CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

LAILA MEDINA

apresentadas em 12 de dezembro de 2024 ( 1 )

Processo C‑662/23 [Zimir] ( i )

Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid

contra

X

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos)]

«Reenvio prejudicial — Controlos nas fronteiras, asilo e imigração — Política de asilo — Diretiva 2013/32/UE — Artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b) — Procedimentos de concessão de proteção internacional — Utilização pela autoridade nacional do seu poder de prorrogar o prazo de apreciação de seis meses por um período que não exceda outros nove meses — Um grande número de nacionais de países terceiros apresenta simultaneamente um pedido de proteção internacional — Tornar muito difícil, na prática, a conclusão do procedimento no prazo de seis meses — Consideração de outras circunstâncias»

1.

O presente pedido de decisão prejudicial diz respeito às dificuldades com que os Estados‑Membros se deparam quando são confrontados com um grande número de nacionais de países terceiros ou apátridas que apresentam simultaneamente um pedido de proteção internacional. Em especial, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se sobre a interpretação do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos ( 2 ), por força do qual os Estados‑Membros podem prorrogar o prazo de seis meses fixado no artigo 31.o, n.o 3, primeiro parágrafo, desta diretiva para a apreciação dos pedidos de proteção internacional. Esta prorrogação é permitida no caso de um grande número de nacionais de países terceiros apresentarem simultaneamente um pedido de proteção internacional, tornando muito difícil na prática a conclusão do procedimento no referido prazo de seis meses.

2.

O pedido de decisão prejudicial foi apresentado no âmbito de um processo que opõe o Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Secretário de Estado da Justiça e da Segurança, Países Baixos; a seguir «Staatssecretaris») a X, um nacional de país terceiro, relativo à não adoção, por esta autoridade, de uma decisão sobre o pedido de autorização de residência temporária para efeitos de asilo no prazo de seis meses.

3.

O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber como deve ser interpretada a expressão «um grande número de nacionais de países terceiros ou apátridas apresenta[m] simultaneamente um pedido de proteção internacional», na aceção do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos, como se relaciona com a expressão «tornando muito difícil na prática a conclusão do procedimento no prazo de seis meses», também contida nesta disposição, e se outras circunstâncias podem ser tidas em conta na sua apreciação.

I. Quadro jurídico

A. Direito da União Europeia

4.

O considerando 18 da Diretiva Procedimentos declara o seguinte:

«É do interesse tanto dos Estados‑Membros como dos requerentes de proteção internacional que a decisão dos pedidos de proteção internacional seja proferida o mais rapidamente possível, sem prejuízo de uma apreciação adequada e completa.»

5.

O artigo 4.o da Diretiva Procedimentos, sob a epígrafe «Autoridades responsáveis», prevê no n.o 1:

«Para todos os procedimentos, os Estados‑Membros designam um órgão de decisão responsável pela apreciação adequada dos pedidos, de acordo com o disposto na presente diretiva. Os Estados‑Membros devem assegurar que esse órgão disponha dos meios adequados, incluindo pessoal competente em número suficiente, para o exercício das respetivas funções nos termos da presente diretiva.»

6.

O artigo 31.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Procedimento de apreciação», prevê o seguinte, nos n.os 1 a 5:

«1.   Os Estados‑Membros tratam os pedidos de proteção internacional mediante um procedimento de apreciação conforme com os princípios e garantias fundamentais enunciados no Capítulo II.

2.   Os Estados‑Membros asseguram a conclusão do procedimento de apreciação o mais rapidamente possível, sem prejuízo da adequação e exaustividade da apreciação.

3.   Os Estados‑Membros asseguram a conclusão do procedimento de apreciação no prazo de seis meses a contar da apresentação do pedido.

No caso de um pedido sujeito [a]o procedimento estabelecido no Regulamento (UE) n.o 604/2013 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (JO 2013, L 180, p. 31)], o prazo de seis meses começa a contar do momento em que o Estado‑Membro responsável pela sua análise for determinado, nos termos desse regulamento, e o requerente se encontrar no território desse Estado‑Membro e tiver sido tomado a cargo pela autoridade competente.

Os Estados‑Membros podem prorrogar o prazo de seis meses fixado no presente número por um período que não exceda outros nove meses, no caso de:

a)

Estarem em causa questões de facto e/ou de direito complexas;

b)

Um grande número de nacionais de países terceiros ou apátridas apresentarem simultaneamente um pedido de proteção internacional, tornando muito difícil na prática a conclusão do procedimento no prazo de seis meses;

c)

O atraso poder ser claramente atribuído ao facto de o requerente não cumprir as suas obrigações ao abrigo do artigo 13.o

A título de exceção, e em circunstâncias devidamente justificadas, os Estados‑Membros podem exceder por um máximo de três meses os prazos fixados no presente número, se tal for necessário para assegurar uma apreciação completa e adequada do pedido de proteção internacional.

4.   Sem prejuízo dos artigos 13.o e 18.o da Diretiva 2011/95/UE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9)], os Estados‑Membros podem adiar a conclusão do procedimento de apreciação nos casos em que não se possa razoavelmente esperar que o órgão de decisão se pronuncie dentro do prazo estabelecido no n.o 3 devido a uma situação incerta no país de origem que se prevê seja temporária. […]

[…]

5.   Em todo o caso, os Estados‑Membros concluem o procedimento de apreciação dentro de um prazo máximo de 21 meses a contar da apresentação do pedido.»

B. Direito neerlandês

7.

O artigo 42.o da Vreemdelingenwet 2000 (Lei dos Estrangeiros de 2000) de 23 de novembro de 2000 ( 3 ), prevê o seguinte:

«1.   Uma decisão sobre o pedido para a concessão de uma autorização de residência temporária a que se refere o artigo 28.o ou de uma autorização de residência por tempo indeterminado a que se refere o artigo 33.o deve ser adotada no prazo de seis meses a contar da receção do pedido.

[…]

4.   O prazo referido no n.o 1 pode ser prorrogado por um período máximo de nove meses, quando:

a.

[…]

b.

um grande número de cidadãos estrangeiros apresentarem simultaneamente um pedido, tornando muito difícil, na prática, a conclusão do procedimento no prazo de seis meses; ou

c.

[…]»

8.

Em 21 de setembro de 2022, o Staatssecretaris adotou o Besluit houdende wijziging van de Vreemdelingencirculaire 2000 (Decreto que altera a Circular Relativa aos Estrangeiros de 2000; a seguir «WBV 2022/22»). Com base no WBV 2022/22, em vigor desde 27 de setembro de 2022, o Staatssecretaris prorrogou por nove meses o prazo legal de seis meses para a concessão de autorizações de residência temporária para efeitos de asilo. O WBV 2022/22 é aplicável a todos os pedidos cujo prazo legal de decisão não tenha ainda decorrido em 27 de setembro de 2022, e foi adotado com base no artigo 42.o, n.o 4, proémio e alínea b), da Lei dos Estrangeiros de 2000, que transpôs para o direito neerlandês o artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos.

II. Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9.

Em 10 de abril de 2022, X, um nacional turco, apresentou um pedido de asilo nos Países Baixos.

10.

Em setembro de 2022, o Staatssecretaris prorrogou por nove meses o prazo legal de seis meses previsto para a concessão de autorizações de residência temporária para efeitos de asilo.

11.

Uma vez que, com base no WBV 2022/22, o Staatssecretaris não adotou uma decisão sobre o pedido de asilo no prazo de seis meses a contar da apresentação do pedido, X enviou a esta autoridade uma notificação para cumprir em 13 de outubro de 2022, devido à não adoção de uma decisão no prazo previsto. O Staatssecretaris não tomou uma decisão no prazo de duas semanas. Consequentemente, X interpôs recurso no rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia, Países Baixos) contra o facto de não ter sido adotada uma decisão atempada.

12.

Por Sentença de 6 de janeiro de 2023, o referido órgão jurisdicional deu provimento ao recurso de X e declarou que o Staatssecretaris, com base no WBV 2022/22, não tinha prorrogado legalmente o prazo de decisão previsto para os pedidos de asilo. Através desta sentença, o referido órgão jurisdicional também ordenou que o Staatssecretaris realizasse uma primeira audiência no prazo de oito semanas a contar da data da sentença e que tomasse uma decisão sobre o pedido de X no prazo de oito semanas a contar desta primeira audiência. Por conseguinte, ordenou que o Staatssecretaris adotasse uma decisão no prazo de dezasseis semanas, sob pena de lhe ser aplicada uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso ( 4 ).

13.

O Staatssecretaris interpôs recurso da referida sentença para o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos), o órgão jurisdicional de reenvio. Para sustentar este recurso, alega que, para efeitos da aplicação do artigo 42.o, n.o 4, proémio e alínea b), da Lei dos Estrangeiros de 2000 e do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos, não é necessário um aumento súbito (um «pico») do número de pedidos de asilo apresentados simultaneamente. A autoridade nacional pode igualmente prorrogar o prazo de decisão no caso de um aumento mais gradual do número de pedidos de asilo e, em conjugação com outras circunstâncias, para assegurar a apreciação adequada e exaustiva dos pedidos de asilo, conforme exigido pelo artigo 31.o, n.o 2, da Diretiva Procedimentos. O Staatssecretaris alega ainda que pode ter em conta, na ponderação da decisão de prorrogar o prazo de decisão, os atrasos existentes no tratamento dos pedidos de asilo, uma vez que estes atrasos comprometem a capacidade de decisão e contribuem para tornar muito difícil, na prática, a conclusão diligente do procedimento no prazo de seis meses a contar da apresentação do pedido.

14.

Simultaneamente, na sequência da sentença do rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia), o Staatssecretaris tomou uma decisão sobre o pedido de asilo, em 14 de abril de 2023, através da qual concedeu ao cidadão estrangeiro uma autorização de residência temporária para efeitos de asilo.

15.

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o Staatssecretaris mantém, não obstante, interesse no recurso que interpôs, uma vez que visa impugnar a Sentença de 6 de janeiro de 2023, através da qual foi declarado que não tinha prorrogado legalmente o prazo de decisão sobre um pedido de asilo com base no WBV 2022/22.

16.

O Staatssecretaris alega no órgão jurisdicional de reenvio que o artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, da Diretiva Procedimentos, e a sua alínea b), devem ser interpretados no sentido de que não impõem à autoridade nacional que adote uma decisão dentro do prazo de decisão quando um aumento súbito ou um «pico» do número de pedidos de asilo apresentados simultaneamente é de tal ordem que impede esta autoridade nacional de o fazer de modo diligente. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio observa que o termo «simultaneamente», na aceção da referida disposição, se interpretado em sentido lato, significa «num curto espaço de tempo», dado que os pedidos de asilo raramente são apresentados literalmente ao mesmo tempo. No entanto, de acordo com este órgão jurisdicional, continua a ser necessário determinar um limite temporal durante o qual este aumento ou «pico» se verifica. Além disso, tendo em conta os atrasos na deteção de tais aumentos ou «picos», o órgão jurisdicional de reenvio observa que o efeito prático desta disposição só se produz se tiver decorrido algum tempo.

17.

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto ao facto de a Diretiva Procedimentos permitir a prorrogação do prazo de decisão quando o número de pedidos de asilo aumenta apenas de forma gradual. Tal deve‑se ao facto de que, nesse caso, o Staatssecretaris dispõe de tempo e oportunidade suficientes para aumentar a sua capacidade de decisão. Esta interpretação está em conformidade com o objetivo da Diretiva Procedimentos, segundo o qual o órgão de decisão deve tomar decisões sobre os pedidos de asilo o mais rapidamente possível, ainda que de modo diligente.

18.

Nestas circunstâncias, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

a)

Pode a autoridade competente, no caso de um grande número de pedidos de proteção internacional [apresentados simultaneamente], na aceção do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos, fazer uso da sua faculdade de prorrogar o prazo de decisão de seis meses se o aumento do grande número de pedidos de proteção internacional se verificar gradualmente ao longo de um determinado período e, em consequência desse facto, se tornar muito difícil, na prática, a conclusão do procedimento no prazo de seis meses? Como deve ser interpretado, neste contexto, o termo “simultaneamente”?

b)

Com base em que critérios deve ser apreciada a existência de um “grande número” de pedidos de proteção internacional, na aceção do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos?

2)

Deve o período durante o qual se verifica o aumento do número de pedidos de proteção internacional estar limitado no tempo para estes poderem continuar a estar abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos? Em caso afirmativo, quanto tempo pode esse período durar?

3)

Para determinar se é muito difícil, na prática, a conclusão do procedimento no prazo de seis meses, na aceção do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos, podem ser tidas em conta — atendendo também ao artigo 4.o, n.o 1, desta diretiva — circunstâncias não relacionadas com o aumento do número de pedidos de proteção internacional, como o facto de a autoridade competente se ver confrontada com atrasos que já existiam antes do aumento do número de pedidos de proteção internacional ou a falta de efetivos suficientes?»

19.

Foram apresentadas observações escritas por X, pelos Governos Checo, Francês, Húngaro e Neerlandês, bem como pela Comissão Europeia. Estas partes, com exceção dos Governos Checo e Húngaro, apresentaram alegações orais na audiência de 23 de outubro de 2024.

III. Apreciação

20.

Por força do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos, devem estar preenchidos três requisitos cumulativos para que o prazo de decisão seja prorrogado por mais nove meses: devem ser apresentados a) «um grande número» de pedidos b) «simultaneamente», c) «tornando» muito difícil, na prática, a conclusão do procedimento no prazo de seis meses. Embora os dois primeiros requisitos sejam autónomos, o terceiro é uma consequência dos dois primeiros ( 5 ).

21.

Tendo em conta esta estrutura, as questões do órgão jurisdicional de reenvio podem ser agrupadas em dois blocos:

a primeira e segunda questões procuram determinar como devem ser interpretados os dois primeiros requisitos do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos e se existem prazos aplicáveis a estes;

a terceira questão diz respeito ao terceiro requisito e ao caráter exclusivo ou não do nexo de causalidade em relação aos dois primeiros requisitos, ou seja, se, para invocar esta disposição, podem ser tidas em conta outras circunstâncias para além do aumento do número de pedidos de asilo.

22.

Antes de analisar as questões prejudiciais, examinarei brevemente a questão de admissibilidade suscitada perante o Tribunal de Justiça.

A. Quanto à admissibilidade

23.

Nas suas observações escritas, o Governo Francês suscitou a questão da admissibilidade do pedido, alegando, em substância, que o litígio no processo principal tinha perdido a sua relevância, uma vez que já tinha sido concedida a X uma autorização de residência temporária para efeitos de asilo. No entanto, na audiência, este governo retirou a exceção que tinha deduzido.

24.

Importa recordar que, em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional beneficiam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão submetida por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas ( 6 ).

25.

A justificação do pedido de decisão prejudicial não é emitir opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, mas a necessidade inerente à efetiva solução de um litígio. Como decorre da própria redação do artigo 267.o TFUE, a decisão prejudicial solicitada deve ser «necessária ao julgamento da causa» pelo órgão jurisdicional de reenvio ( 7 ).

26.

Em especial, a jurisprudência exige um litígio real, entre as partes no processo, sobre a legislação e a sua aplicação ( 8 ). O que importa é que o órgão jurisdicional de reenvio esteja a exercer uma função jurisdicional e que considere que é necessária uma interpretação do direito da União para poder proferir a sua decisão.

27.

No caso em apreço, está demonstrada a existência de um litígio real no processo principal, uma vez que está em causa a legalidade de uma prorrogação do prazo para tomar uma decisão sobre um pedido de asilo, que foi objeto da sentença do rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia). Além disso, o Staatssecretaris foi condenado no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia em que o prazo foi excedido, o que significa que o Governo Neerlandês tem interesse em que esta questão específica seja decidida. Na audiência, X declarou que tinha um interesse financeiro em que o órgão jurisdicional de reenvio se pronuncie, uma vez que poderia ter de reembolsar o montante de 1800 euros que recebeu na sequência da sentença do rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia) que ordenou que o Staatssecretaris tomasse uma decisão num determinado prazo e o condenou no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória em caso de atraso. X explicou na audiência que terá de reembolsar este montante se o órgão jurisdicional de reenvio considerar que a prorrogação do prazo com base no WBV 2022/22 foi legal. Daqui resulta que o órgão jurisdicional de reenvio é obrigado a pronunciar‑se sobre a legalidade desta prorrogação, que é uma questão de direito que implica um problema real cuja importância prática é considerável e que deu origem a um litígio real ( 9 ).

28.

Por conseguinte, considero que, por força da presunção de pertinência, é necessária uma interpretação do direito da União para que o órgão jurisdicional de reenvio possa proferir a sua decisão.

B. Quanto à primeira e segunda questões prejudiciais

29.

Com as suas primeira e segunda questões, que proponho examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os termos «simultaneamente» e «um grande número» de pedidos de proteção internacional, na aceção do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma prorrogação da duração do procedimento de apreciação dos pedidos de proteção internacional pelas autoridades nacionais por outros nove meses, em caso de aumento gradual do número destes pedidos, e se, para efeitos da aplicação desta disposição, o período durante o qual deve ocorrer um aumento do número de pedidos é limitado.

1. Conceitos de «simultaneamente» e de «um grande número» de pedidos de proteção internacional, na aceção do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos

30.

Conforme jurisprudência constante, na interpretação de uma disposição de direito da União, há que ter em conta não apenas a sua redação, mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada ( 10 ).

a)   Interpretação literal

31.

Como assinala o órgão jurisdicional de reenvio, o termo «simultaneamente» é sinónimo das expressões «na mesma altura», «paralelamente» ou «no mesmo momento». Em especial, na sua decisão de reenvio, este órgão jurisdicional refere o significado do termo «tegelijk» em neerlandês, que significa literalmente «ao mesmo tempo». Como tal, este termo contém, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, um limite temporal estrito, o que é corroborado por outras versões linguísticas ( 11 ). No entanto, na minha opinião, esta interpretação não permite, por si só, indicar um período específico durante o qual o aumento do número de pedidos deva ocorrer.

32.

No que diz respeito à expressão «um grande número», devo observar que a mesma não é definida no artigo 31.o, n.o 3, da Diretiva Procedimentos. As diferentes versões linguísticas utilizam termos equivalentes ou semelhantes ( 12 ). Por conseguinte, não resulta da redação do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos se esta se refere a um número absoluto ou a um número relativo, como determinado pelo órgão jurisdicional de reenvio. No entanto, há que observar que, no regulamento recentemente adotado que revoga a Diretiva Procedimentos ( 13 ), o legislador faz referência a «um número desproporcionado de nacionais de países terceiros ou apátridas [que] façam pedidos de proteção internacional no mesmo período de tempo» ( 14 ).

33.

Se a expressão «um grande número» for entendida como «um número desproporcionado», significa que o número de pedidos de asilo está desequilibrado ou não está numa proporção razoável relativamente ao que é habitual ou esperado. No entanto, embora esta linha de raciocínio possa ser pertinente para a interpretação do novo regulamento, a Diretiva Procedimentos não faz referência ao conceito de «desproporcionado» ou à ideia geral de proporcionalidade.

34.

Por conseguinte, uma vez que uma interpretação literal da disposição não oferece uma resposta conclusiva sobre a forma como devem ser interpretados os termos «simultaneamente» e «um grande número», na aceção do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos, passo agora a analisar o contexto da referida disposição.

b)   Interpretação contextual

1) Derrogação à regra geral dos seis meses

35.

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos constitui uma exceção que permite aos Estados‑Membros afastar a regra dos seis meses prevista no primeiro parágrafo — que pode ser considerada a regra geral — e se, como tal, deve ser interpretada de forma restrita ( 15 ), ou se, ao invés, o referido terceiro parágrafo descreve situações em que se aplica uma nova regra, tornando‑o numa lex specialis. Na audiência no Tribunal de Justiça, os Governos Francês e Neerlandês alegaram que o prazo de nove meses constituía uma regra autónoma, distinta da regra dos seis meses, ao passo que X alegou que se tratava de uma derrogação que deve ser interpretada de forma restrita. A Comissão alegou que existem dois prazos paralelos, isto é, o prazo de seis meses fixado no artigo 31.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da referida diretiva e o prazo de quinze meses que resulta do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, da mesma.

36.

A este respeito, devo observar que o capítulo II da Diretiva Procedimentos, intitulado «Princípios e garantias fundamentais», e o capítulo III da mesma diretiva, intitulado «Procedimentos em primeira instância», definem os direitos e as obrigações do requerente no âmbito do procedimento de adoção de uma decisão em primeira instância. O artigo 31.o, n.os 1 e 2, da referida diretiva estabelece um quadro que prevê normas processuais relativas à qualidade e à duração da apreciação dos pedidos.

37.

Em especial, o artigo 31.o, n.o 2, da Diretiva Procedimentos prevê que os Estados‑Membros devem assegurar a conclusão do procedimento de apreciação o mais rapidamente possível, sem prejuízo da adequação e exaustividade da apreciação. Esta disposição estabelece, portanto, uma obrigação de efetuar a apreciação atempadamente. O artigo 31.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da referida diretiva concretiza esta obrigação, fixando um prazo de seis meses a contar da apresentação do pedido para que a autoridade nacional realize esta apreciação (que designarei, a seguir, por «regra geral do prazo de seis meses»).

38.

O artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, da Diretiva Procedimentos descreve três situações em que os Estados‑Membros podem prorrogar este prazo de seis meses por um período que não exceda outros nove meses. Lidas em conjunto, é evidente que as alíneas a), b) e c) do referido parágrafo constituem derrogações à aplicação desta regra geral que visam situações individuais [alíneas a) e c)] e situações gerais [alínea b)], de natureza excecional. A alínea b) do referido terceiro parágrafo contém uma referência explícita às circunstâncias em que um grande número de nacionais de países terceiros ou apátridas apresentam simultaneamente um pedido de proteção internacional, tornando muito difícil na prática a conclusão do procedimento no prazo de seis meses.

39.

Daqui decorre, na minha opinião, que o artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos deve ser interpretado no sentido de que só permite que os Estados‑Membros derroguem a regra geral do prazo de seis meses relativa à duração máxima do prazo de decisão quando os requisitos previstos nesta disposição estiverem preenchidos. Em circunstâncias específicas — quando um grande número de nacionais de países terceiros apresentar simultaneamente um pedido de proteção internacional, tornando muito difícil, na prática, a conclusão do procedimento no prazo de seis meses —, os Estados‑Membros podem prorrogar este prazo de seis meses. Qualquer outra interpretação prejudicaria a eficácia da obrigação enunciada no artigo 31.o, n.o 2, da referida diretiva, que exige uma apreciação atempada dos pedidos, e do artigo 31.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da referida diretiva, que estabelece a regra geral do prazo de seis meses.

40.

Esta interpretação é corroborada por outras disposições da Diretiva Procedimentos, que permitem várias prorrogações dos prazos nas circunstâncias acima referidas, ou seja, quando os pedidos de proteção internacional apresentados por um grande número de nacionais de países terceiros ou de apátridas tornem muito difícil na prática respeitar o prazo fixado por esta diretiva ( 16 ). É também corroborada pela proposta inicial da Comissão de 2009 ( 17 ) e pela sua proposta alterada de 2011 ( 18 ), em conformidade com a qual a Comissão tencionava introduzir um «prazo [geral]» ou um «procedimento de asilo tipo» de seis meses. Em especial, a exposição de motivos da proposta alterada declara que um «dos principais objetivos da proposta continua a ser estabelecer um procedimento de asilo tipo que não se prolongue mais de seis meses» ( 19 ). Além disso, a explicação relativa aos artigos da proposta alterada afirma que, embora «[o] n.o 3 mant[enha] o prazo de seis meses para a conclusão do procedimento em primeira instância», «foram introduzidas duas exceções suplementares, nomeadamente no caso de um grande número de requerentes apresentar pedidos simultaneamente e sempre que o órgão de decisão não possa respeitar o prazo pelo facto de o requerente não cumprir as suas obrigações» ( 20 ).

41.

Os outros argumentos apresentados pela Comissão no presente processo não são, a meu ver, suscetíveis de invalidar a conclusão segundo a qual o artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos constitui uma derrogação à aplicação da regra geral dos seis meses. A este respeito, a Comissão alega que, embora a explicação pormenorizada da proposta alterada ( 21 ) faça referência a «duas exceções suplementares», o termo «exceção» não é utilizado na redação da própria proposta. A Comissão sublinha que o colegislador não utiliza o termo «exceção» no artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, da Diretiva Procedimentos, ao passo que o quarto parágrafo desta disposição utiliza explicitamente este termo.

42.

Na minha opinião, uma disposição pode ser qualificada de derrogação sem conter o termo «derrogação». Há que observar que, ao referir‑se ao «prazo de seis meses fixado no presente número» e ao termo «outros» ( 22 ), a regra do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, da Diretiva Procedimentos remete expressamente para a regra geral do prazo de seis meses prevista no primeiro parágrafo desta disposição. Por conseguinte, é evidente que a prorrogação de nove meses não constitui uma regra autónoma, mas sim uma prorrogação e, portanto, uma derrogação à regra geral do prazo de seis meses ( 23 ). A este respeito, defendo que as derrogações assumem várias formas, como as disposições que restringem as liberdades fundamentais ( 24 ) ou as disposições que tratam de situações de força maior ou de dificuldades ( 25 ). Esta interpretação é corroborada pela Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à resposta a situações de crise e de força maior no domínio da migração e do asilo, que prevê, nomeadamente, regras específicas de derrogação das regras estabelecidas em regulamentos, como o novo Regulamento Procedimentos de Asilo ( 26 ). Por último, a redação do artigo 31.o, n.os 3, 4 e 5, da Diretiva Procedimentos demonstra que os prazos de apreciação têm uma natureza cumulativa e não podem exceder 21 meses.

43.

Por conseguinte, considero que a possibilidade de prolongar a apreciação do pedido de proteção internacional ao abrigo do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos constitui uma derrogação à aplicação da regra dos seis meses e deve ser interpretada de forma restritiva. Além disso, as derrogações devem ser objeto de uma interpretação que limite o seu alcance ao estritamente necessário para salvaguardar os interesses que essas derrogações protegem ( 27 ). A este respeito, importa observar que o artigo 31.o, n.o 3, da Diretiva Procedimentos, que fixa uma regra geral do prazo de seis meses para proferir uma decisão sobre pedidos de proteção internacional ao abrigo da mesma diretiva, confere a uma pessoa o direito a que o seu pedido seja apreciado no prazo de seis meses. Por conseguinte, o princípio da boa administração, enquanto princípio geral do direito da União, inclui o direito que assiste a qualquer pessoa de ver os seus processos serem tratados num prazo razoável ( 28 ). Este direito só pode ser objeto de limitações quando se verifiquem as circunstâncias previstas no artigo 31.o, n.o 3, da Diretiva Procedimentos.

44.

No entanto, os termos da derrogação prevista no artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos não devem ser interpretados de uma forma tão restritiva que privem a exceção dos seus efeitos ( 29 ). Por conseguinte, a eficácia da derrogação em causa deve ser preservada precisamente para permitir que o Estado‑Membro procure atenuar o elevado número de pedidos e avaliar diligentemente os pedidos de proteção internacional.

2) Eficácia da derrogação prevista no artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos

45.

Uma vez que, na prática, os pedidos de asilo raramente são apresentados no mesmo momento, o termo «simultaneamente» deve ser entendido no sentido de «num curto espaço de tempo». Tal poderá significar que o artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos também se pode aplicar no caso de um número total de pedidos de asilo ser apresentado durante um determinado período, embora curto. Daqui resulta que, apesar de não ser necessário exigir que todos os pedidos sejam apresentados no mesmo momento, o termo «simultaneamente» implica claramente que estes pedidos devem ser apresentados num determinado — curto — espaço de tempo.

46.

No que respeita à expressão «um grande número», defendo que deveria existir um padrão de dados que demonstre um aumento acentuado ao longo de um curto espaço de tempo ou que as quantidades acumuladas de novos pedidos aumentem a um ritmo considerável. Por conseguinte, para efeitos de determinar se o artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos se aplica, a administração deve proceder a uma apreciação do número de pedidos com base num modelo de crescimento.

47.

A este respeito, como se afirma num relatório do Conselho Europeu para os Refugiados e Exilados, «[o] volume de processos de asilo em cada país pode variar significativamente num espaço de tempo relativamente curto e os atrasos nos processos pendentes podem aumentar ou diminuir exponencialmente de um ano para o outro.» ( 30 ) Como X observou, devido ao facto de as medidas orçamentais dependerem, por definição, de estimativas e previsões, as autoridades nacionais são obrigadas a acompanhar e a fazer previsões sobre a variação dos pedidos de asilo, para cumprirem as obrigações que lhes incumbem por força do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva Procedimentos. Como a Comissão alegou na audiência no Tribunal de Justiça, a aplicação do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos implica a comparação com um fluxo habitual e esperado de refugiados. Na minha opinião, as autoridades nacionais devem comparar este fluxo com o que constitui «um grande número» segundo estas autoridades. Esta comparação acarreta a análise de dados e padrões estatísticos atuais e históricos.

48.

Daqui decorre, a meu ver, que a expressão «um grande número» de pedidos apresentados «simultaneamente» implica um aumento significativo dos mesmos em relação à tendência normal num determinado Estado‑Membro. Por exemplo, em caso de crescimento exponencial, verifica‑se um aumento súbito e acelerado da quantidade de pedidos. Neste caso, é evidente que está abrangido por «um grande número» na aceção do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos. Esta interpretação é coerente com o objetivo da disposição, dado que, se o número de pedidos continuar a aumentar a um ritmo elevado, a autoridade nacional pode ver‑se confrontada com um problema de capacidade de decisão durante os seis meses do prazo de apreciação, o que implica a prorrogação dos prazos.

49.

Pelo contrário, esta disposição opõe‑se a um aumento constante ou gradual dos pedidos. Ainda que o termo «simultaneamente» possa ser interpretado de forma um pouco mais ampla do que o seu sentido literal, não deixa de ser verdade que esse prazo não pode exceder um curto período de tempo, uma vez que, nesse caso, se excederia a situação que esta disposição visa regular. O termo «simultaneamente» significa que existe um pico de pedidos de asilo apresentados num curto espaço de tempo. Por conseguinte, não parece que o objetivo da derrogação seja aplicar‑se a um aumento gradual dos pedidos ao longo de um determinado período.

50.

Qualquer outra interpretação do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos privaria de qualquer significado ou efeito a expressão «um grande número» de pedidos apresentados «simultaneamente» na aceção desta disposição, visto que um aumento normal implicaria uma certa previsibilidade e não corresponderia ao objetivo da referida disposição, que consiste em estabelecer uma derrogação em caso de circunstâncias específicas.

51.

A este respeito, importa observar que a derrogação que consta do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos também constitui uma derrogação à obrigação, estabelecida no artigo 4.o, n.o 1, da mesma diretiva, de assegurar que o número de efetivos é suficiente. Por conseguinte, poder‑se‑ia defender que, para que esta derrogação seja aplicável, as circunstâncias específicas devem ser definidas de tal forma que o número de pedidos deva ser imprevisível para a autoridade nacional. No entanto, a meu ver, uma vez que o artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos não impõe explicitamente o requisito de que o aumento do número de pedidos apresentados simultaneamente seja imprevisível, o caráter previsível ou não do aumento não deve fazer parte do que se entende por «um grande número» de pedidos apresentados «simultaneamente».

52.

Consequentemente, quando o número de pedidos aumentar a um ritmo constante ao longo do tempo, como no caso de um crescimento linear, esta disposição não deve ser aplicada. Inversamente, quando a curva que representa o número destes pedidos regista um aumento súbito ou um pico, a situação pode ser abrangida pelo artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos ( 31 ).

53.

Por último, quando se fala de aumento ou de um crescimento dos pedidos, a questão que se coloca diz respeito ao período de tempo a ter em conta para determinar se existe um grande número de pedidos apresentados simultaneamente na aceção do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos. A este respeito, o Tribunal de Justiça não pode indicar um período de tempo específico, uma vez que cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se ocorreu um crescimento significativo. No entanto, embora os Estados‑Membros disponham efetivamente de uma certa margem de apreciação na aplicação do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos, o objetivo desta diretiva é assegurar um certo grau de uniformidade em toda a União Europeia quanto à forma como os pedidos de asilo são tramitados. Ao impor normas processuais vinculativas sobre a rapidez com que os pedidos de asilo devem ser tramitados, esta diretiva estabelece uma norma processual comum para os Estados‑Membros, para assegurar que os requerentes de asilo em toda a União Europeia não estejam sujeitos a tempos de espera muito diferentes ( 32 ).

54.

No contexto de uma diretiva que prevê prazos específicos para a apreciação dos pedidos de proteção internacional, nomeadamente o artigo 31.o, n.o 3, da Diretiva Procedimentos, que fixa um prazo de seis meses como regra para proferir uma decisão sobre estes pedidos, parece fazer mais sentido uma interpretação em termos de trimestres e semestres do que em termos de anos. No entanto, como já foi referido, a Diretiva Procedimentos, e, em especial, o termo «simultaneamente», não indicam a duração do período que deve servir de prazo ou de referência para determinar se houve um grande número de pedidos apresentados simultaneamente e, para efeitos desta determinação, não pode ser exigido um período máximo de tempo durante o qual o ritmo crescente do número de pedidos deva ocorrer. Daqui resulta que as autoridades ou os órgãos jurisdicionais nacionais devem favorecer um pedido em conformidade com o objetivo da Diretiva Procedimentos, que prevê a rápida conclusão do procedimento de apreciação ( 33 ).

c)   Interpretação teleológica

55.

A interpretação contextual do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos, acima referida, que permite ter em conta um determinado período de tempo e que exclui situações de crescimento gradual ou constante do número de pedidos, é coerente com a interpretação teleológica da mesma diretiva.

56.

Em especial, o objetivo da referida diretiva é garantir uma avaliação global e eficiente dos pedidos de proteção internacional ( 34 ). A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a Diretiva Procedimentos visa garantir um acesso efetivo, fácil e rápido ao procedimento de concessão de proteção internacional, incluindo desde a fase de apresentação do pedido de proteção internacional ( 35 ). Para o efeito, o artigo 31.o, n.o 2, da Diretiva Procedimentos prevê que o procedimento de apreciação deve ser concluído «o mais rapidamente possível, sem prejuízo da adequação e exaustividade da apreciação», o que significa que o procedimento deve ser rápido, completo e adequado ( 36 ). Como já foi referido, o artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos tem por objetivo prever uma derrogação ao prazo de seis meses fixado no primeiro parágrafo do artigo 31.o, n.o 3, da referida diretiva caso se verifiquem circunstâncias específicas, a saber, quando um grande número de nacionais de países terceiros apresentarem simultaneamente um pedido de proteção internacional, tornando muito difícil na prática a conclusão do procedimento no prazo de seis meses ( 37 ). Em especial, como já foi explicado, o procedimento de asilo tipo com uma duração máxima de seis meses foi a lógica subjacente à legislação introduzida em 2009 ( 38 ).

57.

Consequentemente, os conceitos de «um grande número» e «simultaneamente» devem ser interpretadas tendo em consideração o objetivo do artigo 31.o da Diretiva Procedimentos, que consiste em aumentar a eficácia da apreciação dos pedidos e proporcionar um acesso mais rápido à proteção dos refugiados e das pessoas que necessitam de proteção subsidiária. O objetivo de tomar a decisão o mais rapidamente possível é manifestamente incompatível com uma interpretação extensiva destes conceitos. A realização dos objetivos acima referidos e a eficácia desta disposição ficariam seriamente comprometidas se um Estado‑Membro pudesse aplicar a derrogação em causa no caso de um aumento gradual do número de pedidos de asilo ao longo de um período relativamente longo.

58.

Nesta perspetiva, o artigo 31.o n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos, que prevê a possibilidade de prorrogação dos prazos de apreciação em determinadas circunstâncias, deve ser equilibrado com as obrigações previstas no artigo 4.o, n.o 1, desta diretiva. No entanto, para garantir o cumprimento das obrigações decorrentes desta última disposição, o prazo de seis meses fixado pelo artigo 31.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Diretiva Procedimentos, que cria o direito de um particular a que o seu pedido seja apreciado nesse prazo, não pode ser excessivamente comprometido. A este respeito, o objetivo da Diretiva Procedimentos inclui a garantia de que os Estados‑Membros tratem os pedidos de asilo de forma eficaz e sem demora injustificada. Por outras palavras, o direito a um processo de decisão rápido e eficaz está em pé de igualdade com as exigências qualitativas decorrentes do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva Procedimentos.

59.

Além disso, no que se refere à questão de saber se o conceito de «um grande número» pode depender da capacidade e dos recursos do Estado‑Membro, a Comissão considera que este conceito pode ser avaliado numericamente, referindo‑se a um aumento puramente quantitativo dos pedidos que não varia em função da capacidade administrativa ou de tratamento de um Estado‑Membro. Em contrapartida, os Governos Neerlandês e Francês alegaram na audiência que esse número pode ser determinado permitindo que cada Estado‑Membro tenha em consideração a sua própria capacidade e recursos. Na minha opinião, tendo em conta que as derrogações devem ser interpretadas de forma restritiva e que a abordagem baseada na capacidade pode dar origem a abordagens diferentes na forma como os Estados‑Membros aplicam o artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos, o número de pedidos deve ser avaliado tendo em conta o número efetivo dos mesmos num determinado período e comparando‑o com os dados históricos. Como já sugeri, a utilização de dados de períodos anteriores poderá fornecer um critério mais consistente e objetivo para o que é qualificado de «um grande número» de pedidos. Embora a capacidade e os recursos possam desempenhar um papel na avaliação da capacidade global de um Estado‑Membro para tratar os pedidos de asilo, não podem ser um fator para determinar se o número de pedidos é «grande».

60.

Por último, a prorrogação dos prazos prevista no artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos tem por objetivo permitir aos Estados‑Membros evitar a criação de atrasos. Quando esta disposição é aplicada, as autoridades de um Estado‑Membro podem procurar uma solução temporária através da prorrogação dos prazos, mas quando o número de pedidos permanece continuamente elevado — como tem sido o caso nos Países Baixos desde 2021, conforme o Governo Neerlandês explicou na audiência —, as autoridades nacionais devem encontrar outras formas de lidar com esta problemática. Como a Comissão alegou na audiência, um Estado‑Membro só pode invocar esta disposição se for estritamente necessário para aumentar os seus recursos. Em suma, o conceito de «um grande número» de pedidos apresentados «simultaneamente», na aceção do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos, deve ser interpretado no sentido de que o prazo de seis meses para a apreciação do pedido de proteção internacional só pode ser prorrogado por nove meses se o aumento do número de pedidos num determinado Estado‑Membro ocorrer a um ritmo elevado, dando origem a um «pico» deste número que, tendo em conta a natureza derrogatória desta disposição, se opõe a um aumento progressivo durante um longo período.

2. Aplicação ao caso em apreço

61.

A determinação da matéria de facto no processo principal compete evidentemente ao órgão jurisdicional de reenvio. Na sua decisão de reenvio, o órgão jurisdicional de reenvio incluiu quadros que indicam o número de pedidos de asilo apresentados em 2021 e 2022 ( 39 ). Estes valores são retirados do sítio Web do Staatssecretaris e refletem as variações do número de pedidos de asilo, bem como as variações da capacidade de decisão.

62.

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, com base nos valores existentes relativos ao número de pedidos de asilo apresentados entre 2014 e 2022 e à capacidade de decisão, se os Países Baixos foram confrontados com um aumento súbito ou, pelo contrário, progressivo do número de pedidos.

63.

A este respeito, importa referir que o WBV 2022/22 foi adotado em 21 de setembro de 2022 e entrou em vigor em 27 de setembro de 2022 ( 40 ). Por conseguinte, é conveniente analisar a tendência nesse momento, para determinar se se verificou um crescimento súbito ou um aumento do número de pedidos, como descrito acima, durante um período limitado antes da adoção deste ato, e comparar o ritmo desse crescimento com o crescimento que as autoridades deveriam ter razoavelmente previsto ao planearem os seus recursos para 2022, para cumprirem os requisitos do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva Procedimentos.

64.

No presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio indica que o número de pedidos de asilo apresentados por ano era o seguinte:

Ano

Número de pedidos de asilo (1)

2017

31 330

2018

30 380

2019

29 440

2020

19 130

2021

36 620

2022

47 991

65.

Na minha opinião, estes valores mostram que o ritmo de crescimento relativo ao período entre 2018 e 2020 era negativo. Este ritmo aumentou acentuadamente em 2021 (mais de 90 % em relação ao ano anterior, o que se deveu provavelmente à pandemia de COVID‑19) e prosseguiu de forma mais constante em 2022 (mais de 30 %). Se o ritmo de crescimento de 2021 se tivesse mantido em 2022, o número esperado de pedidos para 2022 teria sido de cerca de 70000, mas, em vez disso, o ritmo diminuiu, pelo que o número de pedidos foi de 47991. No entanto, o WBV 2022/22 foi adotado em 21 de setembro de 2022, ou seja, um ano após um aumento acentuado do ritmo de crescimento, e esteve inicialmente em vigor durante seis meses. Afigura‑se, por conseguinte, que o aumento acentuado ocorreu antes e não em 2022, quando o referido decreto foi adotado.

66.

No entanto, cabe ao órgão jurisdicional nacional examinar todos os dados estatísticos pertinentes relativos aos pedidos de asilo para determinar se este crescimento representa um aumento acentuado e se ocorreu num período de tempo limitado.

C. Quanto à terceira questão prejudicial

67.

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, para determinar se é muito difícil, na prática, a conclusão do procedimento no prazo de seis meses previsto no artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos — atendendo também ao artigo 4.o, n.o 1, da mesma diretiva —, podem ser tidas em conta circunstâncias não relacionadas com o aumento do número de pedidos de proteção internacional, como o facto de a autoridade competente se ver confrontada com atrasos preexistentes, anteriores ao aumento do número de pedidos de proteção internacional, ou com a falta de efetivos suficientes.

1. Quanto ao conceito de «muito difícil na prática a conclusão do procedimento no prazo de seis meses», na aceção do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos

68.

Tendo em conta a obrigação de proceder a uma apreciação adequada e exaustiva conforme prevista no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva Procedimentos, a expressão «muito difícil na prática a conclusão do procedimento no prazo de seis meses», na aceção do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos, deve implicar uma apreciação objetiva da capacidade de decisão das autoridades nacionais. Em especial, quando uma autoridade nacional invoca esta disposição, deve poder demonstrar, através de uma análise qualitativa, que se verifica uma impossibilidade objetiva de concluir o procedimento no prazo de seis meses. Por outras palavras, uma impressão subjetiva não é suficiente e devem existir provas de dificuldades objetivas devidas a uma capacidade de decisão insuficiente em relação ao que seria de esperar de acordo com as previsões.

69.

Esta apreciação implica que o órgão jurisdicional nacional analise se foi objetivamente demonstrado que o prazo de seis meses não pode ser cumprido, o que significa que a capacidade de decisão da autoridade nacional e as suas previsões para o período em causa devem ser apreciadas. Só após esta constatação de facto é que o juiz nacional pode determinar as razões subjacentes às dificuldades em causa, que analisarei na secção seguinte.

70.

A este respeito, não existe nenhum elemento no processo do Tribunal de Justiça que indique a existência de um atraso significativo, em 21 de setembro de 2022, quando o WBV 2022/22 foi adotado. Na decisão de reenvio, o órgão jurisdicional de reenvio menciona o argumento do Staatssecretaris segundo o qual devem ser tidas em conta, para efeitos de determinar se essa autoridade pode prorrogar este prazo, circunstâncias como os atrasos preexistentes com que a autoridade nacional se depara, que restringem a sua capacidade de decisão e contribuem para tornar muito difícil, na prática, a conclusão do procedimento de forma cuidadosa no prazo de seis meses. No entanto, visto que não há nada no processo que sugira que tais circunstâncias tenham sido comprovadas, o órgão jurisdicional de reenvio deve determinar se, no momento da adoção do WBV 2022/22, existia um atraso efetivo.

71.

Por conseguinte, tendo em conta a natureza cumulativa dos requisitos estabelecidos no artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos, bem como o nexo de causalidade exigido entre os dois primeiros requisitos e o terceiro requisito, a terceira questão só se coloca se o órgão jurisdicional nacional determinar que, em 21 de setembro de 2022, parecia existir «um grande número» de pedidos apresentados «simultaneamente», tornando muito difícil na prática a conclusão do procedimento de forma cuidadosa no prazo de seis meses. A questão que se coloca é a de saber se o órgão jurisdicional de reenvio pode ter em conta outras circunstâncias além do aumento desses pedidos, o que significa, essencialmente, saber se o nexo entre os dois primeiros requisitos e o terceiro é ou não de caráter exclusivo.

2. Quanto ao caráter exclusivo do nexo de causalidade

72.

No Acórdão A e S ( 41 ), relativo ao direito ao reagrupamento familiar de refugiados menores ao abrigo do artigo 10.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva 2003/86/CE ( 42 ), o Tribunal de Justiça reconheceu que o tratamento dos pedidos de proteção internacional não depende apenas das situações em causa, mas também do volume de trabalho das autoridades competentes e das opções políticas tomadas pelos Estados‑Membros no que diz respeito ao pessoal afetado a essas autoridades e aos casos a tratar prioritariamente. Consequentemente, o Tribunal de Justiça já considerou, em substância, que as dificuldades práticas com que as autoridades nacionais se deparam para cumprir os prazos, como o prazo de seis meses em causa, são frequentemente multifatoriais. Mais recentemente, o Tribunal de Justiça reiterou que os Estados‑Membros não podem invocar circunstâncias que são da sua competência, como alterações legislativas, para justificar eventuais violações da exigência de tratar um pedido de proteção internacional num prazo razoável ( 43 ).

73.

No entanto, para efeitos da aplicação do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos, a autoridade nacional deve demonstrar que a impossibilidade de cumprir o prazo de seis meses é, de forma certa e inequívoca, imputável ao aumento simultâneo do número de novos pedidos. A redação e o contexto desta disposição opõem‑se a uma interpretação que tenha em conta outros motivos que levaram à inexistência de uma decisão no prazo estabelecido. A este respeito, devo observar que as três derrogações previstas no artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, da Diretiva Procedimentos são desencadeadas por acontecimentos que não estão relacionados com questões de gestão interna da Administração nacional competente. Estes acontecimentos podem ser qualificados de «acontecimentos externos», o que esclarece que nenhum dos problemas que permitem a prorrogação do prazo de seis meses pode ser imputado a dificuldades de gestão ( 44 ). Esta interpretação é corroborada pela exigência de interpretar a derrogação prevista nesta disposição de forma restrita e pelo facto de os Estados‑Membros só poderem invocar esta derrogação quando os requisitos previstos na mesma estiverem preenchidos.

74.

Além disso, a impossibilidade de cumprir o prazo de seis meses, imputável ao aumento simultâneo do número de novos pedidos, deve ocorrer durante ou pouco antes do período de seis meses que será objeto da prorrogação. Um Estado‑Membro não pode invocar um aumento acentuado que teve lugar muito antes do referido período de seis meses. Por outras palavras, um atraso resultante de um aumento anterior do número de pedidos, ocorrido muito tempo antes da apresentação do pedido, não pode dar origem a uma prorrogação do prazo previsto no artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos.

75.

Além disso, se fossem admitidas outras circunstâncias para efeitos do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos, tal prejudicaria a obrigação que incumbe ao Estado‑Membro por força do artigo 4.o, n.o 1, da referida diretiva. A eficácia desta última disposição pressupõe que a autoridade nacional garanta que certas variações do número de pedidos de asilo possam ser corrigidas e que a capacidade de decisão do Estado‑Membro seja adequada à tarefa. Por outras palavras, quando o número de pedidos de asilo corresponde a uma tendência normal, espera‑se que a autoridade nacional organize os seus recursos e a sua capacidade de decisão nessa base. Contudo, quando ocorrem circunstâncias externas extraordinárias, como «um grande número» de pedidos apresentados «simultaneamente», não se pode esperar que um Estado‑Membro cumpra essas obrigações, uma vez que os recursos normais previstos podem não ser suficientes. Por conseguinte, um atraso preexistente não pode constituir uma circunstância que justifique uma prorrogação ao abrigo do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, da Diretiva Procedimentos.

76.

Tendo em conta o artigo 4.o, n.o 1, da referida diretiva, as circunstâncias que não equivalem a um aumento simultâneo do número de pedidos de proteção internacional não podem ser tidas em conta para determinar se é muito difícil na prática a conclusão do procedimento no prazo de seis meses. A impossibilidade de cumprir o prazo de seis meses que seja imputável ao aumento simultâneo do número de novos pedidos deve ocorrer durante ou pouco tempo antes do período de seis meses que será objeto da prorrogação.

IV. Conclusão

77.

Tendo em conta as considerações que precedem, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos) da seguinte forma:

O artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional,

em conjugação com o artigo 4.o, n.o 1, da referida diretiva,

deve ser interpretado no sentido de que o prazo de seis meses para a apreciação de um pedido de proteção internacional, previsto no artigo 31.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Diretiva 2013/32, só pode ser prorrogado por nove meses se o aumento do número de pedidos num determinado Estado‑Membro ocorrer a um ritmo elevado, dando origem a um aumento súbito deste número (um «pico»), o que, tendo em conta o caráter excecional das circunstâncias enunciadas na referida disposição, se opõe a um aumento progressivo do número de pedidos durante um longo período. As circunstâncias que não equivalham a um aumento simultâneo do número de pedidos de proteção internacional não podem ser tidas em conta para determinar se é muito difícil, na prática, a conclusão do procedimento no prazo de seis meses. A impossibilidade de cumprir o prazo de seis meses que seja imputável ao aumento simultâneo do número de novos pedidos deve ocorrer durante ou pouco tempo antes do período de seis meses que será objeto da prorrogação.


( 1 ) Língua original: inglês.

( i ) O nome do presente processo é um nome fictício. Não corresponde ao nome verdadeiro de nenhuma das partes no processo.

( 2 ) Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60; a seguir «Diretiva Procedimentos»).

( 3 ) Stb. 2000, n.o 495.

( 4 ) O Staatssecretaris foi condenado no pagamento, por cada dia em que o referido prazo fosse excedido, de uma sanção pecuniária compulsória de 100 euros, até um máximo de 7500 euros.

( 5 ) Esta disposição tem a redação «waardoor» em neerlandês, «du fait qu[e]» em francês e «so dass» em alemão.

( 6 ) Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:630, n.o 20).

( 7 ) Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.os 44 e 45 e jurisprudência referida). V., também, Acórdão de 22 de março de 2022, Prokurator Generalny (Secção Disciplinar do Supremo Tribunal — Nomeação) (C‑508/19, EU:C:2022:201, n.os 60 e 61 e jurisprudência referida).

( 8 ) V., por exemplo, Acórdão de 13 de abril de 2000, Lehtonen e Castors Braine (C‑176/96, EU:C:2000:201, n.o 19). V., também, Acórdão de 25 de junho de 2009, Roda Golf & Beach Resort (C‑14/08, EU:C:2009:395, n.o 33 e jurisprudência referida).

( 9 ) V., por analogia, Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o. (C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 29).

( 10 ) Acórdão de 10 de setembro de 2014, Ben Alaya (C‑491/13, EU:C:2014:2187, n.o 22 e jurisprudência referida).

( 11 ) Outras versões linguísticas utilizam termos equivalentes. V., nomeadamente, as versões linguísticas francesa («simultanément»), espanhola («simultáneamente»), alemã («gleichzeitig»), italiana («contemporaneamente»), letã («vienlaikus»), lituana («vienu metu»), búlgara («едновременно»), portuguesa («simultaneamente»), romena («simultan»), finlandesa («samanaikaisesti»), eslovena («hkrati»), dinamarquesa («samtidigt»), sueca («samtidigt») e estónia («korraga»).

( 12 ) V., nomeadamente, as versões linguísticas neerlandesa («een groot aantal»), francesa («un grand nombre»), espanhola («un gran número»), alemã («eine große Anzahl»), italiana («un gran numero»), letã («liels skaits»), lituana («daug»), búlgara («голям брой»), portuguesa («um grande número»), romena («un număr mare»), finlandesa («suuria määriä»), eslovena («veliko državljanov»), dinamarquesa («et stort antal»), sueca («ett stort antal») e estónia («suur hulk»).

( 13 ) Regulamento (UE) 2024/1348 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de maio de 2024, que institui um procedimento comum de proteção internacional na União e que revoga a Diretiva 2013/32 (JO L, 2024/1348). Uma vez que este regulamento entrou em vigor em 11 de junho de 2024 (as suas disposições serão aplicáveis a partir de 12 de junho de 2026), não é relevante para o presente processo. V., também, proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2016, que institui um procedimento comum de proteção internacional na União e que revoga a Diretiva 2013/32 [COM(2016) 467 final].

( 14 ) O sublinhado é meu. O artigo 35.o, n.o 5, deste regulamento contém três fundamentos para a prorrogação do prazo por mais seis meses (por oposição aos nove meses ao abrigo da Diretiva Procedimentos): a) se um número desproporcionado de nacionais de países terceiros ou apátridas fizerem pedidos de proteção internacional no mesmo período de tempo, impossibilitando a conclusão do procedimento de admissibilidade nos prazos fixados; b) se estiverem em causa questões de facto ou de direito complexas; e c) se o atraso puder ser claramente atribuído ao facto de o requerente não cumprir as suas obrigações nos termos do artigo 9.o do referido regulamento.

( 15 ) V., de um modo mais geral, relativamente à regra da interpretação restrita das derrogações, Acórdãos de 10 de março de 2005, easyCar (C‑336/03, EU:C:2005:150, n.o 21 e jurisprudência referida), e de 22 de junho de 2021, Ordre des barreaux francophones et germanophone e o. (Medidas preventivas de afastamento) (C‑718/19, EU:C:2021:505, n.o 56 e jurisprudência referida). Por analogia, o Tribunal de Justiça considerou que o artigo 33.o, n.o 2, da Diretiva Procedimentos reveste, no seu conjunto, caráter derrogatório relativamente à obrigação de os Estados‑Membros apreciarem quanto ao mérito todos os pedidos de proteção internacional [Acórdão de 1 de agosto de 2022, Bundesrepublik Deutschland (Filho de refugiados, nascido fora do Estado de acolhimento), C‑720/20, EU:C:2022:603, n.o 49].

( 16 ) O artigo 6.o, n.o 5, da Diretiva Procedimentos prevê que o prazo de registo de um pedido de asilo pode ser prorrogado nos casos em que o pedido simultâneo de proteção internacional por um grande número de nacionais de países terceiros ou de apátridas torne muito difícil na prática respeitar o prazo de três dias úteis a contar da apresentação do pedido. Além disso, o artigo 43.o, n.o 3, da Diretiva Procedimentos não contém o termo «simultaneamente», mas refere‑se a «um grande número de nacionais de países terceiros ou de apátridas que apresentem pedidos de proteção internacional na fronteira ou numa zona de trânsito». Acresce que o artigo 14.o, n.o 1, da referida diretiva permite que os Estados‑Membros prevejam que o pessoal de outra autoridade possa participar temporariamente na realização de entrevistas pessoais caso a apresentação simultânea de um pedido de proteção internacional por parte de um grande número de nacionais de países terceiros ou de apátridas torne impossível na prática, para o órgão de decisão, realizar atempadamente entrevistas sobre os fundamentos de um pedido.

( 17 ) Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada de proteção internacional nos Estados‑Membros [COM (2009) 554 final].

( 18 ) Proposta alterada de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional, [COM(2011) 319 final], ponto 3.1.3 da exposição de motivos.

( 19 ) V. exposição de motivos da proposta alterada referida na nota de pé de página 18.

( 20 ) V. anexo, explicação pormenorizada da proposta alterada que acompanha o documento proposta alterada de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional, p. 11, que declara:

«Propõe‑se igualmente a racionalização do procedimento de asilo mediante a introdução de prazos para os procedimentos em primeira instância. O prazo geral previsto de 6 meses vai ao encontro das alterações legislativas e/ou práticas da maioria dos Estados‑Membros […]. É fundamental para aumentar a eficiência das apreciações, reduzir os custos de receção, facilitar o afastamento de requerentes de asilo cujo pedido tiver sido indeferido e garantir o acesso mais rápido à proteção por parte dos refugiados genuínos e das pessoas que careçam de proteção subsidiária. As alterações preveem ainda a possibilidade de alargar o prazo de 6 meses em casos específicos. Para dar aos Estados‑Membros tempo suficiente para adaptar e reorganizar os respetivos procedimentos nacionais de acordo com os novos prazos propostos, a proposta prevê a prorrogação do prazo de transposição destas alterações por 3 anos.»

( 21 ) Ibidem.

( 22 ) Embora a versão neerlandesa não faça referência ao conceito de «outros», deve salientar‑se que este conceito pode ser encontrado em muitas outras versões linguísticas. V., nomeadamente, as versões linguísticas búlgara («допълнителен»), espanhola («otros»), inglesa («further»), francesa («supplémentaires»), checa («dalších»), alemã («weitere»), italiana («ulteriori»), letã («vēl»), portuguesa («outros»), finlandesa («enintään»), dinamarquesa («yderligere»), sueca («ytterligare»), eslovaca («ďalších») e grega («επιπλέον»).

( 23 ) Há que assinalar que, contrariamente aos argumentos de X, no seu Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento de requerentes de proteção internacional) (C‑808/18, EU:C:2020:1029), o Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre a natureza do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, da Diretiva Procedimentos. A referência a esta disposição no n.o 134 do referido acórdão constitui simplesmente uma descrição da argumentação da Comissão apresentada ao Tribunal de Justiça nesse processo.

( 24 ) V., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2021, Ordre des barreaux francophones et germanophone e o. (Medidas preventivas de afastamento) (C‑718/19, EU:C:2021:505, n.o 56), em que o Tribunal de Justiça reiterou que as exceções e as derrogações à livre circulação das pessoas devem ser objeto de interpretação restrita.

( 25 ) V., por exemplo, Acórdão de 23 de novembro de 2023, Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (Medidas de reflorestação) (C‑213/22, EU:C:2023:904, n.o 39). V., também, as minhas Conclusões no processo UFC — Que choisir e CLCV (C‑407/21, EU:C:2022:690, n.o 39).

( 26 ) COM(2020) 613 final.

( 27 ) Acórdão de 14 de outubro de 2010, Union syndicale Solidaires Isère (C‑428/09, EU:C:2010:612, n.o 40). V., também, Acórdão de 9 de setembro de 2003, Jaeger (C‑151/02, EU:C:2003:437, n.o 89).

( 28 ) V. Acórdão de 8 de maio de 2014, N. (C‑604/12, EU:C:2014:302, n.o 45), em que o Tribunal de Justiça declarou que a necessidade de assegurar a efetividade do acesso ao estatuto conferido pela proteção internacional exige que o pedido seja apreciado num prazo razoável.

( 29 ) Acórdão de 5 de setembro de 2019, Regards Photographiques (C‑145/18, EU:C:2019:668, n.o 32). V., também, Acórdão de 21 de março de 2013, PFC Clinic (C‑91/12, EU:C:2013:198, n.o 23).

( 30 ) Ott, J., Asylum authorities: An overview of internal structures and available resources, Conselho Europeu para os Refugiados e Exilados, Bruxelas, Bélgica, 2019, p. 34. Por outras palavras, o crescimento exponencial ocorre quando a taxa de crescimento de um valor é proporcional ao próprio valor, levando a que o valor aumente por um fator constante em cada período igual. Por exemplo, quando o valor duplica ou triplica em cada período, trata‑se de um crescimento exponencial.

( 31 ) Dado que nem todas as curvas ascendentes são exponenciais, o artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, alínea b), da Diretiva Procedimentos pode incluir outros modelos de crescimento além do crescimento exponencial.

( 32 ) A Diretiva Procedimentos faz parte do Sistema Europeu Comum de Asilo, que procura assegurar que os procedimentos de asilo em toda a União Europeia sejam conduzidos de forma semelhante e coerente. Tal inclui o estabelecimento de princípios e de prazos específicos para o tratamento dos pedidos. V., neste sentido, nomeadamente, considerandos 12, 18, 19 e 37 da Diretiva Procedimentos. No que diz respeito aos prazos específicos relativos ao acesso ao processo e à apreciação dos pedidos, v., nomeadamente, artigo 6.o, n.o 1, e artigo 31.o da Diretiva Procedimentos.

( 33 ) V., em especial, artigo 31.o, n.o 2, da Diretiva Procedimentos, que visa promover uma certa uniformidade do direito de asilo nos Estados‑Membros da União, nomeadamente no que diz respeito aos prazos de tratamento dos pedidos de asilo.

( 34 ) V. considerando 11 da Diretiva Procedimentos.

( 35 ) V. Acórdão de 16 de novembro de 2021, Comissão/Hungria (Criminalização da assistência aos requerentes de asilo) (C‑821/19, EU:C:2021:930, n.o 80 e jurisprudência referida). O Tribunal de Justiça declarou que um Estado‑Membro não pode, sob pena de desrespeitar o efeito útil do artigo 6.o da Diretiva Procedimentos, atrasar, de maneira injustificada, o momento no qual a pessoa pode efetivamente apresentar o seu pedido de proteção internacional [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento de requerentes de proteção internacional), C‑808/18, EU:C:2020:1029, n.os 103 e 106].

( 36 ) V., também, considerando 18 da Diretiva Procedimentos.

( 37 ) V., n.os 39 a 41, supra.

( 38 ) V., n.o 40, supra. V., também, a proposta inicial da Diretiva Procedimentos revista, em que a Comissão explicou que a introdução de prazos para a conclusão do procedimento de tratamento foi motivada pela necessidade de «racionalização do procedimento de asilo mediante a introdução de prazos para os procedimentos em primeira instância». Foi declarado que «[o] prazo geral previsto de [seis] meses vai ao encontro das alterações legislativas e/ou práticas da maioria dos Estados‑Membros consultados para a preparação das alterações […]. É fundamental para aumentar a eficiência das apreciações, reduzir os custos de receção, facilitar o afastamento de requerentes de asilo cujo pedido tiver sido indeferido e garantir o acesso mais rápido à proteção por parte dos refugiados genuínos e das pessoas que careçam de proteção subsidiária.»

( 39 ) V. n.os 4 a 7, «Valores e previsões relativos ao número de pedidos de asilo nos Países Baixos».

( 40 ) Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o Staatssecretaris refere‑se ao «número total de pedidos de asilo», que abrange os primeiros pedidos de asilo, os pedidos de asilo subsequentes e os pedidos de reagrupamento familiar.

( 41 ) Acórdão de 12 de abril de 2018 (C‑550/16, EU:C:2018:248). V., para este efeito, n.o 56 deste acórdão.

( 42 ) Diretiva do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO 2003, L 251, p. 12).

( 43 ) V. Acórdão de 29 de junho de 2023, International Protection Appeals Tribunal e o. (Atentado no Paquistão) (C‑756/21, EU:C:2023:523, n.o 80).

( 44 ) Por analogia, no que diz respeito à distinção dos acontecimentos «internos» e «externos» na identificação das circunstâncias extraordinárias pelas quais a transportadora aérea está isenta de indemnizar o passageiro, o Tribunal de Justiça declarou que os acontecimentos «externos» resultam de circunstâncias externas, na prática, mais ou menos frequentes, mas que a transportadora aérea não controla, porque têm por origem um facto natural ou de um terceiro [v., neste sentido, Acórdão de 7 de julho de 2022, SATA International — Azores Airlines (Falha do sistema de abastecimento de combustível), C‑308/21, EU:C:2022:533, n.os 25 e 26)]. V., também, Acórdão de 11 de maio de 2023, TAP Portugal (Morte do copiloto) (C‑156/22 a C‑158/22, EU:C:2023:393, n.o 18 e jurisprudência referida), e as minhas Conclusões nestes processos apensos (EU:C:2023:91).