ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção Alargada)

17 de julho de 2024 ( *1 )

«União Económica e Monetária — União Bancária — Mecanismo Único de Resolução das instituições de crédito e de certas empresas de investimento (MUR) — Fundo Único de Resolução (FUR) — Decisão do CUR relativa ao cálculo das contribuições ex ante para 2017 — Dever de fundamentação — Tutela jurisdicional efetiva — Igualdade de tratamento — Princípio da proporcionalidade — Margem de apreciação do CUR — Exceção de ilegalidade — Margem de apreciação da Comissão — Limitação dos efeitos do acórdão no tempo»

No processo T‑142/22,

Landesbank Baden‑Württemberg, com sede em Estugarda (Alemanha), representada por H. Berger, M. Weber e D. Schoo, advogados,

recorrente,

contra

Conselho Único de Resolução (CUR), representado por J. Kerlin, T. Wittenberg e D. Ceran, na qualidade de agentes, assistidos por H.‑G. Kamann e P. Gey, advogados,

recorrido,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção Alargada),

composto por: A. Kornezov, presidente, G. De Baere, D. Petrlík (relator), K. Kecsmár e S. Kingston, juízes,

secretário: S. Jund, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 7 de março de 2023,

profere o presente

Acórdão ( 1 )

1

Com o presente recurso interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, a recorrente, Landesbank Baden‑Württemberg, pede a anulação da Decisão SRB/ES/2021/82 do Conselho Único de Resolução (CUR), de 15 de dezembro de 2021, relativa ao cálculo das contribuições ex ante para 2017 para o Fundo Único de Resolução, na parte em que diz respeito à Landesbank Baden‑Württemberg (a seguir «decisão recorrida»).

[OMISSIS]

[OMISSIS]

III. Pedidos das partes

20

A recorrente conclui pedindo ao Tribunal Geral que se digne:

anular a decisão recorrida, incluindo os seus anexos;

a título subsidiário, declarar que a decisão recorrida é juridicamente inexistente, na parte que lhe diz respeito;

condenar o CUR nas despesas.

21

O CUR conclui pedindo ao Tribunal Geral que se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas;

a título subsidiário, em caso de anulação da decisão recorrida, manter os efeitos da decisão recorrida até à sua substituição ou, pelo menos, durante um período de seis meses a contar da data em que o acórdão transitar em julgado.

IV. Questão de direito

[OMISSIS]

B.   Quanto aos fundamentos relativos à legalidade da decisão recorrida

[OMISSIS]

2. Quanto ao segundo fundamento, relativo à falta de fundamentação

[OMISSIS]

d) Quanto à sétima parte, relativa à retenção dos dados das outras instituições

239

A recorrente sustenta pela primeira vez, na réplica, que os requisitos impostos pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR (C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601), relativamente à ponderação entre o dever de fundamentação do CUR e o seu dever de respeitar o segredo comercial das instituições em causa não são aplicáveis no presente processo. Com efeito, de acordo com o Acórdão de 19 de junho de 2018, Baumeister (C‑15/16, EU:C:2018:464, n.os 54 e 56), os dados das outras instituições em que se baseia a decisão recorrida deixaram de estar abrangidos pelo segredo comercial porque, atendendo a que a data de referência para o período contributivo de 2017 é 31 de dezembro de 2015, estes dados têm mais de cinco anos.

240

O CUR contesta esta argumentação, sem, no entanto, pôr em causa a admissibilidade desta parte do fundamento.

241

Importa recordar que do próprio princípio do método de cálculo das contribuições ex ante, tal como resulta da Diretiva 2014/59 e do Regulamento n.o 806/2014, resulta a utilização, pelo CUR, de dados abrangidos pelo segredo comercial que não podem ser incluídos na fundamentação da decisão de fixação das contribuições ex ante (Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.o 114).

242

A este respeito, o CUR observou, na decisão recorrida, as razões pelas quais os dados das instituições que haviam sido tidos em conta para efeitos do cálculo das contribuições ex ante para 2017 estavam abrangidos pelo segredo comercial.

243

Em especial, o CUR salientou, no considerando 100 da decisão recorrida, que os segredos comerciais das instituições — ou seja, todas as informações relativas à atividade profissional das instituições que, em caso de divulgação a um concorrente e/ou a um público mais vasto, pudessem prejudicar gravemente os interesses das instituições — eram considerados como informações confidenciais. No âmbito do cálculo das contribuições ex ante, as informações fornecidas pelas instituições através dos seus formulários de declaração de dados, nas quais o CUR se baseava para calcular a sua contribuição ex ante, eram consideradas segredos comerciais.

244

Além disso, nos considerandos 102 a 105 da decisão recorrida, o CUR salientou que estava proibido de divulgar os dados de cada instituição que constituíam a base dos cálculos na referida decisão, embora estivesse autorizado a divulgar os dados agregados e comuns, uma vez que estes dados eram cumulativos. No entanto, as instituições beneficiavam, segundo a referida decisão, de uma total transparência no que respeita ao cálculo da sua contribuição anual de base e do seu coeficiente de ajustamento para as etapas de cálculo desta contribuição, conforme definidas no anexo I do Regulamento Delegado 2015/63, que incidiam sobre o «cálculo dos indicadores brutos» (etapa 1), o «reescalonamento dos indicadores» (etapa 3) e o «cálculo do indicador compósito» (etapa 5). Por outro lado, as instituições podiam obter os dados comuns utilizados indiferentemente pelo CUR para todas as instituições ajustados em função do seu perfil de risco para as etapas de cálculo relativas à «discretização dos indicadores» (etapa 2), à «inclusão do sinal atribuído» (etapa 4) e ao «cálculo das contribuições anuais» (etapa 6).

245

Ora, a recorrente contesta a suficiência destas explicações, atendendo a que, à data da adoção da decisão recorrida, os dados das outras instituições tinham seis anos e, por conseguinte, já não estavam abrangidos pelo segredo comercial e a que, apesar disso, o CUR não apresentou as razões pelas quais estes dados não foram divulgados.

246

Para apreciar este argumento, há que recordar que, quando as informações que puderam constituir segredos comerciais numa determinada época datam de há cinco anos ou mais, são, em princípio, pelo decurso do tempo, consideradas como históricas e como tendo perdido, devido a este facto, o seu caráter secreto, a menos que, excecionalmente, a parte que invoca o referido caráter demonstre que, apesar da sua antiguidade, tais informações ainda constituem elementos essenciais da sua posição comercial ou das posições comerciais de terceiros afetados (v., neste sentido, Acórdão de 19 de junho de 2018, Baumeister,C‑15/16, EU:C:2018:464, n.o 54 e jurisprudência referida).

247

A este respeito, é facto assente que os dados individuais das instituições em que se baseia a decisão recorrida para o cálculo da contribuição ex ante da recorrente datam de, no momento da adoção desta decisão, há mais de cinco anos.

248

No entanto, como explicou o CUR na sua tréplica e em sede de audiência, sem ser contestada pela recorrente, a posição relativa de uma instituição relativamente à dos seus concorrentes pode, na realidade económica do setor bancário, permanecer idêntica ou semelhante durante um período prolongado, que vai além de cinco anos. Com efeito, determinados elementos, como o modelo de negócio ou as atividades dessa instituição, permanecem estáveis a curto e médio prazo, pelo que uma instituição que tenha então tido um perfil de risco elevado, com base em dados que têm mais de cinco anos, pode continuar a ter esse perfil no final do período inicial. Assim, apesar da sua antiguidade, estas informações continuam a constituir elementos essenciais da posição comercial das instituições de crédito. Nestas circunstâncias, se esses dados essenciais fossem divulgados através da fundamentação da decisão recorrida, os operadores económicos ativos no setor bancário poderiam invocá‑los para deduzir a posição comercial atual de uma instituição.

249

Por conseguinte, a recorrente não pode alegar que o CUR devia ter divulgado, na fundamentação da decisão recorrida, os dados individuais das outras instituições que permitem verificar o cálculo da sua contribuição ex ante, uma vez que, embora datem de há seis anos, continuam a constituir elementos essenciais da posição comercial destas instituições.

250

Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento da recorrente de que o CUR, para cumprir o seu dever de fundamentação, lhe deve fornecer, de forma anónima, uma lista de todos os dados das instituições que se encontram no mesmo compartimento do que ela.

251

Por um lado, impor ao CUR tal exigência iria além das exigências impostas pela jurisprudência acima lembradas nos n.os 217, 220 e 221.

252

Por outro lado, o CUR sustentou, sem ser seriamente contestado neste ponto, que mesmo uma lista com dados anónimos para um determinado compartimento poderia permitir aos operadores económicos ativos no setor bancário, que são operadores informados, conhecer os segredos comerciais de determinadas instituições. A este respeito, a recorrente não contestou, nomeadamente, que esses operadores sabiam quais as instituições que tendiam a ter valores elevados para certos indicadores de risco. Ora, se obtivessem anualmente listas com estes dados, poderiam acompanhar a evolução dos indicadores de risco destas instituições, ainda que estas sejam compostas por dados comercialmente sensíveis. Esse risco existe, especialmente, no que diz respeito às grandes instituições e às instituições estabelecidas nos Estados‑Membros em que apenas existe um número limitado de instituições responsáveis pela contribuição ex ante. Com efeito, não está excluído que, nestas hipóteses, um operador informado esteja em posição de deduzir a identidade dessas instituições, mesmo que essas tenham sido anonimizadas. Assim, não se pode acusar o CUR de não ter elaborado uma lista de todos os dados anónimos das instituições que se encontravam num mesmo compartimento.

253

Tendo em conta o que precede, a sétima parte do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

e) Quanto à terceira parte, relativa à fundamentação do nível‑alvo anual

254

A recorrente sustenta que é impossível compreender, com base na decisão recorrida, as razões pelas quais o nível‑alvo anual foi fixado em 1/8 de 1,05 % do montante total dos depósitos cobertos. As explicações adicionais fornecidas pelo CUR nos n.os 17 e seguintes do anexo III da referida decisão não são suficientes, aliás, para esclarecer como foi efetivamente determinado o nível‑alvo anual. Além disso, alega que o CUR não comunicou o prognóstico de nível‑alvo final, nem a sua interpretação do limite máximo mencionado no artigo 70.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014. Ora, como demonstra a decisão que fixa as contribuições ex ante para o período de contribuição de 2022, o CUR considera‑se habilitado a aumentar livremente o nível‑alvo anual aplicando um coeficiente que não está previsto na legislação aplicável e a impor assim às instituições um encargo desproporcional.

255

O CUR responde que resulta dos considerandos 50 a 63 da decisão recorrida e dos n.os 19 a 25 do anexo III desta decisão que forneceu uma fundamentação suficiente no que respeita à determinação do nível‑alvo anual para o período de contribuição de 2017.

256

Em particular, o CUR determinou o nível‑alvo anual tendo em conta todos os fatores pertinentes e os critérios enunciados no artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014. Além disso, no que respeita ao crescimento esperado dos depósitos cobertos, a decisão recorrida explicou, por um lado, que, segundo os dados fornecidos pelos sistemas de garantia de depósitos, a soma dos depósitos cobertos aumentou 2,2 % entre 2015 e 2016 e que, por outro, a taxa de crescimento prevista destes depósitos se situava entre 1 % e 4 %. Ademais, o modo como os eventuais efeitos pró‑cíclicos foram tidos em conta foi exposto no considerando 61 da decisão recorrida e nos pontos 23 e seguintes do anexo III da referida decisão.

257

Por último, a recorrente poderia ter calculado o nível‑alvo final estimado em 2017 com base nos dados de que tinha conhecimento, ao passo que a falta de divulgação da interpretação do CUR relativamente ao limite de 12,5 % previsto no artigo 70.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014 não é suscetível de afetar a fundamentação da decisão recorrida.

258

A título preliminar, importa recordar que, em conformidade com o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, até ao termo do período inicial, os meios financeiros disponíveis no FUR devem atingir o nível‑alvo final, que corresponde a pelo menos 1 % do montante dos depósitos cobertos de todas as instituições autorizadas no território de todos os Estados‑Membros participantes.

259

De acordo com o artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014, durante o período inicial, as contribuições ex ante devem ser escalonadas ao longo do tempo da forma mais equilibrada possível até que seja atingido o nível‑alvo final mencionado no n.o 258, supra, mas tendo devidamente em conta a fase do ciclo económico e o impacto que as contribuições pró‑cíclicas podem ter na posição financeira das instituições.

260

O artigo 70.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014 precisa que, todos os anos, as contribuições devidas por todas as instituições autorizadas no território de todos os Estados‑Membros participantes não excedem 12,5 % do nível‑alvo final.

261

No que respeita ao método de cálculo das contribuições ex ante, o artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2015/63 prevê que o CUR determina o seu montante com base no nível‑alvo anual, tendo em conta o nível‑alvo final, e com base no valor médio dos depósitos cobertos registado no ano precedente, calculado trimestralmente, de todas as instituições autorizadas no território de todos os Estados‑Membros participantes.

262

No presente caso, como resulta do considerando 63 da decisão recorrida, o CUR fixou, para o período de contribuição de 2017, o montante do nível‑alvo anual em 7161808441 euros.

263

Nos considerandos 51 e 52 da decisão recorrida, o CUR explicou, em substância, que, para determinar o nível‑alvo anual, havia tido em conta o nível‑alvo final estimado para 2023, a necessidade de escalonar as contribuições ex ante da forma mais equilibrada possível durante o período inicial, bem como a fase do ciclo económico e os efeitos que estas contribuições teriam na situação financeira das instituições. Posteriormente, o CUR considerou adequado fixar um coeficiente que se baseava nestes parâmetros e nos meios financeiros disponíveis no FUR (a seguir «coeficiente»). O CUR aplicou este coeficiente a um oitavo do montante médio dos depósitos cobertos em 2016, para obter o nível‑alvo anual.

264

Nos considerandos 54 a 62 da decisão recorrida, o CUR expôs os trâmites seguidos para determinar o nível‑alvo anual.

265

No considerando 54 da decisão recorrida, o CUR explicou que devia ser prestada especial atenção à evolução prevista dos depósitos cobertos durante o período inicial, uma vez que, se estes depósitos aumentassem ao longo do tempo, não seria suficiente fixar o nível‑alvo anual em 1 % do montante dos referidos depósitos para atingir o nível‑alvo final.

266

A este respeito, o CUR considerou, no considerando 55 da decisão recorrida, que o montante médio dos depósitos cobertos, calculado trimestralmente, ascendia a 5,546 biliões de euros para o ano de 2016.

267

Nos considerandos 56 a 58 da decisão recorrida, o CUR apresentou o prognóstico da evolução dos depósitos cobertos nos restantes seis anos do período inicial, a saber, de 2018 a 2023. Estimou que as taxas anuais de crescimento destes depósitos até ao final do período inicial se situariam entre 1 % e 4 %.

268

Nos considerandos 59 a 61 da decisão recorrida, o CUR apresentou uma avaliação da fase do ciclo de atividades e do potencial efeito pró‑cíclico que as contribuições ex ante poderiam ter na situação financeira das instituições. Para o efeito, indicou ter tido em conta vários elementos, tais como, nomeadamente, a previsão de crescimento do produto interno bruto para 2017 da Comissão ou ainda os indicadores‑chave do setor bancário da zona euro, como a solvabilidade, a qualidade dos ativos e a rendibilidade das instituições. A este respeito, e de modo que não agravar os efeitos pró‑cíclicos das contribuições ex ante sobre a solvabilidade do setor bancário, o CUR considerou que seria pertinente determinar o nível‑alvo anual à luz de uma taxa de evolução dos depósitos cobertos que seria inferior à recomendada, por ser mais credível.

269

No considerando 62 da decisão recorrida, o CUR concluiu que, devido às incertezas que rodeiam a recuperação económica, ao seu impacto negativo no crescimento futuro dos depósitos cobertos e do ciclo económico e ao número limitado de dados suscetíveis de indicar a evolução futura destes depósitos, era pertinente adotar uma abordagem prudente em relação às taxas de crescimento dos referidos depósitos cobertos nos anos seguintes até 2023.

270

À luz destas considerações, o CUR calculou, no considerando 63 da decisão recorrida, o montante do nível‑alvo anual multiplicando o montante médio dos depósitos cobertos em 2016 pelo coeficiente de 1,05 % e dividindo o resultado deste cálculo por oito, de acordo com a seguinte fórmula matemática, enunciada no considerando 63 da referida decisão:

«Alvo0 [montante do nível‑alvo anual] = Total de depósitos cobertos2016 * 0,0105 * ⅛ = 7161808441 euros.»

271

No entanto, na audiência, o CUR indicou que determinou o nível‑alvo anual para o período de contribuição de 2017 do seguinte modo.

272

Primeiro, com base numa análise prospetiva, o CUR fixou o montante dos depósitos cobertos de todas as instituições autorizadas no território de todos os Estados‑Membros participantes, com prognóstico para o final do período inicial. Para chegar a este montante, o CUR teve em conta o montante médio dos depósitos cobertos em 2016, a taxa de crescimento anual destes depósitos, bem como o número de períodos de contribuição restantes até ao final do período inicial.

273

Segundo, em conformidade com o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, o CUR calculou 1 % do montante previsto dos depósitos cobertos no final do período inicial, a fim de obter o montante estimado do nível‑alvo final que devia ser alcançado em 31 de dezembro de 2023.

274

Terceiro, o CUR deduziu deste último montante os recursos financeiros já disponíveis no FUR em 2017, para obter o montante que faltava cobrar durante os períodos de contribuição restantes antes do final do período inicial.

275

Quarto, o CUR dividiu este último montante pelo número de períodos de contribuição restantes, para o escalonar de forma equilibrada entre estes períodos. O nível‑alvo anual para o período de contribuição de 2017 foi assim fixado no montante mencionado no n.o 262, supra, ou seja, cerca de 7,161 mil milhões de euros.

276

A fim de analisar se o CUR respeitou o seu dever de fundamentação no que respeita à determinação do nível‑alvo anual, importa recordar, antes de mais, que a falta ou insuficiência de fundamentação constitui um fundamento de ordem pública que pode, ou mesmo deve, ser conhecido oficiosamente pelo juiz da União (v. Acórdão de 2 de dezembro de 2009, Comissão/Irlanda e o., C‑89/08 P, EU:C:2009:742, n.o 34 e jurisprudência referida). Por conseguinte, o Tribunal Geral pode, ou mesmo deve, ter também em conta outras faltas de fundamentação além das invocadas pela recorrente, nomeadamente, quando estas se manifestem no decurso do processo.

277

Para o efeito, as partes foram ouvidas, na fase oral do processo, sobre todas as eventuais faltas de fundamentação de que estaria ferida a decisão recorrida no que respeita à determinação do nível‑alvo anual. Em especial, expressamente questionado em várias ocasiões a este respeito, o CUR descreveu, passo a passo, o método que tinha efetivamente seguido para determinar o nível‑alvo anual para o período de contribuição de 2017, tal como exposto nos n.os 274 a 277, supra.

278

No que respeita, em seguida, ao conteúdo do dever de fundamentação, resulta da jurisprudência que a fundamentação de uma decisão tomada por uma instituição ou um órgão da União deve ser, nomeadamente, desprovida de contradições para permitir aos interessados conhecer os fundamentos reais desta decisão, com vista a defender os seus direitos no órgão jurisdicional competente, e a este último exercer a sua fiscalização (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 169 e jurisprudência referida, de 22 de setembro de 2005, Suproco/Comissão,T‑101/03, EU:T:2005:336, n.os 20 e 45 a 47, e de 16 de dezembro de 2015, Grécia/Comissão,T‑241/13, EU:T:2015:982, n.o 56).

279

Do mesmo modo, quando o autor da decisão recorrida fornece determinadas explicações relativas aos seus fundamentos no decurso do processo perante o juiz da União, estas explicações devem ser coerentes com as considerações expostas nesta decisão (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de setembro de 2005, Suproco/Comissão,T‑101/03, EU:T:2005:336, n.os 45 a 47, e de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão, T‑95/15, EU:T:2016:722, n.os 54 e 55).

280

Com efeito, se as considerações expostas na decisão recorrida não forem coerentes com essas explicações fornecidas durante o processo judicial, a fundamentação da decisão em causa não cumpre as funções recordadas nos n.os 210 e 211, supra. Em especial, tal incoerência impede, por um lado, os interessados de conhecerem os fundamentos reais da decisão recorrida, antes da interposição do recurso, de prepararem a sua defesa à luz dos mesmos e, por outro, o juiz da União de identificar os fundamentos que serviram de verdadeiro suporte jurídico a esta decisão e de examinar a sua conformidade com as regras aplicáveis.

281

Por último, há que lembrar que, quando o CUR adota uma decisão que fixa as contribuições ex ante, deve dar a conhecer às instituições envolvidas o método de cálculo destas contribuições (v. Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.o 122).

282

O mesmo se aplica ao método de determinação do nível‑alvo anual, revestindo este montante uma importância essencial na sistemática de tal decisão. Com efeito, como resulta do n.o 16, supra, o modo de cálculo das contribuições ex ante consiste na repartição do referido montante entre todas as instituições em causa, pelo que um aumento ou uma redução deste mesmo montante conduz a um aumento ou uma redução correspondente da contribuição ex ante de cada uma destas instituições.

283

Resulta do exposto que, embora o CUR seja obrigado a fornecer às instituições, através da decisão recorrida, explicações sobre o método de determinação do nível‑alvo anual, estas explicações devem ser coerentes com as explicações fornecidas pelo CUR durante o processo judicial e relativas ao método efetivamente aplicado.

284

Ora, tal não sucede no presente processo.

285

Com efeito, importa, antes de mais, salientar que a decisão recorrida expôs, no considerando 63, uma fórmula matemática que esta apresentou como estando na base da determinação do nível‑alvo anual. Ora, verifica‑se que esta fórmula não integra os elementos do método efetivamente aplicado pelo CUR, tal como explicitado na audiência. Com efeito, como resulta dos n.os 272 a 275, supra, o CUR obteve o montante do nível‑alvo anual, no âmbito deste método, deduzindo do nível‑alvo final os meios financeiros disponíveis no FUR, com vista a calcular o montante que faltava cobrar até ao final do período inicial e dividindo este último montante pelo número de períodos de contribuição restantes. Ora, estas duas etapas do cálculo não encontram expressão na referida fórmula matemática.

286

Incoerências semelhantes também afetam a forma como foi fixado o coeficiente de 1,05 %, que desempenha um papel primordial na fórmula matemática mencionada no n.o 285, supra. Com efeito, como resulta dos considerandos 51 e 52 da decisão recorrida, este coeficiente pode ser entendido no sentido de que se baseia na estimativa do nível‑alvo final para 2023, na necessidade de escalonar as contribuições ex ante de forma tão equilibrada quanto possível durante o período inicial, bem como numa análise da fase do ciclo económico e nos efeitos que estas contribuições teriam na situação financeira das instituições. Ora, como o CUR reconheceu na audiência, este coeficiente foi fixado para poder justificar o resultado do cálculo do montante do nível‑alvo anual, ou seja, depois de o CUR ter calculado este montante em aplicação das quatro etapas expostas nos n.os 272 a 275, supra, e, nomeadamente, dividindo o montante resultante da dedução dos meios financeiros disponíveis no FUR do nível‑alvo final pelo número de períodos de contribuição restantes. Ora, esta diligência não resulta de modo nenhum da decisão recorrida.

287

Daí resulta que, no que respeita à determinação do nível‑alvo anual, o método efetivamente aplicado pelo CUR, tal como explicitado na audiência, não corresponde ao descrito na decisão recorrida, pelo que os fundamentos reais, à luz dos quais foi fixado este nível‑alvo, não podiam ser identificados com base na decisão recorrida nem pelas instituições nem pelo Tribunal Geral.

288

Tendo em conta o que precede, há que concluir que a decisão recorrida enferma de vícios de fundamentação no que respeita à determinação do nível‑alvo anual.

289

A terceira parte do segundo fundamento deve, assim, ser acolhida. Tendo em conta as consequências jurídicas e económicas do presente processo, é, no entanto, do interesse de uma boa administração da justiça prosseguir a análise dos outros fundamentos do recurso.

[OMISSIS]

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção Alargada),

decide:

 

1)

É anulada a Decisão SRB/ES/2021/82 do Conselho Único de Resolução (CUR), de 15 de dezembro de 2021, relativa ao cálculo das contribuições ex ante para 2017 para o Fundo Único de Resolução na parte em que diz respeito à Landesbank Baden‑Württemberg.

 

2)

São mantidos os efeitos da Decisão SRB/ES/2021/82 até à entrada em vigor, num prazo razoável, que não deverá exceder seis meses a contar da data da prolação do presente acórdão, de uma nova decisão do CUR que fixe a contribuição ex ante para o Fundo Único de Resolução da Landesbank Baden‑Württemberg para o período de contribuição de 2017.

 

3)

O CUR suportará, além das suas próprias despesas, as despesas da Landesbank Baden‑Württemberg.

 

Kornezov

De Baere

Petrlík

Kecsmár

Kingston

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de julho de 2024

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

( 1 ) Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.