ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

27 de junho de 2024 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política social — Acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo — Artigos 2.o e 4.o — Princípio da não discriminação — Igualdade de tratamento em matéria de emprego e atividade profissional — Magistrados honorários e magistrados de carreira — Artigo 5.o — Medidas destinadas a punir o recurso abusivo aos contratos a termo — Diretiva 2003/88/CE — Artigo 7.o — Férias anuais remuneradas»

No processo C‑41/23 Peigli ( i ),

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), por Decisão de 26 de janeiro de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça no mesmo dia, no processo

AV,

BT,

CV,

DW

contra

Ministero della Giustizia,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, A. Arabadjiev (relator), presidente da Primeira Secção, exercendo funções de juiz da Sexta Secção, e I. Ziemele, juíza,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de AV, BT, CV e DW, por G. Graziani e C. Ingrilli, avvocati,

em representação do Governo Italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por E. De Bonis e F. Sclafani, avvocati dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por D. Recchia e F. van Schaik, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 7.o da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 2003, L 299, p. 9), bem como dos artigos 4.o e 5.o do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999 (a seguir «acordo‑quadro»), que figura em anexo à Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (JO 1999, L 175, p. 43).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe AV, BT, CV e DW, magistrados honorários, ao Ministero della Giustizia (Ministério da Justiça, Itália) a respeito do pedido desses magistrados destinado a obter o mesmo tratamento económico e jurídico que o aplicável aos magistrados de carreira.

Quadro jurídico

Direito da União

Acordo‑quadro

3

O artigo 2.o, n.o 1, do acordo‑quadro, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê:

«O presente acordo é aplicável aos trabalhadores contratados a termo ou partes numa relação laboral, nos termos definidos pela lei, convenções coletivas ou práticas vigentes em cada Estado‑Membro.»

4

O artigo 4.o do acordo‑quadro, intitulado «Princípio da não discriminação», estipula:

«1. No que diz respeito às condições de emprego, não poderão os trabalhadores contratados a termo receber tratamento menos favorável do que os trabalhadores permanentes numa situação comparável pelo simples motivo de os primeiros terem um contrato ou uma relação laboral a termo, salvo se razões objetivas justificarem um tratamento diferente.

2. Sempre que adequado, será aplicado o princípio pro rata temporis.

[…]»

5

Nos termos do artigo 5.o do acordo‑quadro, sob a epígrafe «Disposições para evitar os abusos»:

«1. Para evitar os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo e sempre que não existam medidas legais equivalentes para a sua prevenção, os Estados‑Membros, após consulta dos parceiros sociais e de acordo com a lei, acordos coletivos ou práticas nacionais, e/ou os parceiros sociais deverão introduzir, de forma a que se tenham em conta as necessidades de setores e/ou categorias de trabalhadores específicos, uma ou várias das seguintes medidas:

a)

Razões objetivas que justifiquem a renovação dos supramencionados contratos ou relações laborais;

b)

Duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo;

c)

Número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo.

2. Os Estados‑Membros, após consulta dos parceiros sociais, e/ou os parceiros sociais, deverão, sempre que tal seja necessário, definirem que condições os contratos de trabalho ou relações de trabalho a termo deverão ser considerados:

a)

Como sucessivos;

b)

Como celebrados sem termo.»

Diretiva 2003/88

6

O artigo 7.o da Diretiva 2003/88, sob a epígrafe «Férias anuais», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais.

2.   O período mínimo de férias anuais remuneradas não pode ser substituído por retribuição financeira, exceto nos casos de cessação da relação de trabalho.»

Direito italiano

7

O artigo 106.o da Constituição prevê:

«Os magistrados são nomeados por concurso.

A Lei relativa à Organização Judiciária pode admitir a nomeação, incluindo por eleição, de magistrados honorários para todas as funções atribuídas aos juízes singulares.

[…]»

8

O regio decreto n.o 12 — Ordinamento giudiziario (Decreto Real n.o 12, relativo à Organização do Sistema Judiciário), de 30 de janeiro de 1941 (GURI n.o 28, de 4 de fevereiro de 1941), na sua versão aplicável aos factos do processo principal (a seguir «Decreto Real n.o 12»), dispunha, no seu artigo 4.o, n.os 1 e 2:

«1.   O sistema judiciário é constituído pelos auditores [juízes estagiários], juízes de qualquer categoria de tribunais e outros órgãos jurisdicionais, bem como pelos magistrados do Ministério Público.

2.   Pertencem ao sistema judiciário na qualidade de magistrados honorários: os juízes conciliadores, os conciliadores adjuntos, os juízes honorários dos tribunais, os procuradores‑adjuntos, os peritos do tribunal comum e da secção de menores do tribunal de segunda instância e, além disso, os assessores do Tribunal de Cassação e os peritos dos tribunais do trabalho no exercício das suas funções judiciais.»

9

O artigo 42-bis deste decreto previa que «[o]s juízes honorários podem ser afetados aos tribunais comuns».

10

Nos termos do artigo 42-ter do referido decreto:

«Os juízes honorários dos tribunais são nomeados por decreto do ministro da Justiça, em conformidade com a deliberação do Conselho Superior da Magistratura, sob proposta do Conselho Judicial territorialmente competente na composição prevista no artigo 4.o, n.o 1, da [legge n.o 374 — Istituzione del giudice di pace (Lei n.o 374, que institui o Juiz de Paz), de 21 de novembro de 1991 (GURI n.o 278, de 27 de novembro de 1991)]».

11

O artigo 42-quinquies do Decreto Real n.o 12 previa que «a nomeação como juiz honorário dos tribunais tem a duração de três anos» e que «[n]o seu termo, o titular pode ser reconduzido uma única vez». Resulta da decisão de reenvio que uma série de disposições adotadas a partir de 2005 introduziram derrogações à possibilidade de confirmar apenas uma vez os juízes honorários.

12

O artigo 42-sexies deste decreto dispunha:

«O juiz honorário do tribunal cessa as suas funções:

a)

quando atinge a idade de 72 anos;

b)

no termo do prazo para o qual foi nomeado ou confirmado;

[…]»

13

O artigo 42-septies deste decreto previa:

«O juiz honorário dos tribunais está obrigado a cumprir as obrigações estabelecidas para os magistrados de carreira, desde que sejam compatíveis. Ao juiz honorário são devidos, exclusivamente, as compensações e os outros direitos expressamente atribuídos pela lei com referência específica à prestação de serviços honorários.»

14

O artigo 43-bis do mesmo decreto enunciava:

«Os juízes de carreira e honorários prestam, nos tribunais comuns, as funções judiciais que lhes são atribuídas pelo presidente do tribunal ou, se o tribunal for constituído por secções, pelo presidente ou por outro magistrado que presida à secção.

Os juízes honorários do tribunal não podem realizar audiências, exceto nos casos de impedimento ou falta de juízes de carreira.

Na atribuição referida no primeiro parágrafo, deve aplicar‑se o critério que consiste em não confiar aos juízes honorários:

a)

em matéria civil, o tratamento dos processos de medidas provisórias e de ações possessórias, com exceção dos pedidos apresentados no decurso do processo principal ou da ação petitória;

b)

em matéria penal, as funções de juiz responsável pela investigação penal e de juiz da instrução, bem como o tratamento de processos diferentes dos previstos no artigo 550.o do Código de Processo Penal.»

15

O artigo 71.o do Decreto Real n.o 12 dispunha:

«Os magistrados honorários podem ser afetados às procuradorias da República junto dos tribunais comuns, na qualidade de procuradores‑adjuntos, para o exercício das funções indicadas no artigo 72.o e das outras funções que lhes sejam especialmente atribuídas por lei.

Os procuradores‑adjuntos honorários são nomeados segundo as modalidades previstas para a nomeação dos juízes honorários dos tribunais. As disposições dos artigos 42-ter, 42-quater, 42-quinquies e 42-sexies são‑lhes aplicáveis.»

16

O artigo 72.o deste decreto previa:

«Nos processos em que o tribunal decide em formação de juiz singular, as funções do Ministério Público podem ser exercidas, por delegação nominativa do procurador da República junto dos tribunais comuns:

a)

na audiência de alegações, por juízes estagiários, por procuradores‑adjuntos honorários afetos ao serviço competente, por pessoal reformado há pelo menos dois anos e que exerceram, nos cinco anos anteriores, a função de oficial da polícia judiciária, ou por licenciados em Direito inscritos no segundo ano da escola de especialização de dois anos para as profissões jurídicas referida no artigo 16.o do [decreto legislativo n.o 398 — Modifica alla disciplina del concorso per uditore giudiziario e norme sulle scuole di specializzazione per le professioni legali, a norma dell’articolo 17, commi 113 e 114, della legge 15 maggio 1997, n.o 127 (Decreto Legislativo n.o 398, que altera o Regulamento do Concurso dos Juízes Estagiários e o Regulamento das Escolas de Especialização para as Profissões Jurídicas, em conformidade com o artigo 17.o, n.os 113 e 114, da Lei n.o 127), de 15 de maio de 1997 (GURI n.o 269, de 18 de novembro de 1997)];

b)

na audiência de validação da prisão ou detenção, por juízes estagiários que tenham realizado um estágio de pelo menos seis meses e, apenas para efeitos de validação da detenção por julgamento célere, por procuradores‑adjuntos honorários afetos ao serviço competente há, pelo menos, seis meses;

c)

para o pedido de prolação de despacho de condenação, nos termos do artigo 459.o, n.o 1, e do artigo 565.o do Código de Processo Penal, por procuradores‑adjuntos honorários afetos ao serviço competente;

d)

nas audiências à porta fechada, conforme previstas no artigo 127.o do Código de Processo Penal, sob reserva do disposto na alínea b), nos processos de execução para efeitos de intervenção previstos no artigo 655.o, n.o 2, do mesmo código, e nos processos de oposição ao despacho do Ministério Público de liquidação da remuneração de peritos, consultores técnicos e tradutores, nos termos do artigo 11.o da [legge n.o 319 — Compensi spettanti ai periti, ai consulenti tecnici, interpreti e traduttori per le operazioni eseguite a richiesta dell’autorità giudiziaria (Lei n.o 319, relativa às Remunerações devidas aos Peritos, Consultores Técnicos, Intérpretes e Tradutores pelas Operações efetuadas a pedido da Autoridade Judiciária), de 8 de julho de 1980 (GURI n.o 192, de 15 de julho de 1980)], por procuradores‑adjuntos honorários afetos ao serviço competente;

e)

em processos cíveis, por juízes estagiários, procuradores‑adjuntos honorários afetos ao serviço competente ou pelos licenciados em Direito referidos na alínea a).

Em matéria penal, é também aplicado o critério que consiste em não delegar as funções do Ministério Público nos processos relativos a infrações que não sejam aquelas para as quais a ação penal é intentada mediante “citação direta”, em conformidade com as disposições do artigo 550.o do Código de Processo Penal.»

17

Pelo decreto legislativo n.o 116 — Riforma organica della magistratura onoraria e altre disposizioni sui giudici di pace, nonché disciplina transitoria relativa ai magistrati onorari in servizio, a norma della legge 28 aprile 2016, n.o 57 (Decreto Legislativo n.o 116, que aprova, nos termos da Lei n.o 57, de 28 de abril de 2016, a Reforma Orgânica da Magistratura Honorária e Outras Normas sobre os Juízes de Paz, assim como Normas Transitórias sobre os Magistrados Honorários em Funções) (GURI n.o 177, de 31 de julho de 2017, p. 1, a seguir «Decreto Legislativo n.o 116»), o legislador italiano revogou as disposições do Decreto Real n.o 12 que figuram nos n.os 8 a 16 do presente acórdão.

18

O artigo 29.o do Decreto Legislativo n.o 116, com a redação que lhe foi dada pela legge n.o 234 — Bilancio di previsione dello Stato per l’anno finanziario 2022 e bilancio pluriennale per il triennio 2022‑2024 (Lei n.o 234, relativa ao Orçamento do Estado para o Exercício Orçamental de 2022 e ao Orçamento Plurianual 2022‑2024), de 30 de dezembro de 2021 (GURI n.o 310, de 31 de dezembro de 2021, p. 1), prevê:

«1.   Os magistrados honorários em funções à data da entrada em vigor do presente diploma poderão ser confirmados, a seu pedido, até atingirem os setenta anos.

2.   Os magistrados honorários em funções à data da entrada em vigor do presente diploma que não tenham acesso à confirmação, quer por falta de apresentação do respetivo pedido, quer por não terem sido aprovados no procedimento de avaliação previsto no n.o 3, têm direito, sem prejuízo da faculdade de recusa, a uma indemnização igual, respetivamente, a 2500 euros brutos, antes da retenção de imposto, por cada ano de serviço em que o magistrado tenha participado em audiências durante pelo menos oitenta dias, e a 1500 euros brutos, antes da retenção de imposto, por cada ano de serviço prestado em que o magistrado tenha participado em audiências durante menos de oitenta dias, no limite total de 50000 euros, brutos, per capita, antes da retenção de imposto. Para efeitos de cálculo da indemnização devida nos termos do período anterior, o serviço prestado por períodos superiores a seis meses será equiparado a um ano. O recebimento da indemnização implica a renúncia a qualquer direito posterior de qualquer natureza resultante da relação honorária cessada.

3.   Para efeitos da confirmação prevista no n.o 1, o Conselho Superior da Magistratura delibera convocar anualmente três procedimentos de avaliação distintos durante o triénio 2022‑2024. Estes procedimentos destinam‑se aos magistrados honorários em funções que, à data da entrada em vigor do presente diploma, tenham atingido, respetivamente:

a)

mais de 16 anos de serviço;

b)

entre 12 e 16 anos de serviço;

c)

menos de 12 anos de serviço.

[…]

5.   O pedido de participação nos procedimentos de avaliação previstos no n.o 3 implica a renúncia a qualquer posterior pretensão, independentemente da sua natureza, resultante da relação honorária anterior, salvo o direito à indemnização previsto no n.o 2, em caso de não confirmação.

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19

AV, BT, CV e DW são magistrados honorários italianos. Esta categoria de magistrados é constituída por juristas que, além da sua atividade profissional principal, exercem funções jurisdicionais por um período teoricamente limitado e que não são membros do corpo da magistratura. Em particular, os recorrentes no processo principal exercem as funções de procuratore onorario aggiunto (procurador‑adjunto honorário) e de giudice onorario (juiz honorário).

20

Depois de terem exercido as suas funções durante mais de dezasseis anos, estes últimos intentaram uma ação, em 23 de março de 2016, no Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio, Itália), que é o órgão jurisdicional de primeira instância no âmbito do processo principal, pedindo, nomeadamente, que lhes fosse reconhecido o mesmo tratamento económico e jurídico que o aplicável aos magistrados de carreira.

21

Tendo esta ação sido julgada improcedente por sentença deste órgão jurisdicional de 1 de setembro de 2021, os recorrentes no processo principal interpuseram recurso dessa decisão para o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), o órgão jurisdicional de reenvio.

22

O órgão jurisdicional de reenvio salienta, por um lado, que o regime aplicável aos magistrados de carreira não é automaticamente transponível para os magistrados honorários, devido às diferenças, resultantes das disposições pertinentes do Decreto Real n.o 12, que caracterizam as funções, as condições de emprego e o tipo de relação entre esses magistrados e a administração pública.

23

Em especial, a situação dos magistrados honorários distingue‑se da dos magistrados de carreira devido a vários elementos essenciais, a saber, o seu modo de recrutamento, o caráter não exclusivo e não cumulativo da sua atividade jurisdicional, o regime de incompatibilidade das atividades, a duração da relação laboral, os limites da sua atividade jurisdicional, o seu regime de remuneração e de segurança social, bem como a natureza da sua relação com a administração pública.

24

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio salienta, no entanto, que os magistrados honorários efetuam prestações reais e efetivas, que não são puramente marginais nem acessórias, e pelas quais recebem compensações com caráter remuneratório, pelo que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, estão abrangidos pelo conceito de «trabalhador contratado a termo», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, do acordo‑quadro.

25

A este respeito, esse órgão jurisdicional tem dúvidas quanto à compatibilidade com o direito da União do regime aplicável aos magistrados honorários em causa no processo principal, uma vez que, primeiro, esse regime priva esses magistrados da possibilidade de beneficiarem do direito a férias remuneradas e de qualquer forma de proteção social.

26

Segundo, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre a compatibilidade deste regime com o direito da União, uma vez que diferentes atos legislativos nacionais que derrogam o artigo 42-quinquies do Decreto Real n.o 12 permitiram proceder a renovações sucessivas da relação laboral dos magistrados honorários e, assim, a um prolongamento da duração da mesma. Em especial, interroga‑se sobre se os motivos invocados pelo legislador italiano para justificar as sucessivas renovações das relações laborais desses magistrados, a saber, nomeadamente, a necessidade de aguardar a reforma estrutural da magistratura honorária e de assegurar, entretanto, a continuidade da administração da justiça, podem ser qualificados de razões objetivas, na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do acordo‑quadro. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se também sobre a oportunidade de tomar em consideração os efeitos compensatórios favoráveis para os interessados que decorrem das derrogações à regra prevista no artigo 42‑quinquies do Decreto Real n.o 12, uma vez que, graças a essas derrogações, os magistrados honorários foram reconduzidos nas suas funções de modo quase automático.

27

Nestas circunstâncias, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.

Devem o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 e o artigo 4.o do acordo‑quadro […] ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que não prevê, no que respeita aos juízes honorários dos tribunais e aos procuradores‑adjuntos honorários da República, o direito ao pagamento de retribuição durante o período de suspensão da atividade correspondente às férias, nem o direito a segurança social e ao seguro obrigatório contra acidentes e doenças profissionais?

2.

Deve o artigo 5.o do acordo‑quadro […] ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional por força da qual a relação laboral a termo dos juízes honorários, que é qualificável de prestação de serviços e não como uma relação de emprego na Administração Pública e cujo regime prevê um ato inicial de nomeação e uma única renovação posterior, pode ser objeto de várias prorrogações previstas em atos legislativos estatais, sem que haja sanções efetivas e dissuasivas nem a possibilidade de conversão dessa relação em contrato de trabalho por tempo indeterminado na Administração Pública, numa situação de facto que poderia ter produzido efeitos compensatórios favoráveis na esfera jurídica dos destinatários, uma vez que foram reconduzidos nas suas funções mediante prorrogação, de modo, em substância, automático, por um período de tempo subsequente?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à admissibilidade

28

O Governo Italiano afirma que as questões prejudiciais não são admissíveis.

29

No que respeita à primeira questão, este Governo sublinha que o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), na decisão de reenvio, indica que a diferença de tratamento entre os magistrados de carreira e os magistrados honorários, no atinente ao direito a férias remuneradas e a um regime de proteção social e de seguro obrigatório contra acidentes e doenças profissionais, foi eliminada na sequência da entrada em vigor do Decreto Legislativo n.o 116, e que poderão estar reunidas as condições de aplicação analógica deste decreto legislativo às relações objeto do recurso no processo principal.

30

Assim, antes de submeter ao Tribunal de Justiça o seu reenvio prejudicial, esse órgão jurisdicional deveria ter analisado de forma mais aprofundada a possibilidade de aplicar o Decreto Legislativo n.o 116, por analogia, no âmbito do litígio no processo principal. Com efeito, a simples evocação dessa possível aplicabilidade não permite compreender a relação que, segundo o referido órgão jurisdicional, existe entre as disposições de direito da União invocadas e as de direito italiano pertinentes.

31

Quanto à segunda questão, o Governo Italiano considera que a estabilização da relação laboral dos magistrados honorários, resultante da alteração do artigo 29.o do Decreto Legislativo n.o 116, deveria ter sido tomada em consideração pelo órgão jurisdicional de reenvio antes de submeter ao Tribunal de Justiça o presente reenvio prejudicial. Esta estabilização torna a legislação italiana relativa aos magistrados honorários compatível com os artigos 4.o e 5.o do acordo‑quadro, o que confere à segunda questão um caráter hipotético.

32

A este respeito, importa recordar que o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão, como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça, as quais gozam de uma presunção de pertinência. Por conseguinte, desde que a questão submetida tenha por objeto a interpretação ou a validade de uma norma do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se, salvo se for manifesto que a interpretação pedida não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, se o problema for hipotético ou se o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil à referida questão (Acórdão de 27 de abril de 2023, AxFina Hungary, C‑705/21, EU:C:2023:352, n.o 27).

33

Além disso, no âmbito de um processo nos termos do artigo 267.o TFUE, que se baseia numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, o julgador nacional tem competência exclusiva para interpretar e aplicar as disposições de direito nacional, ao passo que o Tribunal de Justiça apenas está habilitado a pronunciar‑se sobre a interpretação ou a validade de um diploma da União, a partir dos factos que lhe são indicados pelo órgão jurisdicional nacional (Acórdão de 27 de abril de 2023, AxFina HungaryC‑705/21, EU:C:2023:352, n.o 28).

34

No caso em apreço, há que constatar que o órgão jurisdicional de reenvio expôs claramente o contexto factual e jurídico em que as questões prejudiciais se inserem, no âmbito de um litígio que não se afigura hipotético ou fictício. Além disso, este último salientou expressamente que o Decreto Legislativo n.o 116 não era aplicável, ratione temporis, ao litígio no processo principal.

35

Por outro lado, em conformidade com a jurisprudência recordada nos n.os 32 e 33 do presente acórdão, não compete ao Tribunal de Justiça decidir se o órgão jurisdicional de reenvio, que expôs os elementos de facto e de direito necessários para responder de forma útil às questões prejudiciais, deveria ter efetuado uma análise mais aprofundada do quadro jurídico nacional, que estabelece sob a sua própria responsabilidade, antes de submeter ao Tribunal de Justiça o presente reenvio prejudicial.

36

Daqui resulta que as questões prejudiciais são admissíveis.

Quanto ao mérito

Quanto à primeira questão

37

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 e o artigo 4.o do acordo‑quadro devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que, diferentemente do que prevê para os magistrados de carreira, exclui, para os magistrados honorários, qualquer direito ao pagamento de uma compensação durante o período de suspensão da atividade correspondente às férias, bem como o direito a um regime de proteção social e de seguro obrigatório contra acidentes e doenças profissionais.

38

Importa recordar que o artigo 4.o, n.o 1, do acordo‑quadro estabelece, no que respeita às condições de emprego, a proibição de os trabalhadores contratados a termo receberem um tratamento menos favorável do que os trabalhadores permanentes numa situação comparável, pelo simples motivo de exercerem uma atividade ao abrigo de um contrato a termo, salvo se razões objetivas justificarem um tratamento diferente [Acórdão de 7 de abril de 2022, Ministero della Giustizia e o. (Estatuto dos juízes de paz italianos), C‑236/20, EU:C:2022:263, n.o 32].

39

Em primeiro lugar, importa salientar que o Tribunal de Justiça já declarou que o conceito de «trabalhador contratado a termo», referido no artigo 2.o, n.o 1, do acordo‑quadro, deve ser interpretado no sentido de que abrange um juiz de paz, nomeado por um período limitado, que, no âmbito das suas funções, efetua prestações reais e efetivas, que não são puramente marginais nem acessórias, e pelas quais recebe compensações de caráter remuneratório [Acórdão de 7 de abril de 2022, Ministero della Giustizia e o. (Estatuto dos juízes de paz italianos), C‑236/20, EU:C:2022:263, n.o 30].

40

Uma vez que resulta da decisão de reenvio que os juízes de paz são magistrados «honorários» pertencentes ao sistema judiciário italiano, esta jurisprudência é também aplicável aos magistrados em causa no processo principal. Assim, estes magistrados podem, em princípio, ser abrangidos pelo conceito de «trabalhador contratado a termo», referido no artigo 2.o, n.o 1, do acordo‑quadro, desde que exerçam prestações reais e efetivas, que não sejam puramente marginais nem acessórias, e pelas quais recebam compensações com caráter remuneratório, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

41

Em segundo lugar, no que diz respeito ao conceito de «condições de emprego», na aceção do artigo 4.o deste acordo‑quadro, o Tribunal de Justiça já observou que essas condições englobam as condições relativas às remunerações e às pensões que dependem da relação laboral, com exclusão das condições relativas às pensões que decorrem de um regime legal de segurança social. O Tribunal de Justiça declarou também que o critério decisivo para determinar se uma medida está abrangida por este conceito é precisamente o do emprego, isto é, a relação laboral estabelecida entre um trabalhador e o seu empregador [v., neste sentido, Acórdãos de 20 de dezembro de 2017, Vega González, C‑158/16, EU:C:2017:1014, n.o 30, e de 7 de abril de 2022, Ministero della Giustizia e o. (Estatuto dos juízes de paz italianos), C‑236/20, EU:C:2022:263, n.o 36].

42

Por conseguinte, um regime de proteção social e de seguro obrigatório contra acidentes e doenças profissionais como o dos magistrados de carreira, embora dependa da relação laboral desses magistrados, pode ser abrangido pelo conceito de «condição de emprego», na aceção do artigo 4.o do acordo‑quadro, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

43

Além disso, no que respeita ao pagamento de uma compensação durante as férias em caso de suspensão da atividade judicial, como aquela de que beneficiam os magistrados de carreira, importa recordar que as «condições de emprego» referidas no artigo 4.o deste mesmo acordo‑quadro englobam o direito a férias anuais remuneradas. [v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2022, Ministero della Giustizia e o. (Estatuto dos juízes de paz italianos), C‑236/20, EU:C:2022:263, n.o 38].

44

Em terceiro lugar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o princípio da não discriminação, do qual o artigo 4.o, n.o 1, do acordo‑quadro constitui uma expressão particular, exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado [Acórdão de 16 de julho de 2020, Governo della Repubblica italiana (Estatuto dos juízes de paz italianos), C‑658/18, EU:C:2020:572, n.o 141].

45

Para apreciar se as pessoas interessadas prestam um trabalho idêntico ou similar na aceção do acordo‑quadro, cumpre averiguar, em conformidade com os seus artigos 3.o, n.o 2, e 4.o, n.o 1, se, atendendo a uma globalidade de fatores, como a natureza do trabalho, as condições de formação e as condições de trabalho, se pode considerar que essas pessoas se encontram numa situação comparável [Acórdão de 16 de julho de 2020, Governo della Repubblica italiana (Estatuto dos juízes de paz italianos), C‑658/18, EU:C:2020:572, n.o 143].

46

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio, por um lado, identifica uma série de diferenças entre os regimes jurídicos e económicos aplicáveis aos magistrados em causa, e sublinha, em especial, as modalidades de nomeação dos magistrados honorários, a duração teoricamente temporária da sua relação laboral, o tipo de processos que esses magistrados podem tratar e a sua remuneração específica.

47

Por outro lado, resulta da decisão de reenvio que os magistrados honorários e os magistrados de carreira têm as mesmas obrigações e responsabilidades e estão sujeitos aos mesmos controlos. Além disso, é facto assente que os magistrados honorários exercem uma atividade jurisdicional.

48

Nestas condições, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para apreciar os factos, determinar se magistrados honorários como os recorrentes no processo principal se encontram numa situação comparável à dos magistrados de carreira [v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2020, Governo della Repubblica italiana (Estatuto dos juízes de paz italianos), C‑658/18, EU:C:2020:572, n.o 148 e jurisprudência referida].

49

A este respeito, há que salientar que a diferença de tratamento entre os magistrados de carreira e os magistrados honorários, invocada pelos recorrentes no processo principal, reside no facto de, em relação aos magistrados de carreira que exercem funções comparáveis às dos magistrados honorários, estes últimos estarem privados de qualquer compensação durante o período de férias e de suspensão das atividades judiciais, bem como do direito a segurança social e ao seguro obrigatório.

50

Se se demonstrar que os magistrados honorários como os recorrentes no processo principal se encontram numa situação comparável à dos magistrados de carreira, há que verificar se existem razões objetivas que justifiquem essa diferença de tratamento.

51

A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, a desigualdade de tratamento constatada deve ser justificada pela existência de elementos precisos e concretos, que caracterizem a condição de emprego em questão, no contexto específico em que se insere e com base em critérios objetivos e transparentes, para verificar se esta desigualdade responde a uma verdadeira necessidade, é apta a alcançar o objetivo prosseguido e é necessária para esse efeito. Os referidos elementos podem resultar, nomeadamente, da natureza particular das tarefas para cuja realização esses contratos a termo foram celebrados e das características inerentes a essas tarefas ou, eventualmente, da prossecução de um objetivo legítimo de política social de um Estado‑Membro [Acórdão de 7 de abril de 2022, Ministero della Giustizia e o. (Estatuto dos juízes de paz italianos), C‑236/20, EU:C:2022:263, n.o 41 e jurisprudência referida].

52

Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, primeiro, que os objetivos prosseguidos pelo legislador italiano e que consistem em refletir as diferenças no exercício da profissão entre um magistrado honorário e um magistrado de carreira podem ser considerados «razões objetivas», na aceção do artigo 4.o, n.os 1 e/ou 4, do acordo‑quadro, desde que correspondam a uma necessidade real, permitam atingir o objetivo prosseguido e sejam necessários para o efeito. Segundo, o Tribunal de Justiça observou que as diferenças entre os processos de recrutamento dos magistrados honorários e dos magistrados de carreira e, nomeadamente, a especial importância dada pela ordem jurídica nacional e, mais especificamente, pelo artigo 106.o, primeiro parágrafo, da Constituição, aos concursos especificamente concebidos para efeitos do recrutamento dos magistrados de carreira, parecem indicar uma natureza particular das tarefas de que estes últimos devem assumir a responsabilidade e um nível diferente das qualificações exigidas para o desempenho dessas tarefas [v., por analogia, Acórdão de 7 de abril de 2022, Ministero della Giustizia e o. (Estatuto dos juízes de paz italianos), C‑236/20, EU:C:2022:263, n.os 45 e 46].

53

Nestas condições, a existência de um concurso inicial especialmente concebido para os magistrados de carreira para efeitos do acesso à magistratura, que não é inerente à nomeação dos magistrados honorários, permite excluir que estes últimos beneficiem integralmente dos direitos dos magistrados de carreira [v., por analogia, Acórdão de 7 de abril de 2022, Ministero della Giustizia e o. (Estatuto dos juízes de paz italianos), C‑236/20, EU:C:2022:263, n.o 47].

54

Todavia, embora certas diferenças de tratamento possam ser justificadas pelas diferenças de qualificações exigidas e pela natureza das tarefas de que os magistrados de carreira devem assumir a responsabilidade, a exclusão de qualquer direito a férias remuneradas e de qualquer forma de proteção social e de segurança social em relação aos magistrados honorários não pode ser admitida à luz do artigo 4.o do acordo‑quadro [v., por analogia, Acórdão de 7 de abril de 2022, Ministero della Giustizia e o. (Estatuto dos juízes de paz italianos), C‑236/20, EU:C:2022:263, n.o 53].

55

No que se refere, em especial, ao direito a férias, importa recordar que, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88, «[o]s Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas».

56

Além disso, resulta dos termos da Diretiva 2003/88 e da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, embora caiba aos Estados‑Membros definir as condições de exercício e de execução do direito a férias anuais remuneradas, estes devem abster‑se de sujeitar a qualquer condição a própria constituição do referido direito, que resulta diretamente desta diretiva [Acórdão de 7 de abril de 2022, Ministero della Giustizia e o. (Estatuto dos juízes de paz italianos), C‑236/20, EU:C:2022:263, n.o 50 e jurisprudência referida].

57

Por fim, há que recordar que, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, do acordo‑quadro, sempre que adequado, será aplicado o princípio pro rata temporis.

58

Nestas condições, sob reserva de verificação por parte do órgão jurisdicional de reenvio, não se afigura que a diferença de tratamento referida no n.o 49 do presente acórdão responda a uma verdadeira necessidade, que seja apta a alcançar o objetivo prosseguido e que seja necessária para esse efeito.

59

Tendo em conta estas considerações, há que responder à primeira questão que o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 e o artigo 4.o do acordo‑quadro devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que, diferentemente do que prevê para os magistrados de carreira, exclui, para os magistrados honorários que se encontrem numa situação comparável, qualquer direito ao pagamento de uma compensação durante o período de suspensão da atividade correspondente a férias, bem como o direito a um regime de proteção social e de seguro obrigatório contra acidentes e doenças profissionais.

Quanto à segunda questão

60

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o do acordo‑quadro deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual a relação laboral dos magistrados honorários pode ser objeto de renovações sucessivas sem que estejam previstas, com vista a limitar o uso abusivo dessas renovações, sanções efetivas e dissuasivas ou a transformação da relação laboral desses magistrados numa relação laboral sem termo.

61

O artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro impõe aos Estados‑Membros, com o fim de evitar a utilização abusiva de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, a adoção efetiva e vinculativa de uma ou várias das medidas que enumera, sempre que o seu direito interno não preveja medidas legislativas equivalentes. As medidas assim enumeradas no n.o 1, alíneas a) a c) deste artigo, que são três, referem‑se, respetivamente, a razões objetivas que justificam a renovação desses contratos ou relações laborais, à duração máxima total desses contratos de trabalho ou relações laborais sucessivos e ao número de renovações dos mesmos (Acórdão de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 à C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 74).

62

É jurisprudência constante que, embora os Estados‑Membros disponham de uma margem de apreciação quanto às medidas de prevenção dos abusos no que respeita a essas renovações, não podem, no entanto, pôr em causa o objetivo ou o efeito útil do acordo‑quadro [v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2022, Ministero della Giustizia e o. (Estatuto dos juízes de paz italianos), C‑236/20, EU:C:2022:263, n.o 58].

63

Em especial, o conceito de «razão objetiva», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do acordo‑quadro, deve ser entendido como visando circunstâncias precisas e concretas que caracterizam uma determinada atividade e, logo, suscetíveis de justificar, nesse contexto específico, a utilização de contratos a termo sucessivos. Essas circunstâncias podem resultar, nomeadamente, da natureza particular das tarefas para a realização das quais esses contratos foram celebrados e das características inerentes a essas tarefas ou, se for caso disso, da prossecução de um objetivo legítimo de política social de um Estado‑Membro (Acórdão de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 87).

64

Neste contexto, a renovação de contratos e de relações laborais a termo para cobrir necessidades que têm, de facto, não um caráter provisório, mas, pelo contrário, permanente e durável, não é justificada na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do acordo‑quadro. Com efeito, essa utilização dos contratos ou relações laborais a termo vai diretamente contra a premissa na qual se funda esse acordo‑quadro, a saber, de que os contratos de trabalho sem termo constituem a forma comum das relações de trabalho, mesmo que os contratos a termo constituam uma característica do emprego em certos setores ou para determinadas ocupações e atividades (Acórdão de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 100 e jurisprudência referida).

65

A observância do disposto no artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do acordo‑quadro exige, portanto, que se verifique concretamente que a renovação de contratos de trabalho a termo sucessivos visa cobrir necessidades provisórias e que uma disposição nacional não é utilizada, de facto, para satisfazer necessidades permanentes e duráveis do empregador em matéria de pessoal (v., neste sentido, Acórdão de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 101 e jurisprudência referida).

66

No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que as derrogações introduzidas pela regulamentação italiana à regra fixada pelo artigo 42-quinquies do Decreto Real n.o 12, segundo a qual o magistrado honorário é nomeado por um período de três anos e a sua relação laboral só pode ser renovada uma vez, permitiram renovar várias vezes a relação laboral dos recorrentes no processo principal. Por outro lado, não resulta das informações de que o Tribunal de Justiça dispõe que essa regulamentação tenha previsto «medidas legais equivalentes», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro, destinadas a evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo ou a possibilidade de transformar a relação laboral dos magistrados honorários como os recorrentes no processo principal numa relação laboral sem termo.

67

Segundo o Governo Italiano, estas derrogações foram introduzidas como «razões objetivas», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do acordo‑quadro, para justificar as renovações das relações laborais dos magistrados honorários. Com efeito, essas renovações eram necessárias, enquanto se aguardava uma reforma estrutural da magistratura honorária, ocorrida apenas em 2021, para garantir a continuidade da administração da justiça.

68

A este respeito, há que salientar que é certo que a continuidade da administração da justiça é suscetível de constituir um objetivo legítimo que pode ser prosseguido pela República Italiana, justificando a renovação de certas relações laborais de magistrados honorários.

69

Todavia, há que recordar que a relação laboral dos recorrentes no processo principal, com entrada ao serviço a partir de 1995, foi renovada várias vezes e que só em 2021, na sequência da revisão do Decreto Legislativo n.o 116, o legislador italiano introduziu um mecanismo que permite a estabilização da relação laboral dos magistrados honorários.

70

Nestas condições, afigura‑se, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que as renovações da relação laboral dos recorrentes em causa no processo principal, atendendo ao seu número, parecem ter sido utilizadas para cobrir necessidades que não têm caráter provisório, devido, por exemplo, a um aumento súbito e imprevisível do contencioso, mas para suprir necessidades permanentes e duradouras do sistema judiciário italiano.

71

Por outro lado, importa recordar que, na falta de qualquer sanção suscetível de evitar e, sendo caso disso, punir a utilização abusiva de sucessivos contratos ou relações laborais a termo, o Tribunal de Justiça, no Acórdão de 7 de abril de 2022, Ministero della Giustizia e o. (Estatuto dos juízes de paz italianos) (C‑236/20, EU:C:2022:263), relativo a uma regulamentação aplicável aos magistrados honorários, embora diferente da que decorre do Decreto Real n.o 12, decidiu que o artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual uma relação laboral a termo pode ser objeto, no máximo, de três renovações sucessivas, cada uma de quatro anos, com uma duração total não superior a dezasseis anos, e que não prevê a possibilidade de punir de modo efetivo e dissuasivo a renovação abusiva de relações de trabalho.

72

Por conseguinte, sob reserva da apreciação das circunstâncias factuais em causa no processo principal, que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, há que considerar que a regulamentação em causa no processo principal não é justificada por uma «razão objetiva», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do acordo‑quadro, que permita evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivas relações laborais a termo.

73

A este respeito, é irrelevante o argumento segundo o qual as renovações das relações laborais dos magistrados honorários em causa no processo principal apresentam efeitos alegadamente positivos, uma vez que tais efeitos não constituem circunstâncias que possam ser qualificadas de «razões objetivas», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do acordo‑quadro, conforme interpretado pela jurisprudência mencionada no n.o 63 do presente acórdão.

74

Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 5.o do acordo‑quadro deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual a relação laboral dos magistrados honorários pode ser objeto de renovações sucessivas sem que estejam previstas, com vista a limitar o uso abusivo dessas renovações, sanções efetivas e dissuasivas ou a transformação da relação laboral desses magistrados numa relação laboral sem termo.

Quanto às despesas

75

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

 

1)

O artigo 7.o da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, e o artigo 4.o do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999, que figura em anexo à Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo,

devem ser interpretados no sentido de que:

se opõem a uma regulamentação nacional que, diferentemente do que prevê para os magistrados de carreira, exclui, para os magistrados honorários que se encontrem numa situação comparável, qualquer direito ao pagamento de uma compensação durante o período de suspensão da atividade correspondente a férias, bem como o direito a um regime de proteção social e de seguro obrigatório contra acidentes e doenças profissionais.

 

2)

O artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999, que figura em anexo à Diretiva 1999/70,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual a relação laboral dos magistrados honorários pode ser objeto de renovações sucessivas sem que estejam previstas, com vista a limitar o uso abusivo dessas renovações, sanções efetivas e dissuasivas ou a transformação da relação laboral desses magistrados numa relação laboral sem termo.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.

( i ) O nome do presente processo é um nome fictício. Não corresponde ao nome verdadeiro de nenhuma das partes no processo.