31998H0257

98/257/CE: Recomendação da Comissão de 30 de Março de 1998 relativa aos príncipios aplicáveis aos organismos responsáveis pela resolução extrajudicial de litígios de consumo (Texto relevante para efeitos do EEE)

Jornal Oficial nº L 115 de 17/04/1998 p. 0031 - 0034


RECOMENDAÇÃO DA COMISSÃO de 30 de Março de 1998 relativa aos princípios aplicáveis aos organismos responsáveis pela resolução extrajudicial de litígios de consumo (*) (Texto relevante para efeitos do EEE) (98/257/CE)

A COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS,

Tendo em conta o Tratado que institui a Comunidade Europeia é, nomeadamente, o seu artigo 155º,

Considerando que o Conselho, nas conclusões do Conselho «Consumidores» de 25 de Novembro de 1996, sublinhou que a preocupação de reforçar a confiança dos consumidores no funcionamento do mercado interno e a sua capacidade para explorar plenamente as possibilidades que este último lhes oferece, comporta a possibilidade para os consumidores de resolverem os seus litígios de forma eficaz e adequada através de procedimentos extrajudiciais ou outros procedimentos comparáveis;

Considerando que o Parlamento Europeu, na resolução de 14 de Novembro de 1996 (1), sublinhou que era imperativo que estes procedimentos respondessem a critérios mínimos de garantia de imparcialidade do organismo, de eficácia do procedimento, de publicidade e de transparência e convidou a Comissão a apresentar propostas sobre a matéria;

Considerando que a maioria dos litígios de consumo, pela sua natureza, caracteriza-se por uma desproporção entre os interesses económicos em jogo e o custo da respectiva resolução judicial; que as dificuldades eventualmente ligadas aos procedimentos judiciais podem, designadamente em caso de conflitos transfronteiriços, dissuadir o consumidor de fazer valer efectivamente os seus direitos;

Considerando que o «Livro Verde sobre o acesso dos consumidores à justiça e a resolução dos litígios de consumo no mercado único» (2) foi objecto de ampla consulta cujos resultados confirmaram a necessidade e a urgência de uma acção comunitária para melhorar a situação actual;

Considerando que a experiência adquirida por inúmeros Estados-membros demonstra que os mecanismos alternativos de resolução não-judicial dos litígios de consumo, desde que garantido o respeito de certos princípios essenciais, podem assegurar bons resultados, quer para os consumidores quer para as empresas, reduzindo o custo e o prazo de resolução dos litígios de consumo.

Considerando que a definição de tais princípios ao nível europeu facilitaria a implementação de procedimentos estrajudiciais para a resolução de litígios de consumo; que, em relação aos conflitos transfronteiriços, tal definição aumentaria a confiança recíproca dos organismos extrajudiciais existentes nos diferentes Estados-membros bem como a confiança dos consumidores nos diferentes procedimentos nacionais existentes; que estes critérios podem facilitar aos prestadores de serviços extrajudiciais estabelecidos num Estado-membro a prestação de serviços noutro Estado-membro.

Considerando que, entre as conclusões do Livro Verde, constava a adopção de uma «recomendação da Comissão com vista a melhorar o funcionamento dos sistemas de "Ombudsman" (mediador) encarregados do tratamento de litígios de consumo»;

Considerando que a necessidade de uma recomendação desta natureza foi sublinhada ao longo do processo de consulta sobre o Livro Verde e confirmada em idêntico processo realizado a propósito da Comunicação «Plano de Acção» (3) por grande maioria das partes interessadas;

Considerando que a presente recomendação deve limitar-se aos procedimentos que, independentemente da respectiva designação, levam à resolução do diferendo através da intervenção de um terceiro que propõe ou impõe uma solução; que, por conseguinte, não estão abrangidos os procedimentos que se limitam a uma simples tentativa de aproximar as partes para as convencer a encontrar uma solução de comum acordo;

Considerando que as decisões dos organismos extrajudiciais podem ser vinculativas para as partes, resumir-se a simples recomendações ou a propostas de transacção que devem ser aceites pelas partes; que, para efeitos da presente recomendação, estes casos estão cobertos pelo termo «decisão»;

Considerando que a imparcialidade e a objectividade do organismo responsável pela tomada das decisões constituem qualidades necessárias para garantir a protecção dos direitos dos consumidores e para reforçar a sua confiança nos mecanismos alternativos de resolução dos litígios de consumo;

Considerando que um organismo só pode ser imparcial se, no exercício das respectivas funções, não estiver sujeito a pressões susceptíveis de influenciar as suas decisões; que é necessário desta forma garantir a sua independência sem que tal implique o estabelecimento de garantias tão rigorosas quanto as que visam preservar a independência dos juizes no âmbito do sistema judicial;

Considerando que, sempre que a decisão for tomada de forma individual, a imparcialidade da pessoa responsável só poderá ser garantida se esta der provas de independência, possuir as qualificações necessárias a actuar numa envolvente que lhe permita decidir de forma autónoma; que isto implica que a pessoa em questão esteja mandatada por um período suficiente durante o qual não pode ser destituída sem motivo válido;

Considerando que, sempre que a decisão for tomada de forma colegial, a participação paritária dos representantes dos consumidores e dos profissionais constitui meio adequado para garantir esta independência;

Considerando que, para assegurar a informação adequada dos interessados, é necessário garantir a transparência do processo e da actividade dos organismos responsáveis pela resolução dos litígios; que a falta de transparência pode prejudicar os direitos das partes e induzir reticências relativamente aos procedimentos extrajudiciais de resolução dos litígios de consumo;

Considerando que os interesses das partes só poderão ser salvaguardados se o processo lhes permitir fazer valer o respectivo ponto de vista perante o organismo competente e informarem-se sobre os factos avançados pela outra parte e, se for o caso, sobre as declarações dos peritos; que tal não implica forçosamente uma audição oral das partes;

Considerando que os procedimentos extrajudiciais visam facilitar o acesso dos consumidores à justiça; que devem assim, num intuito de eficácia, permitir resolver certos problemas suscitados no âmbito judicial, tais como os custos elevados, os prazos excessivamente longos e a utilização de procedimentos complexos;

Considerando que, a fim de aumentar a eficácia e a equidade do processo, importa conferir ao organismo competente um papel activo que lhe permita tomar em consideração qualquer elemento útil para a resolução do litígio; que este papel activo é ainda mais importante na medida em que, no âmbito dos procedimentos extrajudiciais, as partes actuam por vezes sem beneficiar da ajuda de um conselheiro jurídico;

Considerando que os organismos extrajudiciais podem decidir não apenas a partir de disposições legais, mas também em equidade e com base em códigos de conduta; que, todavia, esta flexibilidade relativamente ao fundamento das suas decisões não poderá ter como resultado uma diminuição do nível de protecção do consumidor relativamente à protecção que lhe garantiria, no respeito do direito comunitário, aplicação do direito pelos tribunais;

Considerando que as partes têm direito a ser informadas das decisões tomadas e da respectiva fundamentação; que a justificação das decisões constitui elemento necessário para garantir a transparência e a confiança das partes no funcionamento dos procedimentos extrajudiciais;

Considerando que, em conformidade com o artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o acesso aos tribunais é um direito fundamental que não conhece excepções; que sempre que o Direito Comunitário garante a livre circulação das mercadorias e dos serviços no mercado interno, a possibilidade para os agentes económicos, incluindo os consumidores, de recorrerem às instâncias jurisdicionais de um Estado-membro para resolver litígios que possam decorrer das respectivas actividades económicas, em plano de igualdade com os nacionais desse Estado-membro, constitui o corolário dessas liberdades; que os procedimentos extrajudiciais não podem ter por objectivo substituir o sistema judicial; que, em consequência, a utilização da via extrajudicial só pode privar o consumidor do seu direito de acesso aos tribunais se este o aceitar expressamente, em pleno conhecimento de causa, e posteriormente à emergência do litígio;

Considerando que por vezes e independentemente do objecto e do valor do litígio, as partes e, nomeadamente, o consumidor enquanto parte do contrato reputada economicamente mais fraca e juridicamente menos experiente do que o seu co-contratante, podem necessitar de assistência e aconselhamento jurídico por parte de um terceiro, a fim de melhor defender e proteger os respectivos direitos;

Considerando que, para conseguir um nível de transparência e de difusão dos procedimentos extrajudiciais que garantem o respeito dos princípios expostos na presente recomendação, bem como para facilitar a sua ligação em rede, a Comissão tomará a iniciativa de criar uma base de dados dos organismos extrajudiciais de resolução de conflitos de consumo que ofereça estas garantias; que o conteúdo da base de dados será constituído pela informação que os Estados-membros interessados em participar na iniciativa comunicarem à Comissão; que, para permitir uma informação normalizada e para simplificar a transmissão dos dados, será posta à disposição dos Estados-membros uma ficha de informação estandardizada;

Considerando, por fim, que a definição de princípios mínimos relativos à criação e ao funcionamento dos procedimentos extrajudiciais de resolução dos litígios de consumo, é nestas condições, necessária ao nível comunitário para apoiar e completar, num domínio essencial, as iniciativas empreendidas pelos Estados-membros, para garantir, de harmonia com o artigo 129ºA do Tratado, um elevado nível de protecção dos consumidores e não excede aquilo que é devido para assegurar o bom funcionamento dos procedimentos extrajudiciais; que está portanto em conformidade com o princípio da subsidiaridade;

RECOMENDA

que qualquer organismo existente ou a criar e que esteja habilitado para a resolução extrajudicial dos litígios de consumo, respeite os seguintes princípios:

I

Princípio da independência

A independência do organismo responsável pela tomada de decisões será assegurada de forma a garantir a imparcialidade da sua acção.

Sempre que uma decisão for tomada de forma individual, esta independência será designadamente garantida através das seguintes medidas:

- a pessoa designada possuirá a capacidade a experiência e a competência nomeadamente em matéria jurídica, necessárias para o exercício da função,

- a pessoa designada receberá um mandato com duração suficiente para garantir a independência da sua acção, não podendo ser destituída sem razão válida,

- sempre que a pessoa designada for nomeada ou paga por uma associação profissional ou por uma empresa, não poderá ter trabalho, nos três anos que procedem a sua entrada em funções, para a associação profissional ou a empresa em causa.

Sempre que uma decisão for tomada de forma colegial, a independência do organismo responsável por essa decisão poderá ser assegurada pela representação paritária dos consumidores e dos profissionais ou pelo respeito dos critérios enunciados supra.

II

Princípio da transparência

Serão instaurados os meios adequados para garantir a transparência do processo. Esses meios incluirão:

1. A comunicação por escrito, ou sob qualquer outra forma apropriada, a qualquer pessoa que o solicite, das seguintes informações:

- uma descrição pormenorizada dos tipos de litígio que podem ser submetidos à apreciação do organismo bem como os limites eventualmente existentes relativamente à cobertura territorial e ao valor do objecto dos litígios,

- as regras inerentes à instância do organismo, incluindo as diligências preliminares eventualmente impostas ao consumidor bem como outras disposições processuais, nomeadamente as relativas ao carácter escrito ou oral do processo, à comparência pessoal e às línguas do processo,

- o custo eventual do processo para as partes, incluindo as regras relativas à partilha dos custos no termo do mesmo,

- o tipo de regras sobre as quais assentam as decisões do organismo (disposições legais, equidade, código de conduta, etc.),

- as formas como a decisão é tomada pelo organismo,

- o valor jurídico da decisão, com indicação clara se a mesma é ou não vinculativa, para o profissional ou para ambas as partes. Se a decisão tiver carácter vinculativo, deverão ser indicadas as sanções aplicáveis em caso de não respeito da mesma. O mesmo acontece em relação às vias de recurso que se abrem à parte cuja pretensão não foi satisfeita;

2. A publicação, pelo organismo competente, de um relatório anual relativo às decisões proferidas, que permita avaliar os resultados obtidos e identificar a natureza dos litígios que foram submetidos.

III

Princípio do contraditório

O procedimento a seguir comportará a possibilidade, para qualquer das partes interessadas, de dar a conhecer o respectivo ponto de vista ao organismo competente e de tomar conhecimento de todas as posições e factos invocados pela outra parte bem como, se for o caso, das declarações dos peritos.

IV

Princípio da eficácia

A eficácia do processo será assegurada por medidas que garantam:

- o acesso do consumidor ao processo, sem ser obrigado a utilizar um representante legal,

- a gratuitidade do processo ou a fixação dos custos moderados,

- a fixação de prazos curtos entre o momento em que o caso é submetido ao organismo e o momento em que uma decisão é tomada,

- a atribuição de um papel activo ao organismo competente, permitindo que este tome em consideração, quaisquer elementos úteis à resolução do litígio.

V

Princípio da legalidade

A decisão do organismo não pode ter como resultado privar o consumidor da protecção que lhe asseguram as disposições imperativas da legislação do Estado no território do qual o organismo está estabelecido. Tratando-se de litígios transfronteiriços, a decisão do organismo não pode ter como resultado privar o consumidor da protecção que lhe asseguram as disposições imperativas da lei do Estado-mmebro no qual o consumidor tem a sua residência habitual, nos casos previstos no artigo 5º da Convenção de Roma de 19 de Junho de 1980 relativa à lei aplicável às obrigações contratuais.

Qualquer decisão será fundamentada e comunicada às partes interessadas, no mais curto prazo, por escrito, ou sob qualquer outra forma apropriada.

VI

Princípio da liberdade

A decisão do organismo só poderá ser vinculativa para as partes se estas tiverem do facto sido previamente informadas e o tiverem expressamente aceite.

A adesão do consumidor ao procedimento extrajudicial não pode resultar de um compromisso anterior à ocorrência do diferendo, sempre que esse compromisso tiver por efeito privar o consumidor do direito que lhe assiste de recorrer aos órgãos jurisdicionais competentes para resolver judicialmente o litígio.

VII

Princípio da representação

O procedimento não poderá privar as partes do direito de se fazer representar ou acompanhar por um terceiro em qualquer fase do processo.

A PRESENTE RECOMENDAÇÃO tem por destinatários os organismos responsáveis pela resolução extrajudicial de conflitos de consumo, qualquer pessoa singular ou colectiva responsável pela criação ou o funcionamento de tais organismos, assim como os Estados-membros, na medida em que participem em tais actividades.

Feito em Bruxelas, em 30 de Março de 1998.

Pela Comissão

Emma BONINO

Membro da Comissão

(*) Em 30 de Março de 1998, a Comissão aprovou uma comunicação sobre resolução extrajudicial de conflitos de consumo. Esse documento, que comporta a presente recomendação e o formulário europeu de reclamação para o consumidor, está disponível na Internet (Http://europa.eu.in.comm/dg24).

(1) Resolução do Parlamento Europeu sobre a comunicação da Comissão «plano de acção sobre o acesso dos consumidores à justiça e a resolução dos litígios de consumo no mercado interno», de 14 de Novembro de 1996, JO C 362 de 2. 12. 1996, p. 275.

(2) Livro Verde sobre o acesso dos consumidores à justiça e a resolução dos litígios de consumo no mercado único, COM(93) 576 final, de 16 Novembro de 1993.

(3) Plano de acção sobre o acesso dos consumidores à justiça e a resolução dos litígios de consumo no mercado interno COM(96) 13 final, de 14 de Fevereiro de 1996.