ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)
4 de setembro de 2025 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Artigo 101.o TFUE — Princípio da efetividade — Ações de indemnização por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União Europeia — Prazo de prescrição — Determinação do dies a quo — Conhecimento das informações indispensáveis para a propositura da ação de indemnização — Publicação no sítio Internet de uma autoridade nacional da concorrência da sua decisão que declara uma infração às regras da concorrência — Efeito vinculativo de uma decisão de uma autoridade nacional da concorrência ainda não definitiva — Suspensão ou interrupção do prazo de prescrição — Suspensão da instância no tribunal chamado a conhecer de uma ação de indemnização — Diretiva 2014/104/UE — Artigo 10.o — Aplicação no tempo»
No processo C‑21/24,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Juzgado de lo Mercantil n.o 1 de Zaragoza (Tribunal de Comércio n.o 1 de Saragoça, Espanha), por Decisão de 10 de janeiro de 2024, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de janeiro de 2024, no processo
CP
contra
Nissan Iberia, S. A.,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),
composto por: I. Jarukaitis, presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Quarta Secção, M. Gavalec, A. Arabadjiev (relator) e R. Frendo, juízes,
advogado‑geral: L. Medina,
secretário: L. Carrasco Marco, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 16 de janeiro de 2025,
vistas as observações apresentadas:
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em representação de CP, por M. Porto Corredoira e J. Suderow Rodríguez, abogados, |
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em representação da Nissan Iberia, S. A., por J. Alonso Menjón, O. Guardiola Bas, I. Torras Balcell e J. Zuloaga González, abogados, |
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em representação do Governo Espanhol, por P. Pérez Zapico e A. Pérez‑Zurita Gutiérrez, na qualidade de agentes, |
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em representação da Comissão Europeia, por S. Baches Opi e C. Zois, na qualidade de agentes, |
ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 3 de abril de 2025,
profere o presente
Acórdão
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1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 101.o TFUE à luz do princípio da efetividade. |
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2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe CP à Nissan Iberia, S. A. (a seguir «Nissan»), a respeito da reparação do prejuízo alegadamente resultante de uma infração ao direito da concorrência cometida por várias empresas, entre as quais a Nissan, e declarada numa decisão da Comisión Nacional de los Mercados y la Competencia (Comissão Nacional do Mercado e da Concorrência, Espanha) (a seguir «CNMC»). |
Quadro jurídico
Direito da União
Regulamento (CE) n.o 1/2003
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O artigo 16.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), intitulado «Aplicação uniforme do direito comunitário da concorrência», dispõe no n.o 1: «Quando se pronunciarem sobre acordos, decisões ou práticas ao abrigo dos artigos [101.o] ou [102.o TFUE] que já tenham sido objeto de decisão da Comissão [Europeia], os tribunais nacionais não podem tomar decisões que sejam contrárias à decisão aprovada pela Comissão. Devem evitar tomar decisões que entrem em conflito com uma decisão prevista pela Comissão em processos que esta tenha iniciado. Para o efeito, o tribunal nacional pode avaliar se é ou não necessário suster a instância. Esta obrigação não prejudica os direitos e obrigações decorrentes do artigo [267.o TFUE].» |
Diretiva 2014/104/UE
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4 |
O artigo 10.o da Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União Europeia (JO 2014, L 349, p. 1), intitulado «Prazos de prescrição», tem a seguinte redação: «1. Os Estados‑Membros estabelecem, nos termos do presente artigo, as regras aplicáveis aos prazos de prescrição para intentar ações de indemnização. Essas regras determinam quando começa a correr o prazo de prescrição, a duração do mesmo e as circunstâncias em que este é interrompido ou suspenso. 2. O prazo de prescrição não começa a correr antes de cessar a infração ao direito da concorrência e de o demandante ter conhecimento, ou se poder razoavelmente considerar que teve conhecimento:
3. Os Estados‑Membros asseguram que o prazo de prescrição para intentar a ação de indemnização seja pelo menos de cinco anos. 4. Os Estados‑Membros asseguram que o prazo de prescrição seja suspenso ou, consoante o direito nacional, interrompido, se a autoridade da concorrência tomar medidas no âmbito de uma investigação ou de um processo relativo a uma infração ao direito da concorrência com a qual a ação de indemnização esteja relacionada. A suspensão termina, no mínimo, um ano depois de a decisão em matéria de infração se ter tornado definitiva ou depois de o processo ter sido de outro modo concluído.» |
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5 |
O artigo 21.o desta diretiva, intitulado «Transposição», dispõe, no n.o 1: «Os Estados‑Membros põem em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 27 de dezembro de 2016. Os Estados‑Membros comunicam imediatamente à Comissão o texto dessas disposições. […]» |
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6 |
O artigo 22.o da referida diretiva, intitulado «Aplicação no tempo», prevê, no n.o 1: «Os Estados‑Membros asseguram que as disposições nacionais adotadas por força do artigo 21.o a fim de dar cumprimento às disposições substantivas da presente diretiva não se aplicam retroativamente.» |
Direito espanhol
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7 |
O artigo 1902.o do Código Civil (Código Civil) enuncia: «Quem, por ação ou omissão, causar um dano a outrem, culposa ou negligentemente, é obrigado a reparar o dano causado.» |
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8 |
O artigo 1968.o deste código prevê: «Estão sujeitos ao prazo de prescrição de um ano: […]
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9 |
O artigo 1973.o do referido código dispõe: «A prescrição das ações é interrompida pelo exercício destas em juízo, pela reclamação extrajudicial do credor e por qualquer ato pelo qual o devedor reconheça a dívida.» |
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10 |
Nos termos do artigo 74.o da Ley 15/2007 de Defensa de la Competencia (Lei 15/2007 relativa à Proteção da Concorrência), de 3 de julho de 2007 (BOE n.o 159, de 4 de julho de 2007, p. 28848), conforme alterada pelo Real Decreto‑ley 9/2017, por el que se transponen directivas de la Unión Europea en los ámbitos financiero, mercantil y sanitario, y sobre el desplazamiento de trabajadores (Real Decreto‑Lei n.o 9/2017 que transpõe as Diretivas da União Europeia nos Domínios Financeiro, Comercial e Sanitário e ao Destacamento de Trabalhadores), de 26 de maio de 2017 (BOE n.o 126, de 27 de maio de 2017, p. 42820): «1. O prazo de prescrição da ação de indemnização pelos danos resultantes de uma infração ao direito da concorrência é de cinco anos. 2. O prazo de prescrição começa a correr quando a infração ao direito da concorrência tiver cessado e o demandante tiver conhecimento ou se puder razoavelmente considerar que teve conhecimento:
3. O prazo é interrompido se uma autoridade da concorrência der início a uma investigação ou a um processo sancionatório relacionado com uma infração ao direito da concorrência a que a ação de indemnização diga respeito. Essa interrupção termina um ano após a data em que a decisão da autoridade da concorrência se tornou definitiva ou em que foi posto termo ao processo de qualquer outra forma. 4. O prazo é também interrompido pela abertura de qualquer processo de resolução consensual dos litígios relativos ao pedido de indemnização do dano causado. Esta interrupção aplica‑se apenas no que diz respeito às partes que participam ou participaram ou estiveram representadas no referido processo.» |
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11 |
O artigo 75.o, n.o 1, da Lei 15/2007, conforme alterada pelo Real Decreto‑Lei n.o 9/2017, prevê: «Uma infração ao direito da concorrência declarada por decisão definitiva de uma autoridade da concorrência espanhola ou por um tribunal de recurso espanhol considera‑se irrefutavelmente estabelecida para efeitos de uma ação de indemnização intentada num tribunal espanhol.» |
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A primeira disposição transitória do Real Decreto‑Lei n.o 9/2017, que transpõe para o direito espanhol a Diretiva 2014/104, intitulado «Regime transitório aplicável a ações de indemnização resultantes de infrações ao direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União Europeia», dispõe: «1. As disposições do artigo 3.o do presente real decreto‑lei não se aplicam retroativamente. 2. As disposições do artigo 4.o do presente real decreto‑lei só é aplicável aos processos iniciados após a sua entrada em vigor.» |
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Nos termos do artigo 90.o, n.o 3, da Ley 39/2015 del Procedimiento Administrativo Común de las Administraciones Públicas (Lei 39/2015 relativa ao Procedimento Administrativo Comum das Administrações Públicas), de 1 de outubro de 2015 (BOE n.o 236, de 2 de outubro de 2015, p. 89343), aplicável em direito da concorrência por força do artigo 45.o da Lei 15/2007: «A decisão que encerra o processo é executória se não for passível de recurso administrativo ordinário, podendo prever as disposições provisórias necessárias para garantir a sua eficácia enquanto não for executória, as quais podem consistir na manutenção das medidas cautelares adotadas, se for o caso disso. Quando a decisão for executória, pode ser suspensa a título provisório se o interessado informar a Administração da sua intenção de interpor recurso contencioso administrativo dessa decisão administrativa definitiva. Esta suspensão provisória cessa quando:
1. não pediu, com esse recurso, a suspensão provisória da decisão recorrida; 2. o órgão jurisdicional pronuncia‑se sobre o pedido de suspensão provisória, nas condições fixadas por este.» |
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
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Em 23 de julho de 2015, a CNMC adotou uma decisão na qual declarou que várias empresas, incluindo a Nissan, tinham violado o artigo 101.o TFUE e o artigo 1.o da Lei 15/2007. O comportamento anticoncorrencial imputado, que consistia em troca de informações comercialmente sensíveis entre essas empresas, terminou no decurso do ano de 2013. |
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Em 28 de julho de 2015, a CNMC publicou no seu sítio Internet um comunicado de imprensa relativo a essa decisão. |
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Em 15 de setembro de 2015, a referida decisão foi publicada na íntegra nesse sítio Internet. |
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A mesma decisão foi objeto de vários recursos de anulação interpostos pelos autores da alegada infração, entre os quais a Nissan, mas foi confirmada, relativamente à Nissan, pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha) no decurso do ano de 2021. |
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Em março de 2023, CP intentou no órgão jurisdicional de reenvio uma ação de indemnização subsequente à decisão da CNMC (follow‑on damages action) com vista a obter a condenação da Nissan na reparação dos danos que alegadamente tinha sofrido devido à aquisição de um veículo cujo preço tinha sido afetado pela infração declarada nessa decisão. |
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Na sua contestação, a Nissan alegou, em substância, que essa ação de indemnização estava prescrita. Segundo esta sociedade, resulta das regras de prescrição previstas no Código Civil que o prazo de prescrição de um ano, aplicável a uma ação deste tipo, começa a correr a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento da infração em causa ao direito da concorrência. No caso, tendo em conta, primeiro, que a decisão da CNMC foi publicada integralmente no sítio Internet desta autoridade em 15 de setembro de 2015, segundo, que a CNMC publicou um comunicado de imprensa a este respeito e, terceiro, que o processo que deu origem a essa decisão beneficiou de uma ampla cobertura mediática nacional, CP não pode alegar que não teve conhecimento, à data da publicação da referida decisão no sítio Internet da CNMC, das informações indispensáveis para a propositura da referida ação de indemnização. Assim, segundo a Nissan, uma vez que não é necessário que essa mesma decisão se torne definitiva para que o prazo de prescrição comece a correr, pode considerar‑se que esse prazo começou a correr em 15 de setembro de 2015. |
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Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, os prazos de prescrição aplicáveis às ações de indemnização por infrações às regras da concorrência não podem começar a correr antes de a infração em causa ter cessado e de o lesado ter tido conhecimento ou se poder razoavelmente considerar que teve conhecimento das informações indispensáveis ao exercício da sua ação de indemnização. |
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Nos casos em que tal infração tenha sido declarada por uma decisão da autoridade nacional da concorrência, esse órgão jurisdicional entende que se pode considerar que as partes lesadas tomaram conhecimento dessas informações no momento da publicação da referida decisão no sítio Internet dessa autoridade. É, nomeadamente, por ocasião dessa publicação que a existência da infração em causa é conhecida, que os autores dessa infração são especificamente designados, que a duração do comportamento ilícito é mencionada e que a ocorrência do dano pode ser demonstrada. Segundo o referido órgão jurisdicional, uma vez que nenhuma norma jurídica exige que essa decisão adquira caráter definitivo para que o direito à reparação do dano causado pela infração em causa se constitua, o facto de essa decisão ter sido objeto de uma ação judicial não pode ter incidência no cálculo do prazo de prescrição aplicável a uma ação de indemnização destinada a obter a reparação do dano resultante da infração em causa. |
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22 |
É certo que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o juiz chamado a conhecer de uma ação de indemnização na sequência de uma decisão da autoridade da concorrência que tenha sido objeto de um recurso de anulação não pode ficar vinculado à declaração da existência de uma infração contida nessa decisão enquanto esta não se tornar definitiva. Todavia, por força do direito processual aplicável, esse juiz pode suspender a instância até que a referida decisão se torne definitiva. Além disso, no caso de ser intentada uma ação de indemnização por uma infração às regras de concorrência que seja simultaneamente objeto de uma investigação por parte da autoridade da concorrência, o referido juiz pode suspender a instância até que uma decisão seja tomada por esta autoridade e se torne definitiva. |
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23 |
No caso, segundo esse órgão jurisdicional, era possível a CP conhecer todas as informações indispensáveis ao exercício da sua ação de indemnização na sequência da publicação integral, no sítio Internet da CNMC, da decisão desta autoridade, da publicação do comunicado de imprensa a este respeito, que convidava expressamente as pessoas lesadas a intentar uma ação de indemnização pelos danos resultantes da infração em causa, bem como da ampla cobertura mediática nacional do processo objeto dessa decisão. |
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24 |
A este respeito, o referido órgão jurisdicional acrescenta que, diferentemente das decisões da CNMC, que são objeto de publicação no sítio Internet desta autoridade e de um comunicado de imprensa publicado também nesse sítio Internet, os acórdãos dos órgãos jurisdicionais espanhóis que tornam definitiva, se for o caso, uma decisão da referida autoridade não são objeto nem de um comunicado de imprensa nem de publicação no Boletín Oficial del Estado (jornal oficial espanhol). Acresce que o sítio Internet no qual os acórdãos dos órgãos jurisdicionais espanhóis são publicados é de difícil acesso para público em geral. |
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Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio observa, todavia, que, contrariamente à sua interpretação das regras que regulam o dies a quo do prazo de prescrição aplicável às ações de indemnização por infrações às regras da concorrência, existe uma linha jurisprudencial nacional segundo a qual o prazo de prescrição aplicável a essas ações de indemnização intentadas na sequência de uma decisão da CNMC objeto de um recurso de anulação nos órgãos jurisdicionais competentes só começa a correr a partir do momento em que essa decisão se tornou definitiva na sequência da fiscalização jurisdicional. Segundo esta linha jurisprudencial, não é possível ao lesado conhecer as informações indispensáveis para a propositura da sua ação de indemnização apenas com base na publicação da versão integral da decisão da CNMC no sítio Internet desta, do comunicado de imprensa e da cobertura mediática nacional do processo em causa. Por conseguinte, deve considerar‑se que o prazo de prescrição só começa a correr a partir do trânsito em julgado do acórdão da última instância de recurso. De qualquer modo, seria inútil intentar uma ação de indemnização com base na decisão da CNMC para pedir, em seguida, a sua suspensão, a fim de poder determinar se há ou não que invocar essa decisão para fundamentar a ação de indemnização. |
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Segundo esse órgão jurisdicional, a referida linha jurisprudencial parece estabelecer erradamente uma distinção entre a possibilidade e a obrigação de intentar uma ação. Ora, segundo o referido órgão jurisdicional, se o demandante em causa tem conhecimento das informações indispensáveis para intentar a sua ação de indemnização, incumbe‑lhe fazê‑lo nos prazos fixados para esse efeito. |
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Nestas circunstâncias, o Juzgado de lo Mercantil n.o 1 de Zaragoza (Tribunal de Comércio n.o 1 de Saragoça, Espanha), que é o órgão jurisdicional de reenvio, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
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Quanto aos pedidos de reabertura da fase oral do processo e de obtenção de esclarecimentos pelo órgão jurisdicional de reenvio
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Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 17 de abril de 2025, a Nissan pediu, a título principal, que fosse ordenada a reabertura da fase oral do processo, nos termos do artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. A título subsidiário, convidou o Tribunal de Justiça a dirigir um pedido de esclarecimentos ao órgão jurisdicional de reenvio, em conformidade com o artigo 101.o deste regulamento de processo. |
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Em apoio destes pedidos, a Nissan alegou, em substância, por um lado, que, nas suas conclusões, a advogada‑geral se baseou em elementos de facto e de direito, invocados por CP na audiência de alegações, que não foram objeto de debate contraditório nessa audiência e, por outro, que o Tribunal de Justiça não está suficientemente esclarecido sobre questões de facto e de direito nacional. Importa, em especial, clarificar, primeiro, as modalidades de interrupção do prazo de prescrição aplicável às ações de indemnização e, nomeadamente, os efeitos das reclamações extrajudiciais sobre a interrupção desse prazo. No caso em apreço, há que pedir ao órgão jurisdicional de reenvio que esclareça se CP apresentou uma reclamação extrajudicial e, sendo caso disso, o seu conteúdo, bem como as despesas relativas à apresentação da mesma. Segundo, seria útil especificar o número de decisões sancionatórias da CNMC que foram anuladas na sequência de uma fiscalização jurisdicional dessas decisões. Terceiro, há que pedir ao órgão jurisdicional de reenvio que precise certos aspetos do direito espanhol relativos, nomeadamente, ao caráter executório das decisões da CNMC, às diferenças entre as regras nacionais que regem a publicação das decisões da CNMC e as que regem a publicação dos acórdãos dos órgãos jurisdicionais espanhóis, bem como os custos associados à interrupção dos prazos de prescrição. |
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30 |
A este respeito, no que se refere, em primeiro lugar, ao pedido de reabertura da fase oral, importa recordar que, por força do artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, cabe ao advogado‑geral apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requeiram a sua intervenção. O Tribunal de Justiça não está vinculado nem pelas conclusões do advogado‑geral nem pela fundamentação em que este baseia essas conclusões (Acórdão de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.o 42 e jurisprudência referida). |
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31 |
Importa igualmente salientar, neste contexto, que o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Regulamento de Processo não preveem a possibilidade de as partes ou os interessados a que se refere o artigo 23.o desse estatuto apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral. O desacordo de uma parte ou de um interessado com as conclusões do advogado‑geral, sejam quais forem as questões que este examina nas mesmas, não pode, por conseguinte, constituir, em si mesmo, um fundamento justificativo da reabertura da fase oral do processo (Acórdão de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.o 43 e jurisprudência referida). |
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Daqui resulta que, uma vez que o pedido de reabertura da fase oral do processo apresentado pela Nissan se destina a permitir‑lhe responder à posição tomada pela advogada‑geral nas suas conclusões, o pedido não pode ser acolhido. |
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Não obstante, nos termos do artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. |
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34 |
No caso, o Tribunal de Justiça, depois de ouvir a advogada‑geral, considera que dispõe de todos os elementos necessários para responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio e que o presente processo não necessita de ser decidido com base num argumento que não foi debatido entre os interessados. Acresce que o pedido de reabertura da fase oral do processo não revela nenhum facto novo suscetível de ter influência determinante na decisão que o Tribunal de Justiça é chamado a proferir neste processo. |
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Por conseguinte, não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo. |
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Em segundo lugar, no que diz respeito ao pedido, formulado a título subsidiário, pelo qual a Nissan convida o Tribunal de Justiça a pedir esclarecimentos ao órgão jurisdicional de reenvio, basta recordar que a possibilidade de que o Tribunal de Justiça dispõe de pedir esclarecimentos a um órgão jurisdicional de reenvio ao abrigo do artigo 101.o do seu Regulamento de Processo constitui uma simples faculdade cuja utilização o Tribunal de Justiça aprecia discricionariamente em cada caso concreto (Acórdão de 3 de dezembro de 2015, Banif Plus Bank, C‑312/14, EU:C:2015:794, n.o 32). Ora, como foi referido no n.o 34 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça dispõe de todos os elementos necessários para se pronunciar sobre o presente pedido de decisão prejudicial. Por conseguinte, este pedido deve também ser indeferido. |
Quanto às questões prejudiciais
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37 |
Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito do procedimento de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, compete a este dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas. Além disso, o Tribunal de Justiça pode ser levado a tomar em consideração normas de direito da União a que o juiz nacional não fez referência no enunciado da sua questão (Acórdão de 12 de janeiro de 2023, RegioJet, C‑57/21, EU:C:2023:6, n.o 92 e jurisprudência referida). A este respeito, cabe ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, as normas e os princípios do direito da União que carecem de interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (Acórdão de 22 de junho de 2022Volvo e DAF Trucks, C‑267/20, EU:C:2022:494, n.o 28 e jurisprudência referida). |
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38 |
No caso, tendo em conta todos os elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, para dar a esse órgão jurisdicional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido, há que reformular as questões prejudiciais. |
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39 |
Com efeito, resulta destes elementos que o órgão jurisdicional de reenvio pretende, nomeadamente, determinar se CP, que se considera lesado por uma infração ao direito da concorrência, declarada por uma decisão da CNMC publicada no sítio da Internet desta autoridade em 15 de setembro de 2015 e que se tornou definitiva na sequência de um acórdão do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) proferido no decurso do ano de 2021, pode reclamar a reparação dos danos que lhe foram causados ou se a sua ação de indemnização intentada no decurso do mês de março de 2023 prescreveu. |
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40 |
A este respeito, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que o Real Decreto‑Lei 9/2017 que transpõe a Diretiva 2014/104 entrou em vigor em 27 de maio de 2017, ou seja, cerca de cinco meses após o termo do prazo de transposição previsto no artigo 21.o desta diretiva. O órgão jurisdicional de reenvio refere que, até à data de entrada em vigor deste decreto‑lei que transpõe a referida diretiva para o direito espanhol, o prazo de prescrição aplicável às ações de indemnização por infrações ao direito da concorrência era regulado pelo regime geral da responsabilidade civil extracontratual e que, por força do artigo 1968.o, n.o 2, do Código Civil, esse prazo de prescrição com a duração de um ano só começava a correr a partir do momento em que a pessoa que se considerasse lesada tivesse tomado conhecimento dos factos geradores de responsabilidade. Esse órgão jurisdicional especifica que, na sequência de uma alteração legislativa ocorrida no decurso do ano de 2007, a legislação nacional já não exige que a decisão da autoridade nacional da concorrência adquira caráter definitivo para que o direito à reparação do dano causado pela infração em causa se constitua. Assim, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o início da contagem do prazo de prescrição aplicável à ação de indemnização de CP coincide com a data da publicação da decisão da CNMC no seu sítio Internet, a saber, 15 de setembro de 2015, e não com a data da publicação do acórdão do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) pelo qual essa decisão transitou em julgado no decurso do ano de 2021. |
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41 |
Neste contexto, e tendo em conta, nomeadamente, que as regras de prescrição do Código Civil continuaram a aplicar‑se cerca de cinco meses após o termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/104, resulta claramente dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio que este se interroga sobre a compatibilidade com o artigo 101.o TFUE, lido à luz do princípio da efetividade, e, sendo caso disso, com o artigo 10.o da referida diretiva, das regras de prescrição que estavam em vigor antes da transposição da mesma diretiva, no que diz respeito, nomeadamente, à determinação do dies a quo do prazo de prescrição. |
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42 |
Nestas condições, há que considerar que, com as suas questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 101.o TFUE, lido à luz do princípio da efetividade, e, sendo caso disso, o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2014/104 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, conforme interpretada pelos órgãos jurisdicionais nacionais competentes, segundo a qual, para efeitos da determinação do momento a partir do qual começa a correr o prazo de prescrição aplicável às ações de indemnização por infrações às regras da concorrência resultantes de uma decisão da autoridade nacional da concorrência que declara uma infração a essas regras, se pode estimar que a pessoa que se considera lesada tomou conhecimento das informações indispensáveis que lhe permitem intentar a sua ação de indemnização antes de essa decisão se ter tornado definitiva. |
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43 |
A este respeito, para responder às questões submetidas, é necessário verificar, antes de mais, a aplicação no tempo do artigo 10.o da Diretiva 2014/104, que estabelece determinadas exigências relativamente ao prazo de prescrição aplicável às ações de indemnização por infrações ao direito da concorrência, determinando, em especial, a duração mínima desse prazo e o primeiro momento em que este pode começar a correr, bem como as circunstâncias em que o mesmo deve ser suspenso ou interrompido. |
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44 |
Assim, importa recordar que o artigo 10.o da Diretiva 2014/104 é uma disposição substantiva, na aceção do artigo 22.o, n.o 1, desta diretiva. Ora, por força desta última disposição, os Estados‑Membros deviam assegurar que as disposições nacionais adotadas em aplicação do artigo 21.o da referida diretiva, a fim de dar cumprimento às suas disposições substantivas, não fossem aplicadas retroativamente [Acórdão de 18 de abril de 2024, Heureka Group (Comparadores de preços em linha), C‑605/21, EU:C:2024:324, n.o 47]. |
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45 |
No entanto, a partir do termo do prazo de transposição de uma diretiva, o direito nacional deve ser interpretado em conformidade com as disposições desta [Acórdão de 18 de abril de 2024, Heureka Group (Comparadores de preços em linha), C‑605/21, EU:C:2024:324, n.o 48]. |
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46 |
Por conseguinte, para determinar a aplicabilidade temporal do artigo 10.o da Diretiva 2014/104, é necessário verificar se a situação em causa no processo principal foi adquirida antes do termo do prazo de transposição desta diretiva ou se continuou a produzir efeitos após o termo desse prazo [Acórdão de 18 de abril de 2024, Heureka Group (Comparadores de preços em linha), C‑605/21, EU:C:2024:324, n.o 49]. |
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47 |
Para este efeito, tendo em conta as especificidades das regras de prescrição, a sua natureza e o seu mecanismo de funcionamento, nomeadamente no contexto de uma ação de indemnização por uma infração ao direito da concorrência da União, há que averiguar se, à data do termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/104, a saber, 27 de dezembro de 2016, o prazo de prescrição fixado pelo direito nacional, aplicável à situação em causa no processo principal até essa data, tinha expirado, o que implica determinar o momento em que esse prazo de prescrição começou a correr em conformidade com esse direito [Acórdão de 18 de abril de 2024, Heureka Group (Comparadores de preços em linha), C‑605/21, EU:C:2024:324, n.o 50]. |
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48 |
Com efeito, na falta de regulamentação da União na matéria até ao termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/104, cabia à ordem jurídica de cada Estado‑Membro regular as modalidades de exercício do direito de pedir a reparação do prejuízo resultante de uma violação dos artigos 101.o e 102.o TFUE, incluindo as relativas aos prazos de prescrição, desde que os princípios da equivalência e da efetividade fossem respeitados, exigindo este último princípio que as regras aplicáveis às ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos cidadãos pelo efeito direto do direito da União não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União [Acórdão de 18 de abril de 2024, Heureka Group (Comparadores de preços em linha), C‑605/21, EU:C:2024:324, n.o 51 e jurisprudência referida]. |
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49 |
A este respeito, resulta deste último princípio que, mesmo antes da data do termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/104, uma legislação nacional que fixa a data em que o prazo de prescrição começa a correr, a duração e as modalidades da suspensão ou da sua interrupção deviam ser adaptadas às especificidades do direito da concorrência e aos objetivos da aplicação das regras desse direito pelas pessoas envolvidas, a fim de não comprometer a plena efetividade dos artigos 101.o e 102.o TFUE [Acórdão de 18 de abril de 2024, Heureka Group (Comparadores de preços em linha), C‑605/21, EU:C:2024:324, n.o 52 e jurisprudência referida]. |
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50 |
Neste contexto, há que recordar que o artigo 101.o, n.o 1, e o artigo 102.o TFUE produzem efeitos diretos nas relações entre os particulares e criam direitos na esfera jurídica destes, que os órgãos jurisdicionais nacionais devem proteger (Acórdão de 5 de junho de 2014, Kone e o., C‑557/12, EU:C:2014:1317, n.o 20, e jurisprudência referida). |
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51 |
A este respeito, a plena eficácia do artigo 101.o TFUE e, em particular, o efeito útil da proibição enunciada no seu n.o 1 seriam postos em causa se não fosse possível a qualquer pessoa pedir a reparação do prejuízo que lhe tivesse sido causado por uma infração ao direito da concorrência (Acórdãos de 5 de junho de 2014, Kone e o., C‑557/12, EU:C:2014:1317, n.o 21, e de 28 de janeiro de 2025, ASG 2, C‑253/23, EU:C:2025:40, n.o 61, e jurisprudência referida). |
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52 |
Assim, qualquer pessoa tem o direito de pedir a reparação do prejuízo sofrido quando haja um nexo de causalidade entre o referido prejuízo e um cartel ou uma prática proibida pelo artigo 101.o TFUE (Acórdão de 5 de junho de 2014, Kone e o., C‑557/12, EU:C:2014:1317, n.o 22 e jurisprudência referida). |
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53 |
O direito de qualquer pessoa pedir a reparação desse prejuízo reforça o caráter operacional das regras de concorrência da União e é suscetível de desencorajar comportamentos, frequentemente dissimulados, suscetíveis de restringir ou falsear o jogo da concorrência, contribuindo assim para a manutenção de uma concorrência efetiva na União (Acórdão de 28 de janeiro de 2025, ASG 2, C‑253/23, EU:C:2025:40, n.o 63). |
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54 |
Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, este direito confere a qualquer pessoa lesada a possibilidade de pedir a reparação do dano causado por um comportamento suscetível de impedir, restringir ou falsear a concorrência (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de setembro de 2001, Courage e Crehan, C‑453/99, EU:C:2001:465, n.o 25; de 13 de julho de 2006, Manfredi e o., C‑295/04 a C‑298/04, EU:C:2006:461, n.o 60, e de 21 de dezembro de 2023, International Skating Union/Comissão, C‑124/21 P, EU:C:2023:1012, n.o 201). |
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55 |
O prazo de prescrição, previsto no artigo 10.o, n.o 3, da Diretiva 2014/104, tem designadamente a função, por um lado, de assegurar a proteção dos direitos do lesado, devendo este dispor de tempo suficiente para reunir as informações adequadas com vista à eventual propositura de ação, e, por outro, de evitar que o lesado possa retardar indefinidamente o exercício do seu direito à obtenção de uma indemnização em detrimento do responsável pelo dano. Os prazos de prescrição protegem, por conseguinte, em definitivo, tanto o lesado como a pessoa responsável pelo dano (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks, C‑267/20, EU:C:2022:494, n.o 45 e jurisprudência referida). |
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56 |
Importa também recordar que o exercício do direito de pedir a reparação do prejuízo sofrido devido a uma infração ao direito da concorrência se tornaria praticamente impossível ou excessivamente difícil se os prazos de prescrição aplicáveis às ações de indemnização por infrações às disposições do direito da concorrência começassem a correr antes de a infração ter cessado e o lesado ter tomado conhecimento ou se poder razoavelmente considerar que teve conhecimento das informações indispensáveis à propositura da sua ação de indemnização [v., neste sentido, Acórdão de 18 de abril de 2024, Heureka Group (Comparadores de preços em linha), C‑605/21, EU:C:2024:324, n.o 55 e jurisprudência referida]. |
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57 |
No caso, no que diz respeito à primeira condição mencionada no número anterior do presente acórdão, relativo à cessação da infração, é pacífico que a infração cessou no decurso do ano de 2013. |
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58 |
No que diz respeito à segunda condição referida no mesmo número, a saber, a tomada de conhecimento pelo lesado das informações indispensáveis para a propositura da sua ação de indemnização, resulta de jurisprudência constante que fazem parte dessas informações a existência de uma infração ao direito da concorrência, a existência de um prejuízo, o nexo de causalidade entre esse prejuízo e essa infração e a identidade do autor da mesma [v., neste sentido, Acórdão de 18 de abril de 2024, Heureka Group (Comparadores de preços em linha), C‑605/21, EU:C:2024:324, n.o 64 e jurisprudência referida]. |
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59 |
Com efeito, na falta das referidas informações, é extremamente difícil, ou mesmo impossível, para o lesado obter a reparação do prejuízo que esta infração lhe causou [Acórdão de 18 de abril de 2024, Heureka Group (Comparadores de preços em linha), C‑605/21, EU:C:2024:324, n.o 65]. |
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60 |
A este respeito, cabe ao juiz nacional chamado a conhecer da ação de indemnização determinar o momento a partir do qual se pode razoavelmente considerar que o lesado tomou conhecimento das referidas informações. Com efeito, o juiz nacional é o único competente para apurar e apreciar os factos do litígio no processo principal. Não obstante, o Tribunal de Justiça pode, decidindo a título prejudicial, prestar esclarecimentos que o permitam guiar nessa determinação [v., neste sentido, Acórdão de 18 de abril de 2024, Heureka Group (Comparadores de preços em linha), C‑605/21, EU:C:2024:324, n.o 66 e jurisprudência referida]. |
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61 |
Resulta da decisão de reenvio que, segundo a legislação nacional, a responsabilidade do autor de uma infração às regras da concorrência pode, em princípio, ser desencadeada tanto pela propositura, pela parte lesada, de uma ação de indemnização perante o juiz nacional competente, quando essa infração não tenha sido declarada numa decisão da autoridade nacional da concorrência, como pela propositura de tal ação na sequência da adoção da referida decisão por essa autoridade. |
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62 |
Ora, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que nenhuma norma jurídica exige que essa decisão adquira caráter definitivo para que se constitua o direito à reparação do prejuízo causado pela infração em causa. |
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63 |
No entanto, esse órgão jurisdicional precisa que, segundo a legislação nacional, o juiz chamado a conhecer de uma ação de indemnização subsequente a uma decisão da autoridade nacional da concorrência que declara uma infração, que foi objeto de um recurso de anulação, não pode ficar vinculado pela declaração da existência dessa infração quando esta não se torna definitiva. |
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64 |
Assim, afigura‑se que, diferentemente das decisões da Comissão que se pronunciam sobre acordos, decisões ou práticas abrangidas pelo artigo 101.o ou 102.o TFUE que, por força do artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, revestem caráter vinculativo para os órgãos jurisdicionais nacionais, de modo que estes órgãos jurisdicionais não podem tomar decisões que sejam contrárias a essas decisões, no presente caso, uma decisão da autoridade nacional da concorrência que declare uma infração às regras da concorrência, cuja validade foi judicialmente reconsiderada, não reveste esse caráter. Daqui resulta que o juiz chamado a conhecer de uma ação de indemnização resultante de uma decisão dessa natureza dispõe, em caso de recurso interposto dessa decisão, de informações que não revestem caráter definitivo. |
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65 |
Assim, nos casos em que o eventual autor de uma infração ao direito da concorrência da União declarada numa decisão de uma autoridade nacional da concorrência reconsidera, através de um recurso de anulação, as conclusões dessa autoridade relativas à natureza, bem como ao alcance material, pessoal, temporal e territorial dessa infração, de modo que o juiz chamado a conhecer de uma ação de indemnização relativa à referida infração não está vinculado pelas referidas conclusões, não se pode considerar que o lesado se possa efetivamente basear, perante esse juiz, na referida decisão para fundamentar a sua ação contra o eventual autor da infração. |
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66 |
Nesse cenário, a possibilidade de uma pessoa lesada intentar uma ação de indemnização subsequente a uma decisão da autoridade nacional da concorrência (follow‑on damages action) ficaria comprometida e seria excessivamente difícil para essa pessoa exercer o seu direito de pedir reparação. |
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Nestas condições, há que considerar que, uma vez que o juiz chamado a conhecer de uma ação de indemnização não está vinculado pela declaração de existência da infração em causa apenas enquanto a decisão da autoridade nacional da concorrência se tornou definitiva, não se pode razoavelmente considerar que o lesado tomou conhecimento das informações indispensáveis para a propositura da sua ação de indemnização com fundamento nessa decisão e, portanto, o prazo de prescrição não pode começar a correr antes de a referida decisão se ter tornado definitiva. |
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Importa salientar que esta interpretação não é posta em causa, no caso em apreço, nem pelas disposições relativas à suspensão e/ou interrupção do prazo de prescrição nem pelas relativas à suspensão da instância pelo juiz chamado a conhecer de uma ação de indemnização, como resulta dos elementos dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça. |
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Primeiro, no que diz respeito à eventual suspensão do prazo de prescrição, não resulta desses elementos que essa suspensão possa ser decidida devido à interposição, nos órgãos jurisdicionais competentes, de um recurso de anulação da decisão em causa da CNMC nem que essa suspensão prossiga necessariamente até à data da publicação do acórdão que torna essa decisão definitiva. |
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70 |
Segundo, no que diz respeito à interrupção do prazo de prescrição, resulta dos referidos elementos dos autos que esse prazo pode ser interrompido por uma reclamação extrajudicial apresentada pela pessoa lesada e que solicite ao autor da alegada infração que a indemnize, por meio do início de um procedimento de conciliação ou de um pedido de diligências prévias com vista à recolha das informações e/ou dos documentos essenciais para a preparação da propositura da ação de indemnização. |
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71 |
Não obstante, há que referir que estas causas de interrupção são independentes da interposição, nos órgãos jurisdicionais competentes, de um recurso de anulação da decisão em causa da CNMC. Por conseguinte, há que considerar que nenhum destes motivos de interrupção oferece uma garantia suficientemente eficaz de que o prazo de prescrição de um ano, previsto pela legislação nacional, não se esgota antes da conclusão do processo judicial no termo do qual a decisão em causa se torna definitiva. |
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72 |
Terceiro, quanto à possibilidade de o juiz chamado a conhecer de uma ação de indemnização suspender a instância quando a referida ação é intentada na sequência de uma decisão da autoridade da concorrência que foi objeto de um recurso de anulação, até que a referida decisão se torne definitiva, resulta da decisão de reenvio que essa suspensão não é automática, dispondo o juiz chamado a pronunciar‑se de uma margem de apreciação a este respeito. |
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73 |
Em todo o caso, como salientou a advogada‑geral, no essencial, no n.o 83 das suas conclusões, o pedido de suspensão da instância só pode ser apresentado após a propositura da ação de indemnização, o que implica que esta ação deve ser intentada antes do termo do prazo de prescrição. Nestas condições, não se pode considerar que a possibilidade de pedir a suspensão da instância possa satisfazer as exigências do artigo 101.o TFUE e do princípio da efetividade. |
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74 |
Feito este esclarecimento, importa referir que a condição relativa ao conhecimento das informações indispensáveis para a propositura de uma ação de indemnização na sequência de uma decisão de uma autoridade nacional da concorrência exige não só que essa decisão se torne definitiva mas também que as informações que decorrem da decisão definitiva tenham sido tornadas públicas de forma adequada. |
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75 |
A este respeito, para que seja razoável considerar que a pessoa lesada dispõe das informações indispensáveis para intentar a sua ação de indemnização a partir da data de publicação de um acórdão que confirma definitivamente a decisão da autoridade nacional da concorrência em causa, este acórdão deve ser publicado oficialmente, deve ser de livre acesso ao público em geral e deve indicar claramente a data da sua publicação. |
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76 |
No caso, CP intentou a sua ação de indemnização em março de 2023 na sequência de uma decisão da CNMC adotada em 23 de julho de 2015, publicada no sítio Internet desta autoridade em 15 de setembro de 2015 e que se tornou definitiva no que diz respeito à Nissan na sequência de um acórdão do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) proferido no decurso do ano de 2021. |
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77 |
Além disso, resulta da decisão de reenvio que o sítio Internet no qual os acórdãos dos órgãos jurisdicionais espanhóis são publicados é o sítio Internet do Centro de Documentación Judicial (Cendoj) (Centro de Documentação Judicial) do Consejo General del Poder Judicial (Conselho Geral da Magistratura, Espanha) que constitui, no essencial, uma base de dados de jurisprudência livremente acessível pelo grande público. |
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78 |
Consequentemente, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, pode razoavelmente considerar‑se que, à data da publicação do acórdão do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) através do qual a decisão da CNMC se tornou definitiva no decurso do ano de 2021, CP tomou conhecimento de todas as informações necessárias que lhe permitiam intentar a sua ação de indemnização. |
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79 |
Daqui resulta que, como decorre dos n.os 76 a 78 do presente acórdão, à data do termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/104, a saber, em 27 de dezembro de 2016, o prazo de prescrição não só não tinha expirado mas também não tinha sequer começado a correr. |
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80 |
Por conseguinte, a situação em causa no processo principal não estava definida antes do termo do prazo de transposição desta diretiva, pelo que o artigo 10.o desta diretiva é, no caso em apreço, aplicável ratione temporis e a ação de indemnização de CP não parece estar prescrita. |
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81 |
A este respeito, uma vez que o conteúdo do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2014/104, no que respeita à determinação do momento a partir do qual o prazo de prescrição começa a correr, reflete, em substância, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa aos artigos 101.o e 102.o TFUE, bem como ao princípio da efetividade, as considerações do presente acórdão relativas ao início da contagem do prazo de prescrição aplicável às ações de indemnização por infrações às regras da concorrência, na sequência de uma decisão da autoridade nacional da concorrência que declara uma infração, são também aplicáveis à interpretação do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2014/104. |
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82 |
Face ao exposto, há que responder às questões submetidas que o artigo 101.o TFUE, lido à luz do princípio da efetividade, e o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2014/104 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, conforme interpretada pelos órgãos jurisdicionais nacionais competentes, segundo a qual, para efeitos da determinação do momento a partir do qual começa a correr o prazo de prescrição aplicável às ações de indemnização por infrações às regras da concorrência resultantes de uma decisão da autoridade nacional da concorrência que declara uma infração a essas regras, se pode estimar que a pessoa que se considera lesada tomou conhecimento das informações indispensáveis que lhe permitem intentar a sua ação de indemnização antes de essa decisão se ter tornado definitiva. |
Quanto às despesas
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83 |
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
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Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara: |
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O artigo 101.o TFUE, lido à luz do princípio da efetividade, e o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União Europeia, |
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devem ser interpretados no sentido de que: |
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se opõem a uma legislação nacional, conforme interpretada pelos órgãos jurisdicionais nacionais competentes, segundo a qual, para efeitos da determinação do momento a partir do qual começa a correr o prazo de prescrição aplicável às ações de indemnização por infrações às regras da concorrência resultantes de uma decisão da autoridade nacional da concorrência que declara uma infração a essas regras, se pode estimar que a pessoa que se considera lesada tomou conhecimento das informações indispensáveis que lhe permitem intentar a sua ação de indemnização antes de essa decisão se ter tornado definitiva. |
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Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: espanhol.