ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

11 de julho de 2024 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais — Diretiva 2011/7/UE — Artigo 6.o, n.o 1 — Montante fixo mínimo a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida — Disposição do direito nacional que permite julgar improcedentes os pedidos de pagamento desse montante fixo em caso de atraso não significativo ou de crédito reduzido — Dever de interpretação conforme com o direito da União»

No processo C‑279/23,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Rejonowy Katowice — Zachód w Katowicach (Tribunal de Primeira Instância de Katowic‑Oeste em Katowic, Polónia), por Decisão de 7 de março de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de abril de 2023, no processo

Skarb Państwa — Dyrektor Okręgowego Urzędu Miar w K.

contra

Z. sp.j.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: N. Piçarra (relator), presidente de secção, N. Jääskinen e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Z. sp.j., por K. Pluta‑Gabryś, radca prawny,

em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por G. Gattinara e M. Owsiany‑Hornung, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais (JO 2011, L 48, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Skarb Państwa (Tesouro Público, Polónia), representado pelo Dyrektor Okręgowego Urzędu Miar w K. (Diretor do Serviço Regional de Medidas em K.) (a seguir «Autoridade de Medidas»), à Z. sp. j., uma sociedade de direito polaco (a seguir «Z»), a respeito de um pedido de indemnização fixa pelos custos suportados por esta autoridade devido a sucessivos atrasos de pagamento por parte de Z relativos a serviços de aferição de instrumentos de medição prestados pela referida autoridade.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 12, 17 e 19 da Diretiva 2011/7 enunciam:

«(12)

Os atrasos de pagamento constituem um incumprimento de contrato que se tornou financeiramente aliciante para os devedores na maioria dos Estados‑Membros, visto serem baixas ou inexistentes as taxas de juro que se aplicam aos atrasos de pagamento e/ou em razão da lentidão dos processos de indemnização. É necessária uma mudança decisiva com vista a uma cultura de pagamentos atempados, que inclua o reconhecimento sistemático da exclusão do direito de cobrar juros como cláusula contratual ou prática manifestamente abusiva, de modo a inverter esta tendência e desincentivar esses atrasos. Esta mudança deverá incluir a introdução de disposições específicas em relação a prazos de pagamento e à indemnização dos credores pelos prejuízos sofridos e determinar, como cláusula contratual manifestamente abusiva, a exclusão do direito a indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida.

[…]

17)

O pagamento do devedor deverá ser considerado como feito fora do prazo, para efeitos do direito a cobrar juros de mora, caso o credor não tenha a soma devida à sua disposição na data de vencimento fixada, desde que tenha cumprido as suas obrigações contratuais e legais.

[…]

19)

É necessária a justa indemnização dos credores pelos custos suportados com a cobrança da dívida devido a atrasos de pagamento, a fim de desincentivar tais práticas. Os custos suportados com a cobrança da dívida deverão também incluir a cobrança dos custos administrativos e a indemnização pelos custos internos decorrentes de atrasos de pagamento para os quais a presente diretiva deverá prever um montante fixo mínimo que pode ser cumulado com os juros de mora. A indemnização sob a forma de um montante fixo deverá ter por objetivo limitar os custos administrativos e internos ligados à cobrança da dívida. A indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida deverá ser determinada sem prejuízo das disposições legais nacionais, nos termos das quais um tribunal nacional pode atribuir uma indemnização ao credor por danos adicionais relacionados com o atraso do devedor no pagamento.»

4

O artigo 1.o dessa diretiva, sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», dispõe:

«1.   O propósito da presente diretiva consiste em combater os atrasos de pagamento nas transações comerciais, a fim de assegurar o bom funcionamento do mercado interno, promovendo assim a competitividade das empresas e, em particular, das [pequenas e médias empresas (PME)].

2.   A presente diretiva aplica‑se a todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais.

[…]»

5

Nos termos do artigo 2.o, n.os 1 e 4, da referida diretiva:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)

“Transação comercial”, qualquer transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra remuneração;

2)

“Entidade pública”, qualquer entidade adjudicante, definida na alínea a) do n.o 1 do artigo 2.o da Diretiva 2004/17/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais, JO 2004, L 134, p. 1] e no n.o 9 do artigo 1.o da Diretiva 2004/18/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, independentemente do contrato público de fornecimento ou de serviços, JO 2004, L 134, p. 114], independentemente do objeto ou do valor do contrato;

3)

“Empresa”, qualquer organização, que não seja uma entidade pública, que desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, mesmo que essa atividade seja exercida por uma pessoa singular;

4)

“Atraso de pagamento”, qualquer falta de pagamento dentro do prazo contratual ou legal e caso estejam preenchidas as condições estabelecidas no n.o 1 do artigo 3.o ou no n.o 1 do artigo 4.o».

6

O artigo 3.o da Diretiva 2011/7, sob a epígrafe «Transações entre empresas», tem a seguinte redação:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que, nas transações comerciais entre empresas, o credor tem direito a receber juros de mora sem necessidade de interpelação caso estejam preenchidas as seguintes condições:

a)

O credor ter cumprido as suas obrigações contratuais e legais; e

b)

O credor não ter recebido dentro do prazo o montante devido, salvo se o atraso não for imputável ao devedor.

[…]»

7

O artigo 4.o dessa diretiva, sob a epígrafe «Transações entre empresas e entidades públicas», dispõe, no n.o 1:

«1. Os Estados‑Membros asseguram que, nas transações comerciais em que o devedor é uma entidade pública, o credor tem direito, após o termo do prazo fixado nos n.os 3, 4 ou 6, a receber juros de mora legais, sem necessidade de interpelação, caso estejam preenchidas as seguintes condições:

a)

O credor ter cumprido as suas obrigações contratuais e legais; e

b)

O credor não ter recebido dentro do prazo o montante devido, salvo se o atraso não for imputável ao devedor.»

8

O artigo 6.o dessa diretiva, intitulado «Indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que, caso se vençam juros de mora em transações comerciais nos termos dos artigos 3.o ou 4.o, o credor tenha direito a receber do devedor, no mínimo, um montante fixo de 40 [euros].

2.   Os Estados‑Membros asseguram que o montante fixo referido no n.o 1 é devido sem necessidade de interpelação, enquanto indemnização pelos custos de cobrança da dívida do credor.

[…]»

9

O artigo 7.o dessa diretiva, sob a epígrafe «Cláusulas contratuais e práticas abusivas», enuncia nos seus n.os 1 a 3:

«1.   Os Estados‑Membros dispõem no sentido de que qualquer cláusula contratual ou prática sobre a data de vencimento ou o prazo de pagamento, a taxa de juro de mora ou a indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida não é exequível ou confere direito a indemnização se for manifestamente abusiva para o credor.

Com vista a determinar se uma cláusula contratual ou prática é manifestamente abusiva para o credor, na aceção do primeiro parágrafo, são ponderadas todas as circunstâncias do caso, incluindo:

a)

Os desvios manifestos da boa prática comercial, contrários à boa‑fé e à lealdade negocial;

b)

A natureza dos produtos ou dos serviços; e

c)

O facto de o devedor ter uma eventual razão objetiva para não respeitar a taxa legal de juro de mora, o prazo de pagamento referido no n.o 5 do artigo 3.o, na alínea a) do n.o 3 e nos n.os 4 e 6 do artigo 4.o, ou o montante fixo a que se refere o n.o 1 do artigo 6.o

2.   Para efeitos do n.o 1, uma cláusula contratual ou prática que exclua o pagamento de juros de mora é considerada manifestamente abusiva.

3.   Para efeitos do n.o 1, uma cláusula contratual ou prática que exclua a indemnização por custos suportados com a cobrança da dívida, tal como referido no artigo 6.o, é considerada manifestamente abusiva.»

Direito polaco

Lei de Combate aos Atrasos Excessivos nas Transações Comerciais

10

Nos termos do artigo 10.o da ustawa o przeciwdziałaniu nadmiernym opóźnieniom w transakcjach handlowych (Lei de Combate aos Atrasos Excessivos nas Transações Comerciais), de 8 de março de 2013 (Dz. U. de 2022, posição 893), que transpôs a Diretiva 2011/7 para o ordenamento jurídico polaco e entrou em vigor em 28 de abril de 2013:

«1.   A partir do dia em que adquire o direito aos juros referidos no artigo 7.o, n.o 1, ou no artigo 8.o, n.o 1, o credor tem direito a receber do devedor, sem necessidade de interpelação, uma indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida equivalente ao montante de:

1.

40 euros — quando o valor da remuneração pecuniária não ultrapasse 5000 zlótis polacos (PLN) [(cerca de 1155 euros)];

[…]

2.   Para além do montante referido no n.o 1, o credor tem igualmente direito ao reembolso, num montante razoável, dos custos suportados com a cobrança da dívida que excedam esse montante.»

Código Civil

11

Artigo 5.o da ustawa — Kodeks cywilny (Lei que aprova o Código Civil), de 23 de abril de 1964 (Dz. U. de 2022, posição 1360) (a seguir «Código Civil polaco»), dispõe:

«Um direito não pode ser exercido de forma contrária à sua finalidade socioeconómica ou aos princípios da vida em sociedade. Tal ação ou omissão do titular do direito não é considerada um exercício desse direito e não beneficia de proteção.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

12

A Autoridade de Medidas presta serviços de aferição de instrumentos de medição, regularmente utilizados pela sociedade Z. Esta pagou por duas vezes esses serviços com atraso. O primeiro pagamento, com um atraso de vinte dias, dizia respeito a um montante de 246 PLN (cerca de 55 euros) e o segundo, de cinco dias, era relativo a um montante de 369 PLN (cerca de 80 euros).

13

A Autoridade de Medidas apresentou então, no Sąd Rejonowy Katowice — Zachód w Katowicach (Tribunal de Primeira Instância de Katowic‑Oeste, Polónia), órgão jurisdicional de reenvio, um pedido de pagamento da quantia de 80 euros, acrescida dos juros previstos no direito polaco, ou seja, o montante correspondente ao dobro da indemnização pelos custos suportados com a cobrança prevista no artigo 10.o, n.o 1, ponto 1, da Lei de Combate aos Atrasos Excessivos nas Transações Comerciais.

14

O órgão jurisdicional de reenvio refere que, segundo jurisprudência constante dos tribunais polacos, as ações destinadas ao pagamento do montante fixo para custos de cobrança são julgadas improcedentes quando o atraso de pagamento do devedor seja insignificante ou quando o montante do crédito devido seja reduzido. Sublinha que o processo que lhe foi submetido ilustra essa prática, uma vez que a Z nunca foi condenada apesar de ter estado em situação de atraso de pagamento pelo menos 39 vezes.

15

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a improcedência dessas ações baseia‑se no artigo 5.o do Código Civil polaco, interpretado no sentido de que, quando o montante de um crédito cujo pagamento está em atraso não exceda o equivalente em zlótis polacos a 100 a 300 euros, ou quando o atraso de pagamento de um crédito não exceda duas a seis semanas, uma indemnização do credor é considerada «contrária aos princípios da vida em sociedade», expressão que esse órgão jurisdicional equipara à de «contrária aos bons costumes».

16

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a compatibilidade dessa interpretação com o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7, lido à luz do seu considerando 12. Segundo esse órgão jurisdicional, a aceitação, pelos tribunais polacos, de um costume de os devedores efetuarem com atraso os pagamentos de reduzido montante, o que tem a consequência de se considerar que um credor que não respeite esse costume e exija uma indemnização viola esses «princípios da vida em sociedade», não pode justificar a introdução, pelo direito nacional, de uma exceção à regra clara, precisa e incondicional prevista nesse artigo 6.o, n.o 1.

17

Neste contexto, o Sąd Rejonowy Katowice — Zachód w Katowicach (Tribunal de Primeira Instância de Katowic‑Oeste, Katowic) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Opõe‑se o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7[…] a uma regulamentação nacional nos termos da qual o órgão jurisdicional nacional pode julgar improcedente uma ação de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida a que se refere esta disposição, pelo facto de o atraso do devedor no pagamento não ser significativo ou de o montante da dívida em cujo pagamento o devedor se atrasou ser reduzido?»

Quanto à questão prejudicial

18

A título preliminar, recorde‑se que, quando, como no caso, uma entidade pública, na aceção do artigo 2.o, ponto 2, da Diretiva 2011/7, é credora de uma empresa numa quantia em dinheiro, as relações entre estas duas entidades não estão abrangidas pelo conceito de «transação comercial», na aceção do artigo 2.o, ponto 1, desta diretiva e, por conseguinte, estão excluídas do seu âmbito de aplicação (Acórdão de 13 de janeiro de 2022, New Media Development & Hotel Services, C‑327/20, EU:C:2022:23, n.o 44).

19

Contudo, o Tribunal de Justiça é competente para conhecer de pedidos de decisão prejudicial que tenham por objeto disposições do direito da União em situações em que os factos no processo principal se situam fora do âmbito de aplicação do direito da União, mas nas quais essas disposições passaram a ser aplicáveis por força do direito nacional, em virtude de uma remissão feita por este último para o conteúdo daquelas (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten, C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 53, e de 30 de janeiro de 2020, I.G.I., C‑394/18, EU:C:2020:56, n.o 45).

20

No caso, o órgão jurisdicional de reenvio refere que o direito polaco alarga o direito à indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida a situações que não são abrangidas pela Diretiva 2011/7, nas quais o credor de uma quantia cujo pagamento está em atraso é uma entidade pública e o devedor é uma empresa, para que a indemnização seja paga exatamente nas mesmas modalidades, independentemente de o credor ser uma empresa ou uma entidade pública. Nestas condições, a interpretação prejudicial pedida revela‑se necessária para que as disposições do direito da União aplicáveis sejam interpretadas de modo uniforme. Há que responder, portanto, à questão prejudicial colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio.

21

Com a sua única questão, esse órgão jurisdicional pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática dos tribunais nacionais que consiste em julgar improcedentes as ações destinadas a obter o montante fixo mínimo a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida previsto nesta disposição, com o fundamento de que o atraso de pagamento do devedor é insignificante ou de que o montante do crédito afetado pelo atraso de pagamento do devedor é reduzido.

22

Em primeiro lugar, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7 impõe aos Estados‑Membros que assegurem que, quando se vençam juros de mora em transações comerciais, o credor tem o direito de receber do devedor, no mínimo, um montante fixo de 40 euros, a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida. Além disso, o n.o 2 desse artigo 6.o impõe aos Estados‑Membros que assegurem que esse montante fixo mínimo seja devido automaticamente, mesmo sem interpelação ao devedor, e que o referido montante vise indemnizar o credor pelos custos de cobrança da dívida.

23

O conceito de «atraso de pagamento» que está na origem do direito do credor a obter do devedor não só juros mas também um montante fixo mínimo de 40 euros, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, dessa diretiva, é definido no artigo 2.o, ponto 4, da referida diretiva como qualquer falta de pagamento dentro do prazo contratual ou legal. Uma vez que esta diretiva abrange, de acordo com o seu artigo 1.o, n.o 2, «todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais», este conceito de «atraso de pagamento» é aplicável a cada transação comercial individualmente considerada [Acórdãos de 20 de outubro de 2022, BFF Finance Iberia, C‑585/20, EU:C:2022:806, n.o 28, e de 1 de dezembro de 2022, X (Fornecimento de material médico), C‑419/21, EU:C:2022:948, n.o 30].

24

Em segundo lugar, de acordo com as disposições conjugadas do artigo 3.o, n.o 1, e do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7, no que respeita às transações comerciais entre empresas, e com as disposições conjugadas do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 6.o, n.o 1, dessa diretiva, no que respeita às transações entre empresas e entidades públicas, os juros por atraso no pagamento, tal como o montante fixo de 40 euros, tornam‑se exigíveis automaticamente no termo do prazo de pagamento previsto respetivamente no artigo 3.o e no artigo 4.o, dessa diretiva. O considerando 17 desta diretiva precisa, a esse respeito, que «[o] pagamento do devedor deverá ser considerado como feito fora do prazo, para efeitos do direito a cobrar juros de mora, caso o credor não tenha a soma devida à sua disposição na data de vencimento fixada, desde que tenha cumprido as suas obrigações contratuais e legais».

25

Nada na redação do artigo 3.o, n.o 1, do artigo 4.o, n.o 1, ou do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7 indica que o montante fixo mínimo previsto nesta última disposição não seja devido em caso de atraso de pagamento insignificante ou devido ao baixo montante do crédito em causa, atraso pelo qual o devedor é o único responsável.

26

Por conseguinte, resulta de uma interpretação literal e contextual do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7 que o montante fixo mínimo de 40 euros, previsto a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida, é devido ao credor, que tenha cumprido as suas obrigações, por cada pagamento não efetuado na data de vencimento de uma transação comercial, independentemente do montante do crédito afetado pelo atraso de pagamento ou da duração desse atraso.

27

Em terceiro lugar, essa interpretação do artigo 6.o da Diretiva 2011/7 é confirmada pela finalidade da mesma. Com efeito, resulta do artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva, lido à luz dos seus considerandos 12 e 19, que esta visa não só desincentivar os atrasos de pagamento, evitando que se tornem financeiramente aliciantes para os devedores, devido às baixas ou inexistentes taxas de juro faturadas nessa situação, mas também proteger efetivamente o credor contra esses atrasos. Esse considerando 19 especifica, por um lado, que os custos suportados com a cobrança da dívida deverão também incluir a cobrança dos custos administrativos e a indemnização pelos custos internos decorrentes de atrasos de pagamento e, por outro, que a indemnização sob a forma de montante fixo deverá ter por objetivo limitar os custos administrativos e internos ligados à cobrança da dívida [v., neste sentido, Acórdãos de 20 de outubro de 2022, BFF Finance Iberia, C‑585/20, EU:C:2022:806, n.os 35 e 36, e de 1 de dezembro de 2022, X (Fornecimento de material médico), C‑419/21, EU:C:2022:948, n.o 36].

28

Nesta perspetiva, nem o baixo montante do crédito devido nem o caráter insignificante do atraso de pagamento podem justificar que se isente o devedor do pagamento do montante fixo mínimo devido a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida por cada atraso de pagamento de que seja ele o único responsável. Essa isenção equivaleria a privar de efeito útil o artigo 6.o da Diretiva 2011/7, cujo objetivo é, como foi sublinhado no número anterior do presente acórdão, não só desincentivar esses atrasos de pagamento como também, através desses montantes, indemnizar o credor «pelos custos de cobrança da dívida», custos que tendem a aumentar na proporção do número de pagamentos e de montantes que o devedor não paga no vencimento. Nestas condições, não se pode considerar que esse devedor tenha uma «eventual razão objetiva», na aceção do artigo 7.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea c), desta diretiva, para derrogar o pagamento do montante fixo referido no artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva, precisando o n.o 3 deste artigo 7.o que, para efeitos do seu n.o 1, «uma cláusula contratual ou prática que exclua a indemnização por custos suportados com a cobrança da dívida, tal como referido no artigo 6.o, é considerada manifestamente abusiva» [v., neste sentido, Acórdãos de 20 de outubro de 2022, BFF Finance Iberia, C‑585/20, EU:C:2022:806, n.o 37, e de 1 de dezembro de 2022, X (Fornecimento de material médico), C‑419/21, EU:C:2022:948, n.o 37].

29

Por último, quanto ao artigo 5.o do Código Civil polaco, mencionado pelo órgão jurisdicional de reenvio, nos termos do qual um direito exercido em violação da sua finalidade socioeconómica ou dos princípios da vida em sociedade não beneficia de proteção, há que lembrar que o princípio da interpretação conforme do direito nacional com o direito da União exige que os órgãos jurisdicionais nacionais, nomeadamente no respeito da proibição de interpretação contra legem do direito nacional, façam tudo o que for da sua competência, tomando em consideração o direito interno no seu conjunto e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, a fim de garantir a plena eficácia da diretiva em causa e alcançar uma solução conforme com o objetivo por ela prosseguido (Acórdãos de 24 de janeiro de 2012, Dominguez, C‑282/10, EU:C:2012:33, n.o 27, e de 4 de maio de 2023, ALD Automotive, C‑78/22, EU:C:2023:379, n.o 40).

30

A exigência de tal interpretação conforme inclui, nomeadamente, a obrigação de os tribunais nacionais alterarem, sendo caso disso, uma jurisprudência constante, caso esta se baseie numa interpretação do direito nacional incompatível com os objetivos de uma diretiva. Por conseguinte, um órgão jurisdicional nacional não pode validamente considerar que lhe é impossível interpretar uma disposição nacional em conformidade com o direito da União pelo simples facto de essa disposição ter sido interpretada de forma constante num sentido que não é compatível com esse direito (Acórdão de 6 de novembro de 2018, Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften, C‑684/16, EU:C:2018:874, n.o 60).

31

Na medida em que o artigo 5.o do Código Civil polaco não pode ter uma interpretação conforme com o artigo 6.o da Diretiva 2011/7, tal como interpretado nos n.os 26 a 28 do presente acórdão, e tendo em conta as exigências recordadas no número anterior, o juiz nacional encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições do direito da União tem a obrigação de garantir o pleno efeito destas, não aplicando, se necessário e por sua própria autoridade, uma disposição da legislação nacional como a que está em causa no processo principal, mesmo posterior, sem ter de pedir ou esperar pela sua revogação prévia por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional (Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski, C‑573/17, EU:C:2019:530, n.o 58 e jurisprudência referida).

32

Pelos fundamentos expostos, há que responder à questão que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática dos órgãos jurisdicionais nacionais que consiste em julgar improcedentes as ações destinadas a obter o montante fixo mínimo a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida previsto nesta disposição, com o fundamento de que o atraso de pagamento do devedor é insignificante ou de que o montante da dívida afetado pelo atraso de pagamento do devedor é reduzido.

Quanto às despesas

33

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

 

O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais,

 

deve ser interpretado no sentido de que:

 

se opõe a uma prática dos órgãos jurisdicionais nacionais que consiste em julgar improcedentes as ações destinadas a obter o montante fixo mínimo a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida previsto nesta disposição, com o fundamento de que o atraso de pagamento do devedor é insignificante ou de que o montante da dívida afetado pelo atraso de pagamento do devedor é reduzido.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.