Processo T‑681/22

Reino de Espanha

contra

Comissão Europeia

Acórdão do Tribunal Geral (Sétima Secção alargada) de 11 de junho de 2025

«Política Comum das Pescas — Artigo 9.o do Regulamento (UE) 2016/2336 — Regulamento de Execução (UE) 2022/1614 — Métodos e critérios para determinar as zonas que abrigam ou podem abrigar ecossistemas marinhos vulneráveis — Estabelecimento de uma lista de zonas onde a presença de ecossistemas marinhos vulneráveis está comprovada ou é provável — Criação de zonas de proteção — Exceção de ilegalidade — Proporcionalidade»

  1. Pesca — Conservação dos recursos marinhos — Proteção dos ecossistemas marinhos vulneráveis — Lista das zonas que abrigam ou podem abrigar esses ecossistemas — Critérios de determinação — Avaliação dos efeitos adversos significativos das artes de pesca passivas em cada uma das zonas previstas nessa lista — Exclusão — Violação do princípio da proporcionalidade — Inexistência

    (Regulamentos do Parlamento Europeu e do Conselho n.o 1380/2013, artigo 4.o, e 2016/2336, artigos 9.°, n.o 4, 6.° e 8.°; Regulamento n.o 734/2008 do Conselho, artigo 2.o; Regulamento n.o 2022/1614 da Comissão)

    (cf. n.os 21‑23, 30, 33‑38, 40‑48)

  2. Pesca — Conservação dos recursos marinhos — Proteção dos ecossistemas marinhos vulneráveis — Lista das zonas que abrigam ou podem abrigar esses ecossistemas — Método de determinação — Poder de apreciação da Comissão — Criação de zonas tampão de proteção — Admissibilidade — Violação do princípio da proporcionalidade — Inexistência

    (Regulamento 2016/2336 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 9.o; Regulamento 2022/1614 da Comissão)

    (cf. n.os 72, 76, 82‑87, 91)

  3. Atos das instituições — Regulamentos de base e regulamentos de execução — Regulamentos de execução que não podem alterar nem completar os elementos essenciais dos regulamentos de base — Qualificação dos elementos essenciais — Tomada em consideração das características e das particularidades do domínio em causa — Atos de execução que estabelecem uma lista das zonas que abrigam ou podem abrigar ecossistemas marinhos vulneráveis — Concretização do regime de proteção desses ecossistemas consagrado no regulamento de base — Admissibilidade

    (Artigo 291.o, n.o 2, TFUE; Regulamento 2016/2336 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 9.o, n.o 6)

    (cf. n.os 106‑109, 112‑115)

  4. Pesca — Conservação dos recursos marinhos — Proteção dos ecossistemas marinhos vulneráveis — Proibição da pesca com qualquer arte de pesca de fundo em todas as zonas que abriguem ou possam abrigar ecossistemas marinhos vulneráveis — Cumprimento das regras da Política Comum das Pescas — Inexistência — Violação do dever de fundamentação e do princípio da proporcionalidade — Inexistência

    [Regulamentos do Parlamento Europeu e do Conselho n.o 1380/2013, artigos 2.°, n.os 1 a 3 e 5.°, alíneas a), f), i) e j), e 4.°, n.o 1, pontos 8 e 9, e 2016/2336, artigo 9.o, n.o 9; Regulamento n.o 734/2008 do Conselho, artigo 2.o]

    (cf. n.os 121, 127, 129, 137‑139, 142)

Resumo

No âmbito de dois recursos de anulação que têm por objeto o Regulamento de Execução 2022/1614 ( 1 ), o Tribunal Geral, reunido em formação alargada de cinco juízes, clarifica os critérios de determinação das zonas que abrigam ou podem abrigar ecossistemas marinhos vulneráveis (a seguir «EMV»), à luz dos princípios que resultam do Regulamento 2016/2336 ( 2 ) (a seguir «Regulamento de Base»).

O Regulamento n.o 1380/2013 ( 3 ) relativo à Política Comum das Pescas (a seguir «PCP») prevê, nomeadamente, a adoção de medidas para a conservação e a exploração sustentável dos recursos biológicos marinhos. Nesse contexto, o artigo 9.o, n.o 6, do Regulamento de Base prevê a adoção de atos de execução para estabelecer uma lista das zonas que abrigam ou podem abrigar EMV (a seguir «zonas EMV»). Nos termos do artigo 9.o, n.o 9, do Regulamento de Base, é proibida a pesca com artes de fundo nessas zonas.

Em 15 de setembro de 2022, através do Regulamento de Execução 2022/1614, a Comissão Europeia adotou essa lista com base em dois pareceres do Conselho Internacional para o Estudo do Mar (a seguir «CIEM»).

O Reino de Espanha, várias sociedades de direito espanhol proprietárias de navios de pesca e uma organização de produtores de produtos da pesca que agrupa estas sociedades pedem que o Tribunal Geral se digne anular aquele regulamento de execução, na parte relativa ao estabelecimento dessa lista. Para fundamentar os seus recursos, alegam por um lado, que o Regulamento de Execução viola o Regulamento de Base e certos princípios gerais do direito da União Europeia e, por outro, que o artigo 9.o, n.os 6 e 9, do Regulamento de Base é inválido.

Nos seus acórdãos, o Tribunal Geral nega integral provimento aos dois recursos.

Apreciação do Tribunal Geral

Em primeiro lugar, o Tribunal Geral analisa se a Comissão violou o Regulamento de Base, o princípio da proporcionalidade ou o princípio da não discriminação ao elaborar a lista das zonas EMV, no âmbito de alegações relacionadas, por um lado, com o impacto de certos tipos de artes de pesca e, por outro, com a metodologia de delimitação das zonas utilizada.

No que respeita aos tipos de artes de pesca, o Tribunal Geral começa por interpretar o artigo 9.o, n.o 6, do Regulamento de Base para definir os critérios de determinação das zonas EMV e apurar se esta disposição exige uma avaliação dos efeitos adversos significativos da pesca nessas zonas com artes passivas de fundo, isto é, artes de pesca fixadas num ponto específico do meio marinho. Com efeito, de acordo com os recorrentes, a Comissão devia ter avaliado o impacto dessas artes, tendo presente que têm um impacto negativo menor nos EMV comparativamente às artes de fundo móveis. Além disso, os recorrentes no processo T‑781/22 consideram que o tratamento idêntico, sem razão objetiva, das artes de pesca passivas e móveis viola o princípio da não discriminação.

No entanto, o artigo 9.o, n.o 6, do Regulamento de Base não exige essa avaliação nem uma abordagem de gestão das pescas, ou mesmo de gestão, que inclua a avaliação das consequências das medidas de proteção dos EMV em causa nas atividades de pesca e na vida económica e social.

Com efeito, primeiro, decorre das definições previstas no Regulamento de Base e no Regulamento n.o 734/2008 ( 4 ) que a presença de EMV é demonstrada ou indiciada por elementos ligados à natureza e à quantidade das espécies descobertas tanto por artes móveis como por artes passivas. Acresce que a presença comprovada ou provável de espécies protegidas conduz à qualificação das zonas relevantes como zonas EMV, de modo a garantir a sua proteção contra as artes de pesca de fundo em geral. Consequentemente, uma zona pode ser qualificada de zona EMV devido a efeitos adversos significativos que resultam da simples utilização de artes de fundo móveis ou de artes de fundo em geral, sem que esta qualificação possa ser posta em causa no que respeita às artes de fundo passivas. Contudo, nestas circunstâncias, a elaboração da lista dessas zonas não pode depender da análise comparativa das artes móveis e passivas, mesmo que se considere que estas últimas podem apresentar menos riscos do que as artes móveis.

Segundo, resulta igualmente das Orientações da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), para as quais o Regulamento de Base remete para efeitos da avaliação anual das zonas EMV, que a classificação de um ecossistema marinho como vulnerável não pressupõe uma análise dos efeitos adversos das artes de fundo passivas, dado que esta classificação se baseia nas características do ecossistema propriamente dito.

Terceiro, à luz de uma análise teleológica e sistemática do artigo 9.o, n.o 6, do Regulamento de Base, não se pode retirar desta disposição que uma abordagem de gestão, que comporta a exigência de avaliar as consequências das medidas de conservação dos EMV nas atividades de pesca e na vida económica e social, deve ser aplicada relativamente à elaboração da lista das zonas EMV. Pelo contrário, esta abordagem é incompatível com o conceito de «ato de execução», uma vez que altera ou completa o Regulamento de Base nos seus elementos essenciais relativos à proteção dos EMV. Com efeito, a Comissão não podia proceder, no âmbito das competências que lhe foram atribuídas para adotar um regulamento de execução, a uma qualquer ponderação entre a proteção dos EMV e outros objetivos da PCP.

Em seguida, dado que, quando da criação da lista de zonas EMV, é necessário ter por base as características dos ecossistemas propriamente ditos, atendendo ao risco de danos relacionados com os efeitos adversos significativos que resultam, em geral, da utilização de artes de fundo, o facto do CIEM e da Comissão não terem analisado os efeitos adversos das artes passivas também não constitui uma violação do princípio da proporcionalidade. Por último, uma vez que a questão do tipo concreto de arte utilizada para a pesca, móvel ou passiva, não determina a designação dessas zonas, o argumento relativo à discriminação devido à falta dessa análise também não pode ser acolhido.

Quanto à metodologia de determinação concreta das zonas EMV, o Tribunal Geral não conclui pela violação do Regulamento de Base ou do princípio da proporcionalidade. A escolha da metodologia inscreve‑se, com efeito, no amplo poder de apreciação de que a Comissão goza quanto à aplicação dos critérios de estabelecimento da lista dessas zonas. No caso em apreço, nenhum elemento permite considerar que a Comissão ultrapassou manifestamente a sua margem de apreciação ao utilizar a metodologia que o CIEM teve em conta nos seus pareceres, ou que não utilizou as melhores informações científicas e técnicas disponíveis.

Em segundo lugar, o Tribunal Geral julga improcedente a exceção de ilegalidade arguida pelos recorrentes. Por um lado, os recorrentes alegam que o artigo 291.o TFUE foi violado uma vez que o artigo 9.o, n.o 6, do Regulamento de Base remete para um ato de execução para completar os seus elementos essenciais. Por outro, a proibição indiscriminada da pesca com qualquer arte de fundo nas zonas EMV prevista no artigo 9.o, n.o 9, do mesmo regulamento viola as regras da PCP, o princípio da proporcionalidade e um eventual dever de fundamentação específico das escolhas efetuadas.

No que respeita à questão de saber se o artigo 9.o, n.o 6, do Regulamento de Base remete para um ato de execução para completar os seus elementos essenciais, ou mesmo não essenciais, cumpre salientar que os atos de execução mencionados nesta disposição se limitam a especificar as zonas EMV e, assim, a concretizar ratione loci o regime de proteção dos EMV adotado neste artigo. A este respeito, os elementos essenciais relativos à definição e aos critérios de identificação de um EMV, os indicadores de EMV e o procedimento de elaboração da lista desses ecossistemas já resultam do artigo 9.o do Regulamento de Base.

Por conseguinte, a Comissão elaborou a lista com base em critérios materiais dos EMV suficientemente claros e concretos e de acordo com um procedimento igualmente definido no Regulamento de Base, dispondo, em simultâneo, de uma certa margem de apreciação, nomeadamente ao estabelecer a metodologia concreta de aplicação dos critérios previstos pelo legislador. Além disso, a Comissão agiu efetivamente no âmbito dos seus poderes de execução e não de gestão da PCP. Neste contexto, pode tomar em consideração elementos relacionados com as operações de pesca praticadas para apreciar a probabilidade da existência (contínua) de EMV.

No que respeita à proibição indiscriminada introduzida pelo artigo 9.o, n.o 9, do Regulamento de Base, sem ter em conta, nomeadamente, o seu impacto económico e social, resulta do Regulamento n.o 1380/2013 que a sustentabilidade a longo prazo, no plano ambiental, das atividades de pesca implica reduzir ao mínimo o impacto destas atividades no ecossistema marinho, aplicando a abordagem de precaução à gestão das pescas e a abordagem ecossistémica.

Contudo, no âmbito da ponderação dos interesses em causa, que é inerente à adoção das medidas de conservação dos recursos biológicos marinhos, o legislador goza de uma ampla margem de apreciação. A sua opção de adotar essas medidas está sujeita à fiscalização do juiz da União, que se deve limitar a examinar se a medida em causa não padece de um erro manifesto ou desvio de poder ou se o legislador não excedeu manifestamente os limites do seu poder de apreciação. O legislador não está obrigado a proceder a uma ponderação específica e fundamentada entre o interesse de proteger o meio marinho e os interesses das pessoas que exercem atividades de pesca e os aspetos socioeconómicos destas atividades. Com efeito, no contexto de medidas técnicas, o autor do ato não está obrigado a apresentar uma fundamentação específica para a sua escolha se o ato recorrido revelar o essencial do objetivo prosseguido, como no caso em apreço.

No entender do Tribunal Geral, não ficou provado que o legislador tenha manifestamente excedido os limites do seu poder de apreciação. Os recorrentes não apresentaram, nomeadamente, elementos de prova suficientemente específicos e convincentes suscetíveis de demonstrar que as artes passivas não têm efeitos adversos nos EMV, de modo a excluir, numa abordagem ecossistémica e de precaução, o risco, sustentado pela doutrina científica, que essas artes de pesca representam para os EMV, em particular quando da sua implantação repetida e da sua recuperação.

Tendo em conta o que precede, o legislador da União, ao exercer o seu amplo poder de apreciação na matéria, pode considerar necessário proibir a pesca com artes de fundo em geral nas zonas EMV para evitar o risco dos efeitos adversos das artes passivas, não obstante os prováveis efeitos negativos socioeconómicos.


( 1 ) Regulamento de Execução (UE) 2022/1614 da Comissão, de 15 de setembro de 2022, que define as zonas de pesca de profundidade existentes e estabelece uma lista das zonas que abrigam ou podem abrigar ecossistemas marinhos vulneráveis (JO 2022, L 242, p. 1).

( 2 ) Regulamento (UE) 2016/2336 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de dezembro de 2016, que estabelece condições específicas para a pesca de unidades populacionais de profundidade no Atlântico Nordeste e disposições aplicáveis à pesca em águas internacionais do Atlântico Nordeste e que revoga o Regulamento (CE) n.o 2347/2002 do Conselho (JO 2016, L 354, p. 1).

( 3 ) Regulamento (UE) n.o 1380/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, relativo à política comum das pescas, que altera os Regulamentos (CE) n.o 1954/2003 e (CE) n.o 1224/2009 do Conselho e revoga os Regulamentos (CE) n.o 2371/2002 e (CE) n.o 639/2004 do Conselho e a Decisão 2004/585/CE do Conselho (JO 2013, L 354, p. 22).

( 4 ) Regulamento (CE) n.o 734/2008 do Conselho, de 15 de julho de 2008, relativo à proteção dos ecossistemas marinhos vulneráveis do alto mar contra os efeitos adversos das artes de pesca de fundo (JO 2008, L 201, p. 8), nomeadamente o seu artigo 2.o, alíneas b) a d), relativo aos conceitos de «EMV», de «efeitos adversos significativos» e de «artes de pesca de fundo».