ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

4 de julho de 2024 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado europeu do aço para pré‑esforço — Decisão que declara a existência de uma infração ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) — Acórdão que anula parcialmente a decisão e fixa uma coima de montante idêntico ao da coima inicialmente aplicada — Imputação dos pagamentos efetuados a título provisório — Decisão da Comissão Europeia relativa ao montante da coima em dívida — Data de exigibilidade de uma coima cujo montante foi fixado pelo juiz da União no âmbito do exercício da sua competência de plena jurisdição»

No processo C‑70/23 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 8 de fevereiro de 2023,

Westfälische Drahtindustrie GmbH, com sede em Hamm (Alemanha),

Westfälische Drahtindustrie Verwaltungsgesellschaft mbH & Co. KG, com sede em Hamm,

Pampus Industriebeteiligungen GmbH & Co. KG, com sede em Iserlohn (Alemanha),

representadas por O. Duys e N. Tkatchenko, Rechtsanwälte,

recorrentes,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por A. Keidel, L. Mantl e P. Rossi, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, Z. Csehi (relator), M. Ilešič, I. Jarukaitis e D. Gratsias, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 1 de fevereiro de 2024,

profere o presente

Acórdão

1

Por meio do seu recurso, a Westfälische Drahtindustrie GmbH (a seguir «WDI»), a Westfälische Drahtindustrie Verwaltungsgesellschaft mbH & Co. KG (a seguir «WDV») e a Pampus Industriebeteiligungen GmbH & Co. KG pedem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 23 de novembro de 2022, Westfälische Drahtindustrie e o./Comissão (T‑275/20; a seguir acórdão recorrido, EU:T:2022:723), pelo qual este negou provimento ao seu recurso em que pediam, a título principal, primeiro, a anulação do ofício da Comissão Europeia de 2 de março de 2020 (a seguir «ato impugnado»), pelo qual esta última as notificou para lhe pagarem a quantia de 12236931,69 euros correspondente, segundo a mesma, ao saldo ainda em dívida da coima que lhes havia sido aplicada em 30 de setembro de 2010; segundo, a declaração de que a coima ficou integralmente saldada em 17 de outubro de 2019 com o pagamento da quantia de 18149636,24 euros e, terceiro, a condenação da Comissão a pagar à WDI a quantia de 1633085,17 euros, acrescida de juros desde esta última data, por enriquecimento sem causa desta instituição, bem como, a título subsidiário, a condenação da Comissão a pagar‑lhes a quantia de 12236931,69 euros, reclamada por esta à WDI, e uma quantia equivalente ao montante que esta instituição recebeu em excesso, no valor de 1633085,17 euros, acrescido de juros desde 17 de outubro de 2019 até ao reembolso integral da quantia em dívida.

Quadro jurídico

2

O Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), no artigo 23.o, n.o 2, dispõe:

«A Comissão pode, mediante decisão, aplicar coimas às empresas e associações de empresas sempre que, deliberadamente ou por negligência:

a)

Cometam uma infração ao disposto nos artigos [101.o] ou [102.o TFUE]

[…]»

3

O artigo 31.o do referido regulamento dispõe:

«O Tribunal de Justiça conhece com plena jurisdição dos recursos interpostos das decisões em que tenha sido fixada pela Comissão uma coima ou uma sanção pecuniária compulsória. O Tribunal de Justiça pode suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada.»

4

O ponto 35 das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 23.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2) (a seguir «Orientações de 2006»), sob a epígrafe «Capacidade de pagamento da coima», dispõe:

«Em circunstâncias excecionais, a Comissão pode ter em conta a incapacidade de pagamento da coima por parte de uma empresa num dado contexto social e económico. A este título, a Comissão não concederá qualquer redução de coima apenas com base na mera constatação de uma situação financeira desfavorável ou deficitária. Só poderá ser concedida uma redução com base em provas objetivas de que a aplicação de uma coima, nas condições fixadas pelas presentes Orientações, poria irremediavelmente em perigo a viabilidade económica da empresa em causa e levaria a que os seus ativos ficassem privados de qualquer valor.»

Antecedentes do litígio

5

Os antecedentes do litígio e a decisão controvertida, tal como decorrem dos n.os 1 a 26 do acórdão recorrido, podem ser resumidos do seguinte modo.

6

Pela Decisão C(2010) 4387 final da Comissão, de 30 de junho de 2010, relativa a um processo de aplicação do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE (processo COMP/38344 — Aço para pré‑esforço), conforme alterada pela Decisão C (2010) 6676 final, de 30 de setembro de 2010 (a seguir «decisão controvertida»), a Comissão puniu várias empresas, entre as quais as recorrentes, que são fornecedores de aço para pré‑esforço, devido à sua participação num acordo sobre o mercado do aço para pré‑esforço. A Comissão aplicou uma coima de 46550000 euros à WDI, enquanto a Pampus Industriebeteiligungen Verwaltungsgesellschaft e a Pampus Industriebeteiligungen foram consideradas solidariamente responsáveis no montante de 38855000 euros e 15485000 euros, respetivamente.

7

Em conformidade com a decisão controvertida, o pagamento da coima devia ser efetuado no prazo de três meses a contar da data da sua notificação. No termo deste prazo, eram automaticamente devidos juros, calculados à taxa aplicada pelo Banco Central Europeu (BCE) às suas principais operações de refinanciamento, acrescida de 3,5 pontos percentuais. A decisão controvertida previa igualmente que, em caso de interposição de um recurso por uma das empresas punidas, esta podia garantir o montante da coima no vencimento, prestando uma garantia bancária ou procedendo ao pagamento provisório da coima.

8

Depois de terem interposto um recurso de anulação da decisão controvertida, as recorrentes apresentaram um pedido de medidas provisórias destinado, em substância, a obter a suspensão da execução desta decisão até à prolação do acórdão que conhecesse do referido recurso.

9

Pelo Despacho de 13 de abril de 2011, Westfälische Drahtindustrie e o./Comissão (T‑393/10 R, EU:T:2011:178), o presidente do Tribunal Geral deferiu parcialmente o pedido de medidas provisórias, ordenando a suspensão da obrigação das recorrentes de constituírem uma garantia bancária a favor da Comissão para evitar a cobrança imediata da coima, na condição de estas pagarem a esta instituição, a título provisório, por um lado, o montante de 2000000 euros e, por outro, prestações mensais de 300000 euros até à prolação do acórdão sobre o recurso de anulação.

10

Pelo Acórdão de 15 de julho de 2015, Westfälische Drahtindustrie e o./Comissão (T‑393/10, a seguir «Acórdão de 15 de julho de 2015», EU:T:2015:515), o Tribunal Geral anulou a decisão controvertida na parte em que aplicava uma coima às recorrentes. Em seguida, condenou‑as no pagamento de uma coima de montante idêntico ao fixado na decisão controvertida. Para chegar a esta solução, o Tribunal Geral começou por constatar que a Comissão tinha cometido erros quando apreciou a capacidade de pagamento das recorrentes. Depois, fazendo uso da sua competência de plena jurisdição, o Tribunal Geral considerou que resultava de diferentes indícios, entre os quais, designadamente, a reestruturação a que as próprias recorrentes tinham procedido, posteriormente à data de adoção dessa decisão, que, no entanto, as mesmas não tinham fundamento para pedir uma redução da coima devido à sua incapacidade de pagamento.

11

O Acórdão de 15 de julho de 2015 foi objeto de um recurso interposto pelas recorrentes, as quais impugnaram, nomeadamente, o facto de o Tribunal Geral, no exercício da sua competência de plena jurisdição, ter tomado em consideração a sua capacidade de pagamento em 2015 e não em 2010. Foi negado provimento a este recurso pelo Despacho de 7 de julho de 2016, Westfälische Drahtindustrie e Pampus Industriebeteiligungen/Comissão (C‑523/15 P, EU:C:2016:541).

12

Após a prolação do Acórdão de 15 de julho de 2015, surgiram divergências entre a Comissão e os advogados das recorrentes no que respeita à data a partir da qual deviam correr os juros devidos sobre a coima. Enquanto estes últimos consideravam que a coima só era exigível a partir da data de prolação do referido acórdão, a Comissão considerava que eram devidos juros desde a data prevista na decisão controvertida.

13

Neste contexto, após ter sido negado provimento ao seu recurso, as recorrentes requereram ao Tribunal Geral que interpretasse o Acórdão de 15 de julho de 2015 no sentido de que os juros aplicados ao montante da coima aplicada nesse acórdão eram devidos a partir da prolação do mesmo. A título subsidiário, as recorrentes pediram ao Tribunal Geral que retificasse ou completasse esse acórdão precisando a partir de que data começavam a contar os juros.

14

Pelo Despacho de 17 de maio de 2018, Westfälische Drahtindustrie e o./Comissão Westfälische Drahtindustrie e o./Comissão (T‑393/10 INTP, EU:T:2018:293), o Tribunal Geral declarou estes pedidos inadmissíveis. Quanto ao pedido de interpretação, o Tribunal Geral recordou que, para ser admissível, o mesmo devia incidir sobre uma questão decidida no acórdão a interpretar. Ora, a questão do início da contagem dos juros de mora devidos em caso de pagamento diferido do montante das coimas aplicadas às recorrentes não tinha sido abordada no Acórdão de 15 de julho de 2015. Segundo o Tribunal Geral, o pedido das recorrentes visava obter um parecer sobre as consequências do Acórdão de 15 de julho de 2015, o que não está abrangido por um pedido de interpretação apresentado ao abrigo do artigo 168.o, n.o 1, do seu Regulamento de Processo. Quanto aos outros dois pedidos, foram considerados extemporâneos. O Tribunal Geral considerou que, tendo em conta os prazos previstos para o efeito no artigo 164.o, n.o 2, e no artigo 165.o, n.o 2, do seu Regulamento de Processo, os pedidos, apresentados a título subsidiário, de que o Acórdão de 15 de julho de 2015 fosse retificado ou completado, deviam ser considerados extemporâneos.

15

Em execução do Despacho de 13 de abril de 2011, Westfälische Drahtindustrie e o./Comissão (T‑393/10 R, EU:T:2011:178), a WDI pagou provisoriamente à Comissão um montante total de 16400000 euros durante o período compreendido entre 29 de junho de 2011 e 16 de junho de 2015.

16

Em 16 de outubro de 2019, a WDI informou a Comissão, por um lado, de que já tinha pago 31700000 euros e, por outro, de que já pretendia pagar o saldo da coima em dívida, de capital e juros, que estimava ser de 18149636,24 euros. Para efeitos desse cálculo, a WDI tomou em consideração os juros vencidos desde 15 de outubro de 2015, ou seja, três meses após a prolação do Acórdão de 15 de julho de 2015, e aplicou uma taxa de juro de 3,48 %.

17

Em 17 de outubro de 2019, a WDI transferiu a referida quantia de 18149636,24 euros para a conta bancária da Comissão, perfazendo, assim, o montante total dos pagamentos efetuados, desde 29 de junho de 2011, para saldar o pagamento da coima, 49849636,24 euros.

18

Pelo ato impugnado, a Comissão manifestou a sua discordância com a posição expressa pela WDI na sua carta de 16 de outubro de 2019. A Comissão indicou que, em conformidade com os critérios instituídos no Acórdão de 14 de julho de 1995, CB/Comissão (T‑275/94, EU:T:1995:141), os juros, calculados a uma taxa de 4,5 %, começaram a correr não a partir do Acórdão de 15 de julho de 2015, mas a partir da data prevista pela decisão controvertida, ou seja, em 4 de janeiro de 2011. Por conseguinte, a Comissão notificou a WDI para lhe pagar a quantia de 12236931,69 euros correspondente ao saldo ainda em dívida, tomando em consideração a data‑valor de 31 de março de 2020.

Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

19

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de maio de 2020, as recorrentes pediram ao Tribunal Geral, a título principal, primeiro, a anulação do ato impugnado, segundo, a declaração de que a Comissão devia imputar os pagamentos efetuados pela WDI no período compreendido entre 29 de junho de 2011 e 16 de junho de 2015, acrescidos dos juros correspondentes a esse montante durante esse período, ou seja, um montante total de 17820610 euros, à coima aplicada pelo Tribunal Geral, no âmbito da sua competência de plena jurisdição, no Acórdão de 15 de julho de 2015, com efeitos a partir dessa data, e de que essa coima foi, por conseguinte, totalmente liquidada através do pagamento efetuado pela WDI, em 17 de outubro de 2019, no montante de 18149636,24 euros, e, terceiro, a condenação da Comissão no pagamento à WDI da quantia de 1633085,17 euros, acrescida de juros a contar de 17 de outubro de 2019 até ao reembolso integral do montante devido. A título subsidiário, as recorrentes pediram a condenação da União Europeia, representada pela Comissão, por um lado, a pagar‑lhes uma indemnização equivalente ao montante reclamado no ato impugnado, ou seja, 12236931,69 euros, e, por outro, a pagar à WDI o montante de 1633085,17 euros, acrescido de juros desde 17 de outubro de 2019 até ao reembolso integral do montante devido.

20

No acórdão recorrido, no âmbito do exame da procedência dos pedidos das recorrentes mencionados no n.o 19 do presente acórdão, o Tribunal Geral começou por examinar o pedido de indemnização das recorrentes, fundado em diversas violações do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE. A este respeito, o Tribunal Geral considerou que todas as ilegalidades denunciadas partiam da premissa de que a coima imposta na decisão controvertida não tinha sido «mantida» ou «confirmada» pelo Acórdão de 15 de julho de 2015, mas anulada e substituída por uma nova coima, que as recorrentes denominavam «coima judicial».

21

Após ter declarado o pedido de indemnização admissível, o Tribunal Geral recordou, no n.o 98 do acórdão recorrido, que, em conformidade com a jurisprudência resultante do seu Acórdão de 14 de julho de 1995, CB/Comissão (T‑275/94, EU:T:1995:141), a coima que o juiz da União fixa no exercício da sua competência de plena jurisdição não constitui uma coima nova, juridicamente distinta da aplicada pela Comissão. Ora, a mera circunstância de o Tribunal Geral ter finalmente considerado oportuno fixar, no seu Acórdão de 15 de julho de 2015, um montante de coima idêntico ao fixado na decisão controvertida não se opõe à aplicação desta jurisprudência no caso em apreço.

22

Esta apreciação também não foi posta em causa pelos argumentos das recorrentes relativos, designadamente, ao facto de o Tribunal Geral ter anulado a coima inicialmente aplicada antes de fixar um novo montante com base em elementos posteriores à decisão controvertida e de o presidente do Tribunal Geral ter ordenado, no seu Despacho de 13 de abril de 2011, Westfälische Drahtindustrie e o./Comissão (T‑393/10 R, EU:T:2011:178), a suspensão da obrigação de constituir uma garantia bancária.

23

O Tribunal Geral sublinhou, além disso, que, quando o juiz da União mantém uma parte ou a totalidade do montante da coima no âmbito do exercício da sua competência de plena jurisdição, a obrigação de pagar juros de mora ab initio não constitui uma sanção que acresce à coima inicialmente aplicada pela Comissão.

24

Tendo em conta estas considerações, o Tribunal Geral concluiu pela inexistência de violação suficientemente caracterizada das obrigações da Comissão ao abrigo do artigo 266.o TFUE e julgou improcedente o pedido de indemnização das recorrentes. Tendo em consideração que os demais pedidos formulados pelas recorrentes também se baseavam, em substância, na premissa de uma violação desta disposição pela Comissão, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso na totalidade, sem examinar a exceção de inadmissibilidade deduzida pela Comissão relativamente ao pedido de anulação do ofício de 2 de março de 2020.

Pedidos das partes

25

As recorrentes concluem pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

anular o acórdão recorrido;

anular o ato impugnado;

em consequência, declarar que a Comissão deve imputar os pagamentos efetuados pela WDI à Comissão, no período compreendido entre 29 de junho de 2011 e 16 de junho de 2015, no montante de 16400000 euros, acrescido de juros compensatórios no valor total de 1420610 euros, ou seja, num montante total de 17820610 euros, ao pagamento da coima aplicada autonomamente pelo Tribunal Geral no Acórdão de 15 de julho de 2015, com efeitos a contar de 15 de julho de 2015, e que esta coima já foi totalmente extinta pelo pagamento de 17 de outubro de 2019 no montante de 18149636,24 euros;

condenar a Comissão a pagar à WDI um montante de 1633085,17 euros, acrescido de juros compensatórios desde 17 de outubro de 2019 até ao pagamento integral do montante devido;

a título subsidiário, anular o acórdão recorrido e condenar a Comissão a pagar às três recorrentes uma indemnização no montante de 12236931,69 euros a título de compensação do crédito reclamado pela Comissão à WDI pelo ato impugnado, no montante de 12236931,36 euros, e a pagar à WDI o montante de 1633085,17 euros pago em excesso, acrescido de juros compensatórios desde 17 de outubro de 2019 até ao pagamento integral do montante devido;

a título subsidiário aos pedidos apresentados nos travessões 1 a 5, remeter o processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie;

e, em quaisquer circunstâncias,

condenar a Comissão nas despesas efetuadas em primeira instância e em sede de recurso.

26

A Comissão conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

negar provimento ao recurso e

condenar as recorrentes nas despesas.

Quanto ao recurso

27

As recorrentes invocam três fundamentos de recurso.

Quanto ao primeiro e segundo fundamentos

28

Com o seu primeiro fundamento, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao não respeitar o Acórdão de 15 de julho de 2015, bem como de ter fundamentado de maneira errada e contraditória o acórdão recorrido relativamente àquele. O segundo fundamento é relativo a uma alegada violação do artigo 266.o TFUE em razão da inobservância da regra jurídica resultante da conjugação do efeito de anulação do Acórdão de 15 de julho de 2015 com a natureza jurídica substitutiva da decisão neste adotada.

29

Dito isto, resulta dos articulados das recorrentes que, com estes dois fundamentos, as mesmas alegam, em substância, que o exercício, pelo Tribunal Geral, da sua competência de plena jurisdição, no âmbito do Acórdão de 15 de julho de 2015, o levou a fixar uma coima que devia ser caracterizada como nova e juridicamente distinta relativamente à que a Comissão lhes tinha aplicado na decisão controvertida. Em especial, embora as recorrentes formulem o seu primeiro fundamento como sendo relativo, em parte, ao caráter contraditório e errado da fundamentação, a leitura dos diferentes argumentos apresentados em apoio deste fundamento demonstra que, a esse título, pretendem, na realidade, impugnar não o caráter bastante da fundamentação do acórdão recorrido, mas as consequências jurídicas que o Tribunal Geral retirou do facto de, no Acórdão de 15 de julho de 2015, ter exercido a sua competência de plena jurisdição. Por conseguinte, cumpre tratar estes dois fundamentos em conjunto e examinar, antes de mais, a procedência desta premissa.

Argumentos das partes

30

As recorrentes sustentam que, com o Acórdão de 15 de julho de 2015, o Tribunal Geral, por um lado, anulou ex tunc a coima aplicada pela Comissão, o que deu origem a um crédito a seu favor, correspondente ao montante que tinham pago, a título provisório, em execução do Despacho de medidas provisórias, acrescido de juros, e, por outro, fixou uma nova coima distinta, com efeitos a partir da data da prolação do Acórdão de 15 de julho de 2015, que designam de «coima judicial», por oposição à «coima anulada» aplicada pela Comissão em 2010.

31

Para este efeito, realçam, nomeadamente, a circunstância de, na parte decisória do Acórdão de 15 de julho de 2015, o Tribunal Geral ter suprimido na íntegra o artigo 2.o, n.o 8, da decisão controvertida, o que teve a consequência de, por força do efeito de anulação que este acórdão comporta, a coima aplicada pela Comissão ter sido totalmente suprimida com efeitos retroativos.

32

Além disso, tendo em conta a gravidade dos erros constatados pelo Tribunal Geral no referido acórdão e uma vez que não parecia possível fixar retroativamente o montante de uma coima reduzida devido ao caráter errado da apreciação da capacidade de pagamento efetuada na decisão controvertida, o Tribunal Geral afastou‑se da sua prática jurisdicional anterior. Assim, em vez de fixar diretamente, como noutros acórdãos, o montante da coima anulada num montante reduzido com efeitos retroativos, decidiu, no âmbito do exercício da sua competência de plena jurisdição, conjugar a anulação dessa decisão com uma parte decisória de condenação das recorrentes. Esta conjugação permitiu ao Tribunal Geral, num primeiro momento, suprimir completamente a referida decisão e, num segundo momento, substituí‑la pela sua própria apreciação.

33

Do mesmo modo, é revelador o facto de, no Acórdão de 15 de julho de 2015, o Tribunal Geral se ter considerado autorizado a ter em conta os pagamentos já efetuados pelas recorrentes num período de cerca de cinco anos e a melhoria da sua capacidade contributiva na data da prolação desse acórdão.

34

Por conseguinte, a fundamentação do acórdão recorrido é contraditória, uma vez que não tem em conta o caráter novo e distinto da coima aplicada no Acórdão de 15 de julho de 2015. Designadamente, no n.o 99 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que a decisão controvertida devia, devido ao efeito substitutivo do Acórdão de 15 de julho de 2015, ter sido sempre a resultante da apreciação que figurava neste acórdão. Ora, segundo as recorrentes, o Tribunal Geral deveria ter determinado o alcance desse efeito substitutivo decorrente do exercício da sua competência de plena jurisdição à luz da parte decisória e da fundamentação do acórdão do qual resulta esse efeito. No entanto, no caso em apreço, resulta do duplo efeito da anulação da decisão controvertida e da condenação das recorrentes no pagamento de uma coima que foi adotada uma nova coima, juridicamente distinta da que lhes foi inicialmente aplicada. De resto, no plano textual, o referido efeito substitutivo implica necessariamente, pelo menos, uma alteração da coima inicial e, portanto, em substância, a adoção de uma coima nova, juridicamente distinta.

35

Em definitivo, a parte decisória do Acórdão de 15 de julho de 2015 e a apreciação global feita pelo Tribunal Geral no mesmo acórdão demonstram que a decisão controvertida foi reformada no seu conjunto. O efeito substitutivo incidiu simultaneamente sobre a fundamentação e sobre o montante sobreavaliado da coima. Levou a uma alteração que exige que se distinga claramente a coima inicial anulada e a coima judicial que a substitui, bem como as consequências jurídicas que lhe estão associadas.

36

A Comissão sustenta que os fundamentos primeiro e o segundo são improcedentes.

Apreciação do Tribunal de Justiça

37

Antes de mais, há que recordar que o sistema de fiscalização jurisdicional das decisões da Comissão relativas aos processos de aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE consiste numa fiscalização da legalidade dos atos das instituições consagrada no artigo 263.o TFUE, que pode ser completada, em aplicação do artigo 261.o TFUE, a pedido do recorrente, pelo exercício, por parte do Tribunal Geral, de uma competência de plena jurisdição quanto às sanções aplicadas neste domínio pela Comissão (Acórdão de 25 de julho de 2018, Orange Polska/Comissão, C‑123/16 P, EU:C:2018:590, n.o 104 e jurisprudência referida).

38

O alcance da fiscalização da legalidade prevista no artigo 263.o TFUE abrange todos os elementos das decisões da Comissão relativas aos processos de aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE, relativamente aos quais o Tribunal Geral garante uma fiscalização aprofundada, tanto de direito como de facto, à luz dos fundamentos invocados pela recorrente e tendo em conta o conjunto dos elementos submetidos por esta última. Todavia, no âmbito desta fiscalização, os órgãos jurisdicionais da União não podem, em nenhum caso, substituir a fundamentação do autor do ato em causa pela sua (Acórdão de 25 de julho de 2018, Orange Polska/Comissão, C‑123/16 P, EU:C:2018:590, n.o 105 e jurisprudência referida).

39

Em contrapartida, quando exerce a sua competência de plena jurisdição prevista no artigo 261.o TFUE e no artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003, além da simples fiscalização da legalidade da sanção, o juiz da União pode, para efeitos da determinação do montante dessa sanção, substituir a apreciação da Comissão, autora do ato em que esse montante foi inicialmente fixado, pela sua própria apreciação. Por conseguinte, o juiz da União pode alterar o ato impugnado, mesmo sem anulação, para suprimir, reduzir ou aumentar o montante da coima aplicada, levando em conta, no exercício dessa competência, todas as circunstâncias de facto (Acórdão de 25 de julho de 2018, Orange Polska/Comissão, C‑123/16 P, EU:C:2018:590, n.o 106 e jurisprudência referida).

40

Assim, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a competência de plena jurisdição de que dispõe o Tribunal Geral com base no artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003, que lhe permite suprimir, reduzir ou aumentar a coima aplicada pela Comissão, se refere e se limita ao montante da coima inicialmente aplicada pela Comissão (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2022, Sony Optiarc e Sony Optiarc America/Comissão, C‑698/19 P, EU:C:2022:480, n.o 92).

41

Além disso, contrariamente ao que decorre do artigo 23.o do Regulamento n.o 1/2003, que confere à Comissão o poder de aplicar coimas por violação das regras de concorrência, o artigo 31.o deste regulamento atribui ao Tribunal Geral uma competência de plena jurisdição que faz parte integrante do seu poder de conhecer dos recursos interpostos das decisões pelas quais a Comissão aplicou tal coima. Por conseguinte, este último artigo não tem por objeto habilitar o Tribunal Geral a aplicar uma nova coima juridicamente distinta da fixada pela Comissão, mas completa a fiscalização jurisdicional ao permitir ao Tribunal Geral que altere o montante da coima inicialmente aplicada.

42

Por conseguinte, importa salientar, à semelhança do que fez o Tribunal Geral no n.o 99 do acórdão recorrido, que, quando o juiz da União substitui a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação, substitui, na decisão da Comissão, o montante inicialmente fixado nessa decisão pelo que resulta da sua própria apreciação. Considera‑se, portanto, que a decisão da Comissão, devido ao efeito substitutivo do acórdão proferido pelo juiz da União, foi sempre a que resulta da apreciação deste último.

43

No caso em apreço, no Acórdão de 15 de julho de 2015, o Tribunal Geral considerou, antes de mais, que a Comissão tinha cometido erros na apreciação da capacidade de pagamento das recorrentes, na aceção do ponto 35 das Orientações de 2006. Em seguida, no exercício da sua competência de plena jurisdição, pedido pelas recorrentes uma vez que tinham pedido ao Tribunal Geral não só que anulasse a decisão controvertida, mas também que reduzisse a coima aplicada, constatou, com base nos elementos apresentados pelas partes a respeito da situação financeira das recorrentes, tal como tinha evoluído após a adoção da decisão controvertida, que estas não tinham fundamento para sustentar que lhes devia ser concedida uma redução da referida coima devido à sua incapacidade de pagamento, por motivos análogos aos previstos no ponto 35 das Orientações de 2006.

44

Uma vez que, no Acórdão de 15 de julho de 2015, o Tribunal Geral exerceu a sua competência de plena jurisdição, foi, pois, com justeza que, no n.o 98 do acórdão recorrido, se baseou no seu Acórdão de 14 de julho de 1995, CB/Comissão (T‑275/94, EU:T:1995:141, n.os 58, 60 e 65), do qual resulta que o juiz da União não tem competência, no âmbito do exercício da sua competência de plena jurisdição, substituir a coima aplicada pela Comissão por uma coima nova, juridicamente distinta desta, e daí deduziu, no n.o 102 do acórdão recorrido, que, no caso em apreço, uma vez que a coima reformada pelo Tribunal Geral no Acórdão de 15 de julho de 2015 não era nova, a mesma era exigível desde 4 de janeiro de 2011.

45

A este respeito, há que salientar que nem a maneira como o Tribunal Geral fixou o montante da coima nem a natureza dos elementos que este tomou em consideração quando substituiu a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação no Acórdão de 15 de julho de 2015 podem levar a considerar que esta coima, assim reformada, constitui uma nova coima juridicamente distinta da que foi aplicada pela Comissão na decisão controvertida.

46

É verdade que, no n.o 2 da parte decisória do Acórdão de 15 de julho de 2015, o Tribunal Geral anulou o artigo 2.o, n.o 8, da decisão controvertida, que aplicava uma coima às recorrentes, e fixou, nos n.os 4 a 6 da mesma parte decisória, os diferentes montantes constitutivos da coima reformada, que correspondiam aos da coima aplicada na decisão controvertida. Todavia, esta circunstância não pode ser entendida, como salientou o advogado‑geral no n.o 55 das suas conclusões, como a expressão da vontade do Tribunal Geral de aplicar uma nova coima juridicamente distinta da fixada pela Comissão.

47

Com efeito, quando, no âmbito do exercício da sua competência de plena jurisdição, o juiz da União substitui pela sua própria apreciação, para a determinação do montante da coima, a apreciação da Comissão, aplicando um novo montante, esta substituição implica necessariamente a anulação do montante da coima inicial, conforme fixado pela Comissão, seja ou não feita expressamente referência a essa anulação no acórdão.

48

Por conseguinte, embora seja certamente preferível que, tanto quanto possível, o Tribunal Geral siga uma prática de redação uniforme, não é menos verdade que não se pode retirar nenhuma consequência jurídica específica do facto de, no termo do exercício da sua competência de plena jurisdição, o Tribunal Geral ter optado por referir, na parte decisória, não que um novo montante da coima, eventualmente idêntico, substituiu o anteriormente fixado, mas, antes de mais, que o montante da coima aplicada pela Comissão era anulado e, depois, que era aplicada uma coima do mesmo montante às recorrentes.

49

Resulta do exposto que, visto que a premissa em que se baseiam o primeiro e segundo fundamentos estava errada, estes fundamentos devem ser julgados improcedentes, sem que seja necessário examinar mais detalhadamente as diferentes alegações apresentadas pelas recorrentes no âmbito dos referidos fundamentos.

Quanto ao terceiro fundamento

50

Com o seu terceiro fundamento, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter violado o seu direito a um processo equitativo.

Argumentos das partes

51

Segundo as recorrentes, o Tribunal Geral julgou improcedentes todos os fundamentos que lhe foram apresentados baseando‑se num único fundamento, a saber, que a coima resultante do Acórdão de 15 de julho de 2015 não é uma coima «nova».

52

Embora admitindo que existe uma ligação entre estes fundamentos, as recorrentes sustentam que esta circunstância não deveria, todavia, ter sido suficiente para permitir ao Tribunal Geral julgar, deste modo, todos os referidos fundamentos improcedentes. A fim de garantir uma proteção jurisdicional efetiva, o Tribunal Geral deveria ter submetido todos os fundamentos invocados a uma análise individual e minuciosa. Ora, não resulta da fundamentação do acórdão recorrido que o Tribunal Geral tenha procedido a essa análise.

53

A Comissão sustenta que o terceiro fundamento é igualmente improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

54

Nos n.os 129 e 130 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou que o segundo a quarto fundamentos que lhe foram apresentados partiam da premissa, formulada no âmbito do primeiro fundamento que lhe foi apresentado, segundo a qual a coima aplicada pela Comissão tinha sido anulada e substituída por uma «coima judicial». Considerando que esta premissa tinha sido infirmada no âmbito da análise do primeiro fundamento, o Tribunal Geral julgou improcedentes o segundo a quarto fundamentos, sem examinar os argumentos em apoio dos mesmos.

55

Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral em nada violou o direito a um processo equitativo nem, na medida em que as recorrentes tenham pretendido fazer essa acusação, fundamentou insuficientemente a conclusão a que chegou.

56

Com efeito, tal como no âmbito do presente recurso, os argumentos das recorrentes relativos aos fundamentos segundo a quinto apresentados no Tribunal Geral assentavam todos na premissa de que a coima aplicada pela Comissão foi anulada e substituída por uma «coima judicial». Ora, uma vez que esta premissa é inexata, como foi aliás confirmado no âmbito da análise do primeiro e segundo fundamentos apresentados no âmbito do presente recurso, não era de modo nenhum necessário que o Tribunal Geral fundamentasse mais detalhadamente o facto de julgar improcedentes os fundamentos segundo a quarto invocados perante si.

57

Além disso, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o dever de fundamentar os acórdãos, que incumbe ao Tribunal Geral por força dos artigos 36.o e 53.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, não o obriga a fazer uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio. A fundamentação pode, portanto, ser implícita, desde que permita que os interessados conheçam as razões nas quais assenta o acórdão cuja anulação é pedida e que o Tribunal de Justiça disponha de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização no âmbito de um recurso (Acórdão de 7 de março de 2024, Nevinnomysskiy Azot e NAK Azot/Comissão, C‑725/22 P, EU:C:2024:217, n.o 131 e jurisprudência referida).

58

Ora, com a argumentação resumida no n.o 52 do presente acórdão, as recorrentes não demonstram nem sequer alegam que não podiam conhecer as justificações do acórdão recorrido. Pelo contrário, esta argumentação revela que a fundamentação do acórdão recorrido permitiu às recorrentes conhecer os fundamentos nos quais o Tribunal Geral se baseou. Permite igualmente ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização no âmbito da análise do presente recurso.

59

Consequentemente, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

60

Não tendo sido acolhido nenhum dos fundamentos invocados pelas recorrentes em apoio do seu recurso, há que negar provimento ao recurso na totalidade.

Quanto às despesas

61

Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá sobre as despesas.

62

Por força do disposto no artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável ao processo de recurso de decisões do Tribunal Geral nos termos do artigo 184.o, n.o 1, deste, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

63

Tendo as recorrentes sido vencidas e a Comissão requerido a sua condenação, há que condená‑las nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Westfälische Drahtindustrie GmbH, a Westfälische Drahtindustrie Verwaltungsgesellschaft mbH & Co. KG e a Pampus Industriebeteiligungen GmbH & Co. KG são condenadas nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.