29.12.2020   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

L 439/23


RECOMENDAÇÃO (UE) 2020/2245 DA COMISSÃO

de 18 de dezembro de 2020

relativa aos mercados relevantes de produtos e serviços no setor das comunicações eletrónicas suscetíveis de regulação ex ante em conformidade com a Diretiva (UE) 2018/1972 do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas

[notificada com o número C(2020) 8750]

(Texto relevante para efeitos do EEE)

A COMISSÃO EUROPEIA,

Tendo em conta o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, nomeadamente o artigo 292.o,

Tendo em conta a Diretiva (UE) 2018/1972 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que estabelece o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas (1) (a seguir designado por «código»), nomeadamente o artigo 64.o, n.o 1,

Considerando o seguinte:

(1)

Para além dos seus três objetivos principais — designadamente, a promoção da concorrência, do mercado interno e dos interesses dos utilizadores finais —, a Diretiva (UE) 2018/1972 visa fomentar a conectividade, o acesso e a adoção de redes de capacidade muito elevada, incluindo redes fixas, móveis e sem fios, em prol de todos os cidadãos e empresas da União.

(2)

A existência de incentivos adequados ao investimento em novas redes de capacidade muito elevada, que apoiem a inovação em serviços de Internet ricos em conteúdos, reforçará a competitividade da União a nível internacional, proporcionando simultaneamente benefícios aos seus consumidores e empresas. Por conseguinte, é fundamental favorecer o investimento sustentável no desenvolvimento de redes de capacidade muito elevada através de um quadro regulamentar adaptado e previsível.

(3)

Um dos objetivos do novo quadro regulamentar consiste em reduzir progressivamente as regras setoriais ex ante à medida que a concorrência nos mercados se intensifica e, em última análise, garantir que os mercados das comunicações eletrónicas se rejam apenas pelo direito da concorrência. Em conformidade com este objetivo, a presente recomendação visa identificar os mercados de produtos e serviços em que se poderá justificar uma regulação ex ante.

(4)

A definição de mercados relevantes pode mudar com o tempo, uma vez que as características dos produtos e serviços disponíveis nesses mercados evoluem e as possibilidades de substituição da procura e da oferta devido à evolução tecnológica, do mercado e regulamentar se modificam. Por este motivo, a presente recomendação deve substituir a recomendação de 2014 (2).

(5)

Nos termos do artigo 64.o, n.o 1, do código, a Comissão deve identificar os mercados no setor das comunicações eletrónicas cujas características possam justificar a imposição de obrigações regulatórias em conformidade com os princípios do direito da concorrência. Os princípios do direito da concorrência são, portanto, utilizados na presente recomendação para definir os mercados relevantes de produtos no setor das comunicações eletrónicas.

(6)

O objetivo último da intervenção regulatória consiste em gerar benefícios para os utilizadores finais em termos de preços, qualidade e escolha, assegurando uma concorrência sustentável a nível retalhista. O ponto de partida para identificar os mercados relevantes na presente recomendação deve ser a definição de mercados retalhistas numa perspetiva de futuro, num determinado horizonte temporal, orientada pelo direito da concorrência. Com efeito, quando os mercados retalhistas são efetivamente concorrenciais na ausência de regulação do mercado grossista, as autoridades reguladoras nacionais devem concluir que a regulação deixou de ser necessária nos mercados grossistas conexos.

(7)

Em conformidade com o artigo 67.o, n.o 1, do código, a imposição de obrigações regulatórias ex ante só se poderá justificar em mercados que preencham cumulativamente os três critérios referidos no artigo 67.o, n.o 1, alíneas a), b) e c). A presente recomendação abrange os mercados de produtos e serviços que a Comissão, após uma análise das tendências gerais na União, considerou satisfazerem os três critérios. A Comissão considera, por conseguinte, que estes mercados possuem características suscetíveis de justificar a imposição de obrigações regulatórias, pelo menos em algumas zonas geográficas e durante um período determinado. Deve caber às autoridades reguladoras nacionais ter em conta, nas suas análises destes mercados, se os requisitos suplementares estabelecidos no artigo 67.o, n.o 2, são cumpridos.

(8)

O primeiro critério está relacionado com a presença de obstáculos significativos e não transitórios à entrada no mercado, procurando determinar se, quando e em que medida é provável a entrada no mercado, e identificar os fatores relevantes para uma entrada bem-sucedida num mercado de comunicações eletrónicas. De um ponto de vista estático, para efeitos da presente recomendação, consideraram-se particularmente importantes dois tipos de obstáculos à entrada no mercado: obstáculos estruturais e obstáculos legais ou regulamentares.

(9)

Os obstáculos estruturais à entrada decorrem das diferentes condições de custo ou de procura, que determinam condições assimétricas entre os operadores históricos e os novos operadores, dificultando ou impedindo a entrada destes últimos no mercado. Podem também verificar-se obstáculos estruturais significativos, por exemplo, quando o mercado se caracteriza por vantagens de custos absolutas ou economias de escala substanciais e/ou efeitos de rede, condicionalismos de capacidade e/ou elevados custos irrecuperáveis. Podem ainda existir obstáculos estruturais quando a oferta do serviço exige uma componente da rede que não pode ser tecnicamente duplicada ou que, a sê-lo, implicará custos que tornarão a atividade economicamente inviável.

(10)

Os obstáculos legais ou regulatórios podem ter efeito direto nas condições de entrada e/ou no posicionamento dos operadores no mercado em causa. Nos setores regulados, os procedimentos de autorização, as restrições territoriais, as normas de segurança e proteção e outros requisitos legais podem dissuadir ou atrasar a entrada no mercado. No entanto, a relevância dos obstáculos legais e regulatórios nos mercados das comunicações eletrónicas está a diminuir. Os obstáculos legais ou regulatórios suscetíveis de serem eliminados no horizonte temporal pertinente de cinco anos não devem normalmente constituir obstáculos à entrada que satisfazem o primeiro critério.

(11)

Em mercados dinamizados pela inovação e caracterizados por constantes progressos tecnológicos, como os mercados das comunicações eletrónicas, os obstáculos à entrada podem tornar-se progressivamente menos importantes. Nestes mercados, as pressões concorrenciais provêm muitas vezes de ameaças de potenciais concorrentes inovadores ainda não presentes no mercado. Por conseguinte, a identificação dos mercados relevantes a sujeitar a regulação ex ante deve igualmente ter em conta as possibilidades de superar os obstáculos à entrada no horizonte temporal relevante. A presente recomendação identifica os mercados para os quais se prevê que os obstáculos à entrada se mantenham nos próximos cinco a dez anos.

(12)

Os diferentes obstáculos à entrada não devem ser considerados isoladamente, mas cumulativamente. Embora, quando avaliado de forma individual, um obstáculo à entrada possa não ser considerado significativo, em conjugação com outros obstáculos poderá produzir efeitos que, cumulativamente, dificultariam ou impediriam a entrada no mercado.

(13)

O segundo critério prende-se com a eventual evolução da estrutura de um mercado para uma conjuntura de concorrência efetiva no horizonte temporal relevante, tendo em conta a conjuntura ou perspetiva de concorrência baseada nas infraestruturas e outras fontes de concorrência inerentes aos obstáculos à entrada. A análise da concorrência efetiva implica que o mercado atinja uma situação de concorrência efetiva na ausência de regulação ex ante no período de análise, ou a atinja depois desse período, caso durante este tenham surgido provas claras de dinâmica positiva no mercado. Por exemplo, a convergência de produtos oferecidos através de diferentes tecnologias de rede pode criar pressões concorrenciais de operadores ativos em diferentes mercados de produtos e conduzir à convergência de mercados.

(14)

Mesmo quando um mercado se caracteriza por fortes obstáculos à entrada, outros fatores estruturais nesse mercado poderão indicar que ainda tende a tornar-se efetivamente concorrencial no horizonte temporal relevante. Nos mercados em que se prevê um aumento do número de redes a título prospetivo, a aplicação deste critério implica, primeiramente, examinar a conjuntura e a provável evolução futura da concorrência baseada nas infraestruturas.

(15)

Ao avaliar a adequação da concorrência e a necessidade de intervenção regulatória, as autoridades reguladoras nacionais devem igualmente ter em conta se é facultado acesso grossista a qualquer empresa interessada, em condições comerciais razoáveis que permitam resultados concorrenciais sustentáveis para os utilizadores finais no mercado retalhista. Os acordos comerciais, incluindo os acordos sobre o acesso grossista, os acordos de coinvestimento e os acordos de acesso recíproco celebrados entre operadores numa base duradoura e sustentável têm potencial para melhorar a dinâmica concorrencial; podem, em última análise, dar resposta a preocupações em matéria de concorrência no mercado retalhista conexo e, por conseguinte, conduzir a uma desregulamentação dos mercados grossistas. Assim, desde que respeitem os princípios do direito da concorrência, devem ser tidos em conta ao avaliar se é previsível que um mercado se torne concorrencial.

(16)

Os progressos tecnológicos ou a convergência de produtos e mercados podem criar pressões concorrenciais entre operadores ativos em diferentes mercados de produtos. Neste contexto, os serviços de distribuição de conteúdos audiovisuais em linha (over-the-top, OTT), que, em geral, não são atualmente considerados substitutos diretos dos serviços tradicionais assegurados pelos prestadores de serviços de comunicações eletrónicas e que, de qualquer modo, não fornecem conectividade física e de dados, podem, no entanto, vir a desempenhar um papel mais importante em certos mercados retalhistas nos próximos anos devido à evolução tecnológica e à sua expansão contínua, exercendo, subsequentemente, uma pressão indireta nos mercados grossistas.

(17)

Antes de decidir se um mercado poderá ser sujeito a regulação ex ante, convém também determinar se o direito da concorrência basta para corrigir adequadamente as deficiências do mercado identificadas. Este terceiro critério visa avaliar a adequação do direito da concorrência para eliminar as falhas persistentes identificadas nos mercados, mais concretamente devido ao facto de as obrigações regulatórias ex ante poderem prevenir de forma eficaz as infrações ao direito da concorrência. As intervenções baseadas no direito da concorrência serão provavelmente insuficientes se forem indispensáveis intervenções frequentes e/ou em tempo útil para corrigir uma ou várias falhas persistentes no mercado. Nestas circunstâncias, a regulação ex ante deve ser considerada um complemento adequado do direito da concorrência. De modo geral, deve bastar a aplicação das regras gerais da concorrência em mercados caracterizados por uma concorrência sustentável e efetiva a nível das infraestruturas.

(18)

A aplicação destes três critérios cumulativos deve limitar o número dos mercados regulados no setor das comunicações eletrónicas, contribuindo assim para reduzir progressivamente a regulação setorial ex ante à medida que a concorrência nesses mercados se intensifica. O incumprimento de qualquer um dos três critérios indica que um mercado não é suscetível de regulação ex ante. A imposição de obrigações regulatórias ex ante num mercado grossista para garantir uma concorrência sustentável só é essencial nos casos em que uma ou mais empresas tenham um poder de mercado significativo e em que as soluções previstas pelo direito da concorrência não sejam suficientes para resolver o problema.

(19)

Considera-se que os novos mercados emergentes abrangem produtos ou serviços em relação aos quais, devido ao seu caráter inovador, é difícil prever as condições de procura ou as condições de entrada no mercado e de oferta, sendo consequentemente, difícil aplicar o teste dos três critérios. Esses mercados não devem ser sujeitos a obrigações regulatórias ex ante inadequadas, a fim de promover a inovação, impedindo simultaneamente que a empresa líder vede o acesso aos mesmos (3). A modernização progressiva das infraestruturas de rede existentes raramente conduz à criação de um novo mercado ou de um mercado emergente. A ausência de substituibilidade de um produto deve ser determinada tanto na perspetiva da procura como na da oferta, antes de se poder concluir que não faz parte de um mercado já existente. A emergência de novos serviços retalhistas pode dar origem a um novo mercado grossista derivado, na medida em que tais serviços retalhistas não possam ser fornecidos utilizando produtos grossistas existentes.

(20)

Dada a evolução da concorrência, nomeadamente a concorrência baseada nas infraestruturas, a presente recomendação identifica apenas os mercados relevantes a nível grossista, à semelhança do que fez a recomendação de 2014. A regulação ex ante imposta a nível grossista deve ser considerada suficiente para dar resposta aos eventuais problemas de concorrência nos mercados retalhistas conexos a jusante.

(21)

Em consonância com o considerando 165 do código, as autoridades reguladoras nacionais devem, no mínimo, analisar os mercados abrangidos pela recomendação, incluindo os enumerados na lista, mas que deixaram de estar regulados no quadro nacional ou local. No que diz respeito aos mercados enumerados no anexo da presente recomendação, as autoridades reguladoras nacionais podem ainda considerar necessário, em função de condições nacionais específicas, realizar o teste dos três critérios. As autoridades reguladoras nacionais podem concluir que o resultado do teste dos três critérios não é positivo, atendendo às condições nacionais específicas. Se o teste dos três critérios for negativo para um mercado específico enumerado na recomendação, as autoridades reguladoras nacionais não devem impor obrigações regulatórias nesse mercado.

(22)

As autoridades reguladoras nacionais devem igualmente analisar os mercados que não são abrangidos pela presente recomendação, mas que estão regulados no território da sua competência com base em anteriores análises de mercado, ou de outros mercados, caso haja motivos suficientes para considerar que o teste dos três critérios é positivo. Por conseguinte, podem também definir outros mercados relevantes de produtos e serviços, não enumerados na presente recomendação, se puderem comprovar que, no contexto nacional, os mercados preenchem os três critérios.

(23)

Ao realizarem uma análise de mercado nos termos do artigo 67.o do código, tanto as autoridades reguladoras nacionais como a Comissão devem iniciá-la a partir dos mercados retalhistas. A avaliação do mercado deve ser feita numa perspetiva de futuro, na ausência de regulação baseada na constatação da existência de um poder de mercado significativo, partindo das atuais condições de mercado. A análise deve avaliar se o mercado é prospectivamente concorrencial e se a ausência de concorrência será duradoura, tendo em conta a evolução do mercado prevista ou razoavelmente previsível. A análise deve ter em conta os efeitos de outros tipos de regulação aplicável aos mercados retalhistas relevantes e mercados grossistas conexos durante todo o período de regulação pertinente.

(24)

Se o mercado retalhista em causa não for efetivamente concorrencial numa perspetiva de futuro na ausência de regulação ex ante, devem ser definidos e analisados os mercados grossistas correspondentes suscetíveis de regulação ex ante, em conformidade com o artigo 67.o do código. Além disso, na análise das fronteiras e do poder de mercado nos mercados grossistas relevantes correspondentes para determinar se estes são efetivamente concorrenciais, devem ser tidas em conta as pressões concorrenciais diretas e indiretas, independentemente de resultarem ou não de redes de comunicações eletrónicas, serviços de comunicações eletrónicas ou outros tipos de serviços ou aplicações equivalentes na perspetiva dos utilizadores finais.

(25)

Ao definirem os mercados grossistas relevantes suscetíveis de regulação ex ante, as autoridades reguladoras nacionais devem começar por analisar o mercado que se encontra mais a montante do mercado retalhista em que foram identificados problemas de concorrência. As autoridades reguladoras nacionais devem efetuar uma análise dos mercados a jusante, a partir das ofertas a montante reguladas, para determinar se serão efetivamente concorrenciais na presença de regulação a montante, até chegar ao mercado retalhista.

(26)

Consoante as condições nacionais, o mercado mais a montante pode abranger ou consistir em produtos grossistas intermercados mais genéricos, como o acesso a infraestruturas físicas (por exemplo, acesso a condutas) ou produtos de acesso passivo. Em particular, quando existe uma infraestrutura de engenharia civil reutilizável, o acesso efetivo a essa infraestrutura pode facilitar significativamente a implantação de redes de capacidade muito elevada e incentivar o desenvolvimento de uma concorrência baseada nas infraestruturas, em benefício dos utilizadores finais.

(27)

Por estas razões, a Comissão avaliou se seria adequado incluir na presente recomendação um mercado distinto para o acesso a infraestruturas físicas. No entanto, uma vez que as topologias de rede, a disponibilidade de condutas ubíquas e o nível de procura de acesso a condutas e postes variam significativamente na União, a Comissão concluiu que, atualmente, não é possível identificar um mercado distinto para o acesso a infraestruturas físicas a nível da União, pelo que não deve ser incluído na lista de mercados suscetíveis de regulação ex ante.

(28)

Além disso, o artigo 72.o do código permite que as autoridades reguladoras nacionais imponham o acesso a ativos de engenharia civil como medida corretiva autónoma em qualquer mercado grossista relevante. A obrigação de facultar acesso a ativos engenharia civil poderá justificar-se independentemente de a infraestrutura física a que é concedido acesso fazer ou não parte do mercado relevante regulado, e deve ser tida em conta pelas autoridades reguladoras nacionais antes de serem impostas outras obrigações de acesso a jusante, se for proporcionada e suficiente para promover a concorrência em benefício dos utilizadores finais.

(29)

No que diz respeito aos mercados grossistas de banda larga, os produtos de acesso virtual podem ser concebidos de forma a apresentarem características semelhantes ou iguais, independentemente da localização do ponto de retransmissão para o acesso. Portanto, poderá ser tecnicamente possível facultar acesso grossista em banda larga a nível central ou local com qualidade de serviço equivalente, tanto do ponto de vista do requerente de acesso como do ponto de vista dos utilizadores finais. Neste contexto, tanto as características do produto como a vontade dos requerentes de migrar entre pontos de acesso ou de utilizar vários pontos de retransmissão na arquitetura de rede devem ser examinadas no âmbito da análise da substituibilidade.

(30)

Muitos operadores alternativos escalaram o investimento e desenvolveram as suas próprias redes para o ponto de acesso local. É provável que esses operadores não considerem os produtos de acesso central substitutos do acesso local, uma vez que tal bloquearia os investimentos na sua própria infraestrutura de rede. Ao mesmo tempo, há que reconhecer que a rede de acesso é a componente da rede mais difícil de replicar, devido aos elevados custos irrecuperáveis da implantação em relação ao número de clientes que dela podem beneficiar.

(31)

Apesar de se observar um aumento da concorrência baseada nas infraestruturas, o acesso local continua a caracterizar-se por fortes obstáculos à entrada e a ser regulado na maioria dos Estados-Membros. O mercado grossista de acesso local continua a satisfazer os três critérios, uma vez que a rede de acesso é a componente da rede mais difícil de replicar. No entanto, numa base prospetiva, os obstáculos à entrada no mercado de acesso central já não podem ser considerados significativos e não transitórios a nível da União, uma vez que o mercado tende para uma concorrência efetiva devido à presença de plataformas alternativas, à disponibilidade comercial generalizada de capacidade de transmissão e à possibilidade de operadores localmente interligados oferecerem acesso central. Sempre que os produtos de acesso fornecidos em vários pontos de retransmissão forem identificados como substitutos em condições nacionais específicas, deve considerar-se que são abrangidos pelo mercado. O preenchimento dos três critérios por um mercado tão vasto deve ser determinado caso a caso.

(32)

O aumento das capacidades das redes de comunicações eletrónicas que oferecem produtos de mercado em massa pode satisfazer, inclusive, as necessidades de conectividade de certos clientes empresariais. No entanto, um segmento importante do mercado empresarial, bem como a nova procura decorrente da digitalização da indústria e de motores socioeconómicos como os serviços públicos (por exemplo, hospitais e escolas), também exigirão ligações específicas. Por conseguinte, certas empresas continuam a exigir produtos com características distintas das dos produtos de mercado em massa.

(33)

A fim de delimitar o mercado de capacidade dedicada e outros produtos de acesso empresariais, as autoridades reguladoras nacionais devem ter em conta vários fatores, como as diferentes funcionalidades do produto e a utilização prevista, a evolução dos preços ao longo do tempo e a elasticidade cruzada destes, assegurando simultaneamente que os produtos grossistas em causa correspondem ao problema identificado no mercado retalhista. As características distintivas dos produtos em termos de capacidade dedicada são a possibilidade de fornecer ligações dedicadas e não congestionadas e velocidades simétricas, devendo ser avaliadas, à semelhança das dos produtos de outros mercados, através de uma análise de substituibilidade.

(34)

A implantação de infraestruturas alternativas que facultem às empresas uma conexão por fibra dedicada aumentou significativamente, em especial em zonas de povoamento mais denso, centros comerciais e zonas empresariais. No entanto, podem existir zonas em que — embora, economicamente, a implantação de infraestruturas alternativas para uma conexão de massas possa ser viável — seja menos viável duplicar redes que forneçam ligações específicas isoladas devido à dimensão do mercado-alvo. Atendendo à falta de concorrência baseada nas infraestruturas, nestas zonas com menor densidade populacional, há o risco de, na falta de regulação, não existirem ofertas competitivas que satisfaçam a procura de capacidade dedicada.

(35)

Em ambos os mercados de acesso grossista acima referidos, é pouco provável que os problemas de concorrência persistam uniformemente num determinado Estado-Membro, devendo esses mercados ser objeto de uma análise geográfica exaustiva. Por conseguinte, ao definirem os mercados relevantes em conformidade com o artigo 64.o, n.o 3, do código, as autoridades reguladoras nacionais devem identificar zonas geográficas onde as condições de concorrência sejam suficientemente homogéneas e possam ser distinguidas das de zonas vizinhas cujas condições de concorrência prevalecentes sejam consideravelmente diferentes, tendo especialmente em conta a questão de saber se o potencial operador com poder de mercado significativo age uniformemente em toda a sua rede ou se se depara com condições de concorrência consideravelmente diferentes, a tal ponto que as suas atividades sejam restringidas em algumas zonas, mas não noutras.

(36)

Até à data, as autoridades reguladoras nacionais consideraram a maioria dos mercados como nacional, uma vez que a rede de fios de cobre do operador histórico tinha cobertura nacional. No entanto, à medida que progride a implantação de redes alternativas, as condições de concorrência podem variar significativamente e de forma sustentável entre diferentes zonas do mesmo Estado-Membro (por exemplo, entre zonas urbanas e rurais), exigindo assim a definição de mercados geográficos distintos.

(37)

Para efeitos de definição do mercado geográfico, as autoridades reguladoras nacionais devem estabelecer uma unidade geográfica de base como ponto de partida para avaliar as condições de concorrência. Essa unidade pode ser determinada em função da topologia da rede ou das fronteiras administrativas, consoante as condições nacionais. Em todo o caso, seguindo a prática da Comissão (4), a unidade geográfica deve ter uma dimensão apropriada, ou seja, a) ser suficientemente pequena para evitar variações significativas das condições de concorrência dentro de cada unidade, mas suficientemente grande para evitar microanálises onerosas e com utilização intensiva de recursos que poderiam levar à fragmentação do mercado; b) ser capaz de refletir a estrutura da rede de todos os operadores relevantes; e c) ter limites claros e estáveis ao longo do tempo. No que diz respeito à condição b), as autoridades reguladoras nacionais devem basear-se, se for caso disso, no levantamento geográfico das redes efetuado nos termos do artigo 22.o do código.

(38)

De acordo com os princípios do direito da concorrência, e com base na análise das unidades geográficas anteriormente descritas, as autoridades reguladoras nacionais devem então estabelecer uma primeira definição do âmbito dos mercados geográficos, agregando unidades que apresentem condições de concorrência semelhantes. As autoridades reguladoras nacionais devem avaliar as condições de concorrência de forma prospetiva, analisando indicadores estruturais e comportamentais, tendo em conta, nomeadamente, o nível de concorrência em matéria de infraestruturas, em conformidade com o artigo 64.o, n.o 3, do código. Esses indicadores podem ser, inter alia, a cobertura das redes («pegada»), o número de redes concorrentes, as respetivas quotas de mercado, as tendências das quotas de mercado, o comportamento, localizado ou uniforme, em matéria de preços, as características da procura, a mudança de fornecedor e a rotatividade dos clientes. A definição de mercados geográficos daí resultante deve ser verificada tendo em conta a análise da substituibilidade da procura e da oferta. Os mercados geográficos não adjacentes que apresentem condições de concorrência semelhantes podem ser analisados em conjunto nesta fase.

(39)

As variações significativas das condições de concorrência devem ser tidas em conta, numa base prospetiva, na fase de definição do mercado. Para fazer face a variações menos significativas ou menos estáveis das condições de concorrência, é possível segmentar as medidas corretivas, nomeadamente através do ajustamento periódico ou pontual dessas medidas, sem comprometer a previsibilidade regulatória.

(40)

O artigo 75.o do código habilita a Comissão a adotar um ato delegado que defina uma tarifa única máxima de terminação de chamadas de voz em redes móveis a nível da União e uma tarifa única máxima de terminação de chamadas voz em redes fixas a nível da União (designadas conjuntamente por «tarifas de terminação de chamadas de voz em rede a nível da União»). As tarifas de terminação de chamadas de voz em rede a nível da União serão diretamente aplicáveis a qualquer fornecedor de serviços de terminação em redes fixas e móveis na União. As tarifas únicas de terminação de chamadas de voz em rede a nível da União baseiam-se nos custos eficientes do fornecimento de serviços de terminação. A aplicação de tarifas de terminação de chamadas de voz em rede a nível da União limitará a capacidade de fixação de tarifas de terminação excessivas dos operadores de redes móveis e fixas. Deste modo, eliminar-se-á o risco de fixação de tarifas de terminação excessivas, que tem constituído a mais grave ameaça à concorrência nestes mercados. Devido à estrita orientação para os custos aplicada à fixação das tarifas de terminação de chamadas de voz em rede a nível da União, conforme exigido pelo código, as tarifas da terminação devem ser idênticas às expectáveis em mercados competitivos. Por conseguinte, os mercados de terminação deixarão de satisfazer os três critérios a nível da União.

(41)

No entanto, em condições específicas poderá justificar-se a regulação de determinados aspetos dos mercados de terminação em alguns Estados-Membros. As condições nacionais específicas podem indicar que estes mercados não tendem a ser concorrentes numa base prospetiva ou que continuam a existir problemas de concorrência. Pode ser o caso se o pedido de interligação dos operadores tiver sido recusado ou os operadores tiverem registado problemas com a terminação de chamadas da sua rede em redes de outros operadores. As autoridades reguladoras nacionais devem resolver esses problemas, seja impondo outras obrigações baseadas no poder de mercado significativo para além do controlo dos preços, se satisfeitos os três critérios, seja aplicando outros instrumentos regulatórios adequados, ou seja, o artigo 61.o, n.o 2, do código, se estiverem preenchidas as condições nele especificadas.

(42)

Os mercados constantes do anexo da presente recomendação não incluem três mercados previstos na recomendação de 2014, uma vez que estes não satisfazem os três critérios, designadamente, o mercado de terminação grossista de chamadas em redes telefónicas públicas individuais num local fixo (mercado 1), o mercado de terminação grossista de chamadas de voz em redes móveis individuais (mercado 2) e o mercado de acesso central grossista num local fixo para produtos de grande difusão (mercado 3-B).

(43)

Nos restantes mercados da recomendação de 2014, nomeadamente o mercados 3-A (acesso local grossista num local fixo) e o mercado 4 (acesso de elevada qualidade grossista num local fixo) — este último parcialmente redefinido —, ainda se justifica a regulação ex ante, uma vez que satisfazem os três critérios a nível da União. As autoridades reguladoras nacionais têm em conta as suas condições nacionais na delimitação desses mercados, nomeadamente no que respeita à sua dimensão geográfica.

(44)

A fim de assegurar que é tido na devida conta o impacto da regulação imposta em mercados adjacentes, ao determinar se um dado mercado justifica uma regulação ex ante, as autoridades reguladoras nacionais devem garantir que os mercados conexos são analisados de forma coerente e, sempre que possível, em simultâneo, ou tão próximo quanto possível no tempo.

(45)

Ao analisarem a possibilidade de alterar ou manter as obrigações regulatórias vigentes, as autoridades reguladoras nacionais devem também aplicar o teste dos três critérios aos mercados enumerados nos anexos das Recomendações 2003/311/CE (5), 2007/879/CE (6) e 2014/710/UE da Comissão, mas que já não constam do anexo da presente recomendação.

(46)

O Organismo de Reguladores Europeus das Comunicações Eletrónicas foi consultado nos termos do artigo 64.o, n.o 1, da Diretiva (UE) 2018/1972 e emitiu parecer em 16 de outubro de 2020,

ADOTOU A PRESENTE RECOMENDAÇÃO:

1.

Ao definir os mercados relevantes adequados às condições nacionais, em conformidade com o disposto no artigo 64.o, n.o 3, da Diretiva (UE) 2018/1972, as autoridades reguladoras nacionais devem analisar os mercados de produtos e serviços identificados no anexo.

2.

Se considerarem que um dos mercados enumerados no anexo não é suscetível de regulação ex ante, atendendo às condições nacionais específicas, as autoridades reguladoras nacionais devem realizar o teste dos três critérios e demonstrar que, pelo menos, um dos três critérios referidos no artigo 67.o, n.o 1, da Diretiva (UE) 2018/1972 não é satisfeito, o que a Comissão verificará.

3.

Ao identificarem os mercados geográficos relevantes no seu território, em conformidade com o artigo 64.o, n.o 3, do código, as autoridades reguladoras nacionais devem efetuar uma análise pormenorizada da substituibilidade da procura e da oferta, partindo de uma unidade geográfica adequada e agregando as unidades que apresentem condições de concorrência semelhantes. A avaliação das condições de concorrência deve ser prospetiva e basear-se, nomeadamente, no número e nas características das redes concorrentes, na distribuição e nas tendências das quotas de mercado, nos preços e nos padrões de comportamento.

4.

A presente recomendação não prejudica as definições de mercados, os resultados das análises do mercado e as obrigações regulatórias adotadas pelas autoridades reguladoras nacionais em conformidade com o quadro regulamentar em vigor antes da data de adoção da presente recomendação.

5.

Os destinatários da presente recomendação são os Estados-Membros.

Feito em Bruxelas, em 18 de dezembro de 2020.

Pela Comissão

Thierry BRETON

Membro da Comissão


(1)  JO L 321 de 17.12.2018, p. 36.

(2)  Recomendação 2014/710/UE da Comissão, de 9 de outubro de 2014, relativa aos mercados relevantes de produtos e serviços no setor das comunicações eletrónicas suscetíveis de regulamentação ex ante em conformidade com a Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (JO L 295 de 11.10.2014, p. 79).

(3)  Ver o considerando 23 das linhas de orientação da Comissão para a análise de mercado e a avaliação do poder de mercado significativo no âmbito do quadro regulamentar da UE para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (JO C 159 de 7.5.2018, p. 1) e o considerando 163 do Código Europeu das Comunicações Eletrónicas.

(4)  Em particular, a Comunicação C/2018/2374 da Comissão, intitulada «Linhas de orientação para a análise de mercado e a avaliação do poder de mercado significativo no âmbito do quadro regulamentar da UE para as redes e serviços de comunicações eletrónicas» (JO C 159 de 7.5.2018, p. 1).

(5)  Recomendação 2003/311/CE da Comissão, de 11 de fevereiro de 2003, relativa aos mercados relevantes de produtos e serviços no setor das comunicações eletrónicas suscetíveis de regulamentação ex ante, em conformidade com o disposto na Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (JO L 114 de 8.5.2003, p. 45).https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A32003H0311

(6)  Recomendação 2007/879/CE da Comissão, de 17 de dezembro de 2007, relativa aos mercados relevantes de produtos e serviços no setor das comunicações eletrónicas suscetíveis de regulamentação ex ante em conformidade com a Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (JO L 344 de 28.12.2007, p. 65).https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=celex:32007H0879


ANEXO

Mercado 1: Acesso local grossista num local fixo

Mercado 2: Capacidade específica grossista