Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

29 de julho de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Política agrícola comum — Regulamento (UE) 2016/1012 — Reprodutores de raça pura — Procedimento de reconhecimento das associações de criadores — Procedimento de aprovação dos programas de melhoramento — Possibilidade de recusar a aprovação de um programa de melhoramento adicional para a mesma raça, relativamente ao mesmo território, se essa aprovação for suscetível de comprometer um programa de melhoramento já existente — Direito de os criadores de animais de raça pura escolherem entre os diferentes programas de melhoramento existentes»

No processo C‑286/23,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pela Curtea de Apel Braşov (Tribunal de Recurso de Brașov, Roménia), por Decisão de 10 de abril de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de maio de 2023, no processo

Asociaţia Crescătorilor de Vaci «Bălţată Românească» Tip Simmental

contra

Genetica din Transilvania Cooperativă Agricolă,

Agenţia Naţională pentru Zootehnie «Prof. dr. G. K. Constantinescu»,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, P. G. Xuereb (relator) e A. Kumin, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Asociaţia Crescătorilor de Vaci «Bălţată Românească» Tip Simmental, por N.‑G. Comşa‑Fulga, avocată,

–        em representação da Genetica din Transilvania Cooperativă Agricolă, por A.‑A. Arseni, D. Dobrev e L. Dobrinescu, avocaţi,

–        em representação do Governo Romeno, por E. Gane e L. Ghiţă, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por L. Radu Bouyon, B. Rechena e F. Thiran, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.°, n.° 3, alínea b), dos artigos 8.°, 10.° e 13.°, bem como do anexo I, parte 1, secção A, ponto 4, e do anexo I, parte 1, secção B, ponto 2, alínea a), do Regulamento (UE) 2016/1012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, sobre as condições zootécnicas e genealógicas aplicáveis à produção, ao comércio e à entrada na União de animais reprodutores de raça pura, de suínos reprodutores híbridos e dos respetivos produtos germinais, que altera o Regulamento (UE) n.° 625/2014 e as Diretivas 89/608/CEE e 90/425/CEE do Conselho e revoga determinados atos no domínio da produção animal («Regulamento sobre a produção animal») (JO 2016, L 171, p. 66), lidos à luz dos considerandos 21 e 24 deste regulamento.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Asociaţia Crescătorilor de Vaci «Bălţată Românească» Tip Simmental, uma associação de criadores de bovinos «Bălțată Românească» de tipo simmental (a seguir «Associação BR») à Agenția Națională pentru Zootehnie «Prof. dr. G. K. Constantinescu (Agência Nacional de Zootecnia «Prof. dr. G. K. Constantinescu», Roménia) (a seguir «Agência de Zootecnia») e à Genetica din Transilvania Cooperativă Agricolă, uma cooperativa agrícola designada «Genética de Transilvânia» (a seguir «GT»), a propósito da concessão a esta última do reconhecimento como associação de criadores para realizar um programa de melhoramento para a raça de bovinos «Bălțată Românească».

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 1, 20, 21, 24, 31, 32 e 34 do Regulamento 2016/1012 enunciam:

«(1)      A produção de animais das espécies bovina, suína, ovina, caprina e equina ocupa um lugar estratégico na agricultura da União [Europeia] em termos económicos e sociais, contribuindo para o seu património cultural. Esta atividade agrícola, a qual contribui para a segurança alimentar na União, constitui uma fonte de rendimento para a comunidade agrícola. A melhor forma de promover a produção de animais dessas espécies assenta no incentivo ao recurso a animais reprodutores de raça pura ou suínos reprodutores híbridos de elevada qualidade genética registada.

[...]

(20)      Os programas de melhoramento com animais reprodutores de raça pura são executados com o objetivo global de melhorar, duma forma sustentável, as características relacionadas ou não com a produção de animais de raça ou com o objetivo de conservar uma raça. Esses programas de melhoramento deverão abranger um número suficientemente grande de animais reprodutores de raça pura mantidos pelos criadores que, através da reprodução e seleção, promovam e desenvolvam as características desejáveis dos referidos animais ou garantam a conservação da raça, de acordo com os objetivos comummente aceites pelos criadores participantes nos referidos programas. [...] Os animais reprodutores (de raça pura ou híbrida) que participam num programa de melhoramento são inscritos num livro genealógico ou num registo genealógico, incluindo as informações sobre os seus ascendentes e, em função dos objetivos de melhoramento definidos no programa de melhoramento, são submetidos a testes de desempenho ou a qualquer outra avaliação que resulte no registo dos dados sobre as características relacionadas com os objetivos desse programa de melhoramento. [...]

(21)      O direito ao reconhecimento como associação de criadores ou como centro de produção animal que satisfaçam os critérios estabelecidos deverá ser um princípio fundamental do direito da União relativa à produção animal e ao mercado interno A proteção da atividade económica de uma associação de criadores reconhecida já existente não deverá justificar a recusa pela autoridade competente do reconhecimento de outra associação de criadores da mesma raça ou as violações dos princípios que regem o mercado interno. O mesmo se aplica à aprovação de mais um programa de melhoramento ou da expansão geográfica de um programa de melhoramento existente que seja executado com a mesma raça ou com animais reprodutores da mesma raça que podem ser recrutados da população reprodutora de uma associação de criadores que já efetua um programa de melhoramento dessa raça. No entanto, se num Estado‑Membro uma ou mais associações de criadores reconhecidas já efetuarem um programa de melhoramento aprovado duma determinada raça, a autoridade competente desse Estado‑Membro deverá, em alguns casos específicos, poder recusar aprovar outro programa de melhoramento da mesma raça, mesmo que esse programa de melhoramento cumpra todos os requisitos necessários à aprovação. Um dos motivos para a recusa seria que a aprovação de outro programa de melhoramento da mesma raça comprometeria a conservação dessa raça ou a diversidade genética dentro dessa raça nesse Estado‑Membro. A conservação dessa raça poderá, em particular, ficar comprometida em resultado da fragmentação da população reprodutora, conduzindo eventualmente a níveis mais elevados de consanguinidade, ao recrudescimento de casos de anomalias genéticas, a uma perda do potencial de seleção ou ao acesso reduzido dos criadores a animais reprodutores de raça pura ou aos respetivos produtos germinais. Outro motivo para a recusa poderá estar associado a incoerências nas características específicas da raça ou nos principais objetivos desses programas de melhoramento. Com efeito, independentemente do objetivo do programa de melhoramento, a saber, a conservação ou o melhoramento da raça, a autoridade competente deverá ser autorizada a recusar a aprovação de outro programa de melhoramento em relação à mesma raça caso as diferenças entre os principais objetivos dos dois programas de melhoramento ou entre os traços essenciais das características específicas da raça definidas nos referidos programas de melhoramento resultassem numa perda de eficácia em termos de progresso genético relativamente a esses objetivos ou características ou a quaisquer características correlacionadas; ou caso uma troca de animais entre ambas as populações reprodutoras implicasse um risco de excluir a seleção ou excluir o desenvolvimento dessas características essenciais na população reprodutora inicial. Por último, no caso duma raça ameaçada ou duma raça autóctone não habitualmente presente num ou mais territórios da União, a autoridade competente também deverá ser autorizada a recusar a aprovação de outro programa de melhoramento relativo à mesma raça com a justificação de que esse programa de melhoramento poderá impedir a execução efetiva do programa de melhoramento existente, nomeadamente devido a uma falta de coordenação ou de troca de informações genealógicas e zootécnicas resultando na impossibilidade de beneficiar da avaliação comum dos dados recolhidos sobre essa raça. Em caso de recusa da aprovação de um programa de melhoramento, a autoridade competente deverá fornecer sempre uma justificação fundamentada aos requerentes e conferir‑lhes o direito de apresentar recurso contra essa recusa.

[...]

(24)      As associações de produtores, as organizações de produção animal, incluindo aquelas que sejam empresas privadas, ou os organismos públicos só deverão ser reconhecidos como associações de criadores quando tiverem criadores que participam em programas de melhoramento e assegurarem que os criadores tenham liberdade de escolha na seleção e reprodução de animais reprodutores de raça pura, o direito de inscrever os descendentes desses animais nos seus livros genealógicos e a possibilidade de serem proprietários desses animais.

[...]

(31)      A cooperação transfronteiriça entre as associações de criadores e entre os centros de produção animal que o desejem deverá ser facilitada, garantindo simultaneamente o livre empreendedorismo e a supressão dos entraves à livre circulação de animais reprodutores e dos seus produtos germinais.

(32)      Uma vez que a autoridade competente poderá ter de aprovar vários programas de melhoramento executados por uma associação de criadores ou um centro de produção animal por ela reconhecidos e uma vez que a autoridade competente poderá ter de aprovar o alargamento no seu território de programas de melhoramento executados por uma associação de criadores ou um centro de produção animal reconhecido noutro Estado‑Membro, o reconhecimento da associação de criadores ou do centro de produção animal deverá ser separado da aprovação dos seus programas de melhoramento. No entanto, aquando da avaliação dum pedido de reconhecimento duma associação de criadores ou dum centro de produção animal, também deverá ser apresentado à autoridade competente um pedido de aprovação de, pelo menos, um programa de melhoramento.

[...]

(34)      É necessário clarificar a relação entre criadores e associações de criadores, nomeadamente para garantir o seu direito de participar no programa de melhoramento dentro do território geográfico para a qual é aprovado e, caso seja possível a adesão, para garantir o direito de inscrição a esses criadores. As associações de criadores deverão ter regras em vigor para a resolução de litígios com os criadores que participam em programas de melhoramento e para assegurar a igualdade de tratamento desses criadores. Estas também deverão definir os seus próprios direitos e obrigações, bem como os dos criadores que participam nos seus programas de melhoramento.»

4        O artigo 1.° deste regulamento, sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», dispõe, no seu n.° 1, alínea b):

«O presente regulamento estabelece:

[...]

b)      Regras para o reconhecimento das associações de criadores e dos centros de produção animal e para a aprovação de programas de melhoramento;

5        O artigo 2.° do referido regulamento, sob a epígrafe «Definições», prevê, nos seus n.os 5, 8, 9, 12 e 26:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[...]

5)      “Associação de criadores”, as associações de produtores, as organizações de produção animal ou os organismos públicos, com exceção das autoridades competentes, que estejam reconhecidos pela autoridade competente de um Estado‑Membro, nos termos do artigo 4.°, n.° 3, para efeitos da execução de um programa de melhoramento com animais reprodutores de raça pura que constem do ou dos livros genealógicos que mantêm ou estabelecem;

[...]

8)      “Autoridade competente”, as autoridades de um Estado‑Membro que são responsáveis, por força do presente regulamento:

a)      Pelo reconhecimento de associações de criadores e de centros de produção animal bem como a aprovação dos programas de melhoramento que executam com animais reprodutores;

[...]

9)      “Animal reprodutor de raça pura”, um animal que se encontre inscrito ou registado e elegível para inscrição na secção principal de um livro genealógico;

[...]

12)      “Livro genealógico”:

a)      Os livros genealógicos de bovinos, suínos, ovinos, caprinos ou equídeos, ficheiro ou suporte informático mantido por uma associação de criadores constituídos por uma secção principal e, se a associação de criadores assim o decidir, uma ou várias secções anexas para animais da mesma espécie que não sejam elegíveis para inscrição na secção principal;

[...]

26      “Programa de melhoramento”, um conjunto de ações sistemáticas, incluindo o registo de informação, seleção, reprodução e troca de animais reprodutores e dos respetivos produtos germinais, concebido e aplicado com vista a preservar ou reforçar as características fenotípicas e/ou genotípicas pretendidas da população reprodutora alvo.»

6        O capítulo II do mesmo regulamento, intitulado «Reconhecimento de associações de criadores e de centros de produção animal nos Estados‑Membros e aprovação de programas de melhoramento» inclui os artigos 4.° a 12.°

7        O artigo 4.° do Regulamento 2016/1012, sob a epígrafe «Reconhecimento de associações de criadores e de centros de produção animal», tem a seguinte redação:

«1.      No que diz respeito aos animais reprodutores de raça pura, as associações de produtores, as organizações de produção animal ou os organismos públicos podem apresentar às autoridades competentes pedidos de reconhecimento como uma associação de criadores.

[...]

3.      As autoridades competentes avaliam os pedidos referidos no n.° 1 e reconhecem como associação de criadores os requerentes referidos no n.° 1, primeiro parágrafo, e como centro de produção animal os requerentes referidos no n.° 1, segundo parágrafo, que cumpram os seguintes requisitos:

a)      Tenham a sua sede no território do Estado‑Membro onde se situa a autoridade competente;

b)      No seu pedido, demonstrem que cumprem os requisitos estabelecidos no anexo I, parte 1 relativamente aos seus programas de melhoramento para os quais tencionam solicitar aprovação nos termos do artigo 8.°, n.° 3 [...];

c)      No pedido incluam, para cada um desses programas de melhoramento pretendidos, um projeto do programa de melhoramento, que deve incluir as informações indicadas no anexo I, parte 2 […];

d)      Aquando da apresentação do pedido referido no n.° 1, apresentem um pedido de aprovação de, pelo menos, um dos programas de melhoramento pretendidos, nos termos do artigo 8.°, n.° 2.»

8        Nos termos do artigo 8.° deste regulamento, sob a epígrafe «Aprovação de programas de melhoramento executados por associações de criadores e centros de produção animal»:

«1.      Uma associação de criadores ou um centro de produção animal apresenta pedidos de aprovação dos seus programas de melhoramento à autoridade competente que tenha reconhecido a associação de criadores ou o centro de produção animal em causa nos termos do artigo 4.°, n.° 3.

[...]

3.      A autoridade competente referida no n.° 1 avalia esses programas de melhoramento e aprova‑os, desde que:

a)      Tenham um ou mais dos seguintes objetivos:

i)      no caso de animais reprodutores de raça pura:

–        o melhoramento da raça,

–        a conservação da raça,

–        [...]

[...]

b)      Descrevam em pormenor os objetivos da seleção e reprodução;

c)      Cumpram os requisitos estabelecidos no anexo I, parte 2 [...].

[...]

5.      Se, durante pelo menos 24 meses, nenhum criador, cujas explorações, com os seus animais reprodutores, estejam situadas numa determinada parte do território geográfico, participar num programa de melhoramento aprovado nos termos do n.° 3, a autoridade competente a que se refere o n.° 1 pode exigir à associação de criadores ou ao centro de produção animal em causa que ajuste o território geográfico do seu programa de melhoramento, de modo a não incluir aquela determinada parte.»

9        O artigo 10.° do referido regulamento, sob a epígrafe «Derrogações ao artigo 8.°, n.° 3, relativamente à aprovação de programas de melhoramento», dispõe:

«1.      Em derrogação do artigo 8.°, n.° 3, a autoridade competente que tenha reconhecido uma associação de criadores nos termos do artigo 4.°, n.° 3, pode recusar a aprovação de um programa de melhoramento de uma associação de criadores que cumpra os requisitos estabelecidos no anexo I, parte 2 […], devido ao facto de esse programa de melhoramento poder comprometer o programa de melhoramento da mesma raça executado por outra associação de criadores que já tenha sido reconhecido nesse Estado‑Membro no que se refere a pelo menos um dos seguintes elementos:

a)      Às principais características da raça ou aos principais objetivos do programa de melhoramento;

b)      À conservação dessa raça ou à preservação da diversidade genética nessa raça; ou

c)      Se o objetivo desse programa de melhoramento for a conservação dessa raça, à execução efetiva do programa de melhoramento:

i)      no caso duma raça ameaçada, ou

ii)      no caso duma raça autóctone não habitualmente presente num ou mais territórios da União.

2.      Para efeitos do n.° 1, a autoridade competente tem devidamente em conta o seguinte:

a)      O número de programas de melhoramento já aprovados para essa raça nesse Estado‑Membro;

b)      A dimensão das populações de animais reprodutores abrangidos por esses programas de melhoramento;

c)      O eventual contributo a nível genético dos programas de melhoramento da mesma raça executados por outras associações de criadores noutros Estados‑Membros ou por organismos de produção animal de países terceiros.»

10      O artigo 13.° do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Direitos dos criadores que participam em programas de melhoramento aprovados nos termos do artigo 8.°, n.° 3, [...]», enuncia:

«1.      Os criadores têm direito a participar num programa de melhoramento aprovado nos termos do artigo 8.°, n.° 3, [...] desde que:

a)      Os seus animais reprodutores sejam mantidos em explorações situadas no território geográfico desse programa de melhoramento;

b)      Os seus animais reprodutores pertençam, no caso de animais reprodutores de raça pura, [...] abrangidos por esse programa de melhoramento.

2.      Os criadores que participam num programa de melhoramento aprovado nos termos do artigo 8.°, n.° 3, [...] têm direito a:

a)      Que os seus animais reprodutores de raça pura sejam inscritos na secção principal do livro genealógico, nos termos dos artigos 18.° e 20.°, estabelecido para essa raça pela associação de criadores;

[...]

3.      Além dos direitos previstos nos n.os 1 e 2, caso as regras duma associação de criadores ou dum centro de produção animal prevejam a filiação de membros, os criadores referidos no n.° 1 também têm direito a:

a)      Tornarem‑se membros dessa associação de criadores ou desse centro de produção animal;

b)      Participar na definição e desenvolvimento do programa de melhoramento nos termos das regras processuais referidas no anexo I, parte 1, secção B, ponto 1, alínea b).»

11      O artigo 18.°, n.° 2, do Regulamento 2016/1012 prevê:

«As associações de criadores não podem recusar a inscrição na secção principal dos seus livros genealógicos de um animal reprodutor de raça pura com argumento de que esse animal já está inscrito na secção principal de um livro genealógico para a mesma raça [...]»

12      O anexo I deste regulamento, intitulado «Reconhecimento de associações de criadores e centros de produção animal e aprovação de programas de melhoramento referidos no capítulo II», inclui três partes.

13      A parte 1 deste anexo, intitulada «Requisitos aplicáveis ao reconhecimento das associações de criadores e dos centros de produção animal, tal como previsto no artigo 4.°, n.° 3, alínea b)», prevê:

«A.      As associações de produtores, as organizações de produção animal e as empresas privadas que operam em sistemas de produção fechados e os organismos públicos devem:

[...]

4.      Dispor, em relação a cada programa de melhoramento, de uma população de animais reprodutores suficientemente grande nos territórios geográficos a abranger por esses programas de melhoramento;

[...]

B.      Para além dos requisitos referidos na secção A:

1.      As associações de produtores, as organizações de produção animal e os organismos públicos devem:

a)      Dispor de um número suficiente de criadores participantes em cada um dos seus programas de melhoramento;

b)      Ter adotado um regulamento interno que:

i)      regule a resolução de litígios com os criadores que participam nos seus programas de melhoramento,

ii)      assegure a igualdade de tratamento entre os criadores que participam nos seus programas de melhoramento,

iii)      defina os direitos e as obrigações dos criadores que participam nos seus programas de melhoramento, bem como da associação de criadores ou do centro de produção animal,

iv)      defina os direitos e as obrigações dos criadores, seus membros, sempre que a participação dos criadores esteja prevista.

2.      Nada no presente regulamento a que se refere o ponto 1, alínea b), obsta a que esses criadores:

a)      Tenham liberdade de escolha na seleção e na reprodução dos seus animais reprodutores;

[...]»

14      Nos termos da parte 2 do referido anexo, intitulada «Requisitos aplicáveis à aprovação dos programas de melhoramento efetuados pelas associações de criadores e pelos centros de produção animal referidos no artigo 8.°, n.° 3 [...]»:

«1.      O programa de melhoramento referido no artigo 8.°, n.° 3 [...] deve incluir:

a)      Informações sobre o seu objetivo, ou seja, a conservação da raça, o melhoramento da raça, da linhagem ou do cruzamento, a criação de uma nova raça, linhagem ou cruzamento, ou a reconstituição de uma raça, uma linhagem, ou a combinação de um ou mais desses objetivos;

[...]

2.      O programa de melhoramento deve abranger uma população de animais reprodutores suficientemente vasta e um número suficiente de criadores na zona geográfica em que é ou vai ser executado.»

 Direito romeno

15      A Legea zootehniei nr.°32/2019 (Lei relativa à Criação de Animais n.° 32/2019), de 16 de janeiro de 2019 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.° 53, de 21 de janeiro de 2019), na sua versão em vigor à data dos factos no processo principal, prevê, no seu artigo 7.°:

«As associações de criadores/centros de produção animal e as associações/organizações de criadores são reconhecidos pelo Ministério da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, através da autoridade nacional competente em matéria de zootecnia, enquanto parceiros na elaboração de políticas, estratégias, programas de criação e políticas de produtos.»

16      Nos termos do artigo 21.° desta lei:

«A organização e o desenvolvimento da atividade de criação e reprodução de animais obedecem à legislação da União e à legislação nacional.»

17      O artigo 24.° da referida lei dispõe:

«1.      O reconhecimento das associações de criadores, dos centros de produção animal e a aprovação dos programas de melhoramento é efetuada pela autoridade nacional competente em matéria de zootecnia, em conformidade com a legislação da União.

2.      A autoridade nacional competente em matéria de zootecnia avalia e aprova os programas de melhoramento apresentados por uma associação de criadores/centro de produção animal desde que:

a)      tenham um ou mais dos seguintes objetivos:

1.      o melhoramento da raça, da linhagem ou do cruzamento,

2.      a conservação da raça/linhagem,

[...]

3.      A autoridade nacional competente em matéria de zootecnia que tenha reconhecido uma associação de criadores pode recusar a aprovação de um programa de melhoramento com o fundamento de que o referido programa comprometeria um programa de melhoramento realizado por outra associação de criadores para a mesma raça e que já tenha sido aprovado, no que diz respeito a, pelo menos, um dos seguintes elementos:

a)      Às principais características da raça ou aos principais objetivos do referido programa de melhoramento;

b)      À conservação dessa raça ou à preservação da diversidade genética nessa raça; ou

c)      no caso de uma raça ameaçada ou no caso de uma raça autóctone que não esteja habitualmente presente.

4.      Para efeitos do n.° 3, a autoridade nacional competente em matéria de zootecnia deve ter devidamente em conta os seguintes critérios:

a)      O número de programas de melhoramento já aprovados para essa raça;

b)      A dimensão das populações reprodutoras de animais abrangidas por esses programas de melhoramento»

18      A Hotărârea Guvernului nr.°1188/2014 privind organizarea și funcționarea Agenției Naționale pentru Zootehnie «Prof. dr. G. K. Constantinescu» (Decreto n.° 1188/2014, relativo à Organização e ao Funcionamento da Agência Nacional de Zootecnia «Prof. dr. G. K. Constantinescu»), de 29 de dezembro de 2014 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.° 21, de 12 de janeiro de 2015), na versão em vigor à data dos factos no processo principal, previa, no seu artigo 1.°, n.° 1:

«A [Agência de Zootecnia], criada ao abrigo do artigo 8.° da [Legea nr.°139/2014 privind unele măsuri pentru reorganizarea Ministerului Agriculturii și Dezvoltării Rurale, precum și a unor structuri aflate în subordinea acestuia (Lei n.° 139/2014, relativa a Determinadas Medidas de Reorganização do Ministério da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, bem como de Determinadas Estruturas que lhe Estão Subordinadas), de 15 de outubro de 2014 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.° 758 de 20 de outubro de 2014)], com a redação que lhe foi posteriormente dada, é um organismo especializado da Administração Pública central, dotado de personalidade jurídica, totalmente financiado pelo orçamento do Estado, subordinado ao Ministério da Agricultura e do Desenvolvimento Rural.»

19      O artigo 5.° deste decreto dispunha, nas alíneas a) e i):

«Em conformidade com o seu domínio de atividade, nos termos previstos na lei, a [Agência de Zootecnia]:

a)      reconhece as associações de criadores e os centros de produção animal para conceber um programa de melhoramento com reprodutores de raça pura inscritos no ou nos livros genealógicos ou num programa de melhoramento com suínos reprodutores híbridos inscritos no ou nos registos genealógicos geridos ou por ela estabelecidos;

[...]

i)      aprova os programas de melhoramento com reprodutores executados por associações de criadores e centros de produção animal aprovados».

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

20      Por Decisão de 24 de novembro de 2020, a Agência de Zootecnia reconheceu a GT como associação de criadores, nos termos do artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento 2016/1012, com o objetivo de realizar um programa de melhoramento com reprodutores da raça pura de bovinos «Bălțată Românească» (a seguir «programa de melhoramento da GT»). Por Decisão de 2 de dezembro de 2020 (a seguir, considerada em conjunto com a Decisão de 24 de novembro de 2020, «decisões em causa»), esta agência aprovou esse programa.

21      A associação BR, na sua qualidade de associação de criadores reconhecida pela Agência de Zootecnia, cujo programa de melhoramento para a mesma raça de bovinos «Bălțată Românească», que tinha sido aprovado em 2011, ainda estava em curso, interpôs recurso das decisões em causa na Curtea de Apel Braşov (Tribunal de Recurso de Brașov, Roménia), o órgão jurisdicional de reenvio.

22      Em apoio do seu recurso, essa associação alegou, em substância, que o programa de melhoramento da GT que tinha por objeto a mesma raça de animais reprodutores, na mesma zona geográfica, a saber, o território da Roménia, e que prosseguia o mesmo objetivo relativo à melhoria da raça em causa que o seu próprio programa de melhoramento, era suscetível de comprometer este último programa, na medida em que a sua aprovação levaria à retirada de um número significativo de criadores do programa de melhoramento da referida associação e causaria um grave prejuízo financeiro.

23      O órgão jurisdicional de reenvio começa por especificar que, no presente processo, segundo a conclusão de um relatório pericial emitido pelo serviço interno da Agência de Zootecnia, «o programa de melhoramento [da GT] comprometeria o programa de melhoramento da [Associação BR], devido à fragmentação da população objeto do melhoramento, que, quanto mais pequena for, mais conduz ao surgimento da consanguinidade, o que tem por efeito reduzir o progresso genético; que os dois programas não são idênticos, que são realizados em grande parte na mesma zona geográfica da Roménia e que existem sobreposições, mas que a existência de um único programa de criação para a mesma raça é mais eficaz do que a coexistência de vários programas deste tipo».

24      Salienta igualmente que foi apresentado um pedido de suspensão da execução das decisões em causa pela Associação BR na Secção de Contencioso Administrativo e Fiscal e que esse órgão jurisdicional indeferiu tal pedido, por Decisão de 4 de junho de 2021, com o fundamento de que, contrariamente às alegações desta associação, por um lado, os procedimentos de reconhecimento de uma associação de criadores e de aprovação do seu(s) programas de melhoramento não foram efetuados em simultâneo, devendo o segundo desses procedimentos ocorrer, em conformidade com o artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento 2016/1012, posteriormente ao primeiro, e, por outro, que o programa de melhoramento da GT devia ter cumprido o requisito previsto no anexo I, parte 1, secção A, ponto 4, deste regulamento, relativo à existência de um número de animais reprodutores suficientemente significativo na zona geográfica abrangida por esse programa, o que, no caso em apreço, será determinado pelo facto de a GT ter comunicado à Agência de Zootecnia uma lista de animais cujos criadores tinham pedido para participar no seu programa de melhoramento. Resulta também da decisão de reenvio que foi negado provimento ao recurso interposto dessa decisão pela referida associação na Înalta Curte de Casație şi Justiție (Tribunal Superior de Cassação e Justiça, Roménia) por Acórdão de 5 de abril de 2022.

25      No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, num processo análogo ao que está em causa no processo principal, a Secção do Contencioso Administrativo e Fiscal desse órgão jurisdicional adotou uma abordagem oposta ao deferir os pedidos através dos quais a mesma associação contestava o reconhecimento concedido a outra associação de criadores de bovinos enquanto associação de criadores, bem como a aprovação do programa de melhoramento desta última. Está atualmente pendente neste processo um recurso para o Înalta Curte de Casație şi Justiție (Tribunal Superior de Cassação e Justiça).

26      Atendendo aos elementos precedentes, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, por um lado, sobre as condições que regem o reconhecimento das associações de criadores. Em especial, interroga‑se sobre se as disposições do artigo 4.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento 2016/1012, lidas à luz do considerando 21 e do anexo I, parte 1, secção A, ponto 4, deste regulamento, devem ser interpretadas no sentido de que uma entidade pode ser reconhecida como associação de criadores se, no momento do pedido de reconhecimento, prosseguir unicamente o projeto de fazer participar no seu programa de melhoramento, mediante a assinatura de pedidos ou de compromissos para esse efeito, criadores que já participam noutro programa de melhoramento aprovado, realizado por outra associação de criadores, ou no sentido de que o reconhecimento só pode ser obtido se esses criadores fizerem efetivamente parte da «carteira» da entidade que solicita o reconhecimento à data do pedido de reconhecimento.

27      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre as condições que regulam a aprovação dos programas de melhoramento. A este respeito, baseando‑se nas disposições do artigo 13.° do Regulamento n.° 2016/1012, lidas à luz do considerando 24 e do anexo I, parte 1, secção B, ponto 2, alínea a), deste regulamento, pergunta, em primeiro lugar, se os criadores de animais de raça pura são livres de optar por abandonar um programa de melhoramento já aprovado para participar noutro programa de melhoramento em fase de aprovação. Caso esta liberdade exista, há que determinar em que medida pode ser eventualmente limitada pela necessidade, prevista no artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento 2016/1012, lido à luz do seu considerando 21, de não comprometer um programa de melhoramento já em curso.

28      Em segundo lugar, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre a interpretação da expressão «pode recusar», utilizada neste artigo 10.°, n.° 1. Em particular, pergunta se esta expressão permite entender que a autoridade nacional competente dispõe de uma certa margem de apreciação para efeitos da aprovação dos programas de melhoramento ou se esta autoridade é obrigada a recusar a aprovação de um novo programa de melhoramento se este for suscetível de comprometer um programa de melhoramento já existente.

29      Em terceiro e último lugar, o referido órgão jurisdicional interroga‑se sobre a possível coexistência de vários programas de melhoramento para a mesma raça de animais reprodutores e para a mesma zona geográfica, e que prosseguem objetivos semelhantes, destinados à melhoria da raça em causa.

30      Nestas circunstâncias, a Curtea de Apel Brașov (Tribunal de Recurso de Brașov) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem as disposições do artigo 4.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento [2016/1012], conjugadas com o disposto no anexo I, parte 1, A), n.° 4, do mesmo regulamento, e [do considerando] 24 do seu preâmbulo, ser interpretadas no sentido de que uma associação de criadores pode ser reconhecida, ainda que o seu projeto apenas consista em atrair, através da apresentação de pedidos ou compromissos nesse sentido, criadores já inscritos noutro programa de melhoramento aprovado pertencente a outra associação de criadores, ou, no momento da apresentação do pedido de reconhecimento, é necessário que esses criadores façam efetivamente parte da carteira de criadores da associação que pede o reconhecimento?

2)      Devem as disposições do artigo 13.° do Regulamento [2016/1012], bem como as disposições do anexo I, parte 1, B), n.° 2, alínea a), do Regulamento [2016/1012], conjugadas com o previsto no [considerando] 24 do seu preâmbulo, ser interpretadas no sentido de que é reconhecida aos criadores liberdade para escolher, de entre os programas de melhoramento da raça, em que programa inscrever os seus animais reprodutores de raça pura e, em caso de resposta afirmativa, pode essa liberdade ser limitada pela necessidade de não prejudicar ou comprometer um programa de melhoramento no qual esses criadores já participam, com a passagem ou promessa de passagem dos referidos criadores para um programa de melhoramento que deverá ser aprovado?

3)      Devem as disposições do artigo 10.°, n.° 1, conjugadas com o [considerando] 21 do preâmbulo do Regulamento [2016/1012], ser interpretadas no sentido de que, sempre que se verifique uma das situações previstas nas alíneas a) a c) do artigo 10.°, n.° 1, a autoridade competente que reconheceu a associação de criadores é obrigada a recusar a aprovação do programa de melhoramento que é suscetível de comprometer outro programa no que concerne aos aspetos referidos [no mencionado artigo] ou o uso da expressão «(...) pode recusar (...)» significa que é conferida à autoridade uma margem de discricionariedade a esse respeito?

4)      Devem as disposições do artigo 8.° e do artigo 10.° do Regulamento [2016/1012], conjugadas com o [considerando] 21 do preâmbulo do referido regulamento, ser interpretadas no sentido de que, quando num Estado‑Membro um programa de melhoramento cujo objetivo principal seja melhorar a raça esteja já na fase de execução, pode ser aprovado um novo programa de melhoramento para a mesma raça, no mesmo Estado (para o mesmo território geográfico), cujo objetivo principal também seja melhorar a raça, em cujo âmbito podem ser selecionados animais reprodutores do programa de melhoramento que já se encontra em fase de execução?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

31      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento 2016/1012, lido em conjugação com o anexo I, parte 1, deste regulamento e à luz do considerando 24 do referido regulamento, deve ser interpretado no sentido de que se opõe ao reconhecimento como associação de criadores de um requerente que, para demonstrar que dispõe de uma população de animais reprodutores suficientemente significativa e de um número suficientemente elevado de criadores, invoca compromissos de participação assinados por criadores já inscritos num programa de melhoramento junto de outra associação de criadores já reconhecida.

 Quanto à admissibilidade

32      O Governo Romeno alega, a título principal, que a primeira questão é inadmissível, uma vez que, no essencial, não é necessária uma resposta a esta questão para resolver o litígio no processo principal. Segundo este Governo, o órgão jurisdicional de reenvio só é chamado a efetuar verificações de ordem factual e dispõe, além disso, das informações relevantes para apreciar o cumprimento dos requisitos fixados pelo Regulamento 2016/1012 quanto ao número de criadores e de animais exigido para o reconhecimento de uma associação de criadores. Por outro lado, considera que esta questão é redundante relativamente à terceira e quarta questões prejudiciais.

33      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.° TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação ou à validade de uma regra de direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 18 de abril de 2024, Girelli Alcool, C‑509/22, EU:C:2024:341, n.° 32 e jurisprudência referida).

34      Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação ou a apreciação da validade de uma regra da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 18 de abril de 2024, Girelli Alcool, C‑509/22, EU:C:2024:341, n.° 33 e jurisprudência referida).

35      No caso em apreço, há que constatar que a primeira questão tem por objeto a interpretação do Regulamento 2016/1012 e visa clarificar as exigências de prova que dele decorrem para efeitos do reconhecimento enquanto associação de criadores.

36      A este respeito, a interpretação solicitada do direito da União parece estar relacionada com o objeto do litígio no processo principal, que diz respeito ao reconhecimento da GT como uma associação de criadores ao abrigo deste regulamento. A questão submetida visa precisamente clarificar as exigências enunciadas pelo referido regulamento. Além disso, não resulta de modo nenhum dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o problema seja hipotético. Por outro lado, o pedido de decisão prejudicial contém os elementos de facto e de direito necessários para permitir ao Tribunal de Justiça responder à questão submetida. Por último, o facto de esta mesma questão ser redundante em relação a outras questões submetidas no mesmo pedido de decisão prejudicial não tem incidência na sua admissibilidade. Nestas condições, a presunção de pertinência recordada no n.° 34 do presente acórdão não pode ser posta em causa.

37      Daqui decorre que a primeira questão é admissível.

 Quanto ao mérito

38      Importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a interpretação de uma disposição do direito da União exige que se tenha em conta não apenas os seus termos, mas também o contexto em que se insere, bem como os objetivos e a finalidade que prossegue o ato de que faz parte. A génese de uma disposição do direito da União pode igualmente relevar elementos pertinentes para a sua interpretação (Acórdão de 11 de janeiro de 2024, Inditex, C‑361/22, EU:C:2024:17, n.° 43 e jurisprudência referida).

39      Nos termos do artigo 4.°, n.° 3, segundo período, do Regulamento 2016/1012, as autoridades competentes reconhecem os requerentes como associação de criadores desde que estes cumpram os requisitos previstos nas alíneas a) a d) desta disposição.

40      O artigo 4.°, n.° 3, alínea b), deste regulamento prevê que o pedido de reconhecimento deve demonstrar que o requerente cumpre os requisitos previstos no anexo I, parte 1, do referido regulamento, relativamente aos programas de melhoramento para os quais tenciona solicitar aprovação.

41      Em conformidade com o anexo I, parte 1, secção A, ponto 4, do mesmo regulamento, o requerente deve dispor de uma população de animais reprodutores suficientemente significativa nas zonas geográficas abrangidas por cada programa de melhoramento. Além disso, nos termos do anexo I, parte 1, secção B, ponto 1, alínea a), do Regulamento 2016/1012, o requerente deve dispor de um número suficientemente elevado de criadores que participem em cada um dos seus programas de melhoramento. Neste contexto, há que recordar que incumbe ao juiz nacional verificar se estes requisitos estão ou não preenchidos em cada caso concreto.

42      Deste modo, a redação do artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento 2016/1012 não obsta a que a prova relativa à disposição de uma população de animais reprodutores suficientemente significativa e de um número suficientemente elevado de criadores assente em compromissos de participação assinados por criadores já inscritos num programa de melhoramento junto de outra associação de criadores reconhecida e que, por conseguinte, não tenham aderido formalmente à associação requerente na qualidade de membros.

43      No que respeita ao contexto em que se insere esta disposição, há que salientar que, segundo o considerando 24 do Regulamento 2016/1012, os requerentes só deverão ser reconhecidos como associações de criadores «quando tiverem criadores que participam [nos seus] programas de melhoramento». No entanto, resulta do artigo 8.°, n.° 5, deste regulamento que é possível realizar um programa de melhoramento aprovado pela autoridade nacional competente durante, pelo menos, 24 meses sem a participação de nenhum animal.

44      Além disso, resulta também do considerando 34, do artigo 13.°, n.° 3, e do anexo I, parte 1, secção B, ponto 1, alínea b), iv), do referido regulamento que a participação de criadores não exige necessariamente a sua adesão, enquanto membros, a uma associação de criadores, pelo que a pertença formal a essa associação não pode ser determinante para efeitos da apreciação do cumprimento, por essa associação, dos requisitos de reconhecimento previstos no referido regulamento.

45      Por último, há que observar igualmente que resulta do considerando 32 do Regulamento 2016/1012 que o reconhecimento da associação de criadores deverá ser separado da aprovação dos seus programas de melhoramento.

46      Quanto aos objetivos prosseguidos pelo Regulamento 2016/1012, há que salientar que, à luz do seu considerando 1, este visa favorecer a criação, nomeadamente, de bovinos, incentivando, para esse efeito, a utilização de reprodutores de raça pura. Por outro lado, nos termos do considerando 21, primeiro e segundo períodos, deste regulamento, o direito ao reconhecimento como associação de criadores ou como centro de produção animal que satisfaçam os critérios estabelecidos deverá ser um princípio fundamental do direito da União relativo à produção animal e ao mercado interno. A proteção da atividade económica de uma associação de criadores já reconhecida não deverá justificar a recusa pela autoridade competente do reconhecimento de outra associação de criadores da mesma raça ou as violações dos princípios que regem o mercado interno. Resulta igualmente do considerando 31 do referido regulamento que este visa assegurar o livre empreendedorismo e a supressão dos entraves à livre circulação de animais reprodutores e dos seus produtos germinais.

47      A prossecução dos objetivos de incentivar a criação e de desenvolver a comercialização dos bovinos nas trocas intracomunitárias pressupõe, assim, a existência, nos diferentes Estados‑Membros, de um número suficiente de associações de criadores. Neste contexto, o Regulamento 2016/1012 é favorável ao reconhecimento de novas associações de criadores (v., por analogia, Acórdão de 11 de novembro de 2004, Zuchtverband für Ponys, C‑216/02, EU:C:2004:703, n.os 32 e 33).

48      Assim, se um pedido de reconhecimento pudesse ser recusado pelo simples facto de se basear em compromissos de participação assinados por criadores já inscritos num programa de melhoramento para uma mesma raça noutra associação de criadores já reconhecida, a realização dos objetivos referidos nos considerandos 1, 21 e 31 do Regulamento 2016/1012 poderia ficar comprometida.

49      À luz das considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 4.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento 2016/1012, lido em conjugação com o anexo I, parte 1, deste regulamento e à luz do considerando 24 do referido regulamento, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe ao reconhecimento como associação de criadores de um requerente que, para demonstrar que dispõe de uma população de animais reprodutores suficientemente significativa e de um número suficientemente elevado de criadores, invoca compromissos de participação assinados por criadores já inscritos num programa de melhoramento junto de outra associação de criadores reconhecida.

 Quanto à segunda a quarta questões

50      Com a segunda a quarta questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se o artigo 10.° do Regulamento 2016/1012, lido em conjugação com o artigo 13.° e com o anexo I, parte 1, secção B, ponto 2, alínea a), deste regulamento, bem como à luz dos seus considerandos 21 e 24, deve ser interpretado no sentido de que, por um lado, quando um programa de melhoramento que tem por objetivo principal a melhoria de uma determinada raça de animais esteja em a decorrer num Estado‑Membro, a autoridade competente deste Estado pode aprovar um novo programa de melhoramento apresentado por outra associação de criadores, relativo à mesma raça de animais, respeitante à mesma zona geográfica, que prossiga o mesmo objetivo, em cujo âmbito foram selecionados animais reprodutores de entre a população reprodutora do programa de melhoramento já em curso, e, por outro, quando essa aprovação for suscetível de comprometer um ou vários elementos referidos nas alíneas a) a c) do artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento 2016/1012, esta mesma autoridade tem a obrigação, e não a faculdade, de recusar a aprovação do novo programa de melhoramento.

 Quanto à admissibilidade

51      O Governo Romeno alega que a segunda questão é inadmissível na medida em que não é necessária uma resposta a esta para a resolução do litígio no processo principal e que a referida questão é redundante em relação à terceira e quarta questões.

52      Pelas mesmas razões expostas no n.° 36 do presente acórdão, há que constatar que a presunção de pertinência da segunda questão não pode ser posta em causa. Por conseguinte, esta questão é admissível.

 Quanto ao mérito

53      Há que salientar, em primeiro lugar, que, embora, por força do artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento 2016/1012, a autoridade competente aprove os programas de melhoramento que lhe são apresentados, desde que estejam preenchidos os requisitos enumerados nas alíneas a) a c) deste número, o artigo 10.° deste regulamento prevê, todavia, uma derrogação a este respeito, ao dispor, no seu n.° 1, que a autoridade competente que tenha reconhecido uma associação de criadores pode recusar a aprovação de um programa de melhoramento dessa associação devido ao facto de esse programa de melhoramento poder comprometer o programa de melhoramento da mesma raça executado por outra associação de criadores que já tenha sido aprovado nesse Estado‑Membro, pelo menos no que diz respeito a um dos elementos referidos nas alíneas a) a c) deste artigo 10.°, n.° 1.

54      O n.° 2 do artigo 10.° do Regulamento 2016/1012 enumera os critérios que devem ser tomados em consideração por essa autoridade para apreciar a existência desse risco, entre os quais figuram, por um lado, o número de programas de melhoramento já aprovados para a mesma raça no Estado‑Membro em causa e, por outro, a dimensão das populações reprodutoras abrangidas por esses programas de melhoramento.

55      Contudo, em segundo lugar, há que observar que o considerando 21 do Regulamento 2016/1012 prevê expressamente a possibilidade de aprovar «outro programa de melhoramento» da mesma raça de animais, relativo à mesma zona geográfica e prosseguindo o mesmo objetivo que os de um programa de melhoramento já existente. Resulta igualmente deste mesmo considerando que o legislador da União pretendeu permitir que esse programa adicional pudesse ser considerado juntamente com animais reprodutores «que podem ser recrutados da população reprodutora de uma associação de criadores que já efetua um programa de melhoramento dessa raça».

56      Neste contexto, o artigo 18.° do referido regulamento especifica, no seu n.° 2, que «[a]s associações de criadores não podem recusar a inscrição na secção principal dos seus livros genealógicos de um animal reprodutor de raça pura com o argumento de que esse animal já está inscrito na secção principal de um livro genealógico para a mesma raça».

57      Por outro lado, resulta inequivocamente do artigo 13.°, n.° 1, do mesmo regulamento que os criadores têm direito a participar num programa de melhoramento aprovado, desde que preencham os requisitos previstos nas alíneas a) e b) desta disposição.

58      Em terceiro lugar, importa recordar que o artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento 2016/1012 constitui uma exceção à regra geral prevista no artigo 8.°, n.° 3, deste regulamento, segundo a qual a autoridade competente deve aprovar os programas de melhoramento que lhe sejam apresentados, desde que preencham os requisitos enumerados nas alíneas a) a c) desta última disposição. Ora, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as exceções são de interpretação restritiva para que as regras gerais não sejam esvaziadas da sua essência [Acórdão de 28 de outubro de 2022, Generalstaatsanwaltschaft München (Extradição e ne bis in idem), C‑435/22 PPU, EU:C:2022:852, n.° 120 e jurisprudência referida].

59      Além disso, o artigo 10.°, n.° 1, do referido regulamento utiliza a expressão «pode recusar». Por outro lado, o considerando 21 do mesmo regulamento inclui a recusa de aprovação de um novo programa de melhoramento em termos limitativos, uma vez que, segundo a sua redação, a autoridade competente de um Estado‑Membro «deverá, em alguns casos específicos, poder recusar aprovar outro programa de melhoramento da mesma raça».

60      Daqui resulta que o Regulamento 2016/1012 confere às autoridades competentes dos Estados‑Membros uma margem de apreciação que lhes permite recusar a aprovação de um novo programa de melhoramento, ainda que preencha os requisitos previstos no anexo I deste regulamento, quando esse programa de melhoramento possa comprometer um programa de melhoramento já existente, no que se refere a um ou mais dos elementos taxativamente enumerados nas alíneas a) a c) deste artigo 10.°, n.° 1, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Fora destas circunstâncias, em conformidade com o artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento 2016/1012, as autoridades competentes são obrigadas a aprovar os programas de melhoramento que lhes são apresentados, desde que cumpram os requisitos estabelecidos nas alíneas a) a c) deste artigo 8.°, n.° 3.

61      À luz das considerações precedentes, há que responder à segunda a quarta questões que o artigo 10.° do Regulamento 2016/1012, lido em conjugação com o artigo 13.° e com o anexo I, parte 1, secção B, ponto 2, alínea a), deste regulamento, bem como à luz dos seus considerandos 21 e 24, deve ser interpretado no sentido de que, por um lado, quando um programa de melhoramento que tem por objetivo principal a melhoria de uma determinada raça de animais esteja a decorrer num Estado‑Membro, a autoridade competente deste Estado pode aprovar um novo programa de melhoramento apresentado por outra associação de criadores, relativo à mesma raça de animais, respeitante à mesma zona geográfica, que prossiga o mesmo objetivo, em cujo âmbito foram selecionados animais reprodutores de entre a população reprodutora do programa de melhoramento já em curso, e, por outro, quando essa aprovação for suscetível de comprometer um ou vários elementos referidos nas alíneas a) a c) do artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento 2016/1012, esta mesma autoridade tem a faculdade de recusar a aprovação do novo programa de melhoramento.

 Quanto às despesas

62      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

1)      O artigo 4.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento (UE) 2016/1012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, sobre as condições zootécnicas e genealógicas aplicáveis à produção, ao comércio e à entrada na União de animais reprodutores de raça pura, de suínos reprodutores híbridos e dos respetivos produtos germinais, que altera o Regulamento (UE) n.° 625/2014 e as Diretivas 89/608/CEE e 90/425/CEE do Conselho e revoga determinados atos no domínio da produção animal («Regulamento sobre a produção animal»), lido em conjugação com o anexo I, parte 1, deste regulamento e à luz do considerando 24 do referido regulamento,

deve ser interpretado no sentido de que:

não se opõe ao reconhecimento como associação de criadores de um requerente que, para demonstrar que dispõe de uma população de animais reprodutores suficientemente significativa e de um número suficientemente elevado de criadores, invoca compromissos de participação assinados por criadores já inscritos num programa de melhoramento junto de outra associação de criadores reconhecida.

2)      O artigo 10.° do Regulamento 2016/1012, lido em conjugação com o artigo 13.° e com o anexo I, parte 1, secção B, ponto 2, alínea a), deste regulamento, bem como à luz dos considerandos 21 e 24 do referido regulamento,

deve ser interpretado no sentido de que:

por um lado, quando um programa de melhoramento que tem por objetivo principal a melhoria de uma determinada raça de animais esteja a decorrer num EstadoMembro, a autoridade competente deste Estado pode aprovar um novo programa de melhoramento apresentado por outra associação de criadores, relativo à mesma raça de animais, respeitante à mesma zona geográfica, que prossiga o mesmo objetivo, e em cujo âmbito foram selecionados animais reprodutores de entre a população reprodutora do programa de melhoramento já em curso, e, por outro, quando essa aprovação for suscetível de comprometer um ou vários elementos referidos nas alíneas a) a c) do artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento 2016/1012, esta mesma autoridade tem a faculdade de recusar a aprovação do novo programa de melhoramento.

Assinaturas


*      Língua do processo: romeno.