ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)
25 de abril de 2024 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Segurança social — Regulamento (CE) n.o 883/2004 — Prestações familiares — Artigo 68.o — Regras de prioridade em caso de cumulação de prestações — Obrigação da instituição do Estado‑Membro competente a título subsidiário de transmitir um pedido de prestações familiares à instituição do Estado‑Membro prioritariamente competente — Inexistência de pedido de prestações familiares no Estado‑Membro de residência da criança — Recuperação parcial das prestações familiares pagas no Estado‑Membro de atividade por conta de outrem de um dos progenitores»
No processo C‑36/23,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Finanzgericht Bremen (Tribunal Tributário de Bremen, Alemanha), por Decisão de 19 de janeiro de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 25 de janeiro de 2023, no processo
L
contra
Familienkasse Sachsen der Bundesagentur für Arbeit,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),
composto por: F. Biltgen (relator), presidente de secção, J. Passer e M. L. Arastey Sahún, juízes,
advogado‑geral: J. Richard de la Tour,
secretário: N. Mundhenke, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 22 de novembro de 2023,
vistas as observações apresentadas:
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em representação da Familienkasse Sachsen der Bundesagentur für Arbeit, por M. Gößling, na qualidade de agente, |
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em representação do Governo Alemão, por J. Möller, na qualidade de agente, |
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em representação do Governo Checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes, |
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em representação do Governo Italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por L. Fiandaca, avvocato dello Stato, |
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em representação do Governo Neerlandês, por E. M. M. Besselink e K. Bulterman, na qualidade de agentes, |
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em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna, J. Lachowicz e A. Siwek‑Ślusarek, na qualidade de agentes, |
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em representação do Governo Eslovaco, por E. V. Drugda e S. Ondrášiková, na qualidade de agentes, |
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em representação da Comissão Europeia, por F. Clotuche‑Duvieusart e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes, |
vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 68.o do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1, e retificação no JO 2004, L 200, p. 1). |
2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe L à Familienkasse Sachsen der Bundesagentur für Arbeit (Caixa de Prestações Familiares da Saxónia da Agência Federal para o Emprego, Alemanha) (a seguir «Caixa de Prestações Familiares») a respeito do pedido, apresentado por esta última, do reembolso parcial das prestações de família pagas a L. |
Quadro jurídico
Direito da União
Regulamento n.o 1408/71
3 |
O artigo 76.o do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 1408/71»), previa: «1. Sempre que, durante o mesmo período, para o mesmo membro da família e por motivo do exercício de uma atividade profissional, estejam previstas prestações familiares na legislação do Estado‑Membro em cujo território os membros da família residem, o direito às prestações familiares devidas por força da legislação de outro Estado‑Membro, eventualmente em aplicação dos artigos 73.o e 74.o, é suspenso até ao limite do montante previsto pela legislação do primeiro Estado‑Membro. 2. Se não for apresentado qualquer pedido de prestações no Estado‑Membro em cujo território residem os membros da família, a instituição competente do outro Estado‑Membro pode aplicar o disposto no n.o 1, como se as prestações fossem concedidas no primeiro Estado‑Membro.» |
Regulamento n.o 883/2004
4 |
O considerando 35 do Regulamento n.o 883/2004 enuncia: «A fim de evitar a cumulação injustificada de prestações, é necessário estabelecer regras de prioridade em caso de cumulação de direitos a prestações familiares ao abrigo da legislação do Estado‑Membro competente e ao abrigo da legislação do Estado‑Membro de residência dos familiares.» |
5 |
O artigo 1.o, alíneas a) a c), deste regulamento contém as seguintes definições: «Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:
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6 |
O artigo 11.o, n.o 3, do referido regulamento dispõe: «Sem prejuízo dos artigos 12.o a 16.o:
[…]» |
7 |
O capítulo 8, dedicado às prestações familiares, do título III deste mesmo regulamento, intitulado «Disposições especiais relativas às diferentes categorias de prestações», inclui os seus artigos 67.o a 69.o |
8 |
O artigo 67.o do Regulamento n.o 883/2004, sob a epígrafe «Familiares que residam noutro Estado‑Membro», prevê: «Uma pessoa tem direito às prestações familiares nos termos da legislação do Estado‑Membro competente, incluindo para os seus familiares que residam noutro Estado‑Membro, como se estes últimos residissem no primeiro Estado‑Membro. Todavia, um titular de pensão tem direito às prestações familiares em conformidade com a legislação do Estado‑Membro competente no que respeita à pensão.» |
9 |
Nos termos do artigo 68.o deste regulamento, sob a epígrafe «Regras de prioridade em caso de cumulação»: «1. Quando, em relação ao mesmo período e aos mesmos familiares, estejam previstas prestações nos termos das legislações de mais do que um Estado‑Membro, aplicam‑se as seguintes regras de prioridade:
2. Em caso de cumulação de direitos, as prestações familiares são concedidas em conformidade com a legislação designada como prioritária nos termos do n.o 1. Os direitos a prestações familiares devidas nos termos da ou das outras legislações em causa são suspensos até ao montante previsto na primeira legislação e é concedido um complemento diferencial, se for caso disso, relativamente à parte que excede esse montante. Todavia, esse complemento diferencial pode não ser concedido a descendentes residentes noutro Estado‑Membro caso o direito à prestação em causa seja adquirido com base exclusivamente na residência. 3. Se, ao abrigo do artigo 67.o, for apresentado um requerimento de prestações familiares à instituição competente de um Estado‑Membro cuja legislação é aplicável mas não prioritária nos termos dos n.os 1 e 2 do presente artigo:
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10 |
O artigo 76.o, n.os 4 e 5, do referido regulamento tem a seguinte redação: «4. As instituições e as pessoas abrangidas pelo presente regulamento ficam sujeitas à obrigação de informação e cooperação recíprocas para garantir a correta aplicação do presente regulamento. […] Os interessados devem informar o mais rapidamente possível as instituições do Estado‑Membro competente e do Estado‑Membro de residência sobre qualquer mudança da sua situação pessoal ou familiar que afete o seu direito às prestações nos termos do presente regulamento. 5. O incumprimento da obrigação de informação referida no terceiro parágrafo do n.o 4 pode ser objeto de medidas proporcionadas em conformidade com o direito nacional. No entanto, essas medidas devem ser equivalentes às aplicáveis a situações semelhantes do âmbito da ordem jurídica interna e não devem, na prática, tornar impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos aos interessados pelo presente regulamento.» |
11 |
O artigo 81.o do mesmo regulamento prevê: «Os pedidos, declarações ou recursos que, nos termos da legislação de um Estado‑Membro, devam ser apresentados num determinado prazo a uma autoridade, instituição ou órgão jurisdicional desse Estado‑Membro são admissíveis se forem apresentados no mesmo prazo a uma autoridade, instituição ou órgão jurisdicional correspondente de outro Estado‑Membro. Neste caso, a autoridade, instituição ou órgão jurisdicional ao qual tenha sido submetido o assunto transmite imediatamente aqueles pedidos, declarações ou recursos à autoridade, instituição ou órgão jurisdicional competente do primeiro Estado‑Membro, quer diretamente quer por intermédio das autoridades competentes dos Estados‑Membros em causa. A data em que estes pedidos, declarações ou recursos foram apresentados a uma autoridade, instituição ou órgão jurisdicional do segundo Estado‑Membro é considerada como a data de apresentação à autoridade, instituição ou órgão jurisdicional competente.» |
12 |
O artigo 84.o do Regulamento n.o 883/2004, sob a epígrafe «Cobrança de contribuições e restituição de prestações», tem a seguinte redação: «1. A cobrança das contribuições devidas a uma instituição de um Estado‑Membro, assim como a restituição de prestações concedidas indevidamente pela instituição de um Estado‑Membro, podem ser efetuadas noutro Estado‑Membro, de acordo com os procedimentos e com as garantias e privilégios aplicáveis à cobrança das contribuições devidas à instituição correspondente deste último Estado‑Membro e à restituição de prestações concedidas indevidamente por essa instituição. 2. As decisões executórias das instâncias judiciais e das autoridades administrativas relativas à cobrança de contribuições, de juros e de quaisquer outras despesas ou à restituição de prestações concedidas indevidamente nos termos da legislação de um Estado‑Membro são reconhecidas e executadas a pedido da instituição competente noutro Estado‑Membro, dentro dos limites e segundo os procedimentos estabelecidos na legislação e quaisquer outros procedimentos aplicáveis a decisões semelhantes deste último Estado‑Membro. Essas decisões são declaradas executórias nesse Estado‑Membro na medida em que a legislação e quaisquer outros procedimentos do referido Estado‑Membro assim o exijam. […]» |
Regulamento (CE) n.o 987/2009
13 |
O artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 987/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.o 883/2004 relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2009, L 284, p. 1), dispõe: «As pessoas abrangidas pelo [Regulamento n.o 883/2004] devem comunicar à instituição competente as informações, documentos ou comprovativos necessários para a definição da sua situação ou da situação da sua família e respetivos direitos e obrigações, à manutenção destes direitos e obrigações, bem como à determinação da legislação aplicável e das obrigações em relação a esta legislação.» |
14 |
O artigo 60.o deste regulamento prevê: «1. O requerimento de prestações familiares deve ser apresentado à instituição competente. Para efeitos de aplicação dos artigos 67.o e 68.o do [Regulamento n.o 883/2004], deve ser tida em conta a situação da família inteira, em especial no que diz respeito ao direito a requerer as prestações, como se todos os seus membros estivessem sujeitos à legislação do Estado‑Membro em causa e residissem no seu território. Caso uma pessoa com direito a requerer as prestações não exerça esse direito, a instituição competente do Estado‑Membro cuja legislação é aplicável tem em conta o requerimento de prestações familiares apresentado pelo outro progenitor ou equiparado ou pela pessoa ou instituição a quem tenha sido confiada a guarda dos descendentes. 2. A instituição a que é apresentado um requerimento nos termos do n.o 1 examina esse requerimento com base nas informações pormenorizadas apresentadas pelo requerente, tendo em conta os elementos de facto e de direito que caracterizam a situação da família do requerente. Se a instituição concluir que a legislação do seu Estado‑Membro é prioritariamente aplicável nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 68.o do [Regulamento n.o 883/2004], concede as prestações familiares nos termos da legislação por si aplicada. Se a instituição considerar que pode haver direito a um complemento diferencial por força da legislação de outro Estado‑Membro, nos termos do n.o 2 do artigo 68.o do [Regulamento n.o 883/2004], transmite de imediato o requerimento à instituição competente do outro Estado‑Membro e informa o interessado; além disso, informa a instituição do outro Estado‑Membro da sua decisão sobre o requerimento e do montante das prestações familiares pagas. 3. Se a instituição à qual é apresentado o pedido concluir que a sua legislação é aplicável, embora não prioritariamente de acordo com o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 68.o do [Regulamento n.o 883/2004], deve tomar sem demora uma decisão provisória sobre as regras de prioridade aplicáveis e transmitir o pedido, nos termos do n.o 3 do artigo 68.o do [Regulamento n.o 883/2004], à instituição do outro Estado‑Membro, informando também o requerente. Essa instituição dispõe de dois meses para tomar posição sobre a decisão provisória. Se a instituição à qual foi apresentado o pedido não tomar uma posição no prazo de dois meses a contar da receção do mesmo, a decisão provisória acima referida deve aplicar‑se e a instituição deve pagar as prestações previstas na sua legislação e informar a instituição à qual o pedido foi apresentado do montante das prestações pagas. […] 5. A instituição que tiver procedido a título provisório ao pagamento de prestações cujo montante exceda o montante final a seu cargo pode dirigir‑se à instituição prioritária para a cobrança do montante pago em excesso seguindo o procedimento previsto no artigo 73.o do regulamento de aplicação.» |
Direito alemão
15 |
O § 31, terceira frase, da Einkommensteuergesetz (Lei do Imposto sobre o Rendimento), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «EStG»), prevê: «Durante o ano civil em curso, as prestações familiares são pagas mensalmente sob a forma de reembolso do imposto.» |
16 |
O § 32, n.os 1 e 3, da EStG tem a seguinte redação: «(1) Entende‑se por filhos: 1. as crianças ligadas ao contribuinte em primeiro grau, […] (3) Um filho é tomado em consideração a partir do mês civil em que nasceu com vida e por cada mês civil seguinte em que não tenha completado a idade de 18 anos.» |
17 |
O § 62, n.o 1, da EStG dispõe: «No que se refere aos menores na aceção do § 63, tem direito às prestações familiares, nos termos da presente lei, toda a pessoa: 1. que tenha o seu domicílio ou a sua residência habitual no território nacional ou 2. que, não tendo o seu domicílio ou residência habitual no território nacional,
[…]» |
18 |
Nos termos do § 63, n.o 1, da EStG: «1 Entende‑se por filhos: 1. os filhos na aceção do § 32, n.o 1, […] 2 o § 32, n.os 3 a 5, aplica‑se por analogia. […]» |
19 |
O § 70, n.o 2, da EStG prevê: «1 Na medida em que ocorram alterações nas circunstâncias relevantes para o direito às prestações familiares, a concessão das prestações familiares deve ser anulada ou alterada com efeitos a partir da data da alteração das circunstâncias. […]» |
20 |
O § 37 do Abgabenordnung (Código Tributário), na versão aplicável ao litígio no processo principal, dispõe: «(1) Os direitos decorrentes da sujeição ao imposto são a exigibilidade do imposto, o reembolso de imposto, a cobrança do imposto junto daquele a quem o pagamento foi efetuado, as prestações acessórias, o direito ao reembolso previsto no n.o 2, bem como o direito à restituição do imposto previsto em leis fiscais especiais. (2) 1 Se um imposto, um reembolso de imposto devido por aquele a quem o pagamento tenha sido efetuado ou uma prestação fiscal acessória forem pagos ou reembolsados sem justificação legal, aquele por conta do qual o pagamento foi efetuado ou reembolsado tem o direito de exigir ao beneficiário do pagamento o reembolso do montante pago ou reembolsado. 2 O mesmo se aplica se o fundamento jurídico para o pagamento ou o reembolso deixar posteriormente de existir.» |
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
21 |
O recorrente no processo principal é um nacional polaco que exerce há vários anos uma atividade por conta de outrem na Alemanha. A sua mulher vive na Polónia com o filho comum, nascido em 2008. |
22 |
Em 2016, o recorrente no processo principal apresentou um pedido com vista à obtenção de prestações familiares na Alemanha, comprovando a sua atividade por conta de outrem na Alemanha e a falta de atividade profissional exercida pela sua mulher na Polónia. A Caixa de Prestações Familiares deferiu esse pedido com o fundamento de que a legislação alemã que confere direito às prestações familiares ser prioritariamente aplicável em relação ao período de atividade por conta de outrem do recorrente no processo principal. |
23 |
Em 2019, no âmbito de um procedimento de fiscalização do direito às prestações familiares, a Caixa de Prestações Familiares enviou ao recorrente no processo principal um questionário para confirmar os dados fornecidos e solicitou às autoridades competentes polacas informações sobre a existência de uma eventual atividade profissional da mulher do recorrente no processo principal e de um direito às prestações familiares polacas. |
24 |
As referidas autoridades responderam que esta última exercia uma atividade profissional desde 2006 e contribuía para o regime de segurança social agrícola polaco, mas que não recebia prestações familiares polacas. Embora, após uma alteração legislativa ocorrida na Polónia durante o ano de 2019, fosse doravante possível receber as denominadas prestações «família 500 +» sem prova de rendimentos, a mulher do recorrente no processo principal declarou, todavia, que não pretendia apresentar um pedido nesse sentido. |
25 |
Na sequência desta resposta, a Caixa de Prestações Familiares, em aplicação do § 70, n.o 2, da EStG, anulou, a partir de outubro de 2020, a concessão das prestações familiares alemães até ao montante das prestações familiares legalmente previstas na Polónia. |
26 |
Por outro lado, a Caixa de Prestações Familiares, através de um «pedido de decisão em matéria de competência», solicitou às autoridades competentes polacas que examinassem o direito a prestações familiares a partir de julho de 2019. Essas autoridades responderam, nomeadamente, que a mulher do recorrente no processo principal não tinha recebido nenhuma prestação desse tipo desde 1 de julho de 2019 e que não pretendia apresentar um pedido para receber tais prestações. |
27 |
Por Decisão de 6 de janeiro de 2021, a Caixa de Prestações Familiares anulou a concessão das prestações familiares para o período compreendido entre julho de 2019 e setembro de 2020 até ao montante das prestações familiares legalmente previstas na Polónia e pediu ao recorrente no processo principal o reembolso do excesso das prestações familiares, a saber, o montante de 1674,60 euros correspondente ao pagamento dessas prestações durante o referido período. |
28 |
Na sequência do indeferimento do seu pedido de alteração dessa decisão, o recorrente no processo principal interpôs recurso para o Finanzgericht Bremen (Tribunal Tributário de Bremen, Alemanha), o órgão jurisdicional de reenvio. |
29 |
Em apoio do seu recurso, o recorrente no processo principal afirma que a sua mulher não exerce uma atividade profissional, uma vez que a quinta agrícola que herdou dos seus pais não é explorada. O seguro no regime de segurança social agrícola polaco, para o qual paga contribuições, foi subscrito devido à propriedade dessa quinta e não pressupõe o exercício de uma atividade agrícola independente. Além disso, durante o período mencionado no n.o 27 do presente acórdão, a sua mulher não pediu nem recebeu prestações familiares na Polónia. |
30 |
A Caixa de Prestações Familiares sustenta, designadamente, que a mulher do recorrente no processo principal tem direito às denominadas prestações «família 500 +», cuja concessão não está subordinada, desde julho de 2019, à obtenção de rendimentos. Além disso, como resulta das informações obtidas junto das autoridades competentes polacas, deve considerar‑se que a referida mulher exerce uma atividade profissional na Polónia. Resulta do artigo 68.o, n.o 1, alínea b), i), do Regulamento n.o 883/2004 que as prestações familiares são devidas a título prioritário nesse Estado‑Membro, uma vez que o filho do recorrente no processo principal e a sua mulher aí residem. |
31 |
O órgão jurisdicional de reenvio considera que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, relativa ao Regulamento n.o 1408/71 que foi revogado pelo Regulamento n.o 883/2004, e em especial do Acórdão de 14 de outubro de 2010, Schwemmer (C‑16/09, EU:C:2010:605), que a suspensão de um direito às prestações familiares devido à existência desse direito noutro Estado‑Membro só é possível se as prestações familiares forem efetivamente pagas por esse outro Estado‑Membro e se, na falta desse pagamento, for irrelevante que o não pagamento seja unicamente devido ao facto de não ter sido apresentado um pedido nesse sentido. |
32 |
Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, tratando‑se de situações existentes ao abrigo do Regulamento n.o 883/2004, o Bundesfinanzhof (Supremo Tribunal Tributário Federal, Alemanha) considerou que, por força da ficção instituída no artigo 68.o, n.o 3, alínea b), e no artigo 81.o deste regulamento, o pedido de prestações familiares apresentado no Estado‑Membro cuja legislação não é aplicável prioritariamente é igualmente considerado um pedido de prestações familiares apresentado, na mesma data, no Estado‑Membro cuja legislação é prioritariamente aplicável, o que permitiria considerar que o requisito formal de aquisição do direito, no âmbito de um pedido neste último Estado, está preenchido. Segundo o Bundesfinanzhof (Supremo Tribunal Tributário Federal), é esse o caso mesmo que o primeiro Estado não tenha conhecimento da existência de um elemento de estraneidade, por não ter sido informado do facto pelo requerente, e não transmita, deste modo, o referido pedido ao segundo Estado‑Membro. Daqui resulta que só quando, no Estado‑Membro cuja legislação é prioritariamente aplicável, os requisitos materiais de um direito não estão preenchidos, nomeadamente por ter sido ultrapassado o limite de idade ou os limites de rendimentos, é que as disposições do artigo 68.o deste regulamento não se aplicam. |
33 |
O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que o Regulamento n.o 883/2004 tem por objetivo, como resulta do seu considerando 35, evitar cumulações injustificadas de prestações em caso de cumulação de direitos a prestações familiares ao abrigo das legislações de vários Estados‑Membros, pelo que as regras de prioridade referidas no artigo 68.o deste regulamento não devem, em princípio, ter por efeito conceder ao titular prestações inferiores às que lhe seriam pagas se essas regras de prioridade não fossem aplicadas. |
34 |
Quanto ao n.o 3 do artigo 68.o do referido regulamento, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a equiparação dos pedidos, conforme descritos no n.o 32 do presente acórdão, nele prevista e que tende a simplificar o processo para o titular, não tem incidência no facto de os prazos de apresentação dos pedidos de concessão de prestações familiares e a possibilidade de concessão retroativa de tais prestações continuarem a regular‑se pelas legislações nacionais e que, consequentemente, a apresentação desse pedido anual e prévio é exigida na Polónia. Além disso, o procedimento referido na alínea a) deste n.o 3 apenas diz respeito à situação em que deve ser tomada uma decisão sobre um pedido de concessão de prestações familiares que ainda não foi tratado. |
35 |
No entanto, se não for esse o caso e as regras de prioridade previstas no artigo 68.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004 forem aplicáveis numa situação como a que está em causa no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se há que determinar a prioridade entre os Estados‑Membros em causa com base nos requisitos de aquisição dos direitos previstos no direito nacional ou com base nos critérios previstos nos artigos 11.o a 16.o deste regulamento. No que diz respeito a esta segunda hipótese, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se se deve presumir que uma pessoa exerce uma atividade por conta de outrem ou por conta própria num Estado‑Membro quando as autoridades competentes desse Estado‑Membro o comprovem, não obstante a afirmação em contrário da referida pessoa. |
36 |
Nestas circunstâncias, o Finanzgericht Bremen (Tribunal Tributário de Bremen) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
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Quanto às questões prejudiciais
Quanto à primeira questão
37 |
Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se o artigo 68.o do Regulamento n.o 883/2004, que fixa as regras de prioridade em caso de cumulação de prestações familiares, deve ser interpretado no sentido de que permite à instituição de um Estado‑Membro, cuja legislação não é prioritária segundo os critérios referidos no n.o 1 deste artigo, reclamar ao interessado o reembolso parcial das referidas prestações pagas nesse Estado‑Membro, devido à existência de um direito a essas prestações previsto na legislação de outro Estado‑Membro aplicável prioritariamente, mesmo que não tenha sido fixada nem paga nenhuma prestação familiar nesse outro Estado‑Membro. |
38 |
A título preliminar, importa recordar que um trabalhador que, como o recorrente no processo principal, trabalha num Estado‑Membro e cuja família vive no território de outro Estado‑Membro, é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 67.o do Regulamento n.o 883/2004. |
39 |
O artigo 67.o do Regulamento n.o 883/2004 institui o princípio por força do qual uma pessoa pode requerer prestações familiares para os membros da sua família que residam num Estado‑Membro diferente daquele que é competente para pagar essas prestações, como se estes residissem neste último Estado‑Membro. Assim, este artigo visa facilitar aos trabalhadores migrantes o recebimento das prestações familiares no Estado‑Membro em que estão empregados, quando a sua família não se tenha deslocado com eles (v., neste sentido, Acórdão de 18 de setembro de 2019, Moser,C‑32/18, EU:C:2019:752, n.os 35 e 36 e jurisprudência referida). |
40 |
Ora, este princípio da equiparação não é absoluto, no sentido de que, quando são devidos vários direitos por força de diferentes legislações, devem aplicar‑se as regras de não cumulação previstas no artigo 68.o do Regulamento n.o 883/2004 [v., neste sentido, Acórdão de 13 de outubro de 2022, DN (Recuperação de prestações familiares), C‑199/21, EU:C:2022:789, n.o 33 e jurisprudência referida]. |
41 |
Como resulta do considerando 35 do Regulamento n.o 883/2004, o objetivo destas regras consiste em evitar as cumulações injustificadas de prestações em caso de cumulação de direitos a prestações familiares. |
42 |
Assim, a alínea a) do n.o 1 do artigo 68.o do Regulamento n.o 883/2004 determina as regras de prioridade quando as prestações são devidas por mais do que um Estado‑Membro a diversos títulos, enquanto a alínea b) deste número enuncia a ordem de prioridade relativamente a prestações devidas a um mesmo título. Nos termos do n.o 2 deste artigo, em caso de cumulação de direitos, as prestações familiares são concedidas em conformidade com a legislação designada como prioritária segundo o n.o 1 do referido artigo, sendo os direitos a prestações familiares devidos nos termos das outras legislações suspensos até ao montante previsto na primeira legislação e concedido um complemento diferencial, se for caso disso, relativamente à parte que excede esse montante. |
43 |
Quanto à aplicabilidade destas regras de prioridade, importa recordar que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que se possa considerar que essa situação de cumulação se verifica num determinado caso, não basta que sejam devidas prestações no Estado‑Membro de residência da criança em causa e sejam, em paralelo, apenas suscetíveis de ser pagas noutro Estado‑Membro. É ainda necessário que o interessado preencha todos os requisitos, tanto formais como materiais, impostos pela legislação do referido Estado para poder exercer esse direito, entre os quais pode figurar, se for caso disso, o requisito de ter sido apresentado um pedido prévio [v., neste sentido, Acórdãos de 14 de outubro de 2010, Schwemmer,C‑16/09, EU:C:2010:605, n.os 52 e 53, e de 13 de outubro de 2022, DN (Recuperação de prestações familiares), C‑199/21, EU:C:2022:789, n.os 34 e 35 e jurisprudência referida]. |
44 |
Esta jurisprudência, que diz respeito às regras de prioridade previstas no artigo 76.o do Regulamento n.o 1408/71, não foi posta em causa pela introdução do mecanismo previsto no n.o 3 do artigo 68.o do Regulamento n.o 883/2004. |
45 |
A este respeito, resulta da alínea a) do n.o 3 do artigo 68.o do Regulamento n.o 883/2004 que a instituição competente de um Estado‑Membro à qual é apresentado um pedido de prestações familiares, mas cuja legislação não é aplicável prioritariamente nos termos dos n.os 1 e 2 do mesmo artigo, envia de imediato o requerimento à instituição competente do Estado‑Membro cuja legislação seja prioritariamente aplicável, informa do facto o interessado e, sem prejuízo das disposições do artigo 60.o do Regulamento n.o 987/2009 relativas à concessão provisória de prestações, concede, se necessário, o complemento diferencial referido no n.o 2. |
46 |
Quanto a este último artigo, que, devido à sua remissão para os artigos 67.o e 68.o do Regulamento n.o 883/2004, deve ser examinado em relação a eles (v., neste sentido, Acórdão de 18 de setembro de 2019, Moser,C‑32/18, EU:C:2019:752, n.o 34), há que constatar que dispõe, no seu n.o 3, primeiro parágrafo, que a instituição à qual é apresentado um pedido de concessão de prestações familiares, que conclui que a sua legislação não tem prioridade, toma uma decisão provisória sobre as regras de prioridade aplicáveis e transmite esse pedido à instituição do outro Estado‑Membro, informando também o requerente dessa transmissão. O segundo parágrafo deste mesmo número especifica que, se a instituição à qual foi apresentado o pedido não tomar uma posição no prazo de dois meses a contar da sua receção, deve aplicar‑se a decisão provisória tomada pela instituição a quem o pedido foi apresentado em primeiro lugar, e esta última deve pagar as prestações previstas na sua legislação. |
47 |
Assim, resulta claramente da redação do artigo 60.o do Regulamento n.o 987/2009 que a instituição de um Estado‑Membro à qual tenha sido apresentado um pedido de concessão de prestações familiares, que conclua que a sua legislação não é prioritária, é obrigada, em caso de não tomada de posição pela instituição considerada competente a título prioritário, a pagar as prestações previstas ao abrigo dessa legislação. |
48 |
Por conseguinte, nesse caso, a referida instituição não pode suspender o pagamento das referidas prestações familiares até ao montante eventualmente previsto pela legislação considerada prioritária e pagá‑las sob a forma de complemento diferencial para a parte que excede esse montante. |
49 |
Esta interpretação é, aliás, confirmada pelo artigo 60.o, n.o 5, do Regulamento n.o 987/2009, que prevê que, quando uma instituição tiver procedido ao pagamento de prestações a título provisório num montante que exceda o montante final a seu cargo, pode dirigir‑se à instituição prioritária para a cobrança do montante pago em excesso. |
50 |
Além disso, o artigo 68.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 883/2004 prevê que a instituição competente cuja legislação seja prioritariamente aplicável trata o requerimento como se este lhe tivesse sido diretamente apresentado, devendo a data em que o requerimento foi apresentado à primeira instituição ser considerada como a data de apresentação do requerimento à instituição prioritária. |
51 |
As disposições do artigo 68.o, n.o 3, do Regulamento n.o 883/2004 são completadas pelas do artigo 81.o deste regulamento, nos termos das quais a apresentação de um pedido a uma autoridade, instituição ou tribunal de um Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro chamado a conceder a prestação tem os mesmos efeitos que teria se esse pedido tivesse sido diretamente apresentado à autoridade competente deste último Estado‑Membro e a data em que esse pedido foi apresentado no primeiro Estado‑Membro seja considerada como a data de apresentação à autoridade, instituição ou órgão jurisdicional competente para dele conhecer. |
52 |
Estas disposições visam facilitar a circulação dos trabalhadores migrantes, simplificando as suas diligências, de um ponto de vista administrativo, dada a complexidade dos procedimentos administrativos existentes nos diferentes Estados‑Membros, e evitar que, por razões puramente formais, os interessados sejam privados dos seus direitos (v., neste sentido, Acórdão de 29 de setembro de 2022, Chief Appeals Officer e o., C‑3/21, EU:C:2022:737, n.o 26). |
53 |
Assim, uma vez que se presume que um pedido apresentado pelo interessado é transmitido de forma automática à autoridade competente do Estado‑Membro cuja legislação é prioritariamente aplicável e que, devido à ficção de que a data de apresentação do pedido a uma autoridade competente deve ser considerada como a data de apresentação à autoridade chamada a dele conhecer prioritariamente, o requisito mencionado no n.o 43 do presente acórdão, de ter sido apresentado um pedido prévio, já não é, em princípio, necessário para apreciar a existência de uma situação de cumulação de prestações com vista à aplicação das regras de prioridade. |
54 |
Não é menos verdade que todos os outros requisitos formais e materiais impostos pela legislação do Estado‑Membro prioritariamente competente devem ser cumpridos, uma vez que há que fazer uma distinção entre a apresentação de um pedido de prestações familiares e o direito a receber essas prestações [v., neste sentido, Acórdãos de 22 de outubro de 2015, Trapkowski,C‑378/14, EU:C:2015:720, n.o 46, e de 13 de outubro de 2022, DN (Recuperação de prestações familiares), C‑199/21, EU:C:2022:789, n.o 42]. |
55 |
A este respeito, importa recordar que os Estados‑Membros continuam a ser competentes para organizar os seus sistemas de segurança social e que cabe à legislação de cada Estado‑Membro determinar os requisitos de concessão das prestações de segurança social, o montante e a duração da concessão destas, bem como os prazos para apresentar os pedidos com vista à obtenção dessas prestações (Acórdão de 29 de setembro de 2022, Chief Appeals Officer e o., C‑3/21, EU:C:2022:737, n.o 39 e jurisprudência referida). |
56 |
Além disso, decorre da redação do artigo 1.o, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 883/2004, que define uma atividade por conta de outrem ou por conta própria como uma atividade ou uma situação equiparada, considerada como tal para efeitos da legislação de segurança social do Estado‑Membro em que essa atividade é exercida ou em que a situação equiparada se verifica, que a apreciação da questão de saber se uma pessoa exerce essa atividade, na aceção do artigo 68.o deste regulamento, incumbe à instituição competente do Estado‑Membro em que essa atividade é exercida. |
57 |
Com efeito, uma vez que a decisão relativa à concessão de prestações familiares depende da interpretação e da aplicação da legislação do Estado‑Membro em causa, a instituição de outro Estado‑Membro não está em condições de apreciar se estão preenchidos todos os requisitos. Por conseguinte, esta instituição deve limitar‑se a constatar se a instituição competente de outro Estado‑Membro concedeu efetivamente prestações familiares ao interessado ou se recusou a sua concessão ao beneficiário (v., neste sentido, Acórdão de 3 de fevereiro de 1983, Robards,149/82, EU:C:1983:26, n.o 11). |
58 |
No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que, no momento da apresentação do pedido inicial de prestações familiares na Alemanha, este Estado‑Membro deferiu o pedido ao abrigo da sua competência enquanto Estado‑Membro prioritário sem desencadear o mecanismo do artigo 60.o, n.o 3, do Regulamento n.o 987/2009. |
59 |
Só numa verificação posterior, devido a uma alteração da legislação aplicável na Polónia, é que a República Federal da Alemanha considerou que a sua legislação já não era prioritária, na aceção do artigo 68.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 883/2004, e disso informou tanto o beneficiário das prestações familiares como a instituição polaca competente, sendo esta última, em conformidade com o mecanismo introduzido pelo artigo 68.o, n.o 3, deste regulamento, chamada a tratar o pedido como se este lhe tivesse sido diretamente apresentado e à data da sua apresentação junto da instituição competente alemã. |
60 |
A este respeito, importa especificar que o conceito de «pedido», que não pode ser equiparado ao facto de receber uma prestação periódica das autoridades de um Estado‑Membro, exige uma diligência administrativa da parte do interessado (v., neste sentido, Acórdão de 29 de setembro de 2022, Chief Appeals Officer e o., C‑3/21, EU:C:2022:737, n.o 31), tal como a do recorrente no processo principal, que respondeu ao questionário enviado no âmbito de um procedimento de fiscalização do direito às prestações familiares para confirmar os dados fornecidos. |
61 |
Na hipótese de todos os outros requisitos formais e materiais previstos na legislação polaca para a concessão das prestações familiares estarem preenchidos, a República da Polónia não pode invocar argumentos de puro formalismo relacionados com esse pedido para recusar a concessão das prestações familiares. Tanto assim é quanto as razões pelas quais uma pessoa recusa ou não pretende apresentar um pedido formal não têm nenhuma incidência na resposta dada pelo Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de 14 de outubro de 2010, Schwemmer,C‑16/09, EU:C:2010:605, n.o 54). |
62 |
Nestas condições, quando a instituição polaca, competente a título prioritário, não procede ao pagamento das prestações familiares em causa no processo principal e se abstém de tomar posição sobre o pedido de transmissão, é certo que a instituição alemã, enquanto primeira instituição chamada a pronunciar‑se, deverá pagar as prestações previstas na sua legislação, mas poderá reclamar em seguida junto da instituição competente polaca o reembolso do montante das prestações familiares que excede aquele que lhe incumbe em aplicação das disposições do Regulamento n.o 883/2004. |
63 |
Como o Tribunal de Justiça já declarou, em conformidade com as disposições do artigo 68.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004 e do artigo 60.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 987/2009, a instituição do Estado‑Membro prioritariamente competente e a instituição do Estado‑Membro competente a título subsidiário estão mutuamente vinculadas e cabe a estas duas instituições tratar conjuntamente o pedido apresentado pelo requerente de prestações familiares junto de uma delas [v., neste sentido, Acórdão de 25 de novembro de 2021, Finanzamt Österreich (Abonos de família para cooperante), C‑372/20, EU:C:2021:962, n.o 66]. |
64 |
Além disso, decorre do princípio da cooperação leal, conforme concretizado no artigo 60.o, n.o 5, do Regulamento n.o 987/2009, bem como do artigo 84.o do Regulamento n.o 883/2004, que um Estado‑Membro pode exigir a outro Estado‑Membro o reembolso do excedente da prestação familiar, incluindo em relação ao passado, desde que os requisitos formais e materiais previstos na regulamentação do segundo Estado‑Membro se considerem preenchidos em relação ao passado. |
65 |
Qualquer outra interpretação, que consista em censurar uma falta de colaboração a uma das instituições competentes quanto ao montante das prestações familiares a pagar ao beneficiário ou que obrigue este último a proceder ao reembolso de montantes pagos por uma instituição mas cujo pagamento não incumbia a esta, contrariaria claramente o objetivo das regras de não cumulação, que visam garantir ao beneficiário de prestações pagas por vários Estados‑Membros um montante total das prestações idênticas ao montante da prestação mais favorável que lhe é devida por força da legislação de apenas um desses Estados (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de outubro de 2010, Schwemmer,C‑16/09, EU:C:2010:605, n.o 58 e jurisprudência referida, e de 18 de setembro de 2019, Moser,C‑32/18, EU:C:2019:752, n.o 42 e jurisprudência referida). |
66 |
Neste contexto, importa recordar que, nos termos do artigo 76.o, n.o 4, do Regulamento n.o 883/2004, embora as autoridades referidas neste regulamento devam responder a todos os pedidos num prazo razoável e comunicar aos interessados qualquer informação necessária para o exercício dos direitos que lhes são conferidos pelo regulamento, estas pessoas devem, por sua vez, informar o mais rapidamente possível as instituições do Estado‑Membro competente e do Estado‑Membro de residência sobre qualquer mudança da sua situação pessoal ou familiar que afete o seu direito às prestações previstas nos termos deste regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 29 de setembro de 2022, Chief Appeals Officer e o., C‑3/21, EU:C:2022:737, n.o 34). |
67 |
No caso em apreço, na hipótese de se considerar que a declaração do recorrente no processo principal, segundo a qual a sua mulher não trabalha na Polónia, não corresponde à realidade, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, a reparação desse incumprimento da obrigação de informação não se encontra, todavia, na recuperação das prestações ao abrigo do artigo 68.o do Regulamento n.o 883/2004, mas na aplicação de medidas proporcionadas previstas pelo direito nacional que, em conformidade com o artigo 76.o, n.o 5, deste regulamento, devem, além disso, respeitar os princípios da equivalência e da efetividade (v., neste sentido, Acórdão de 29 de setembro de 2022, Chief Appeals Officer e o., C‑3/21, EU:C:2022:737, n.o 43). |
68 |
À luz das considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 68.o do Regulamento n.o 883/2004, que fixa as regras de prioridade em caso de cumulação de prestações familiares, deve ser interpretado no sentido de que, embora não permita à instituição de um Estado‑Membro cuja legislação não é prioritária segundo os critérios previstos no n.o 1 deste artigo, reclamar ao interessado o reembolso parcial dessas prestações pagas nesse Estado‑Membro, devido à existência de um direito a essas prestações previsto na legislação de outro Estado‑Membro aplicável prioritariamente, uma vez que não foi fixada nem paga nenhuma prestação familiar nesse outro Estado‑Membro, permite, todavia, que esta instituição reclame à instituição prioritariamente competente o reembolso do montante das prestações que excede aquele que lhe incumbe em aplicação das disposições do referido regulamento. |
Quanto à segunda e terceira questões
69 |
Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda e terceira questões. |
Quanto às despesas
70 |
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara: |
O artigo 68.o do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social, que fixa as regras de prioridade em caso de cumulação de prestações familiares, |
deve ser interpretado no sentido de que: |
embora não permita à instituição de um Estado‑Membro cuja legislação não é prioritária segundo os critérios previstos no n.o 1 deste artigo, reclamar ao interessado o reembolso parcial dessas prestações pagas nesse Estado‑Membro, devido à existência de um direito a essas prestações previsto na legislação de outro Estado‑Membro aplicável prioritariamente, uma vez que não foi fixada nem paga nenhuma prestação familiar nesse outro Estado‑Membro, permite, todavia, que esta instituição reclame à instituição prioritariamente competente o reembolso do montante das prestações que excede aquele que lhe incumbe em aplicação das disposições do referido regulamento. |
Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: alemão.