Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 11 de setembro de 2025 (1)

Processo C376/24

MT

contra

Comité de direction de l’Autorité des Services et des Marchés Financiers (FSMA)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de segunda instância de Bruxelas, Bélgica)]

« Reenvio prejudicial — Serviços financeiros — Regulamento (UE) n.° 596/2014 — Transmissão de informação privilegiada e abuso de mercado — Caráter ilícito da transmissão de informação privilegiada — Exceções — Artigo 10.° — Divulgação de uma informação privilegiada no exercício normal de uma profissão — Artigo 21.° — Publicação de informação privilegiada no âmbito de atividades jornalísticas — Liberdade de imprensa e liberdade de expressão — Divulgação por um dirigente político de informações privilegiadas sobre a privatização de uma empresa pública »






1.        O litígio que está na origem do presente reenvio prejudicial tem por objeto a validade da sanção aplicada a um dirigente político que, em entrevistas com meios de comunicação social, revelou uma informação alegadamente qualificável de privilegiada, na aceção da Diretiva 2003/6/CE (2) e do Regulamento (UE) n.° 596/2014 (3).

2.        A informação em causa diz respeito à privatização iminente de uma importante empresa pública belga. Aquele que a divulgou afirma ter agido para suscitar um debate sobre esta questão de interesse geral e no exercício da sua função de líder político.

3.        No cerne do reenvio prejudicial está, por um lado, o direito fundamental à liberdade de expressão e de informação (neste caso, de um dirigente político) e, por outro, o interesse em proteger a integridade dos mercados financeiros, concretizado na proibição de divulgação de informação privilegiada.

I.      Quadro Jurídico

A.      Direito da União

1.      Diretiva 2003/6

4.        Nos termos do considerando quadragésimo quarto desta diretiva:

«A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [(a seguir “Carta”)], em especial no artigo 11.°, bem como no artigo 10.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem [(a seguir “CEDH”)]. A este respeito, a presente diretiva não impede de forma alguma que os Estados‑Membros apliquem as suas normas constitucionais em matéria de liberdade de imprensa e de liberdade de expressão nos meios de comunicação social.»

5.        O artigo 2.° prevê:

«1.      Os Estados‑Membros proíbem qualquer pessoa referida no segundo parágrafo que detenha informação privilegiada de utilizar essa informação ao adquirir ou alienar, tentar adquirir ou alienar, por sua conta ou por conta de terceiro, direta ou indiretamente, os instrumentos financeiros a que essa informação diga respeito.

O disposto no primeiro parágrafo aplica‑se a qualquer pessoa que detenha a informação em questão:

[…]

c)      Em virtude do acesso a essa informação privilegiada por força do exercício da sua atividade, da sua profissão ou das suas funções; ou

[…]».

6.        O artigo 3.° dispõe:

«Os Estados‑Membros proíbem qualquer pessoa sujeita à proibição estabelecida no artigo 2.° de:

a)      comunicar informação privilegiada a outra pessoa, exceto se essa comunicação ocorrer no âmbito do exercício normal da sua atividade, da sua profissão ou das suas funções;

b)      recomendar a outra pessoa que adquira ou aliene, ou induzir outra pessoa a adquirir ou alienar, com base em informação privilegiada, os instrumentos financeiros a que se refere essa informação.»

2.      Regulamento n.° 596/2014

7.        O considerando septuagésimo sétimo enuncia:

«O presente regulamento respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos na Carta [...]. Assim, o presente regulamento deverá ser interpretado e aplicado no respeito por esses direitos e princípios. Em particular, quando o presente regulamento referir as regras relativas à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão noutros meios de comunicação social e as regras ou os códigos que regulam a profissão jornalística, estas liberdades deverão ser tidas em conta, tal como garantidas na União e nos Estados‑Membros e reconhecidas nos termos do artigo 11.° da Carta e outras disposições pertinentes.»

8.        O artigo 7.° («Informação privilegiada») reproduz, em substância, as definições dadas nas Diretivas 2003/6 e 2003/124/CE (4).

9.        O artigo 8.° («Abuso de informação privilegiada»), dispõe:

«1.      Para efeitos do presente regulamento, existe abuso de informação privilegiada quando uma pessoa que dispõe de informação privilegiada utiliza essa informação ao adquirir ou alienar, por sua conta ou por conta de um terceiro, direta ou indiretamente, instrumentos financeiros a que essa informação diz respeito. Considera‑se também abuso de informação privilegiada a utilização de informação privilegiada para cancelar ou alterar uma ordem relativa a um instrumento financeiro a que essa informação diz respeito, caso a ordem tenha sido colocada antes de a pessoa em causa estar na posse da informação privilegiada. [...]

[…]

4.      O presente artigo aplica‑se a qualquer pessoa que disponha de informação privilegiada em virtude de:

[…]

c)      Ter acesso à informação por força do exercício da sua atividade, profissão ou funções; ou

[…].

O presente artigo aplica‑se igualmente a qualquer pessoa que disponha de informação privilegiada em circunstâncias distintas das especificadas no primeiro parágrafo e quando essa pessoa saiba ou deva saber que se trata de informação privilegiada.

[…].»

10.      O artigo 10.° («Transmissão ilícita de informação privilegiada») dispõe:

«1.      Para efeitos do presente regulamento, existe transmissão ilícita de informação privilegiada quando uma pessoa dispõe de informação privilegiada e a transmite a qualquer outra pessoa, exceto se essa transmissão ocorrer no exercício normal da sua atividade, profissão ou funções.

O presente número aplica‑se a qualquer pessoa singular ou coletiva nas situações ou circunstâncias a que se refere o artigo 8.°, n.° 4.

[…]».

11.      O artigo 21.° («Divulgação ou difusão de informação nos meios de comunicação social») dispõe:

«Para efeitos do disposto no artigo 10.°, [...], no caso de ser divulgada ou difundida informação e de serem elaboradas ou difundidas recomendações para fins (5) jornalísticos ou outra forma de expressão nos meios de comunicação social, essa divulgação ou difusão de informação é avaliada tendo em conta as regras relativas à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão em outros meios de comunicação social e as regras ou os códigos que regulam a profissão jornalística, a menos que:

a)      As pessoas em causa ou pessoas com elas estreitamente relacionadas obtenham, de forma direta ou indireta, uma vantagem ou benefício resultante da transmissão ou difusão da informação em causa; ou

b)      A divulgação ou difusão seja feita com a intenção de induzir o mercado em erro no que respeita à oferta, à procura ou ao preço dos instrumentos financeiros.»

B.      Direito nacional. Loi du 2 août 2002 relative à la surveillance du secteur financier et aux services financiers (Lei, de 2 de agosto de 2002, relativa à Supervisão do Setor Financeiro e aos Serviços Financeiros) (6)

12.      O artigo 2.° define o conceito de «informação privilegiada» em termos idênticos aos das Diretivas 2003/6 e 2003/124 e, por conseguinte, do Regulamento n.° 596/2014.

13.      Segundo o artigo 25.°

«§ 1.      É proibido a qualquer pessoa:

1.°      na posse de informação que saiba ou devesse saber que tem caráter privilegiado:

a)      adquirir ou alienar, tentar adquirir ou alienar, por sua conta ou por conta de terceiro, direta ou indiretamente, os instrumentos financeiros a que essa informação diga respeito;

b)      Revelar tal informação a outra pessoa, exceto se essa comunicação ocorrer no âmbito do exercício normal da sua atividade, da sua profissão ou das suas funções;

[…]

4.°      divulgar informações ou rumores através dos meios de comunicação social, da Internet ou de qualquer outro meio, que proporcionem ou sejam suscetíveis de proporcionar indicações falsas ou enganosas sobre instrumentos financeiros, quando [a pessoa] sabia ou devia saber que as informações eram falsas ou enganosas.

No caso dos jornalistas que atuem no âmbito da sua profissão, essa divulgação de informações deve ser avaliada tendo em conta a regulamentação aplicável à sua profissão, a menos que essas pessoas obtenham, direta ou indiretamente, uma vantagem ou benefícios decorrentes da divulgação dessas informações.»

II.    Matéria de facto, litígio e questões prejudiciais

14.      Em 2016, a Bpost uma sociedade anónima de direito público cujo capital era detido em mais de 50 % pelo Estado, era o principal operador do setor postal na Bélgica e as suas ações estavam cotadas na bolsa de valores de Bruxelas (Bélgica) (Euronext).

15.      MT era um responsável político socialista. Tinha sido Ministro das Empresas Públicas do Governo Federal de janeiro de 2013 a outubro de 2014. Na sequência das eleições legislativas de 2014, o Partido Socialista passou para a oposição e, em 2016, MT ocupou funções de direção nesse partido e na Union nationale des mutualités socialistes — Solidaris.

16.      Em 2015, o novo Governo Belga manifestou a sua vontade de reduzir a participação do Estado nas empresas públicas para um nível inferior a 50 %, tendo este tema sido objeto de debate no Parlamento belga. A aprovação de uma nova lei sobre as empresas públicas em dezembro de 2015 (7) foi, segundo um jornal belga, criticada por um dirigente sindical nos seguintes termos: «a aprovação, ontem, quinta‑feira, na Câmara, do projeto de lei que permite a privatização, sem necessidade de uma minoria de bloqueio, de empresas públicas cotadas na Bolsa de valores, nomeadamente, a Bpost e a Proximus, significa o fim da empresa pública (8)».

17.      Os estatutos da Bpost foram alterados nas assembleias gerais, ordinária e extraordinária, de 11 de maio de 2016, para permitir a privatização da Bpost (9). Em 12 de maio de 2016, ao comentar o resultado dessas assembleias gerais de acionistas, um jornal belga referia‑se à «privatização da Bpost» (10).

18.      Em 27 de maio de 2016, em resposta a uma questão colocada durante a emissão de rádio Matin Première da estação RTBF, MT indicou que a Bpost estava na iminência de perder o seu estatuto de empresa pública e declarou: «o Estado prepara‑se para vender uma parte das suas ações [...] é, na verdade, uma questão de horas». A perda do estatuto de empresa pública ocorreria, acrescentou, no âmbito de uma operação de aproximação com outro operador postal europeu, estando em negociação a venda de 10 % das suas ações da Bpost ao operador postal neerlandês PostNL.

19.      No mesmo dia, MT corroborou e completou esta informação a um jornalista do sítio Internet www.lavenir.net e numa entrevista no jornal Le Soir.

20.      Em 27 de maio de 2016, a Bpost requereu à Autorité belge des services et des marchés financiers (Autoridade dos Serviços Financeiros e dos Mercados da Bélgica) (a seguir «FSMA») que suspendesse a cotação das suas ações na bolsa de valores. As negociações sobre a fusão entre a Bpost e a PostNL foram interrompidas e a fusão não se concretizou (11).

21.      Em 28 de julho de 2016, a FSMA deu início a uma investigação sobre as declarações públicas de MT, que foi convidado a apresentar as suas observações, tal como SL, secretário‑geral do departamento de correios da Centrale Générale des Services Publics (CGSP) (12).

22.      De acordo com a decisão de reenvio (13), a FSMA acusa MT de, na manhã de sexta‑feira, 27 de maio de 2016, ter comunicado:

«a)      a existência de um projeto de privatização iminente da Bpost a [um] jornalista de rádio no programa Matin Première, transmitido em direto pela RTBF, e, por conseguinte, a todos os ouvintes desse programa; e

b)      a informação de que o Estado se preparava para se desfazer de uma participação de cerca de dez por cento na Bpost, no âmbito de uma associação empresarial com outro operador europeu, a um jornalista do sítio Internet www.lavenir.net, e, por conseguinte, a todos os leitores do artigo que reproduziu essas declarações».

23.      Após várias decisões preliminares, de que MT recorreu, sem sucesso, a Comissão de Sanções da FSMA acabou por decidir em 11 de maio de 2023:

«[…]

2)      Declarar que MT cometeu uma infração ao artigo 25, n.° 1, 1.°, alínea b), da Lei de 2 de agosto de 2002, ao revelar uma informação que sabia ou devia saber que era privilegiada, fora do exercício da sua atividade, da sua profissão ou das suas funções;

3)      nos termos do artigo 72.°, n.° 3, da Lei de 2 de agosto de 2002, aplicar a MT uma coima no montante de 12 500 [euros] [...].»

24.      MT interpôs recurso dessa decisão de 11 de maio de 2023 na cour d’appel de Bruxelles, section Cour des marchés (Tribunal de segunda instância de Bruxelas, Secção da Regulação dos Mercados, Bélgica). A FSMA opôs‑se a este recurso.

25.      De acordo com MT:

–        Não violou o artigo 25.°, da Lei de 2 de agosto de 2002, pois a difusão de informação privilegiada diz respeito à revelação a «qualquer pessoa», exceto no âmbito do «exercício normal de uma atividade, de uma profissão ou de funções». No seu caso, MT divulgou a informação ao público em geral e indiscriminado, e que, a fortiori, as informações assim comunicadas não se destinavam a induzir os investidores em erro.

–        A proibição de comunicar informação privilegiada não se aplica a quem atue no exercício normal das suas funções, o que se verificou no caso em apreço.

–        Mesmo admitindo que divulgou informação privilegiada, a exceção à proibição de divulgar este tipo de informação (artigo 21.° do Regulamento n.° 596/2014) ser‑lhe‑ia aplicável para salvaguardar a liberdade de expressão. A publicação ou divulgação de informações «nos meios de comunicação social» deve ser interpretada no sentido de que não se limita à publicação de informações por jornalistas.

–        As suas declarações públicas foram realizadas no exercício da sua função, enquanto antigo ministro das Empresas Públicas e membro do Comité Nacional do Partido Socialista. Não retirou nenhuma vantagem dessas declarações, antes pelo contrário, nem tencionava induzir o mercado em erro. Além disso, eram declarações necessárias ao desempenho das suas funções e das suas atividades políticas e constituem um exercício da sua liberdade de expressão, protegida pelo artigo 11.° da Carta e pelo artigo 10.° da CEDH.

26.      Segundo a FSMA:

–        O artigo 21.° do Regulamento n.° 596/2014 contém uma exceção à proibição de difusão de informação privilegiada, que se aplica exclusivamente aos jornalistas ou, quando muito, às publicações efetuadas para fins jornalísticos e só pode, portanto, dizer respeito a quem, embora não exercendo a profissão de jornalista, demonstre exercer um trabalho, uma profissão ou uma função equivalentes.

–        Esta exceção não pode estender‑se aos discursos ou declarações das pessoas que afirmam ser figuras políticas e que agem com «fins políticos».

–        A divulgação da operação que a Bpost se preparava para realizar, não era necessária nem proporcionada, para efeitos de oposição «política» a uma «política» governamental de privatização de empresas públicas. MT poderia ter‑se oposto à privatização de uma empresa pública belga sem necessitar recorrer à divulgação de informação privilegiada.

–        A exceção prevista no artigo 21.°, do Regulamento n.° 596/2014 exige a existência de uma ligação estreita entre a divulgação da informação privilegiada e o exercício pela pessoa que a divulga, do seu trabalho, da sua profissão ou das suas funções.

27.      Neste contexto, a Cour d’appel de Bruxelles, section Cour des marchés (Tribunal de segunda instância de Bruxelas, Secção da Regulação dos Mercados), submete ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 3.° da Diretiva 2003/6, lido à luz dos artigos 11.° e 52.° da Carta dos Direitos Fundamentais, do artigo 10.° da CEDH e do princípio da igualdade, na parte em que diz respeito à proibição de “[c]omunicar informação privilegiada a outra pessoa, exceto se essa comunicação ocorrer no âmbito do exercício normal da sua atividade, da sua profissão ou das suas funções”, ser interpretado no sentido de que proíbe a comunicação de informação privilegiada nos meios de comunicação social (rádio e sítios Internet de órgãos de imprensa escrita) por um político que é antigo ministro e membro de um partido da oposição, que aparece nos meios de comunicação social nessa qualidade e que, com essa divulgação, pretende provocar um debate público sobre uma questão de interesse geral para criticar um projeto de privatização, embora as suas funções não impliquem normalmente este tipo de divulgação de informação privilegiada nos meios de comunicação social?

2)      Deve o artigo 21.° do Regulamento n.° 596/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativo ao abuso de mercado, lido à luz dos princípios indicados na questão anterior, ser interpretado no sentido de que tem um âmbito de aplicação que se limita à divulgação ou à difusão de informação privilegiada por jornalistas, ou aplica‑se também este artigo à divulgação ou à difusão de informação privilegiada nos meios de comunicação social por uma pessoa, como um político que é antigo ministro e membro de um partido da oposição, que, com essa divulgação, pretende provocar um debate público sobre um assunto de interesse geral para criticar um projeto de privatização?»

III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça

28.      O pedido de decisão prejudicial deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 28 de maio de 2024.

29.      MT, a FSMA e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas, tendo participado na audiência realizada em 22 de maio de 2025.

IV.    Análise

30.      É possível responder conjuntamente às duas questões prejudiciais. Em primeiro lugar, é necessário determinar qual a norma de direito da União Europeia aplicável ao litígio ratione temporis.

A.      Regulamentação aplicável

31.      O órgão jurisdicional de reenvio refere‑se indistintamente à Diretiva 2003/6 e ao Regulamento n.° 596/2014.

32.      Os artigos 10.° e 21.° do Regulamento n.° 596/2014 são aplicáveis desde 3 de julho de 2016 (14). À data da presumível revelação de informação privilegiada (27 de maio de 2016), a Diretiva 2003/6 ainda estava em vigor, cujo artigo 3.°, seria, portanto, a disposição determinante para a decisão da causa.

33.      O órgão jurisdicional de reenvio parece sugerir a possibilidade de aplicar os artigos 10.° e 21.° do Regulamento n.° 596/2014 por disporem de um regime jurídico «menos severo» do que o anterior (15).

34.      A retroatividade da lei posterior mais favorável seria possível se o direito belga o previsse no respeitante às condutas ilícitas cuja repressão é assegurada pela via do direito contraordenacional. É ao órgão jurisdicional a quo que compete decidir esta questão.

35.      Se esta solução estivesse prevista no direito interno, os artigos 10.° e 21.° do Regulamento n.° 596/2014, teriam efeitos retroativos sobre os factos ocorridos antes da entrada em vigor destas disposições, desde que o seu conteúdo fosse mais favorável do que o do artigo 3.° da Diretiva 2003/6.

36.      O artigo 3.°, alínea a), da Diretiva 2003/6 tem uma redação comparável ao do artigo 10.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 596/2014. Ambos punem a transmissão ilícita de informação privilegiada a terceiros, exceto se ocorrer no âmbito do exercício normal da sua atividade, da sua profissão ou das suas funções. Por conseguinte, ambos contêm a este respeito, uma exceção semelhante (16).

37.      No entanto, o artigo 21.°, do Regulamento n.° 596/2014 acrescentou uma especificação que protege mais fortemente a divulgação ou a difusão de informação nos meios de comunicação social. Na apreciação da questão de saber se uma pessoa teve uma conduta punível nos termos do artigo 10.°, deste regulamento (transmissão ilícita de informação privilegiada), há que ter em conta as normas que regulam a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão.

38.      Para o Tribunal de Justiça da União Europeia, o artigo 21.° do Regulamento n.° 596/2014 e o artigo 3.° da Diretiva 2003/6, não têm «o mesmo sentido e alcance no que respeita à divulgação de informações privilegiadas por um jornalista (17)». Considerou ainda que, em função da interpretação dada ao artigo 21.° do Regulamento n.° 596/2014, seria possível apreciar se o «disposto no artigo 21.° [...] é mais favorável [...] do que as disposições previstas na Diretiva 2003/6 (18)».

39.      Na minha opinião, o regime previsto para a divulgação de informação privilegiada no exercício da atividade jornalística (artigo 21.° do Regulamento n.° 596/2014) é mais favorável do que o aplicável, de modo geral, a outros profissionais no âmbito das suas atividades, profissões ou funções (19).

40.      Concentrar‑me‑ei, portanto, na questão de saber se, quando um dirigente político faz declarações que, eventualmente, transmitem ao público uma informação privilegiada na aceção do artigo 10.°, do Regulamento n.° 596/2014, pode beneficiar das disposições do artigo 21.°, do referido regulamento.

B.      Resposta às questões prejudiciais

41.      A minha exposição seguirá o seguinte esquema: a) analisarei, em primeiro lugar, a interpretação do artigo 21.° do Regulamento n.° 596/2014, enquanto tal e à luz das circunstâncias do caso; e, b) abordarei em segundo lugar, a incidência que o artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 596/2014 pode ter, incluindo as exigências decorrentes da proteção da liberdade de expressão e de informação (20).

1.      Interpretação do artigo 21.° do Regulamento n.° 596/2014

a)      Considerações gerais

42.      O artigo 21.°, do Regulamento n.° 596/2014 introduz uma regra específica para avaliar a existência de uma «transmissão ilícita de informação privilegiada», quando a informação é publicada ou divulgada para fins jornalísticos ou outra forma de expressão nos meios de comunicação social.

43.      Nestes casos, a publicação ou divulgação de informações é avaliada:

–        «tendo em conta as regras relativas à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão em outros meios de comunicação social e as regras ou os códigos que regulam a profissão jornalística»;

–        não tendo em conta essas regras relativas à liberdade de imprensa e de expressão, se as pessoas em causa (ou as pessoas com elas estreitamente relacionadas) obtiverem, direta ou indiretamente, uma vantagem ou benefício resultante da transmissão ou difusão da informação em causa; ou quando a divulgação ou difusão seja feita com a intenção de induzir o mercado em erro no que respeita à oferta, à procura ou ao preço dos instrumentos financeiros.

44.      O Tribunal de Justiça já interpretou os artigos 10.° e 21.° do Regulamento n.° 596/2014, no que respeita à divulgação de informações para fins jornalísticos (21). Declarou, em síntese, que a exceção do artigo 21.°, do Regulamento n.° 596/2014, abrange a difusão de informações privilegiadas efetuada no âmbito de atividades jornalísticas, entendidas em sentido amplo (22).

45.      Salvo erro da minha parte, ainda não foi proferida nenhuma decisão sobre a transmissão de informação privilegiada para efeitos de «[...] outra forma de expressão nos meios de comunicação social», na aceção do artigo 21.,° do Regulamento n.° 596/2014. Uma vez que esta disposição não remete para o direito nacional, exige uma interpretação uniforme no aceção do direito da União, tendo em conta «não só os seus termos mas também o contexto em que se insere e os objetivos e a finalidade prosseguidos pelo ato de que faz parte (23)».

46.      As partes que apresentaram observações defendem posições opostas quanto à frase objeto da exegese:

–        MT e a Comissão sugerem uma interpretação lata, que se aplicaria não só aos jornalistas mas também à transmissão de informação privilegiada por políticos ou peritos, quando intervêm no âmbito de atividades jornalísticas desenvolvidas nos meios de comunicação social.

–        Pelo contrário, a FMSA considera que esta frase se limita e se aplica apenas aos jornalistas e às atividades necessárias e proporcionais ao exercício da sua atividade. Na sua opinião, só os jornalistas podem ser independentes e respeitar as regras e os códigos que regulam a profissão jornalística.

47.      A interpretação proposta pela Comissão e MT parece‑me ser a mais adequada, pelas razões que se seguem.

48.      Do ponto de vista literal, a referência aos fins de «outra forma de expressão nos meios de comunicação social», como alternativa à expressão «fins jornalísticos», refere‑se à difusão de informações que: a) se desenrola em meios de comunicação social, sendo estes entendidos em sentido lato; b) não se limita à efetuada pelos jornalistas; e c) pode abranger fins de expressão que não sejam diretamente jornalísticos, ou seja, «outros».

49.      Esta disposição destina‑se a abranger a difusão de informações que, embora não anunciadas pelos jornalistas, são divulgadas nos meios de comunicação social por pessoas com outras qualidades (por exemplo, políticos, peritos ou comentadores).

50.      Na minha opinião, esta disposição abrange um dirigente político que faz declarações de conteúdo informativo, de interesse para o grande público, através da rádio, da imprensa escrita ou dos meios de comunicação digitais, declarações que são recolhidas e difundidas por qualquer um desses meios de comunicação social.

51.      É certo que a atividade jornalística é, em princípio, exercida pelos próprios jornalistas. Contudo, o artigo 21.° do Regulamento n.° 596/2014 não pretendeu limitar aos jornalistas a proteção que concede, mas sim alargá‑la a quem revela determinadas informações nos meios de comunicação social.

52.      É precisamente a «divulgação ou difusão de informação nos meios de comunicação social» que é protegida, em termos objetivos e não subjetivos. Para este efeito, é indiferente que seja efetuada diretamente pelos jornalistas ou por outras pessoas que utilizam estes meios de comunicação social para a transmitir.

53.      A referência às «regras ou códigos que regem a profissão jornalística» não implica, na minha opinião, que a aplicação do artigo 21.°, do Regulamento n.° 596/2014 se deva limitar aos jornalistas. É certo que a disposição se refere às regras e códigos relativos à profissão de jornalista, mas também às regras «relativas à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão em outros meios de comunicação social». Estas outras regras não são apenas as deontológicas que se aplicam aos jornalistas enquanto tais, mas sim as que, de um modo geral, regulam a atividade de qualquer meio de comunicação.

54.      A interpretação sistemática e teleológica da expressão controvertida conduz‑me ao mesmo resultado.

55.      O objetivo do Regulamento n.° 596/2014 é assegurar a integridade dos mercados financeiros da União e reforçar a confiança dos investidores. Esta confiança assenta, entre outros fatores, no facto de os investidores se encontrarem em condições de igualdade e protegidos contra a utilização ilícita de informação privilegiada (24).

56.      À primeira vista, este objetivo estaria mais bem salvaguardado se a proteção (nos termos do artigo 21.°, do Regulamento n.° 596/2014) contra as sanções pela divulgação de informação privilegiada fosse limitada aos jornalistas, sendo recusada a quem não tivesse essa condição. Assim, limitar‑se‑ia a possibilidade de pessoas que não são jornalistas, como dirigentes políticos ou peritos, poderem beneficiar do privilégio previsto no artigo 21.°, do Regulamento n.° 596/2014.

57.      Todavia, esta conceção ignora o facto de os objetivos da proteção da integridade dos mercados financeiros da União e da confiança dos investidores deverem ser alcançados respeitando «a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão noutros meios de comunicação social, [...] tal como garantidas na União e nos Estados‑Membros e reconhecidas nos termos do artigo 11.° da Carta [...] (25)».

58.      A importância das liberdades fundamentais numa sociedade democrática exige uma interpretação ampla dos conceitos que as utilizam como referência. O artigo 21.°, do Regulamento n.° 596/2014, ao introduzir uma exceção específica (à proibição de difusão de informação privilegiada) para a divulgação para fins jornalísticos ou outra forma de expressão nos meios de comunicação social, associa‑o à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão (26).

59.      O Tribunal de Justiça interpretou a expressão «tratamento de dados pessoais para fins exclusivamente jornalísticos», constante do artigo 9.°, da Diretiva 95/46 servindo‑se de critérios muito abertos (27):

–        As «atividades jornalísticas» são as que visam divulgar ao público informações, opiniões ou ideias por qualquer meio de transmissão (28).

–        A exceção não está limitada às empresas de comunicação social, ao invés, aplica‑se também a qualquer pessoa que exerça uma atividade jornalística (29).

–        O facto de uma pessoa não ser um jornalista profissional não permite excluir que a gravação de um vídeo e a sua posterior publicação num sítio Internet não possam beneficiar da exceção relativa às atividades jornalísticas (30).

–        O suporte no qual os dados são transmitidos, seja clássico, como o papel, as ondas hertzianas, ou eletrónico, como a Internet, não é determinante para apreciar se se trata de uma atividade «para fins exclusivamente jornalísticos». (31)

60.      Ora, se esta doutrina foi estabelecida a propósito de uma disposição que limitava a sua aplicação aos fins exclusivamente jornalísticos, deve, por maioria de razão, ser alargada a outra disposição (como o artigo 21.° do Regulamento n.° 596/2014) que dispensa esse advérbio e se refere, em termos muito mais generosos, à difusão de informações «para fins jornalísticos ou outra forma de expressão nos meios de comunicação social (32)».

61.      Nesta perspetiva, a aplicação do artigo 21.°, do Regulamento n.° 596/2014 aos dirigentes políticos que intervêm nos meios de comunicação social (seja através de entrevistas, de conferências de imprensa ou de atos análogos) e, neste contexto, revelam uma informação alegadamente privilegiada, de interesse geral, encontra igualmente apoio na jurisprudência do TEDH relativa ao artigo 10.° da CEDH.

62.      O sentido e o alcance do artigo 10.°, da CEDH, uma vez que corresponde ao artigo 11.°, da Carta (33), devem orientar a interpretação desta disposição da Carta, de acordo com o seu artigo 52.°, n.° 3, enquanto nível mínimo de proteção (34).

63.      O TEDH reconheceu, repetidas vezes, o papel vital dos meios de comunicação social na facilitação e promoção do direito do público a receber e transmitir informações e ideias (35). Declarou igualmente que a função de criar diferentes «plataformas de debate público não se limita à imprensa [convencional] [...] (36)».

64.      Voltarei mais tarde a esta jurisprudência para confirmar que uma interpretação do artigo 21.°, do Regulamento n.° 596/24, que impedisse os dirigentes políticos de divulgarem informações de interesse público através dos meios de comunicação social, em circunstâncias como as do presente caso, não seria compatível com o artigo 11.°, da Carta.

65.      Quando um dirigente político divulga informação de interesse público durante uma entrevista num programa de rádio ou em declarações a um jornal, seja em formato escrito ou digital, exerce uma atividade para fins jornalísticos (na aceção acima referida) ou, em última análise, uma atividade com outros fins de expressão nos meios de comunicação social.

b)      Considerações ad casum

66.      MT pretendia informar o público sobre a iminente privatização da empresa Bpost (cujo capital era maioritariamente detido pelo Estado) consistente na sua integração parcial com a PostNL. Deste modo, visava suscitar um debate público sobre a vantagem de tal ação por parte do Governo Belga.

67.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que essa informação podia, por si só, ser qualificada de privilegiada, para efeitos do Regulamento n.° 596/2014. Em especial, rejeita os argumentos de MT de que a privatização da Bpost já seria uma informação pública.

68.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, as alterações à Lei das Empresas Públicas (dezembro de 2015) e aos estatutos (11 de maio de 2016), tornavam possível a privatização da Bpost, mas «isso não implicava a existência de um projeto concreto de execução da privatização da empresa (37)».

69.      Como salientado pela FSMA na audiência, as declarações de MT revelaram elementos precisos sobre a privatização da Bpost, mencionando a sua iminência, a sua ligação com outro operador postal europeu e a venda de um décimo das ações detidas pelo Estado belga nessa empresa pública. Estas precisões podem, em princípio, apoiar a tese do órgão jurisdicional de reenvio sobre a natureza privilegiada das informações reveladas por MT.

70.      Uma vez que o pedido de decisão prejudicial não inclui nenhuma questão sobre a natureza da informação divulgada, o Tribunal de Justiça deve respeitar a apreciação do órgão jurisdicional de reenvio a este respeito (38).

71.      Por conseguinte, admitindo que se trata de uma informação privilegiada, a sua publicação ou a sua divulgação nos meios de comunicação social seria lícita se respeitasse as condições (positivas e negativas) previstas no artigo 21.°, do Regulamento n.° 596/2014.

72.      Já abordei as condições positivas nos números anteriores: estão preenchidas quando quem publica ou difunde informações o faz para fins jornalísticos ou outra forma de expressão nos meios de comunicação social. É o que acontece no presente caso.

73.      No que respeita às condições negativas, a aplicação do artigo 21.° do Regulamento n.° 596/2014 exige: a) que as pessoas em causa ou pessoas com elas estreitamente relacionadas não obtenham, de forma direta ou indireta, uma vantagem ou benefício resultante da transmissão ou difusão da informação em causa; e b) que a divulgação ou difusão não seja feita com a intenção de induzir o mercado em erro no que respeita à oferta, à procura ou ao preço dos instrumentos financeiros.

74.      O órgão jurisdicional de reenvio afirma, expressamente, que estas condições negativas não estavam reunidas no caso presente: «não foi contestado que, [MT] não retirou nenhuma vantagem ou benefício da divulgação que lhe foi imputada, nem a efetuou com intenção de induzir o mercado em erro (39)».

75.      O órgão jurisdicional de reenvio parece também excluir (agora implicitamente) que a divulgação de informação privilegiada tenha implicado para MT, o seu partido político e a organização mutualista a que pertencia, uma vantagem ou um benefício indiretos, nomeadamente o facto de a operação de privatização da Bpost ter sido interrompida.

76.      Considero que a «vantagem ou benefício» a que se refere o artigo 21.°, do Regulamento n.° 596/2014, têm primordialmente caráter económico, ou seja, incidem na situação patrimonial de quem divulga a informação ou das pessoas estreitamente ligadas com ele. A vantagem política que MT pode, eventualmente, ter obtido com a divulgação da informação não pode, por conseguinte, ser classificada como um benefício, na aceção do artigo 21.°, do Regulamento n.° 596/2014. A interpretação contrária restringiria consideravelmente o âmbito de aplicação desta exceção, uma vez que quase qualquer divulgação de informações pode ter algum tipo de benefício indireto para quem a transmite, não necessariamente económico.

77.      Após ter exposto estas premissas, o órgão jurisdicional de reenvio faz eco da argumentação defendida por MT para se interrogar:

–        se «o artigo 21.° do Regulamento [n.° 596/2014] lhe pode ser aplicável, enquanto disposição legal mais favorável e na medida em que [MT] alega ter agido na sua qualidade de antigo ministro e de político de um partido da oposição e com o objetivo de alertar a opinião pública para um projeto de privatização de uma empresa pública de primeiro plano» ou

–        se, «mais genericamente, [...] pode invocar a exceção relativa a uma divulgação efetuada no exercício das suas funções, tendo sempre em conta que a comunicação de que é acusado constitui uma divulgação nos meios de comunicação social, que alega ter efetuado com o objetivo de alimentar um debate político (40)».

78.      A resposta a esta dupla abordagem deve ser afirmativa, se a divulgação das informações tiver respeitado as condições positivas e negativas, previstas no artigo 21.°, do Regulamento n.° 596/2014.

79.      Ao divulgar uma informação sobre uma futura ação do Governo, enquanto detentor da maioria do capital da Bpost, MT agiu na qualidade de dirigente de um partido político da oposição (41), que era contra a privatização dessa empresa pública. Não divulgou uma informação puramente comercial, tomada pelos órgãos representativos de uma sociedade privada, mas antes uma decisão política iminente do Governo, fazendo‑o com a preocupação de suscitar um «debate político» sobre a mesma, enquanto ainda havia tempo para o fazer.

80.      Esta circunstância remete a controvérsia para o domínio político, no qual, exceto por razões imperiosas, as tomadas de posição dos vários partidos sobre questões relevantes para a vida pública não devem estar sujeitas a restrições.

2.      Relevância do artigo 10.° do Regulamento n.° 596/2014:

81.      O artigo 21.° do Regulamento n.° 596/2014 é uma norma especial (lex specialis) que trata de forma mais favorável um dos casos abrangidos pela exceção geral do seu artigo 10.°

82.      O artigo 10.°, do Regulamento n.° 596/2014 define o que se deve entender por transmissão ilícita de informação privilegiada («quando uma pessoa dispõe de informação privilegiada e a transmite a qualquer outra pessoa») e introduz uma exceção com contornos muito amplos: «exceto se essa transmissão ocorrer no exercício normal da sua atividade, profissão ou funções (42)».

83.      Esta exceção assume uma tonalidade especial no artigo 21.°, do Regulamento n.° 596/2014 para a divulgação ou difusão de informação para fins jornalísticos ou outra forma de expressão nos meios de comunicação social. O artigo 21.°, identifica devido à sua especial importância, uma atividade (a jornalística, em sentido lato) que deve beneficiar da exceção, a fim de proteger a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão.

84.      As considerações que o Tribunal de Justiça fez no acórdão Autorité des marchés financiers sobre a relação entre os artigos 10.° e 21.° do Regulamento n.° 596/2014 são complementadas, no seu n.° 81, ao assinalar que os requisitos gerais de necessidade e de proporcionalidade (da divulgação de uma informação privilegiada) (43) devem ser apreciados à luz do artigo 11.° da Carta (44).

85.      É desta perspetiva que abordarei a análise de ambos os requisitos.

a)      Quanto à necessidade

86.      A necessidade de divulgar uma informação privilegiada, quando quem a divulga é um dirigente político que intervém numa atividade jornalística, dependerá da questão de saber se essa difusão é o meio mais adequado para dar a conhecer à opinião pública um dado relevante da própria vida política.

87.      Não se trata, portanto, de avaliar a necessidade em abstrato, mas sim nas circunstâncias particulares de cada caso. Assim, no acórdão Autorité des marchés financiers, o Tribunal de Justiça referiu‑se à necessidade de verificar as informações de que o jornalista tomara conhecimento (45).

88.      As informações transmitidas por MT eram suscetíveis de afetar a cotação da empresa pública Bpost na bolsa, embora, ao que parece, o seu impacto efetivo não foi significativo. A alternativa ao anúncio de que essa empresa ia ser privatizada consistia em esperar que a Bpost informasse desse facto a autoridade financeira e a opinião pública.

89.      Ora, MT era um dirigente político, que pertencia a um partido da oposição, e considerou que as suas responsabilidades, enquanto tais, o levavam a divulgar antecipadamente a iminência da privatização da Bpost, que ocorroria por decisão governamental. Procurava, desta forma, suscitar um debate público a este respeito e, em função das suas convicções políticas, evitar essa privatização.

90.      O exercício normal das suas responsabilidades políticas tornava necessária a divulgação da informação privilegiada de que MT dispunha em relação à Bpost?

91.      A FSMA alega que a divulgação da informação privilegiada por MT não era necessária porque a controvérsia sobre a privatização das empresas públicas já tinha ocorrido na Bélgica, no decurso dos debates que precederam a adoção da Lei de 16 de dezembro de 2015 relativa à Reforma das Empresas Públicas. Acrescenta que MT poderia novamente ter «ressuscitado» esse debate em 2016 sem ter de divulgar nos meios de comunicação social uma informação tão precisa como a que revelou.

92.      MT defende a posição contrária e considera que a forma mais adequada de alcançar o objetivo de suscitar o debate público sobre a privatização e a fusão (parcial) da Bpost com a PostNL consistia em expor e divulgar as negociações secretas em curso.

93.      Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio a última palavra sobre a necessidade da divulgação da notícia. Sem pretender substituí‑lo na sua apreciação, considero que esta divulgação pode ser considerada necessária se se tiver em conta o objetivo que MT visava alcançar com a divulgação da privatização iminente da Bpost.

94.      A privatização de uma empresa pública com a importância da Bpost, o principal operador postal na Bélgica, acompanhada de uma diminuição do capital social detido pelo Estado, era uma questão politicamente sensível que afetava o interesse geral. O exercício normal da função de dirigente político implica, designadamente, suscitar debates sobre tais questões.

95.      É também inerente às responsabilidades de um político na oposição revelar a iminência de decisões governamentais de interesse geral que são ocultadas à opinião pública com o objetivo de as apresentar, posteriormente, como um facto consumado. Se, para evitar a sua consumação, o meio mais eficaz era tornar a notícia pública através dos meios de comunicação social, a divulgação pode ser considerada necessária.

96.      Face à situação que se verificou, voltar a uma discussão genérica sobre a conveniência de privatizar a Bpost não teria tido o mesmo impacto que revelar, como fez MT, que o Governo pretendia de forma iminente, aprová‑la.

b)      Quanto à proporcionalidade

97.      Na análise da proporcionalidade, utilizarei a mesma abordagem adotada no acórdão Autorité des marchés financiers.

98.      Com o objetivo de determinar se a divulgação da informação alegadamente privilegiada respeita o princípio da proporcionalidade, importa «examinar se a restrição à liberdade de imprensa que a proibição de tal divulgação causaria seria excessiva relativamente ao prejuízo que a mesma divulgação poderia causar à integridade dos mercados financeiros (46)».

99.      No que diz respeito ao prejuízo (para a integridade dos mercados financeiros), o órgão jurisdicional de reenvio faz uma afirmação que, no mínimo, suscita dúvidas quanto à sua existência efetiva. Embora com certas reservas, evoca a possibilidade de, na realidade, o que teria sido colocado em perigo pela difusão da informação não ser a integridade do mercado, mas sim o interesse da Bpost em manter oculta, por enquanto, a operação que projetava (47).

100. Se o órgão jurisdicional de reenvio vier a apreciar a possibilidade de um prejuízo para a integridade dos mercados, terá de ponderar, novamente, em que medida a proibição de divulgação da notícia constituía uma restrição excessiva à liberdade de imprensa face a esse prejuízo. Como já referi, não creio que, na perspetiva da privatização iminente da Bpost, se exija o silêncio de um dirigente político se se considerar que a referida operação é ainda mais prejudicial do que a sua divulgação ao público.

101. Se o órgão jurisdicional de reenvio decidir, após a sua análise dos critérios da necessidade e da proporcionalidade, que existiam motivos para proibir a divulgação da informação privilegiada, deverá determinar se a conduta em causa era justificada pelo exercício da liberdade de expressão.

c)      Prevalência da liberdade de expressão

102. A aplicação de uma coima pela divulgação da notícia nos meios de comunicação social constitui uma restrição à liberdade de expressão e à liberdade de informação. MT vê o seu direito de exercer estas liberdades limitado no âmbito do «jornalismo político».

103. Por conseguinte, há que determinar se, em conformidade com o artigo 11.°, da Carta e com o artigo 10.°, da CEDH tal restrição é justificada. A justificação pode, em princípio, estar abrangida tanto pelo artigo 10.°, n.° 2, da CEDH como pelo artigo 52.°, n.° 1, da Carta.

104. Não creio que seja necessário insistir no facto de a liberdade de expressão constituir um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e pluralista e fazer parte dos valores em que assenta a União Europeia, em conformidade com o artigo 2.°, TUE (48) ao qual a Carta (artigo 11.°) atribui o estatuto de direito fundamental. Como já referi, há que interpretar este artigo da Carta tendo em conta o artigo 10.° da CEDH, muito semelhante, e a jurisprudência do TEDH referente a este (49).

105. O TEDH tem sido particularmente exigente na defesa deste direito: «a liberdade de expressão constitui um dos pilares essenciais [de uma sociedade democrática], uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sem prejuízo do n.° 2, do artigo 10.° [da CEDH], aplica‑se não só a “informações” ou “ideais” acolhidos favoravelmente ou considerados inofensivos ou indiferentes, mas também a todos os que ofendem, chocam ou incomodam. São essas as exigências do pluralismo, da tolerância e da abertura de espírito, sem as quais não pode haver uma “sociedade democrática” (50)».

106. Como o Tribunal de Justiça recordou ao remeter para várias decisões do TEDH, este último «sublinha o papel fundamental que a imprensa desempenha numa sociedade democrática, pelo que as garantias a atribuir a esta se revestem de particular importância. Embora a imprensa não deva ultrapassar certos limites, relativos, nomeadamente, à proteção da reputação ou dos direitos de terceiros incumbe‑lhe, no entanto, comunicar, no respeito dos seus deveres e responsabilidades, informações e ideias sobre todas as questões de interesse geral. Se assim não fosse, a imprensa não poderia desempenhar a sua função indispensável de public watchdog. Assim, há que atribuir grande peso ao interesse da sociedade democrática em assegurar e manter a liberdade de imprensa quando se trata de determinar, como exige o artigo 10.°, n.° 2, da CEDH se a ingerência em causa é proporcionada tendo em conta o objetivo legítimo prosseguido (51)».

107. É certo que o exercício deste direito pode ser sujeito a restrições (52), mas as interferências admissíveis devem passar por um triplo filtro: estar legalmente previstas, visar a salvaguarda de um interesse legítimo referido no artigo 10.°, n.° 2, da CEDH e ser necessárias numa sociedade democrática.

108. No que respeita ao direito da União, a liberdade de expressão e de informação, consagrada no artigo 11.° da Carta pode ser limitada nos termos do seu artigo 52.°, n.° 1. A Carta «[...] admite limitações ao exercício desses direitos e liberdades, desde que essas limitações estejam previstas por lei, respeitem o conteúdo essencial desses direitos e liberdades e, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros» (53).

109. No presente caso, a restrição à liberdade de expressão de MT: a) está prevista na lei, isto é, no Regulamento n.° 596/2014 e na Lei de 2 de agosto de 2002; b) respeita o conteúdo essencial do direito, uma vez que a proibição da divulgação de informação privilegiada não é imposta de forma absoluta (54); e c) prossegue, em princípio, o objetivo de interesse geral de proteção da integridade dos mercados financeiros.

110. As dúvidas surgem quanto à conciliação desta restrição com a salvaguarda do direito fundamental à liberdade de expressão, que inclui o direito de um dirigente político comunicar ao público informações sobre questões de interesse geral.

111. Segundo a jurisprudência do TEDH, as restrições à liberdade de expressão de um dirigente político devem ser julgadas segundo critérios particularmente exigentes. O artigo 10.°, n.° 2, da CEDH «não deixa muita margem para restrições à liberdade de expressão no domínio do discurso político ou de assuntos de interesse geral (55)».

112. Uma vez estabelecida esta premissa, considero que deve prevalecer a liberdade de expressão de um dirigente político da oposição que, ao revelar que o Governo vai proceder a uma privatização de uma importante empresa pública, o principal operador postal da Bélgica, pretende gerar um debate na opinião pública sobre esta questão (56).

V.      Conclusão

113. Em face do exposto, proponho responder à cour d’appel de Bruxelles, section Cour des marchés (Tribunal de segunda instância de Bruxelas, Secção da Regulação dos Mercados, Bélgica), do seguinte modo:

«Os artigos 10.° e 21.° do Regulamento n.° 596/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativo ao abuso de mercado (regulamento abuso de mercado) e que revoga a Diretiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, e as Diretivas 2003/124/CE, 2003/125/CE e 2004/72/CE da Comissão, em conjugação com o artigo 11.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

devem ser interpretados no sentido de que:

1)      O artigo 21.°, do Regulamento n.° 596/2014 se aplica à difusão de uma informação privilegiada por um dirigente político, antigo ministro e membro de um partido da oposição, que intervém nos meios de comunicação social nessa qualidade e que visa assim suscitar um debate público sobre uma questão de interesse geral, a fim de criticar a privatização iminente do principal operador postal nacional, no qual o Estado detinha, até então, uma participação maioritária.

2)      A difusão dessa informação através dos meios de comunicação social pode ser entendida no sentido de que ocorre no exercício normal das funções de um dirigente político, nos termos do artigo 10.°, do Regulamento n.° 596/2014. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se essa difusão é necessária e proporcionada à realização dos seus objetivos e, em todo o caso, se prevalece a liberdade de expressão e de informação garantidas pelo artigo 11.° da Carta.»


1      Língua original: espanhol.


2      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado) (JO 2003, L 96, p. 16).


3      Regulamento (UE) n.° 596/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativo ao abuso de mercado (regulamento abuso de mercado) e que revoga a Diretiva 2003/6/CE e as Diretivas 2003/124/CE, 2003/125/CE e 2004/72/CE da Comissão (JO 2014, L 173, p. 1).


4      Diretiva da Comissão, de 22 de dezembro de 2003, que estabelece as modalidades de aplicação da Diretiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito à definição e divulgação pública de informação privilegiada e à definição de manipulação de mercado (JO 2003, L 339, p. 70).


5      A maioria das versões linguísticas que consultei coloca a tónica nos «fins» e não tanto nos «motivos», que é o termo utilizado na versão espanhola: em inglês, «for the purpose of journalism or other form of expression in the media»; em francês, «à des fins journalistiques ou aux fins d’autres formes d’expression dans les médias»; em alemão, «für jornalistische Zwecke oder andere Ausdrucksformen in den Medien»; em italiano, «ai fini dell’attività giornalistica o di altre forme di espressione nei mezzi d’informazione»; em português, «para fins jornalísticos ou outra forma de expressão nos meios de comunicação social»; em romeno, «în scopuri jurnalistice sau sub altă formă de exprimare în presă». Nas presentes conclusões, utilizarei o termo «fins», em vez de «motivos», com exceção das citações literais do texto. A versão espanhola de outras disposições semelhantes, como o artigo 9.° da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO 1995, L 281, p. 31), está alinhada com as outras versões ao incluir a expressão «fins jornalísticos» e não «motivos jornalísticos».


6      Lei de 2 de agosto de 2002 relativa à Supervisão do Setor Financeiro e aos Serviços Financeiros (a seguir «Lei de 2 de agosto de 2002»).


7      O despacho de reenvio (n.° 64) refere que «uma alteração legislativa ocorrida em dezembro de 2015 tornava possível a privatização».


8      Anexo 6 das observações escritas de MT.


9      Decisão de reenvio, n.° 64.


10      Anexo 8 das observações escritas de MT.


11      Estava prevista para 6 de junho de 2016 a publicação de um comunicado de imprensa para anunciar publicamente a fusão.


12      SL era um dos cinco representantes sindicais nacionais permanentes ao serviço da Bpost à data dos factos. Nessa qualidade, tinha sido informado pela direção da empresa da existência de um projeto de parceria entre a Bpost e a PostNL.


13      N.° 60, que transcreve o ponto 53 do relatório do auditeur.


14      É o que prevê o artigo 39.° («Entrada em vigor e aplicação») do Regulamento n.° 596/2014.


15      No segundo parágrafo do ponto 72 da decisão de reenvio, o órgão jurisdicional a quo cita, para este efeito, os n.os 59, 66 e 78 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de março de 2022, Autorité des marchés financiers (C‑302/20, EU:C:2022:190; a seguir «acórdão Autorité des marchés financiers»). No terceiro parágrafo do ponto 72 desta mesma decisão, o órgão jurisdicional de reenvio refere‑se ao artigo 21.° do Regulamento n.° 596/2014 como «disposição legal mais favorável».


16      Foi o que o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Autorité des marchés financiers (n.° 76).


17      Acórdão Autorité des marchés financiers (n.° 59).


18      Acórdão Autorité des marchés financiers (n.° 59).


19      Este regime jurídico é, de resto, diferente do previsto pela Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União (JO 2019, L 305, p. 17). A Diretiva 2019/1937 aplica‑se às pessoas que trabalham para uma organização pública ou privada e que conhecem violações do direito da União lesivas do interesse público. A figura dos denunciantes («whistleblowers», «lanceurs d’alerte») foi também tratada pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH»), com base no artigo 10.° da CEDH. Ver, nomeadamente, o Acórdão do TEDH de 14 de fevereiro de 2023, Halet c. Luxemburgo (CE:ECHR:2023:0214JUD002188418).


20      Embora a liberdade de expressão e a liberdade de informação não coincidam inteiramente, o artigo 11.°, da Carta engloba no «direito à liberdade de expressão», a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras.


21      Acórdão Autorité des marchés financiers (n.os 64 e 68): «a expressão “para fins jornalísticos” refere‑se à divulgação de informações que têm como finalidade a atividade de jornalismo e, portanto, não necessariamente apenas as divulgações que consistem na publicação de informações enquanto tais mas também as que se inserem no processo que conduz a essa publicação» (n.° 64); e «[...] não só as publicações mas também os atos preparatórios de uma publicação, como a recolha de informações e as atividades de investigação de um jornalista, são inerentes à liberdade de imprensa» (n.° 68).


22      Para uma visão geral da proteção da liberdade de expressão dos jornalistas no direito da União, ver a análise de Tinière, R. «La protection de la liberté d’ expression des journalistes par l’Union européenne», em Maubernard, C., Platon, S., y Tinière R. (dirs.), Les mutations de la liberté d’expression dans l’Union européenne, Bruylant, Bruxelas, 2025, pp. 174 a 188.


23      Acórdão Autorité des marchés financiers (n.° 63).


24      Acórdãos de 11 de março de 2015, Lafonta (C‑628/13, EU:C:2015:162, n.° 21), e de 23 de dezembro de 2009, Spector Photo Group e Van Raemdonck (C‑45/08, EU:C:2009:806, n.° 48).


25      Considerando 77 do Regulamento n.° 596/2014.


26      V., Martucci, F., «L’équilibre bancal entre liberté de la presse et régulation financière dans la mise en œuvre du règlement MAR», Maubernard, C., Platon, S., y Tinière, R. (dirs.), Les mutations de la liberté d’expression dans l’Union européenne, Bruylant, Bruxelas, 2025, pp. 275 a 298.


27      Acórdão de 14 de fevereiro de 2019, Buivids (C‑345/17, EU:C:2019:122; a seguir «Acórdão Buivids»). Neste processo, a Diretiva 95/46 foi interpretada no que respeita à atividade de uma pessoa que publicou no sítio Internet www.youtube.com um vídeo gravado numa esquadra da polícia.


28      Acórdão Buivids, n.° 53, citando o Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Satakunnan Markkinapörssi e Satamedia (C‑73/07, EU:C:2008:727; a seguir «Acórdão Satakunnan Markkinapörssi e Satamedia», n.° 61). No que respeita ao Acórdão Buivids e ao Acórdão de 29 de julho de 2019, Spiegel Online (C‑516/17, EU:C:2019:625), v. Smartt, U., «Are bloggers and YouToubers Journalists?», European Intellectual Property Review, 2020, p. 728 a 737.


29      Acórdãos Buivids (n.° 52), e Satakunnan Markkinapörssi e Satamedia, (n.° 58).


30      Acórdão Buivids (n.° 55).


31      Acórdãos Buivids, n.° 57, e Satakunnan Markkinapörssi e Satamedia, n.° 60.


32      Acórdãos Buivids, n.os 51 e 57; e Autorité des marchés financiers, n.os 66 e 67.


33      A liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social são especificamente protegidos pelo artigo 11.°, n.° 2, da Carta.


34      Acórdãos Autorité des marchés financiers (n.° 67); e de 12 de janeiro de 2023, Migracijos departamentas (Motivos de perseguição baseados em opiniões políticas) (C‑280/21, EU:C:2023:13, n.° 29).


35      Acórdão do TEDH de 8 de novembro de 2016, Magyar Helsínquia Bizottság c. Hungria (CE:ECHR:2016:1108JUD001803011, § 165).


36      Acórdão do TEDH de 8 de novembro de 2016, Magyar Helsínquia Bizottság c. Hungria (CE:ECHR:2016:1108JUD001803011), §§ 166 e 168, que mencionam entre as entidades e as pessoas equiparadas a jornalistas as organizações não governamentais, os investigadores universitários e os autores de obras sobre assuntos de interesse geral, porque contribuem para difundir opiniões, informações e ideias ao público.


37      Decisão de reenvio, n.° 64.


38      É discutível se, na realidade, a divulgação da informação através de um meio de comunicação introduziu algum tipo de desigualdade entre os potenciais investidores, gerando vantagens para alguns em detrimento dos outros.


39      Decisão de reenvio, n.° 72. É verdade que a divulgação da informação privilegiada levou à suspensão da cotação das ações da Bpost, mas isso não equivale a um incitamento à confusão ou a induzir os investidores em erro. Na audiência, MT expôs o impacto da divulgação das suas informações sobre a cotação em bolsa das ações da Bpost e da PostNL, sublinhando que as ações do operador neerlandês aumentaram de preço e que as ações da Bpost sofreram uma pequena queda na sua cotação, da qual rapidamente recuperaram.


40      Despacho de reenvio, terceiro parágrafo do n.° 72.


41      Na audiência, confirmou‑se que MT era um político proeminente com responsabilidades importantes no partido socialista belga, bem como na mutualidade e no sindicato ligados a esse partido.


42      A exceção geral é necessária, nomeadamente, para não prejudicar as atividades comerciais. O diretor‑geral de uma sociedade, por exemplo, deve poder partilhar informações sensíveis com a sua comissão executiva, o seu banco, o seu escritório de advogados, o seu revisor oficial de contas ou o seu consultor fiscal, sem estar sujeito à sanção prevista para a divulgação de informação privilegiada. Como é impossível mencionar todos os casos que se enquadram nesta exceção, o legislador da União optou por uma cláusula geral.


43      Para que ocorra no exercício normal de um trabalho, de uma profissão ou de funções, a transmissão de informação privilegiada deve prosseguir um objetivo legítimo, ser adequada e necessária para alcançar esse objetivo e respeitar o princípio da proporcionalidade (Klöhn, L., «Financial Journalism, unlawful disclosure of inside information and freedom of press: MR A v. Autorité des marches financiers», Common Market Law Review, 2023, n.° 2, p. 566).


44      O n.° 80 do acórdão Autorité des marchés financiers sublinha que o efeito útil do artigo 21.°, do Regulamento n.° 596/2014 deve ser salvaguardado tendo em conta a finalidade desta disposição, a saber, o respeito pela liberdade de imprensa e pela liberdade de expressão nos outros meios de comunicação social, garantidas, em especial, pelo artigo 11.°, da Carta [com referência ao Acórdão de 29 de julho de 2019, Spiegel Online (C‑516/17, EU:C:2019:625, n.° 55)].


45      Acórdão Autorité des marchés financiers (n.° 82).


46      Acórdão Autorité des marchés financiers, n.° 84.


47      Decisão de reenvio, n.° 72. «no que se refere ao critério da proporcionalidade [...] pode haver razões para pensar que o objetivo dessa proibição [de divulgar a informação privilegiada por MT] não é tanto assegurar a proteção da integridade do mercado, mas a [proteção] dos interesses do emitente em causa (neste caso, a Bpost), que [...] pretendia adiar a informação aos mercados para garantir a negociação do projeto com o seu parceiro sem qualquer interferência».


48      Acórdãos de 20 de setembro de 2022, SpaceNet e Telekom Deutschland (C‑793/19 e C‑794/19 EU:C:2022:702, n.° 59); de 5 de abril de 2022, Commissioner of the Garda Síochána e o. (C‑140/20, EU:C:2022:258, n.os 42 e 43); e de 6 de setembro de 2011, Patriciello (C‑163/10, EU: C: 2011: 543, n.° 31).


49      Acórdãos Autorité des marchés financiers (n.° 67); e de 12 de janeiro de 2023, Migracijos departamentas (Motivos de perseguição baseados em opiniões políticas) (C‑280/21, EU:C:2023:13, n.° 29).


50      Acórdãos do TEDH de 7 de dezembro de 1976, Handyside c. Reino Unido (CE:ECHR:1976:1207JUD000549372), § 24, e de 20 de outubro de 2015, Pentikäinen c. Finlândia (CE:ECHR:2015:1020JUD001188210), § 87. O Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de março de 2001, Connolly/Comissão (C‑274/99 P, EU:C:2001:127), no seu n.° 39, cita alguns dos acórdãos do TEDH sobre esta questão.


51      Acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de outubro de 2024, Real Madrid Club de Fútbol (C‑633/22, EU:C:2024:843, n.° 55), que cita os Acórdãos do TEDH de 23 de setembro de 1994, Jersild c. Dinamarca (CE:ECHR:1994:0923JUD001589089, § 31); de 21 de janeiro de 1999, Fressoz e Roire c. França (CE:ECHR:1999:0121JUD002918395, § 45); e de 16 de junho de 2015, Delfi AS c. Estónia (CE:ECHR:2015:0616JUD006456909, § 132).


52      Nos termos do artigo 10.°, n.° 2, da CEDH, «o exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.»


53      Acórdão de 4 de outubro de 2024, Real Madrid Club de Fútbol (C‑633/22, EU:C:2024:843, n.° 48).


54      Quando a difusão ocorre no decurso normal do exercício de um trabalho, de uma função ou de uma profissão, ou para fins jornalísticos ou outra forma de expressão nos meios de comunicação social, os artigos 10.° e 21.° do Regulamento n.° 596/2014 dão primazia à liberdade de expressão, como já expliquei.


55      Acórdão do TEDH, 22 de fevereiro de 2008, Desjardin c. França (CE:ECHR:2007:1122JUD002256703, § 47). «[...] no entanto, a liberdade de expressão, preciosa para todos, é‑o especialmente para os partidos políticos e os seus membros ativos [...]. Com efeito, a ingerência na liberdade de expressão de um membro da oposição, que representa os seus eleitores, exprime as suas preocupações e defende os seus interesses, exige que o Tribunal proceda a uma fiscalização mais rigorosa». V., igualmente, Acórdãos de 17 de dezembro de 2004, Pedersen e Baadsgaard c. Dinamarca (CE:ECHR:2004:1217JUD004901799, § 71); de 23 de abril de 2015, Morice c. França (CE:ECHR:2015:0423JUD002936910, §§ 124 e 125); e de 17 de janeiro de 2017, Tavares de Almeida Fernandes e Almeida Fernandes c. Portugal (CE:ECHR:2017:0117JUD003156613, § 55).


56      Para efetuar uma ponderação entre outros direitos e o direito à liberdade de expressão, o TEDH tem em conta a questão de saber se o tipo de «discurso» ou de informação em causa reveste uma importância particular, nomeadamente, no âmbito do debate político ou de um debate relacionado com o interesse geral. Acórdão do TEDH, de 10 de janeiro de 2013, Ashby Donald e o. c. França (CE:ECHR:2013:0110JUD003676908, § 39).