, seria impossível controlar o desenvolvimento do fenómeno e, por outro, tornar-se-ia difícil prevenir os abusos e as falências, não sendo estas impossíveis dada a facilidade de acesso à actividade de dimensão mínima ou quase não profissional.

3.7.3. A este propósito, o Comité lembra que a Comissão recomendou por diversas vezes que os sistemas de pagamento fossem interoperáveis - uma condição que os consumidores consideram indispensável mas que certamente não se conseguirá com os pequenos sistemas.

3.7.4. A emissão de moeda electrónica não é seguramente um fenómeno de importância menor, o que a própria Comissão reconheceu lembrando no início da exposição de motivos que o porta-moedas electrónico poderá «substituir a longo prazo uma parte substancial dos pagamentos em numerário». O Comité duvida de que a isenção prevista no artigo em exame seja coerente com o conteúdo do ponto «Política Monetária» da referida exposição, onde além do mais se diz que deveriam ser tomadas em consideração as implicações da emissão de «moeda electrónica para a condução da política monetária». É necessário, portanto, acompanhar o fenómeno em todos os seus aspectos, mesmo os aparentemente marginais.

3.7.5. Como observação à margem, devem ter-se em conta as iniciativas de clubes desportivos ou entidades similares que utilizam a obtenção de fundos (ou o que se lhe queira chamar) como uma cómoda e lucrativa fonte de liquidez. A possibilidade de agir com toda a liberdade, sem controlos e sobretudo sem separação da actividade financeira das «outras» actividades acarreta elevados riscos para os consumidores e o mercado.

3.7.6. Em conclusão, o Comité opõe-se decididamente às isenções previstas no artigo 7.° n.° 1 alínea b).

3.7.7. Justifica-se aqui uma reflexão: para a moeda electrónica (referimo-nos agora aos cartões de pré-pagamento) estabelecem-se isenções desde que o valor máximo de carregamento seja de 150 ECU (euros); deve-se entender que a directiva não quis fixar um limite máximo obrigatório para o carregamento dos instrumentos de moeda electrónica, e em particular dos cartões de pré-pagamento. Ora, deveria impor-se um limite como medida necessária para a protecção do consumidor.

3.7.7.1. Um cartão de pré-pagamento é, por natureza, «anónimo», como afirma a Comissão (). Se se perder, ou for roubado, as consequências são as mesmas da perda de numerário, uma perda definitiva. Deve evitar-se que seja fornecido ao consumidor um instrumento de pagamento cuja perda possa provocar danos graves, donde a necessidade de circunscrever o dano em limites normalmente suportáveis. A Comissão definiu o que é «dano suportável» na recomendação relativa às relações entre emitente e portador de cartões de pagamento () tendo determinado que em caso de perda ou furto do cartão o consumidor poderá ser responsabilizado - apenas em certos casos - até ao limite máximo de 150 ECU.

3.7.7.2. Segundo a mesma lógica e idêntica abordagem, a Comissão não pode subtrair-se à obrigação de estabelecer o mesmo limite máximo de 150 ECU para os cartões de pré-pagamento, que são potencialmente mais perigosos, no caso de perda, do que os cartões de crédito ou de débito. E, por outro lado, se o cartão de pré-pagamento deve servir para efectuar pequenos pagamentos (ver supra, ponto 3.1.2 do presente parecer), qual a justificação para emitir cartões de valor elevado e potencialmente ilimitado? O CES propõe, para concluir, que o limite máximo de 150 euros para a moeda electrónica seja explicitamente fixado na directiva. A «moeda de rede», que tem outras características, não deverá ser sujeita a limitação.

3.8. Artigo 8.° - Direitos adquiridos

3.8.1. Por analogia com a Segunda Directiva Bancária, as IME que já operam (ou operarão) antes da entrada em vigor da legislação nacional que dará cumprimento à directiva, serão consideradas autorizadas. O Comité não tem nada a objectar, mas recomenda que seja dada a maior atenção aos sistemas que iniciem a actividade até ao dia 31 de Dezembro de 1999 (data prevista no artigo 8.° para a entrada em vigor das normas nacionais de aplicação da directiva). Para evitar que tais sistemas possam surgir intencionalmente para aproveitar o «vazio legislativo» comunitário, seria preferível que o regime especial se limitasse aos organismos existentes em data anterior, por exemplo 31 de Julho de 1998.

4. Observações específicas sobre a proposta de alteração da Directiva 77/780/CEE ()

4.1. O Comité não tem observações especiais sobre esta proposta de directiva, que é a consequência lógica da precedente. De facto, ela inclui as IME entre as «instituições de crédito» previstas na Primeira Directiva Bancária, e retomadas na Segunda Directiva.

4.2. Porém, no artigo 3.° parece ser de notar uma incoerência: a directiva deveria entrar em vigor 20 dias após a publicação no Jornal Oficial, enquanto a directiva sobre a vigilância prudencial das IME prevê, no artigo 8.°, que seja adoptada pelos Estados-Membros até 31 de Dezembro de 1999. Como resultado teremos entre a data de entrada em vigor da presente directiva e 31 de Dezembro de 1999 «instituições de crédito» (IME) não regulamentadas por uma directiva europeia e outras «instituições de crédito» (bancos) já regulamentadas.

5. Conclusões

5.1. O Comité, que representa os parceiros sociais, sublinha que na redacção desta directiva a Comissão se inspirou principalmente numa perspectiva de abertura do mercado num clima de máxima concorrência, introduzindo o mínimo de regulamentação possível. O Comité congratula-se com o facto e regista-o mas, ao mesmo tempo, não pode deixar de sublinhar que foi dada pouca atenção às consequências da aplicação da directiva noutros campos, alguns que não são da competência da Comissão (reflexos de carácter monetário) ou não pertinentes numa directiva de supervisão prudencial, a protecção do mercado (consumidores e empresas utentes) e a defesa da sociedade contra o crime organizado. Deste ponto de vista, a directiva necessitará de uma cuidadosa revisão.

Bruxelas, 27 de Janeiro de 1999.

A Presidente do Comité Económico e Social

Beatrice RANGONI MACHIAVELLI

() JO C 317 de 15.10.1998, pp. 7-12.

() Neste contexto, «moeda electrónica» designa a «moeda de rede» e os cartões de pré-pagamento.

() COM(98) 461 final - Exposição de motivos «O que se entende por moeda electrónica?».

() Artigo 2.°, n.° 1 da proposta de Directiva 98/0252 (COD).

() Também neste caso não é imaginável que uma grande quantidade de pequenos montantes provenientes, por exemplo, da venda de droga na rua, confluíssem numa carta «central» livre e anonimamente utilizável.

() Existem, na verdade, meios sofisticados para identificar os itinerários por onde o dinheiro transita, mas os técnicos sabem muito bem que os criminosos podem utilizar técnicas e tecnologias igualmente sofisticadas para escapar ao controlo.

() COM(98) 461 final - Exposição de motivos «O que se entende por moeda electrónica?», último parágrafo.

() Artigo 8.° da Directiva 89/646, JO L 386 de 30.12.1989.

() COM (98) 461 final.

() 98/0252 (COD).

() Tal é o caso, no entender do Comité, dos cartões para uso único (do tipo dos cartões telefónicos), que excluem o reembolso. Tais cartões, contudo, não são abrangidos pela directiva em análise. Contudo, dadas as importâncias recolhidas com tais meios, chama a atenção das associações de consumidores para esta questão.

() Texto do artigo: «Os Estados-Membros proibirão que pessoas ou empresas que não sejam instituições de crédito exerçam, a título profissional, a actividade de recepção do público de depósitos ou outros fundos reembolsáveis.»

() COM(98) 461 final - Exposição de motivos «O que se entende por moeda electrónica?», penúltimo parágrafo.

() COM(97) 353 final, de 9.7.1997 e parecer CES, JO C 95 de 30.3.1998.

() 98/0253 (COD).