Edição provisória
CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
MACIEJ SZPUNAR
apresentadas em 4 de julho de 2024 (1)
Processo C‑277/23
E. P.
contra
Ministarstvo financija Republike Hrvatske, Samostalni sektor za drugostupanjski upravni postupak
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Ustavni sud Republike Hrvatske (Tribunal Constitucional, Croácia)]
«Reenvio prejudicial — Cidadania da União — Direito de livre circulação e de livre permanência no território dos Estados‑Membros — Legislação fiscal — Imposto sobre o rendimento — Cálculo da dedução pessoal de base por filho a cargo beneficiário do apoio à mobilidade — Apoio superior ao limite máximo previsto por essa legislação — Programa Erasmus + — Mobilidade para um Estado‑Membro com um custo médio de vida mais elevado — Proibição de discriminação — Restrição à livre circulação»
I. Introdução
1. O programa Erasmus (EuRopean Action Scheme for the Mobility of University Students) foi concebido por referência a um período do Renascimento em que os estudantes e os intelectuais podiam circular livremente na Europa. É, assim, designado pelo nome do filósofo, filólogo, teólogo e humanista Erasmo de Roterdão (1469‑1536) que, pretendendo ser cidadão do mundo, viveu e trabalhou em várias regiões da Europa. Com efeito, considerava que só as ligações que mantinha com os outros países lhe proporcionavam os conhecimentos, as experiências e as ideias que constituíam o objeto das suas investigações (2).
2. Desde a sua criação em 1987, o programa Erasmus permitiu a várias gerações de jovens estudantes circular livremente na União Europeia para fins educativos, contribuindo assim para a aproximação entre os povos da União. Abriu também caminho à Europa da educação, uma vertente indissociável da Europa dos cidadãos e, posteriormente, da cidadania da União. Atualmente, o programa Erasmus + contribui para a cooperação da União nos domínios essenciais da educação e da formação, estreitamente ligados ao desenvolvimento económico e social da União, e para promover os valores da União, em conformidade com o artigo 2.° TUE (3). E no futuro? No futuro, este programa deve continuar a incentivar a mobilidade dos estudantes, enquanto objetivo de interesse geral, e a consolidar os valores da União. Não esqueçamos, efetivamente, que «a democracia na União necessita de um substrato educativo» (4).
3. No presente processo, o Tribunal de Justiça é, em substância, questionado sobre a interpretação dos artigos 18.°, 20.°, 21.° e 165.° TFUE. No essencial, trata‑se de responder às questões determinantes que se colocam ao órgão jurisdicional de reenvio, o Ustavni sud Republike Hrvatske (Tribunal Constitucional, Croácia), e que podem ser resumidas da seguinte forma: pode uma bolsa Erasmus recebida por um estudante nacional de um Estado‑Membro beneficiar, em parte, a Administração Fiscal desse Estado‑Membro? Está o tratamento fiscal desfavorável ao progenitor contribuinte de acordo com o objetivo do programa Erasmus +, que consiste em incentivar a mobilidade dos estudantes?
4. O presente pedido de decisão prejudicial oferece, portanto, ao Tribunal de Justiça a oportunidade de se debruçar novamente sobre a mobilidade dos estudantes, tendo como pano de fundo a legislação de um Estado‑Membro relativa a determinadas vantagens fiscais, e inscreve‑se na esteira traçada pela sua jurisprudência relativa à livre circulação dos estudantes (5).
II. Quadro jurídico
A. Direito da União
5. O artigo 21.°, n.° 1, TFUE prevê que «[q]ualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados‑Membros, sem prejuízo das limitações e condições previstas nos Tratados e nas disposições adotadas em sua aplicação».
6. O artigo 165.° TFUE dispõe, nos n.os 1 e 2:
«1. A União contribuirá para o desenvolvimento de uma educação de qualidade, incentivando a cooperação entre Estados‑Membros e, se necessário, apoiando e completando a sua ação, respeitando integralmente a responsabilidade dos Estados‑Membros pelo conteúdo do ensino e pela organização do sistema educativo, bem como a sua diversidade cultural e linguística.
[...]
2. A ação da União tem por objetivo:
— desenvolver a dimensão europeia na educação, nomeadamente através da aprendizagem e divulgação das línguas dos Estados‑Membros,
— incentivar a mobilidade dos estudantes e dos professores, nomeadamente através do incentivo ao reconhecimento académico de diplomas e períodos de estudo,
— promover a cooperação entre estabelecimentos de ensino,
— desenvolver o intercâmbio de informações e experiências sobre questões comuns aos sistemas educativos dos Estados‑Membros,
— incentivar o desenvolvimento do intercâmbio de jovens e animadores socioeducativos e estimular a participação dos jovens na vida democrática da Europa,
[...]»
7. O considerando 40 do Regulamento (UE) n.° 1288/2013 (6), na versão aplicável aos factos do litígio no processo principal (a seguir «Regulamento Erasmus +»), enunciava:
«A fim de reforçar o acesso ao Programa, as subvenções concedidas para apoiar a mobilidade individual deverão ser adaptadas em função do custo de vida e de subsistência do país de acolhimento. Nos termos da lei nacional, os Estados‑Membros deverão ser incentivados a isentar estas subvenções de quaisquer impostos e comparticipações sociais. A mesma isenção deverá ser aplicada aos organismos públicos e privados que prestam essa ajuda financeira às pessoas em causa.»
8. O artigo 6.° do Regulamento Erasmus +, sob a epígrafe «Ações do Programa», dispunha, no n.° 1:
«No domínio da educação e da formação, o Programa prossegue os seus objetivos através dos seguintes tipos de ações:
a) Mobilidade individual para fins de aprendizagem;
[...]»
9. O artigo 18.°, deste regulamento, sob a epígrafe «Orçamento», previa, no n.° 7:
«Os fundos para a mobilidade individual para fins de aprendizagem referidos no artigo 6.°, n.° 1, alínea a), e no artigo 12.°, alínea a), são atribuídos para serem geridos pela agência ou pelas agências nacionais (a seguir “agência nacional”) com base na população e no custo de vida no Estado‑Membro, na distância entre as capitais dos Estados‑Membros e no desempenho. O parâmetro de desempenho representa 25 % dos fundos totais, de acordo com os critérios referidos nos n.os 8 e 9. Relativamente às parcerias estratégicas a que se referem o artigo 8.°, n.° 1, alínea a), e o artigo 14.°, n.° 1, alínea a), que deverão ser selecionadas e geridas por uma agência nacional, os fundos são atribuídos com base em critérios a definir pela Comissão pelo procedimento de exame a que se refere o artigo 36.°, n.° 3. Essas fórmulas devem, na medida do possível, ser neutras no que respeita aos diferentes sistemas de educação e formação dos Estados‑Membros, evitar reduções substanciais do orçamento anual atribuído aos Estados‑Membros de um ano para o outro e minimizar desequilíbrios excessivos no nível de subvenções concedidas.»
10. O artigo 67.° do Regulamento (CE) n.° 883/2004 (7), sob a epígrafe «Familiares que residam noutro Estado‑Membro», dispõe:
«Uma pessoa tem direito às prestações familiares nos termos da legislação do Estado‑Membro competente, incluindo para os seus familiares que residam noutro Estado‑Membro, como se estes últimos residissem no primeiro Estado‑Membro. Todavia, um titular de pensão tem direito às prestações familiares em conformidade com a legislação do Estado‑Membro competente no que respeita à pensão.»
B. Direito croata
11. A Zakon o porezu na dohodak (Lei relativa ao Imposto sobre o Rendimento), na versão em vigor à data dos factos (8) (a seguir «ZPD»), prevê, no artigo 6.°, que é aplicável uma dedução pessoal à matéria coletável do imposto sobre o rendimento.
12. O artigo 10.° da ZPD enumera os montantes isentos de imposto sobre o rendimento. Entre estes figuram, nomeadamente:
— as «bolsas destinadas a estudantes para o ensino a tempo inteiro em estabelecimentos de ensino superior e universidades, bem como a doutorandos e pós‑doutorados, para as quais estão previstos fundos no orçamento do Estado da República da Croácia, e as bolsas que são pagas, ou seja atribuídas a partir do orçamento da União Europeia, que são regulamentadas por convenções internacionais específicas e destinadas a estudantes para o ensino a tempo inteiro em estabelecimentos de ensino superior» (ponto 13);
— as «bolsas destinadas a estudantes selecionados em concursos públicos, nos quais podem participar todos os estudantes em igualdade de condições, para o ensino a tempo inteiro em estabelecimentos de ensino superior, as quais são pagas, ou seja atribuídas por fundações, estabelecimentos e outras instituições registados na República da Croácia, para fins de ensino e de formação ou de investigação científica, cuja ação é regulada por disposições especiais e que são criados para efeitos de concessão de bolsas» (ponto 18), e
— os montantes «pagos como subvenções a partir de fundos e programas da União Europeia por intermédio de organismos acreditados, em conformidade com a regulamentação da União Europeia, na República da Croácia para a execução de ações de mobilidade, no âmbito dos programas e fundos da União Europeia, para fins de educação e de formação profissional, em conformidade com o Regulamento Financeiro da Comissão Europeia, até ao limite dos montantes prescritos» (ponto 20).
13. O artigo 36.° da ZPD dispõe:
«(1) Para os residentes, o montante total do rendimento auferido nos termos do artigo 5.° da presente lei é objeto de uma dedução pessoal de base no montante de 2 200 kunas [croatas (HRK) (cerca de 292 euros)], por cada mês do período fiscal relativamente ao qual o imposto é determinado. [...]
(2) Acrescem à dedução pessoal dos residentes prevista no n.° 1 do presente artigo os seguintes montantes:
[...]
2. por filhos a cargo: 0,5 da dedução pessoal de base pelo primeiro filho, 0,7 pelo segundo filho, 1,0 pelo terceiro filho, 1,4 pelo quarto filho, 1,9 pelo quinto filho e, por cada filho adicional, o aumento progressivo do fator da dedução pessoal de base é de 0,6, 0,7, 0,8, 0,9, 1,0 [...] em relação ao fator da dedução pessoal de base pelo filho anterior [...]
[…]
(4) São considerados membros da família próxima e filhos a cargo as pessoas singulares cujos rendimentos tributáveis, rendimentos isentos e outros montantes que, na aceção da presente lei, não são considerados rendimento, não excedam anualmente um montante correspondente ao quíntuplo da dedução pessoal de base prevista no n.° 1 do presente artigo.
(5) Em derrogação do n.° 4 do presente artigo, para a determinação do direito à dedução pessoal pelos membros da família próxima e filhos a cargo, não são considerados os montantes previstos em disposições especiais, a título de apoios sociais, abono de família, subsídio de nascimento, a saber, montantes destinado ao equipamento para um recém-nascido, bem como pensões familiares por morte de um progenitor. [...]»
14. O artigo 54.° da ZPD prevê, para determinados contribuintes residentes em regiões assistidas e no município de Vukovar (Croácia), como a recorrente no processo principal, um montante mais elevado de dedução pessoal de base e, portanto, uma maior dedução pelos filhos a cargo, aplicando os fatores fixados no artigo 36.°, n.° 2, ponto 1, da ZPD. De acordo com a decisão de reenvio, este montante ascendia, à data dos factos, a 3 000 HRK (cerca de 398 euros) e, anteriormente, a 2 700 HRK (cerca de 358 euros).
III. Factos do litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça
15. A recorrente no processo principal, nacional croata, obtém a maior parte dos seus rendimentos de trabalho por conta de outrem. É tributada em imposto sobre o rendimento e na respetiva sobretaxa enquanto rendimento fiscal especial de uma autarquia local. Tendo em conta o seu local de residência, a recorrente tem vantagens fiscais previstas na ZPD.
16. Decorre da decisão de reenvio que, nos períodos de tributação relativos aos anos anteriores a 2014, a recorrente no processo principal beneficiou, ao abrigo do artigo 36.°, n.° 2, ponto 2, e do artigo 54.°, n.° 1, ponto 2, da ZPD, do direito ao aumento da dedução de base (parte não tributável dos montantes anuais auferidos) pelo filho a cargo que, durante o período pertinente, era estudante a tempo inteiro na Finlândia onde frequentava um curso universitário.
17. Por Decisão de 27 de julho de 2015, a Porezna uprava Ministarstva financija Republike Hrvatske (Autoridade Tributária do Ministério das Finanças da República da Croácia) informou a recorrente no processo principal, por um lado, da existência de uma divergência nos montantes do imposto sobre o rendimento e da sobretaxa devido ao facto de a dedução de base pelo filho, membro da família a cargo, ter sido suprimida para o período compreendido entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2014 e, por outro, do montante que devia pagar a este título.
18. A recorrente no processo principal apresentou uma reclamação contra esta nota de liquidação no Samostalni sektor za drugostupanjski upravni postupak Ministarstva financija Republike Hrvatske (Ministério das Finanças da República da Croácia, Serviço do Contencioso Administrativo de Segunda Instância).
19. Em seu entender, foi erradamente que não lhe foi concedido o direito ao aumento da dedução de base para o imposto sobre o rendimento relativo ao ano de 2014 pelo filho a cargo. A este respeito, indica que este filho recebeu o apoio à mobilidade da universidade finlandesa Y, para o ano letivo de 2014/2015, no âmbito do programa Erasmus +, relativo à sua estada para estudos universitários nesse Estado‑Membro. Especifica que resulta da nota de liquidação em causa que esse apoio à mobilidade excede o limite aplicável de 11 000 HRK (1 460 euros), previsto no artigo 36.°, n.os 4 e 5, da ZPD, para poder beneficiar do direito ao aumento da dedução de base, como medida de política social, relativa ao imposto sobre o rendimento, pelo membro da família a cargo, ao abrigo do artigo 36.°, n.os 1 e 4, da ZPD (a seguir «disposições controvertidas»). Por outro lado, sustenta que o referido apoio à mobilidade deve ser qualificado de «apoio social» e, consequentemente, não deve ser considerado para o cálculo do direito a esse aumento, ao abrigo do artigo 36.°, n.° 5, da ZPD.
20. Por Decisão de 17 de julho de 2019, o Serviço de Contencioso Administrativo de Segunda Instância do Ministério das Finanças indeferiu a sua reclamação, por falta de fundamento.
21. A recorrente no processo principal interpôs recurso da decisão para o Upravni sud Osijek (Tribunal Administrativo de Primeira Instância de Osijek, Croácia), o qual lhe negou provimento em 30 de janeiro de 2020 por falta de fundamento.
22. Em 20 de janeiro de 2021, o Visoki upravni sud Republike Hrvatske (Tribunal Administrativo de Recurso, Croácia) também negou provimento ao recurso que a recorrente no processo principal interpôs desta decisão.
23. A recorrente no processo principal interpôs recurso constitucional nomeadamente desta última decisão no Ustavni sud Republike Hrvatske (Tribunal Constitucional). Em apoio do seu recurso, alega, nomeadamente, a violação da obrigação prevista no artigo 141.°‑c, da Constituição, de proteger os direitos subjetivos que lhe são conferidos pelo direito da União. Com efeito, afirma ser discriminada, com fundamento no artigo 18.° TFUE, e prejudicada, com fundamento no artigo 20.°, n.° 2, alínea a), e no artigo 21.°, n.° 1, TFUE, pelo facto de o seu filho ter exercido o seu direito de circular e de permanecer noutro Estado‑Membro para efeitos de educação.
24. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se, na falta de jurisprudência do Tribunal de Justiça suscetível de responder às alegações relativas à violação do princípio da proibição das discriminações ou do caráter desproporcionado das medidas fiscais relacionadas com a mobilidade dos estudantes no âmbito do programa Erasmus +, o direito da União é aplicável à situação da recorrente no processo principal e, mais especificamente, se a legislação fiscal em causa é compatível com os artigos 18.°, 20.°, 21.° e 165.°, n.° 2, TFUE, bem como com o artigo 67.° do Regulamento n.° 883/2004.
25. Considerando que o litígio no processo principal suscita questões de interpretação do direito da União, o Ustavni sud Republike Hrvatske (Tribunal Constitucional), por Decisão de 18 de abril de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de abril de 2023, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) Devem os artigos 18.°, 20.°, 21.° e 165.°, n.° 2, segundo travessão, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia ser interpretados no sentido de que se opõem às disposições de um Estado‑Membro por força das quais um progenitor perde o direito de aumentar o montante da dedução de base anual do imposto sobre o rendimento por filho a cargo, pelo facto de a esse filho, enquanto estudante a cargo que exerce o seu direito de livre circulação e permanência noutro Estado‑Membro para efeitos educativos, beneficiando, em aplicação de atos de execução nacionais, das medidas adotadas nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento [Erasmus +] para a mobilidade de estudantes de um Estado‑Membro com um custo de vida médio igual ou inferior para um Estado‑Membro com um custo de vida médio superior, determinados de acordo com os critérios da Comissão Europeia, na aceção do artigo 18.°, n.° 7, desse regulamento, ter sido pago um apoio à mobilidade de estudantes cujo montante excede o limite fixo estabelecido?
2) Deve o artigo 67.° do Regulamento [n.° 883/2004] ser interpretado no sentido de que se opõe às disposições de um Estado‑Membro nos termos das quais um progenitor perde o direito de aumentar a dedução de base anual do imposto sobre o rendimento por um estudante a cargo que, durante um período de estudos noutro Estado‑Membro, beneficiou de um apoio à mobilidade dos estudantes, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento [Erasmus +]?»
26. Foram apresentadas observações escritas no Tribunal de Justiça pelo Governo Croata e pela Comissão. O Tribunal de Justiça decidiu não realizar audiência de alegações no presente processo.
IV. Análise
27. Na situação em causa no processo principal, um nacional croata, estudante a tempo inteiro, beneficiou do apoio à mobilidade de uma universidade finlandesa relativo a uma estada para estudos universitários de cinco meses durante o ano letivo de 2014/2015, no âmbito do programa Erasmus +. A obtenção deste apoio teve consequências no cálculo do imposto sobre o rendimento da mãe, concretamente foi excedido o limite, previsto pela legislação nacional, além do qual a mãe, que é trabalhadora por conta de outrem na Croácia, perde, na qualidade de contribuinte, o direito ao aumento da dedução de base por filho a cargo, enquanto medida de política social. Resulta da decisão de reenvio que, uma vez que a dedução prevista na referida legislação foi suprimida para o período em causa no processo principal, a recorrente no processo principal teve de pagar uma diferença nos montantes de imposto sobre o rendimento e de sobretaxa de cerca de 4 500 HRK (597 euros).
28. O pedido de decisão prejudicial visa, em substância, saber se o direito da União se opõe a uma legislação nacional ao abrigo da qual é tomado em consideração o apoio à mobilidade do programa Erasmus +, de que beneficiou um filho a cargo de um contribuinte, o qual tem consequências desvantajosas na determinação do montante da dedução de base a que tem direito o progenitor contribuinte para o cálculo do seu imposto sobre o rendimento.
29. Antes de examinar as questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, há que rejeitar a objeção suscitada pelo Governo Croata quanto à admissibilidade das questões.
A. Quanto à admissibilidade
30. O Governo Croata considera que as questões prejudiciais devem ser declaradas inadmissíveis com o fundamento de que a situação fiscal da recorrente no processo principal e, especialmente, o cálculo do seu imposto sobre o rendimento e o seu direito à dedução fiscal de base serem regulados pelo direito nacional. Com efeito, segundo este Governo, não se deve considerar que a simples participação no programa Erasmus + diz respeito a todas as pessoas que tenham uma ligação com um estudante que participa nesse programa. Além disso, o referido Governo sustenta que se trata, no caso em apreço, de uma situação puramente interna tendo em conta a nacionalidade da recorrente no processo principal, o facto de trabalhar e auferir rendimentos na Croácia, assim como a circunstância de não ter exercido pessoalmente a liberdade de circulação nem ter beneficiado do apoio à mobilidade dos estudantes ao abrigo do referido programa.
31. A meu ver, tais argumentos não podem ser acolhidos.
32. Em primeiro lugar, no que respeita à pertinência das questões apresentadas ao Tribunal de Justiça, importa recordar que o órgão jurisdicional nacional ao qual foi submetido o litígio no processo principal e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Daqui decorre que as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais beneficiam de uma presunção de pertinência e que o Tribunal de Justiça só se pode recusar pronunciar sobre essas questões se for manifesto que a interpretação solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, se o problema for hipotético ou ainda se o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às referidas questões (9).
33. Não é o que sucede no presente caso. Com efeito, importa observar que o órgão jurisdicional de reenvio expõe com precisão as razões que o levaram a considerar que é necessária a interpretação do direito da União para proferir a sua decisão e que as questões prejudiciais podem ter uma repercussão na resolução do litígio no processo principal. Este órgão jurisdicional explica que, tendo em conta o objeto do recurso que lhe foi submetido e na falta de jurisprudência do Tribunal de Justiça suscetível de responder às alegações relativas à violação da proibição das discriminações ou ao caráter desproporcionado das medidas fiscais ligadas à mobilidade dos estudantes no âmbito do programa Erasmus +, deve, nomeadamente, para proferir a sua decisão, determinar se os atos individuais objeto do recurso de que é chamado a conhecer são contrários aos artigos 18.°, 20.°, 21.° e 165.°, n.° 2, TFUE.
34. Em segundo lugar, no que respeita ao argumento de que o litígio no processo principal deve ser considerado «puramente interno» à luz dos artigos 18.°, 20.° e 21.° TFUE, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, as regras do Tratado FUE em matéria de livre circulação de pessoas e os atos adotados em execução dessas regras não podem ser aplicados a atividades que não apresentem nenhuma conexão com uma das situações previstas pelo direito da União e cujos elementos pertinentes se situam, na sua totalidade, no interior de um só Estado‑Membro. Em contrapartida, como esclareceu o Tribunal de Justiça, qualquer nacional da União, independentemente do seu lugar de residência e da sua nacionalidade, que tenha exercido o direito à livre circulação noutro Estado‑Membro, é abrangido pelo âmbito de aplicação destas disposições (10).
35. No caso em apreço, há que salientar que a decisão de reenvio contém as especificações necessárias para permitir ao Tribunal de Justiça constatar a conexão da situação da recorrente no processo principal com o direito da União. Além disso, como o Tribunal de Justiça já precisou, embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados‑Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (11), especialmente, das disposições do Tratado FUE relativas à liberdade reconhecida a qualquer cidadão da União de circular e de permanecer livremente no território dos Estados‑Membros (12) e do princípio da igualdade de tratamento.
36. Neste contexto, há que observar que, contrariamente ao que sustenta o Governo Croata, a situação de um nacional de um Estado‑Membro, como a recorrente no processo principal, que não tenha exercido o direito à livre circulação não pode, só por isso, ser equiparada a uma situação puramente interna. Com efeito, embora seja verdade que a recorrente no processo principal não exerceu pessoalmente esse direito nem beneficiou do apoio à mobilidade dos estudantes no âmbito do programa Erasmus +, é, no entanto, pacífico, por um lado, que o seu filho a cargo exerceu o direito à livre circulação (13) e, por outro, que, como esclarece o órgão jurisdicional de reenvio, o tratamento fiscal desvantajoso da recorrente no processo principal, que é, no caso em apreço, o progenitor contribuinte, está incontestavelmente ligado ao apoio à mobilidade de que o seu filho a cargo beneficiou ao abrigo desse programa.
37. Por conseguinte, considero que as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio são admissíveis.
B. Quanto ao mérito
1. Quanto à primeira questão prejudicial
38. Antes de mais, recordo que, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 21.° TFUE prevê não apenas o direito de circular e de residir livremente no território dos Estados‑Membros mas também uma proibição de qualquer discriminação em razão da nacionalidade. Consequentemente, importa examinar a situação da recorrente no processo principal apenas ao abrigo desta disposição (14), à luz do artigo 165.° TFUE.
39. Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 21.° TFUE, lido à luz do artigo 165.°, n.° 2, segundo travessão, TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que, para determinar o montante da dedução de base a que um progenitor contribuinte tem direito por filho a cargo, toma em consideração o apoio à mobilidade para fins de educação de que o filho beneficiou ao abrigo do programa Erasmus +, o que tem como consequência a perda do direito ao aumento dessa dedução no cálculo do imposto sobre o rendimento.
40. O Governo Croata entende que as disposições controvertidas não constituem uma discriminação (direta ou indireta) das pessoas em causa nem um entrave à sua liberdade de circulação na União. Em contrapartida, a Comissão é de opinião que estas disposições constituem uma restrição à livre circulação de pessoas prevista no artigo 21.° TFUE, lido à luz do artigo 165.° TFUE e do artigo 4.°, n.° 3, TUE, uma vez que, no caso em apreço, o tratamento fiscal desvantajoso dos rendimentos da recorrente no processo principal decorre diretamente do facto de o seu filho ter exercido o seu direito à livre circulação.
41. O presente processo situa‑se, portanto, no cruzamento entre o domínio da fiscalidade direta e o domínio da livre circulação dos cidadãos da União. Para propor ao Tribunal de Justiça uma resposta útil à primeira questão prejudicial, e atendendo aos objetivos do programa Erasmus +, analisarei brevemente, num primeiro momento, a especificidade dos apoios à mobilidade no âmbito deste programa (secção a) e, num segundo momento, a questão de saber se a legislação em causa no processo principal constitui uma discriminação em razão da nacionalidade e/ou uma restrição à liberdade de circulação dos cidadãos da União (secção b).
a) Quanto à especificidade dos apoios à mobilidade ao abrigo do programa Erasmus +
42. Para compreender melhor a especificidade dos apoios à mobilidade do programa Erasmus +, evocarei brevemente a génese deste programa. Uma vez que a evolução jurídica do referido programa está estreitamente ligada à da ação da União no domínio da educação e da formação, atualmente consagrada nos artigos 165.° e 166.° TFUE, examinarei, em seguida, a sua evolução paralela.
1) Génese da ação da União no domínio da educação e do programa Erasmus +
43. Saliento desde já que, embora o Tratado de Roma de 1957 já contivesse, em germe, a perspetiva de ações da União no domínio da educação, foi necessário esperar pelo ano de 1963 para que o Conselho adotasse uma decisão sobre a política comum de formação profissional (antigo artigo 128.° do Tratado CEE)(15), abrindo assim a reflexão sobre a ligação entre formação profissional e ensino geral (16). A partir desse momento, várias etapas tiveram de ser ultrapassadas para que a educação e a formação estivessem no centro da cooperação europeia, permitindo assim às instituições da União a criação de programas de formação e de educação.
44. Em especial, há que ter em conta o período compreendido entre 1985 e 1992, durante o qual foram criados, nomeadamente, os programas Comett (cooperação universidades‑empresas), Erasmus (mobilidade dos estudantes e cooperação universitária) e Lingua (promoção do ensino de línguas estrangeiras). Paralelamente, nesse período, a cooperação no domínio da educação foi consagrada no Tratado CE (17). Com efeito, com a entrada em vigor do Tratado de Maastricht de 1992, o termo «ensino» aparece pela primeira vez no Tratado CE (18), que reconhece assim a importância, na construção europeia, do papel complementar da União na promoção de sistemas europeus de ensino de qualidade, enquanto fixa os limites do papel da União e os principais objetivos da sua ação, no contexto da afirmação explícita da responsabilidade primeira dos Estados‑Membros pelos seus sistemas educativos, respeitando assim plenamente o princípio da subsidiariedade. Além disso, a inscrição do domínio da educação no direito primário proporcionou uma base jurídica clara que põe termo aos debates e às controvérsias jurídicas nesta matéria (19). Por último, o artigo 165.° TFUE, que foi inserido nos Tratados pelo Tratado de Lisboa, concretizou esta evolução legislativa e jurisprudencial (20).
45. O programa Erasmus foi criado em 1987, após mais de quinze anos de discussão, e destinava‑se a favorecer o intercâmbio de estudantes exclusivamente entre universidades de Estados‑Membros diferentes (21). Este programa abriu assim caminho à Europa da educação enquanto vertente indissociável da Europa dos cidadãos (22). No seu primeiro ano de existência, participaram 3 200 estudantes oriundos das universidades de 11 Estados‑Membros (23). Desde então, o grande sucesso do programa Erasmus é amplamente demonstrado pelo aumento constante do número de participantes. Em 2017, 9 milhões de pessoas beneficiaram deste programa e, em 2024, mais de 15 milhões de pessoas, entre as quais se encontravam, nomeadamente, estudantes universitários mas também alunos do terceiro ciclo do ensino básico, alunos do ensino secundário, aprendizes, educadores e formadores ou jovens licenciados, que participaram numa vasta gama de projetos de educação, formação e mobilidade de jovens.
46. Resulta da evolução das ações da União no domínio da educação e da formação, bem como da evolução do programa Erasmus, atualmente designado «programa Erasmus +», que os objetivos deste último estão atualmente consagrados no artigo 165.° TFUE (24).
2) Objetivo comum da ação da União no domínio da educação e do Regulamento Erasmus +: incentivar a mobilidade dos estudantes
47. O Regulamento Erasmus +, aplicável no presente processo, foi adotado com fundamento no artigo 165.°, n.° 4, e no artigo 166.°, n.° 4, TFUE. O artigo 165.°, n.° 1, TFUE prevê que o objetivo geral da União consiste em contribuir «para o desenvolvimento de uma educação de qualidade, incentivando a cooperação entre Estados‑Membros e, se necessário, apoiando e completando a sua ação, respeitando integralmente a responsabilidade dos Estados‑Membros pelo conteúdo do ensino e pela organização do sistema educativo, bem como a sua diversidade cultural e linguística». O artigo 165.°, n.° 2, segundo travessão, TFUE especifica, em seguida, que a ação da União tem, nomeadamente, por objetivo «incentivar a mobilidade dos estudantes e dos professores» (25).
48. A ação da União estava igualmente consagrada no artigo 6.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento Erasmus +, que previa que, no domínio da educação e da formação, o programa Erasmus + prossegue os seus objetivos através de uma série de ações, entre as quais a «[m]obilidade individual para fins de aprendizagem» (26). A este respeito, o artigo 7.° deste regulamento dispunha que esta ação visa apoiar, designadamente, a «[m]obilidade dos estudantes de todos os ciclos do ensino superior».
3) Natureza específica das bolsas Erasmus +
49. Antes de mais, recordo que, desde a criação do programa Erasmus, o princípio da complementaridade entre o financiamento da União e o dos Estados‑Membros sempre foi considerado um fator essencial do desenvolvimento deste programa. É assim, particularmente, no financiamento da mobilidade dos estudantes, dado o caráter complementar das bolsas Erasmus +, que são destinadas a cobrir apenas os custos suplementares da mobilidade (27).
50. Resulta, assim, da leitura do considerando 40 do Regulamento Erasmus + que, a fim de reforçar o acesso ao programa, as subvenções concedidas para apoiar a mobilidade individual deverão ser adaptadas em função do custo de vida e de subsistência do país de acolhimento. Este considerando enunciava, nomeadamente, que, nos termos da lei nacional, os Estados‑Membros deverão ser incentivados a isentar estas subvenções de quaisquer impostos e comparticipações sociais.
51. A este respeito, relativamente ao orçamento do programa Erasmus +, o artigo 18.° do Regulamento Erasmus + dispunha que os fundos para a mobilidade individual para fins de aprendizagem referidos no artigo 6.°, n.° 1, alínea a), e no artigo 12.°, alínea a), deste regulamento, eram atribuídos para serem geridos pela agência ou pelas agências nacionais «com base na população e no custo de vida no Estado‑Membro, na distância entre as capitais dos Estados‑Membros e no desempenho» (28).
52. Com efeito, como salienta a Comissão, uma vez que o programa Erasmus + tem como objetivo geral e específico incentivar a mobilidade das pessoas para fins de educação e de formação, as bolsas Erasmus + têm por objeto contribuir para os custos suplementares que não teriam ocorrido na falta de mobilidade (29).
53. É, portanto, este o contexto evolutivo e regulamentar à luz do qual há que apreciar o problema jurídico suscitado pelo órgão jurisdicional de reenvio.
b) Quanto à existência de uma discriminação em razão da nacionalidade ou de uma restrição à livre circulação dos cidadãos da União
54. Na medida em que o próprio órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à existência de uma discriminação indireta em razão da nacionalidade, começarei por analisar este ponto.
1) Quanto à existência de uma discriminação
55. No que respeita ao domínio da fiscalidade direta, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, fora dos domínios nos quais o direito fiscal da União é objeto de harmonização, a determinação das características constitutivas de cada imposto faz parte do poder de apreciação dos Estados‑Membros, no respeito da sua autonomia fiscal, devendo esse poder, de qualquer modo, ser exercido com observância do direito da União. O Tribunal de Justiça esclareceu que é o que sucede, nomeadamente, na escolha da taxa de imposto, que pode ser proporcional ou progressiva, mas também na determinação da matéria coletável do imposto e do seu facto gerador (30).
56. Neste contexto, os Estados‑Membros devem exercer essa competência com observância do direito da União, nomeadamente, do princípio da legalidade de tratamento. Por outro lado, esta exigência visa tanto as medidas através das quais exerce esse poder como a aplicação das mesmas. Além disso, segundo jurisprudência constante, o princípio da igualdade de tratamento exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado (31). A este respeito, importa salientar que o Tribunal de Justiça já declarou que a comparabilidade das situações só pode ser apreciada no quadro de um único sistema fiscal (32). Há também que recordar que as normas referentes à igualdade de tratamento proíbem não só as discriminações ostensivas em razão da nacionalidade mas ainda qualquer forma de discriminação dissimulada que, mediante a aplicação de outros critérios de distinção, conduza efetivamente ao mesmo resultado (33).
57. No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio indica que é difícil identificar um grupo de referência ao qual a situação da recorrente no processo principal possa ser comparada para efeitos de determinar se existe uma violação do princípio da igualdade de tratamento.
58. Em especial, este órgão jurisdicional considera que, à primeira vista, a aplicação das disposições controvertidas poderia criar, no que respeita às despesas efetuadas pelos pais para o sustento dos filhos a cargo, uma diferença de tratamento entre, por um lado, os pais contribuintes cujo filho a cargo exerceu o seu direito à livre circulação no âmbito do programa Erasmus + para se deslocar a um Estado‑Membro onde o custo de vida é semelhante ou mais elevado, como é o caso da recorrente no processo principal, e, por outro, os pais contribuintes cujo filho a cargo exerceu esse direito no âmbito do mesmo programa para se deslocar a um Estado‑Membro onde o custo de vida é semelhante ou inferior, bem como aqueles cujo filho a cargo não exerceu o referido direito para prosseguir os seus estudos universitários, sem que estes últimos tenham tido que suportar despesas relacionadas com a mobilidade.
59. No entanto, o próprio órgão jurisdicional de reenvio indica que, tendo em conta, nomeadamente, os objetivos do Regulamento Erasmus +, a situação da recorrente no processo principal não é comparável, de modo geral, à dos sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento cujos filhos não exerceram o seu direito à livre circulação, nem à dos sujeitos passivos cujos filhos obtiveram um apoio à mobilidade no âmbito do programa Erasmus + para uma estada para estudos universitários nos Estados‑Membros com custo de vida semelhante ou inferior.
60. Em contrapartida, este órgão jurisdicional parece considerar que a situação da recorrente no processo principal é diferente da dos outros sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento e que, consequentemente, não deve receber o mesmo tratamento fiscal.
61. A este respeito, há que constatar que, do ponto de vista dos objetivos do programa Erasmus + e da especificidade das bolsas obtidas ao abrigo deste programa (34), as situações destas categorias de pais contribuintes não são comparáveis (35). Pelo contrário, atendendo às especificidades das bolsas Erasmus +, são situações diferentes que não devem ser tratadas de igual forma, o que implica que os apoios à mobilidade Erasmus + não devem ser considerados no cálculo do imposto sobre o rendimento do progenitor contribuinte, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
62. De qualquer modo, estou convencido de que as disposições controvertidas constituem uma restrição à livre circulação de estudantes, pelas razões que se seguem.
2) Quanto à existência de uma restrição à livre circulação
63. Recordo que, enquanto nacional croata, a recorrente no processo principal beneficia, ao abrigo do artigo 20.°, n.° 1, TFUE, do estatuto de cidadã da União, que, como salientou por diversas vezes o Tribunal de Justiça, é tendencialmente o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros (36). Por conseguinte, a recorrente no processo principal pode invocar, mesmo relativamente ao seu próprio Estado‑Membro de origem, direitos relativos a esse estatuto, nomeadamente o direito de circular e de permanecer no território dos Estados‑Membros, como são conferidos pelo artigo 21.° TFUE (37).
64. Saliento, igualmente, que, segundo jurisprudência constante, uma legislação nacional que coloca determinados cidadãos nacionais numa situação de desvantagem pelo simples facto de terem exercido a sua liberdade de circulação e de permanência noutro Estado‑Membro constitui uma restrição às liberdades reconhecidas pelo artigo 21.°, n.° 1, TFUE a qualquer cidadão da União (38). É certo que o Tribunal de Justiça já declarou que o Tratado não garante a um cidadão da União que o exercício da liberdade de circulação seja neutro em termos de impostos. A este respeito, o Tribunal de Justiça esclareceu, por um lado, que, tendo em conta as disparidades entre as legislações dos Estados‑Membros na matéria, esse exercício pode, conforme o caso, ser mais ou menos vantajoso ou desvantajoso. Por outro lado, aplica‑se o mesmo princípio, por maioria de razão, a situações em que a pessoa em causa não exerceu ela própria o seu direito de circulação, mas alega ser vítima de um tratamento desvantajoso na sequência do exercício da liberdade de circulação de um membro da sua família (39).
65. Observo, no entanto, como resulta da decisão de reenvio e como sublinha a Comissão, que o exercício do direito à livre circulação do filho a cargo da recorrente no processo principal no âmbito do programa Erasmus + teve, sem dúvida, repercussão no seu direito à dedução fiscal (40).
66. Nestas circunstâncias, decorre igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as facilidades concedidas pelo Tratado em matéria de circulação dos cidadãos da União não poderiam produzir a plenitude dos seus efeitos se um nacional de um Estado‑Membro pudesse ser dissuadido de as exercer, em virtude de obstáculos colocados à sua permanência noutro Estado‑Membro, por uma legislação do seu Estado de origem que o penalizasse pelo simples facto de as ter exercido (41). Convém não esquecer, como salientou também o Tribunal de Justiça, que esta consideração é particularmente importante no domínio da educação, tendo em conta os objetivos prosseguidos pelos artigos 6.°, alínea e), e 165.°, n.° 2, segundo travessão, TFUE, a saber, nomeadamente, incentivar a mobilidade dos estudantes e dos professores (42). Com efeito, embora os Estados‑Membros sejam competentes, por força do artigo 165.°, n.° 1, TFUE, no que respeita ao conteúdo do ensino e à organização dos respetivos sistemas educativos, esta competência deve ser exercida no respeito do direito da União, especialmente das disposições do Tratado relativas à liberdade de circular e de permanecer no território dos Estados‑Membros, como conferida pelo artigo 21.°, n.° 1, TFUE a qualquer cidadão da União (43).
67. A este respeito, importa acrescentar que o objetivo comum atribuído à ação da União no domínio da educação, ao abrigo do artigo 165.°, n.° 2, TFUE e do Regulamento Erasmus +, é incentivar a mobilidade dos estudantes e dos professores (44). No que respeita ao mesmo, o Tribunal de Justiça já declarou que é do interesse geral e faz parte das ações cometidas à União pelo artigo 165.° TFUE no âmbito da política de educação, formação profissional, da juventude e do desporto e que a mobilidade na educação e na formação é um elemento integrante da liberdade de circulação das pessoas e um dos principais objetivos da ação da União (45).
68. No caso em apreço, embora o apoio à mobilidade Erasmus + não seja, enquanto tal, objeto de tributação na Croácia, é pacífico que a recorrente no processo principal, cujo filho a cargo beneficiou de um apoio à mobilidade Erasmus + e, portanto, exerceu o seu direito de livre circulação e de permanência na Finlândia, foi penalizada pelas disposições controvertidas. Com efeito, o facto de estas disposições preverem que seja tomado em consideração o montante do apoio à mobilidade Erasmus + de que beneficiou o filho a cargo teve como consequência a perda do seu direito ao aumento da dedução de base.
69. Como explica o órgão jurisdicional de reenvio e salienta acertadamente a Comissão, o efeito dissuasivo resulta de forma particularmente clara do Relatório da Provedora de Justiça da República da Croácia relativo ao ano de 2017 (46). Com efeito, de acordo com este relatório, as universidades croatas declaravam que inúmeros estudantes interessados no programa Erasmus + renunciavam ao mesmo depois de ser informados de que, segundo a interpretação adotada pelo Ministério das Finanças croata, o recebimento do apoio Erasmus + à mobilidade tinha como consequência privar os seus pais do direito ao aumento da dedução de base por estudante a cargo. Esse órgão jurisdicional acrescenta que, na sequência da recomendação da Provedora de Justiça, a ZPD foi alterada em 2018 (47).
70. Considero, portanto, que as disposições controvertidas são suscetíveis de dissuadir os cidadãos da União, como os estudantes universitários, de exercerem a sua liberdade de circular e de residir noutro Estado‑Membro para efeitos de educação, devido à repercussão que o exercício desta liberdade pode ter no direito à dedução dos seus pais contribuintes.
3) Quanto à justificação
71. Recordo que uma restrição ao exercício da liberdade de circulação e de permanência só pode ser justificada face ao direito da União se se basear em considerações objetivas de interesse geral, independentes da nacionalidade das pessoas em causa, e se for proporcionada ao objetivo legitimamente prosseguido pelo direito nacional. Uma medida é proporcionada quando, sendo adequada à realização do objetivo prosseguido, não vai além do necessário para o alcançar (48).
72. Em primeiro lugar, no que respeita à identificação de uma consideração objetiva de interesse geral, o órgão jurisdicional de reenvio esclarece que as disposições controvertidas prosseguem, em conformidade com os princípios da igualdade e da justiça do sistema fiscal e da boa gestão dos recursos públicos limitados, um objetivo legítimo que visa corrigir, atendendo aos rendimentos médios e às despesas médias, as desigualdades sociais e materiais entre os contribuintes com filhos a cargo e os que não suportam despesas relacionadas com o sustento de filhos (49).
73. A este respeito, as disposições controvertidas têm, assim, por efeito legítimo ter em conta a capacidade contributiva dos pais sujeitos passivos de imposto sobre o rendimento (50). No entanto, uma vez que é pacífico que estas disposições constituem uma restrição à liberdade de circulação dos estudantes universitários na União, esta restrição só pode ser validamente justificada se as referidas disposições respeitarem o princípio da proporcionalidade.
74. Em segundo lugar, no que respeita à proporcionalidade, importa recordar que resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que uma legislação suscetível de restringir uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado, como o direito de livre circulação e de permanência dos cidadãos da União, só pode ser validamente justificada se for adequada a garantir a realização do objetivo legítimo prosseguido e não for além do necessário para o alcançar (51), o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
75. Primeiro, no que diz respeito ao caráter adequado das disposições controvertidas, coloca‑se a questão de saber se as mesmas disposições são adequadas a garantir, de forma coerente e sistemática, a realização do objetivo prosseguido pela legislação em causa no processo principal.
76. Parece‑me que a resposta a esta questão é negativa.
77. Decorre da minha análise da especificidade dos apoios à mobilidade Erasmus + que, uma vez que o programa Erasmus + tem por objetivo incentivar a mobilidade dos estudantes para fins de educação, nomeadamente no âmbito do ensino universitário, estes apoios contribuem apenas para os custos adicionais que não teriam ocorrido se não tivesse havido mobilidade e, consequentemente, o seu recebimento não conduz à redução das despesas suportadas pelos pais contribuintes por força da obrigação de sustento (dos filhos a cargo) (52).
78. Por conseguinte, como salienta o próprio órgão jurisdicional de reenvio, ao preverem um limiar para o benefício do direito ao aumento da dedução de base sem que sejam tidas em conta as diferenças entre as várias categorias de pais contribuintes, as disposições controvertidas são contrárias ao objetivo legítimo do artigo 36.°, n.° 2, da ZPD, ao abrigo do qual é reconhecido um direito à dedução de base por filho a cargo para corrigir as desigualdades sociais e materiais entre os contribuintes.
79. A este respeito, duvido da coerência das disposições controvertidas visto que, como resulta da decisão de reenvio, o Governo Croata tinha salientado, para fundamentar a alteração destas disposições, o facto de a solução legislativa anterior, a saber, a que é aplicável à recorrente no processo principal, ter por efeito que os jovens, principalmente de meios desfavorecidos, renunciavam a partir no âmbito do programa Erasmus +. Decorre igualmente dessa decisão que esta alteração excluiu os montantes das bolsas Erasmus + da categoria dos montantes que eram tomados em consideração no cálculo do imposto sobre o rendimento dos pais contribuintes e com base nos quais a Administração Fiscal podia recusar a estes últimos o direito à dedução (53).
80. Daqui resulta que as disposições controvertidas não são adequadas a alcançar o objetivo de interesse geral que prosseguem, a saber, ter em conta a capacidade contributiva dos pais sujeitos passivos de imposto sobre o rendimento.
81. Segundo, no que diz respeito à necessidade das disposições controvertidas para alcançar esse objetivo, decorre de forma evidente da alteração legislativa em causa que estas disposições vão além do necessário para alcançar o objetivo prosseguido. Em especial, demonstra que o legislador croata podia adotar medidas menos restritivas, tomando em consideração a especificidade do apoio à mobilidade e do objetivo do programa Erasmus +, sem prejudicar, por conseguinte, de forma injustificada os pais contribuintes dos estudantes que beneficiaram de apoios à mobilidade no âmbito do programa Erasmus + e que exerceram, assim, a sua liberdade de circulação, indo estudar para uma universidade de outro Estado‑Membro.
2. Quanto à segunda questão prejudicial
82. Com a sua segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em substância, sobre a conformidade das disposições controvertidas com o artigo 67.° do Regulamento n.° 883/2004. O Governo Croata e a Comissão consideram que o artigo 67.° deste regulamento não é aplicável ao caso em apreço.
83. Importa recordar que o artigo 3.°, n.° 1, alínea j), do Regulamento n.° 883/2004 prevê que este se aplica a «todas as legislações relativas aos ramos da segurança social que digam respeito a [...] [p]restações familiares». Assim, para saber se uma determinada prestação constitui uma prestação familiar a que se refere esta disposição, há que salientar que, nos termos do artigo 1.°, alínea z), do Regulamento n.° 883/2004, na versão aplicável aos factos do processo principal, o conceito de «prestação familiar» designa «qualquer prestação em espécie ou pecuniária destinada a compensar os encargos familiares, com exclusão dos adiantamentos de pensões de alimentos e dos subsídios especiais de nascimento ou de adoção referidos no anexo I» (o sublinhado é meu).
84. No que respeita ao direito à dedução fiscal por filho a cargo em causa no processo principal, importa sublinhar que decorre do quadro jurídico que esta dedução não é uma prestação pecuniária destinada a compensar os encargos familiares, mas antes uma vantagem fiscal que reduz, sob certas condições, o montante do imposto sobre o rendimento (54).
85. Por conseguinte, uma vez que o direito à dedução fiscal em causa no processo principal não constitui uma prestação familiar, na aceção do artigo 1.°, alínea z), do Regulamento n.° 883/2004, o artigo 67.° deste regulamento não é aplicável a uma legislação como a que está em causa no processo principal.
V. Conclusão
86. Tendo em conta o exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão prejudicial submetida pelo Ustavni sud Republike Hrvatske (Tribunal Constitucional, Croácia) do seguinte modo:
O artigo 21.° TFUE, lido à luz do artigo 165.°, n.° 2, segundo travessão, TFUE,
deve ser interpretado no sentido de que:
se opõe à legislação de um Estado‑Membro que, para determinar o montante da dedução de base a que um progenitor contribuinte tem direito por filho a cargo, toma em consideração o apoio à mobilidade para fins de educação de que o filho beneficiou ao abrigo do programa Erasmus +, o que tem como consequência a perda do direito ao aumento dessa dedução no cálculo do imposto sobre o rendimento.
1 Língua original: francês.
2 Pépin, L., Histoire de la coopération européenne dans le domaine de l’éducation et de la formation. Comment l’Europe se construit — Un exemple, Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, Luxemburgo, 2006, p. 116.
3 O artigo 2.° TUE prevê que «[a] União [se] fund[a] nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados‑Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres».
4 Grimonprez, K., The European Union and Education for Democratic Citizenship. Legal Foundations for EU Learning at School, Nomos Verlagsgesellschaft, Baden‑Baden, 2020, p. 17.
5 V., nomeadamente, Acórdão de 24 de outubro de 2013, Thiele Meneses (C‑220/12, a seguir «Acórdão Thiele Meneses», EU:C:2013:683).
6 Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, que cria o Programa «Erasmus +» o programa da União para o ensino, a formação, a juventude e o desporto e que revoga as Decisões n.° 1719/2006/CE, n.° 1720/2006/CE e n.° 1298/2008/CE (JO 2013, L 347, p. 50). Este regulamento foi revogado pelo Regulamento (UE) 2021/817 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2021, que cria o Erasmus +: o Programa da União para a educação e formação, a juventude e o desporto, e que revoga o Regulamento (UE) n.° 1288/2013 (JO 2021, L 189, p. 1).
7 Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1).
8 Narodne novine br 177/04, 73/08, 80/10, 114/11, 22/12, 144/12, 43/13, 120/13, 125/13 e 148/13.
9 V., nomeadamente, Acórdão de 21 de dezembro de 2023, Royal Antwerp Football Club (C‑680/21, EU:C:2023:1010, n.° 35 e jurisprudência referida).
10 V., neste sentido, Acórdão de 1 de abril de 2008, Gouvernement de la Communauté française e gouvernement wallon (C‑212/06, EU:C:2008:178, n.os 33 e 34 e jurisprudência referida). V., igualmente, Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten (C‑268/15, EU:C:2016:874, n.° 50). Importa recordar que o Tribunal de Justiça resumiu e enumerou claramente, nos n.os 50 a 53 desse acórdão, as quatro situações em que processos oriundos de situações puramente internas podem, no entanto, ser apreciados a título prejudicial.
11 Acórdão de 11 de setembro de 2007, Schwarz e Gootjes‑Schwarz (C‑76/05, EU:C:2007:492, n.° 69 e jurisprudência referida).
12 Acórdão de 12 de julho de 2005, Schempp (C‑403/03, EU:C:2005:446, a seguir «Acórdão Schempp», n.° 19 e jurisprudência referida).
13 V., neste sentido, Acórdão Schempp (n.os 22 e 23 e jurisprudência referida).
14 V. Acórdãos de 8 de junho de 2017, Freitag (C‑541/15, EU:C:2017:432, n.° 31 e jurisprudência referida), e de 19 de novembro de 2020, ZW (C‑454/19, EU:C:2020:947, n.os 28 e 29).
15 O artigo 128.° do Tratado CEE foi revogado em 1992 pelo Tratado de Maastricht, assinado em 7 de fevereiro de 1992 (JO 1992, C 191, p. 1) e entrado em vigor a 1 de novembro de 1993. Foi substituído pelos artigos 126.° e 127.° do Tratado CE, respetivamente, atuais artigos 166.° e 165.° TFUE. V. nota 18 das presentes conclusões.
16 Decisão 63/266/CEE do Conselho, de 2 de abril de 1963, relativa ao estabelecimento dos princípios gerais para a execução de uma política comum de formação profissional (JO 1963, p. 1338).
17 V. Pépin, L., Histoire de la coopération européenne dans le domaine de l’éducation et de la formation, op. cit., pp. 16 a 18, 97 e 143 e segs.
18 Em conformidade com o artigo 3.°, alínea p), TCE, «a ação da Comunidade implica, nos termos do disposto e segundo o calendário previsto no presente Tratado [...] [u]ma contribuição para um ensino e uma formação de qualidade [...]». Esta disposição remetia para os artigos 126.° TCE (educação) e 127.° TCE (formação profissional), respetivamente, atuais artigos 165.° e 166.° TFUE.
19 V. Pépin, L., Histoire de la coopération européenne dans le domaine de l’éducation et de la formation, op. cit., pp. 39 e segs.
20 Quanto ao papel fundamental desempenhado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça no domínio da cooperação europeia da educação, v. Acórdão de 13 de fevereiro de 1985, Gravier (293/83, EU:C:1985:69, n.° 31 e parte decisória). Este acórdão permitiu ao ensino superior entrar no âmbito de aplicação do Tratado (antigo artigo 128.° do Tratado CEE) e à Comissão propor a adoção de programas de grande envergadura, como Comett e Erasmus. V., igualmente, Acórdãos de 2 de fevereiro de 1988, Blaizot e o. (24/86, EU:C:1988:43, n.° 29 e ponto 1 da parte decisória); de 30 de maio de 1989, Comissão/Conselho (242/87, EU:C:1989:217, n.° 37), e de 11 de junho de 1991, Reino Unido e o./Conselho (C‑51/89, C‑90/89 e C‑94/89, EU:C:1991:241, n.os 10 e 31). Para uma análise desta jurisprudência, v. Lenaerts, K., «Education in European Community Law after “Maastricht”», Common Market Law Review, n.° 31, 1994, pp. 7 a 41, especialmente pp. 19 e segs.
21 Apesar das dificuldades iniciais devidas, nomeadamente, ao desacordo sobre o orçamento e a base jurídica, a Proposta de Decisão que adota o Programa de Ação da Comunidade Europeia em matéria da Mobilidade de Estudantes (ERASMUS) foi apresentada pela Comissão Delors ao Conselho em 3 de janeiro de 1986 (JO 1986, C 73, p. 4). Esta proposta, apoiada pelo Conselho Europeu de Londres de 5 e 6 de dezembro de 1986 (DOC/86/2), foi finalmente adotada pelo Conselho em 15 de junho de 1987 [Decisão 87/327/CEE (JO 1987, L 166, p. 20)]. Sobre a génese deste programa, v., nomeadamente, Traversa, E., «Histoire juridique méconnue du programme “Erasmus” (1985‑1987)», Revue du Droit de l’Union Européenne, n.° 4, 2017, pp. 1 a 20.
22 V. Conclusões do Conselho Europeu de Fontainebleau de 25 e 26 de junho de 1984 DOC/84/2. V. Richonier, M., «Comment l’Europe des citoyens (éducation et santé publique) est‑elle née en 1987? Histoire d’un commencement (1984‑1989)», L’Europe en Formation, n.° 3, 2012, pp. 163 a 194. V., igualmente, Jones, H. C., «Origins of the Erasmus programme. Development of Erasmus +Erasmus + and the Future», Vox, n.° 124, março de 2023, pp. 17 a 27, bem como «Education in a Changing Europe», Charles Gittins Memorial. Lecture presented at the University College of Wales, Swansea, Wales, United Kingdom, 16 de março de 1992, p. 6. Sobre a ligação entre a dimensão europeia da educação e a cidadania da União, v. Grimonprez, K., The European Union and Education for Democratic Citizenship. Legal Foundations for EU Learning at School, op. cit., p. 634.
23 Tratava‑se do Reino da Bélgica, do Reino da Dinamarca, da República Federal da Alemanha, da Irlanda, da República Helénica, do Reino de Espanha, da República Francesa, da República Italiana, do Reino dos Países Baixos, da República Portuguesa e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte. Desde a saída do Reino Unido da União, 33 países participam em todas as ações do programa Erasmus +Erasmus +, ou seja, os 27 Estados‑Membros da UE, bem como a Islândia, o Liechtenstein, a Macedónia do Norte, a Noruega, a Sérvia e a Turquia.
24 V., a este respeito, Traversa, E., «Histoire juridique méconnue du programme “Erasmus” (1985‑1987)», op. cit., p. 19.
25 O sublinhado é meu. Sobre a interpretação do artigo 165.° TFUE, v. Grimonprez, K., The European Union and Education for Democratic Citizenship. Legal Foundations for EU Learning at School, op. cit, pp. 595 a 686.
26 O sublinhado é meu. No que respeita ao seu objetivo geral, resulta da leitura do artigo 4.°, alíneas b) e f), do Regulamento Erasmus +Erasmus + que o programa Erasmus contribui para alcançar os objetivos do Quadro Estratégico para a cooperação europeia no domínio da educação e formação 2020 («EF 2020») e a promoção dos valores europeus, nos termos do artigo 2.° TUE. Mais concretamente, segundo o artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento Erasmus +Erasmus +, este programa prossegue vários objetivos específicos, designadamente o de «[m]elhorar o nível de competências e aptidões essenciais no que diz respeito, em especial, à sua relevância para o mercado de trabalho e ao seu contributo para uma sociedade coesa, nomeadamente através de mais oportunidades de mobilidade para fins de aprendizagem e do reforço da cooperação entre o mundo da educação e formação e o mundo do trabalho» (o sublinhado é meu).
27 V., nomeadamente, Programa ERASMUS. Relatório anual de 1994 apresentado pela Comissão, COM(95) 416 final, p. 10.
28 O artigo 12.°, alínea a), do Regulamento Erasmus +Erasmus + previa que, no domínio da juventude, os objetivos específicos enumerados no artigo 11.° deste regulamento eram prosseguidos pela ação relativa à «[m]obilidade individual para fins de aprendizagem».
29 Decorre, nomeadamente, do Guia do programa Erasmus +Erasmus + do ano de 2014 que os estudantes do ensino superior recebem uma subvenção da União «a título de contributo para as suas despesas de deslocação e subsistência durante o período de estudo ou estágio no estrangeiro». Assim, o montante da subvenção é determinado consoante o custo de vida do Estado‑Membro «de destino» seja mais elevado, semelhante ou inferior ao do Estado‑Membro «de origem». Para o efeito, este guia classifica os Estados‑Membros em três grupos. A Finlândia pertence ao grupo 1 (países com um custo de vida mais elevado) e a Croácia ao grupo 2 (países com um custo de vida médio). No que respeita à mobilidade da Croácia para a Finlândia, o referido guia especifica que o montante do apoio se situará no escalão dito «mais elevado» que corresponde ao patamar médio aplicado pela Agência Nacional mais um mínimo de 50 euros e entre 250 e 500 euros por mês. V. «Erasmus +Erasmus +. Guia do programa», Comissão Europeia, 2014, pp. [47 e 48].
30 V. Acórdãos de 16 de março de 2021, Comissão/Hungria (C‑596/19 P, EU:C:2021:202, n.° 44), e de 23 de novembro de 2023, Ministarstvo financija (C‑682/22, EU:C:2023:920, n.° 34).
31 V., nomeadamente, neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2021, Hauptzollamt B (Redução facultativa do imposto) (C‑100/20, EU:C:2021:716, n.os 31 e 32 e jurisprudência referida).
32 V., nomeadamente, Acórdão de 15 de setembro de 2011, Schulz‑Delzers e Schulz (C‑240/10, EU:C:2011:591, n.° 40).
33 V., nomeadamente, Acórdãos de 12 de fevereiro de 1974, Sotgiu (152/73, EU:C:1974:13, n.° 11); de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C‑279/93, EU:C:1995:31, n.° 26); e de 24 de fevereiro de 2015, Sopora (C‑512/13, EU:C:2015:108, n.° 23).
34 V. n.os 43 a 52 das presentes conclusões.
35 A este respeito, a Comissão sublinhou que era difícil comparar a situação dos pais contribuintes cujos filhos beneficiaram dos apoios à mobilidade de estudantes e a situação dos pais cujos filhos obtiveram rendimentos enquanto trabalhadores‑estudantes ou provenientes de bolsas não ligadas à mobilidade.
36 V. Acórdãos de 20 de setembro de 2001, Grzelczyk (C‑184/99, EU:C:2001:458, n.° 31); Schempp (n.° 15), e de 18 de abril de 2024, Préfet du Gers e Institut national de la statistique et des études économiques (C‑716/22, EU:C:2024:339, n.° 40).
37 V., nomeadamente, Acórdãos de 26 de outubro de 2006, Tas‑Hagen e Tas (C‑192/05, EU:C:2006:676, n.° 19), e Thiele Meneses (n.os 18 e 19 e jurisprudência referida).
38 V., nomeadamente, Acórdãos de 11 de julho de 2002, D’Hoop (C‑224/98, EU:C:2002:432, n.° 31); Thiele Meneses (n.° 22), e de 26 de maio de 2016, Kohll e Kohll‑Schlesser (C‑300/15, EU:C:2016:361, n.° 42).
39 V., neste sentido, Acórdão Schempp (n.os 45 e 46). Há que recordar que, no processo que deu origem a este acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio se perguntava se os artigos 12.° e 18.° CE se opunham à recusa pelas autoridades fiscais alemãs da dedução da pensão de alimentos paga pelo recorrente à sua ex‑mulher residente na Áustria. Com efeito, o recorrente, que não tinha ele próprio exercido o seu direito à livre circulação, contestava a perda de uma vantagem fiscal provocada pela mudança da sua ex‑mulher da Alemanha para a Áustria. No entanto, dado que o pagamento dessa pensão a um beneficiário residente na Áustria não podia ser comparado ao mesmo pagamento a um beneficiário residente na Alemanha, pelo facto de estas duas situações estarem sujeitas a legislações fiscais diferentes, o Tribunal de Justiça declarou que o referido tratamento não era discriminatório.
40 V., a este respeito, Acórdão Schempp (n.° 25).
41 V., nomeadamente, Acórdão Thiele Meneses (n.° 23 e jurisprudência referida).
42 V., nomeadamente, Acórdãos de 11 de julho de 2002, D’Hoop (C‑224/98, EU:C:2002:432, n.° 32); de 7 de julho de 2005, Comissão/Áustria (C‑147/03, EU:C:2005:427, n.° 44), e Thiele Meneses (n.° 24).
43 V., nomeadamente, Acórdãos Thiele Meneses (n.° 21); de 26 de fevereiro de 2015, Martens (C‑359/13, EU:C:2015:118, n.° 23), e de 25 de julho de 2018, A (Assistência a pessoa com deficiência) (C‑679/16, EU:C:2018:601, n.° 58).
44 V. n.os 46 a 48 das presentes conclusões.
45 Acórdão Thiele Meneses (n.° 48 e jurisprudência referida).
46 Relatório disponível em: https://www.ombudsman.hr/hr/download/izvjesce‑pucke‑pravobraniteljice‑za‑2017‑godinu/?wpdmdl=4745&refresh=63c90d728a8151674120562.
47 Resulta da decisão de reenvio que foram introduzidas alterações, sem efeito retroativo, à legislação fiscal em causa no processo principal em 2018, pelo que, por força do novo artigo 17.°, n.° 2, ponto 10, da ZPD, já não são considerados, no cálculo da dedução de base, montantes como «bolsas, prémios de excelência dos alunos e estudantes atribuídos a partir de orçamentos e subvenções financiados pelo orçamento, fundos e programas da União Europeia e outros fundos e programas internacionais regulados por disposições especiais e convenções internacionais para fins de educação e de aperfeiçoamento profissional». Na exposição de motivos sobre a proposta de alteração dirigida ao Parlamento Croata, o Governo Croata salientou o facto de a solução legislativa anterior ter por efeito que «os jovens, principalmente de meios desfavorecidos, [...] não optam pelos programas em questão pelo facto de deixarem de poder estar a cargo dos seus pais».
48 V., nomeadamente, Acórdãos Thiele Meneses (n.° 29); de 26 de fevereiro de 2015, Martens (C‑359/13, EU:C:2015:118, n.° 34); e de 22 de fevereiro de 2024, Direcţia pentru Evidenţa Persoanelor şi Administrarea Bazelor de Date (C‑491/21, EU:C:2024:143, n.° 52).
49 Assim, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta disposição não confere um direito ao aumento da dedução de base por filho a cargo aos contribuintes cujos filhos a cargo beneficiem, num ano fiscal, de um rendimento não tributável de um determinado montante que, de acordo com a apreciação do legislador, permite ao filho contribuir para o seu sustento com os seus próprios rendimentos e reduzir as despesas dos seus pais por força da obrigação de sustento, por oposição aos contribuintes cujos filhos não beneficiem de um rendimento não tributável — ou apenas de um montante mínimo — e cujo sustento só pode, consequentemente, ser assegurado pelo rendimento dos pais.
50 V., a este respeito, Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Finanzamt V (Sucessões — Abatimento parcial e dedução da legítima) (C‑394/20, EU:C:2021:1044, n.° 52).
51 V. Acórdão Thiele Meneses (n.° 49 e jurisprudência referida).
52 V. n.os 43 a 52 das presentes conclusões.
53 V., a este respeito, nota 47 das presentes conclusões.
54 V., a este respeito, Acórdão de 16 de junho de 2022, Comissão/Áustria (Indexação das prestações familiares) (C‑328/20, EU:C:2022:468, n.° 61).