DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

9 de janeiro de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Artigo 99.o do Regulamento de Processo — Fiscalidade — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigos 167.o, 168.o e 178.o — Direto à dedução do IVA pago a montante — Fraude — Prova — Dever de diligência do sujeito passivo — Tomada em consideração de uma violação das disposições nacionais que regulam as prestações de serviços em causa»

No processo C‑289/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), por Decisão de 28 de fevereiro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de maio de 2022, no processo

A.T.S. 2003 Vagyonvédelmi és Szolgáltató Zrt., «f.a.», em liquidação,

contra

Nemzeti Adó‑ és Vámhivatal Fellebviteli Igazgatósága,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, D. Gratsias, M. Ilešič, I. Jarukaitis (relator) e Z. Csehi, juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: A. Calot Escobar,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de decidir por despacho fundamentado, nos termos do artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

profere o presente

Despacho

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 167.o, do artigo 168.o, alínea a), e do artigo 178.o, alínea a), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), em conjugação com os princípios da neutralidade fiscal, da proporcionalidade e da segurança jurídica, bem como com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a A.T.S. 2003 Vagyonvédelmi és Szolgáltató Zrt., «f.a.», em liquidação (a seguir «A.T.S. 2003») à Nemzeti Adó‑ és Vámhivatal Fellebbviteli Igazgatósága (Direção de Recursos da Administração Nacional Tributária e Aduaneira, Hungria) (a seguir «Direção de Recursos»), a propósito do montante do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) relativo a faturas pagas durante o período compreendido entre 1 de janeiro de 2009 e 30 de setembro de 2013.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Tendo em conta as datas em que ocorreram os factos do litígio no processo principal, importa observar que a Diretiva 2006/112, na versão alterada pela Diretiva 2010/45/UE do Conselho, de 13 de julho de 2010 (JO 2010, L 189, p. 1), aplicável a partir de 1 de janeiro de 2013, é aplicável ratione temporis a alguns desses factos. No entanto, uma vez que as alterações introduzidas por esta última diretiva são desprovidas de pertinência direta para o presente processo, mencionam‑se unicamente as disposições da Diretiva 2006/112 na sua versão inicial.

4

O artigo 167.o da Diretiva 2006/112 prevê que o direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.

5

O artigo 168.o da mesma diretiva dispõe:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado‑Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)

O IVA devido ou pago nesse Estado‑Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo.

[…]»

6

Nos termos do artigo 178.o da referida diretiva:

«Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições:

a)

Relativamente à dedução referida na alínea a) do artigo 168.o, no que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços, possuir uma fatura emitida em conformidade com os artigos 220.o a 236.o, 238.o, 239.o e 240.o;

[…]»

Direito húngaro

7

O artigo 1.o da adózás rendjéről szóló 2003. évi XCII. törvény (Lei XCII de 2003, que aprova o Código de Processo Tributário) (Magyar Közlöny 2003/131., a seguir «Código de Processo Tributário») prevê, no n.o 7:

«Os contratos, operações e outros atos similares devem ser qualificados em função do seu conteúdo real. Um contrato ou qualquer outro ato jurídico inválido é pertinente para efeitos de tributação desde que possa demonstrar‑se o seu resultado económico.»

8

O artigo 2.o do Código de Processo Tributário dispõe, no n.o 1:

«Os direitos exercidos nas relações jurídicas relativas à fiscalidade devem sê‑lo em conformidade com o seu destino. Na aplicação das leis tributárias, não pode ser qualificada de exercício dos direitos conforme ao seu destino a celebração de contratos ou a realização de outras operações cuja finalidade seja contornar as disposições das leis tributárias.»

9

Nos termos do artigo 97.o, n.os 4 e 6, do referido código:

«4.   Durante a inspeção, a Administração Tributária tem a obrigação de determinar e provar os factos, salvo nos casos em que, por lei, o ónus da prova recaia sobre o contribuinte.

[…]

6.   Quando determina os factos, a Administração Tributária tem a obrigação de averiguar igualmente os factos que beneficiem o contribuinte. Um facto ou uma circunstância não provados não podem — exceto no procedimento por estimativa — ser apreciados em detrimento do contribuinte.»

10

O artigo 119.o da általános forgalmi adóról szóló 2007. évi CXXVII. törvény (Lei CXXVII de 2007, relativa ao imposto sobre o valor acrescentado) (Magyar Közlöny 2007/155) dispõe, no n.o 1:

«Salvo disposição legal em contrário, o direito à dedução do imposto constitui‑se quando deva ser determinado o imposto devido correspondente ao imposto calculado a montante (artigo 120.o).»

11

O artigo 120.o, alínea a), da mesma lei prevê:

«Na medida em que utilize ou explore de outra forma bens ou serviços para efetuar entregas de bens ou prestações de serviços tributáveis, o sujeito passivo — agindo nessa qualidade — terá direito a deduzir do montante do imposto de que é devedor:

a)

O imposto que lhe seja faturado por qualquer outro sujeito passivo — incluindo as pessoas ou organismos sujeitos ao imposto simplificado sobre as sociedades — na aquisição de bens ou utilização de serviços.»

12

O artigo 127.o, n.o 1, da referida lei precisa:

«O exercício do direito à dedução está sujeito ao requisito material de o sujeito passivo dispor pessoalmente:

a)

no caso previsto no artigo 120.o, alínea a), de uma fatura emitida em seu nome que certifique a realização da operação;

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13

A A.T.S. 2003 prestou serviços de proteção de bens e de limpeza durante o período compreendido entre 1 de janeiro de 2009 e 30 de setembro de 2013. Os referidos serviços foram realizados pelo seu pessoal assalariado, bem como por subcontratação e por trabalhadores contratados por intermédio de uma empresa de trabalho temporário. Esta última tornou‑se depois subcontratante da A.T.S. 2003 e, para tal efeito, recorreu por sua vez a uma empresa de trabalho temporário.

14

A Administração Tributária verificou que a A.T.S. 2003 era devedora de um montante de 141457000 forintes húngaros (HUF) (cerca de 345155 euros) a título de IVA, de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, de quotizações para a segurança social e de outras contribuições relativas ao período compreendido entre dezembro de 2010 e setembro de 2013. Além disso, aplicou‑lhe uma coima tributária e penalizações por mora.

15

No que respeita ao IVA dedutível, a Administração Tributária constatou que a A.T.S. 2003 era acusada de um delito de fraude fiscal, uma vez que uma inspeção efetuada pela Direção dos Assuntos Penais da referida administração revelou a existência de uma cadeia de faturação fictícia, bem como o recurso a empresas de trabalho temporário que não exerciam nenhuma atividade económica real e não cumpriam os requisitos previstos pela legislação nacional para o exercício dessa atividade. Tendo em conta os dados e informações recolhidos nessa inspeção, a referida administração considerou que a A.T.S. 2003 não só não tinha agido com a diligência exigida mas também tinha contribuído para a instauração de uma cadeia de prestações criada de forma artificial ao celebrar, designadamente, contratos de cedência de trabalhadores com empresas que não dispunham dos meios necessários para a execução das prestações acordadas ou que não tinham exercido nenhuma atividade económica real. A mesma administração considerou que, nestas condições, as faturas emitidas por essas sociedades não faziam fé.

16

Na sequência de um recurso da decisão da Administração Tributária, a Direção de Recursos confirmou a referida decisão no que respeita ao IVA. A A.T.S. 2003 interpôs então recurso para o Fővárosi Törvényszék zék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), órgão jurisdicional de reenvio, contestando os factos invocados contra ela e alegando, em substância, que fez prova de todas as diligências que razoavelmente se podia esperar dela para verificar que as faturas em causa não estavam associadas a uma fraude.

17

O órgão jurisdicional de reenvio, salientando que o Tribunal de Justiça já interpretou as disposições da Diretiva 2006/112 em numerosos processos relativos à Hungria, em especial nos processos que deram origem aos Despachos de 3 de setembro de 2020, Vikingo Fővállalkozó (C‑610/19, EU:C:2020:673), e de 3 de setembro de 2020, Crewprint (C‑611/19, não publicado,EU:C:2020:674), expõe que persistem discordâncias entre as soluções adotadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais no que respeita à interpretação e aplicação do direito da União, bem como à interpretação das decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça no que concerne ao ónus da prova que recai respetivamente sobre o sujeito passivo e sobre a Administração Tributária. Tendo em conta esta situação, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, para cumprir a sua missão de fiscalização no presente processo, necessita de indicações do Tribunal de Justiça sobre a maneira como devem ser apreciados os elementos de prova invocados pela Administração Tributária.

18

O órgão jurisdicional de reenvio refere que é necessário apreciar, no processo principal, se as circunstâncias invocadas pela Direção de Recursos, a saber, o facto de os operadores que intervêm na cadeia de prestações a montante não disporem de pessoal próprio e não terem cumprido as suas obrigações fiscais, podem ser consideradas elementos objetivos que justificam a recusa do benefício do direito à dedução, ainda que o Tribunal de Justiça já tenha declarado que tais circunstâncias não constituem, em si mesmas, esses elementos objetivos.

19

O referido órgão jurisdicional precisa que deve apreciar, mais especificamente, se a Administração Tributária podia, com fundamento nessas mesmas circunstâncias, declarar a falta de veracidade das faturas e, consequentemente, a existência de uma fraude, quando, por um lado, a A.T.S. 2003 beneficiou da possibilidade que lhe oferecia a legislação nacional de não empregar pessoal e de recorrer à cedência de trabalhadores e à subcontratação e, por outro, estavam reunidos os requisitos tanto materiais como formais do direito à dedução.

20

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se, designadamente, se o facto de a Administração Tributária não reconhecer nem a existência de um contrato celebrado entre o sujeito passivo e o emitente da fatura nem a realidade da existência da prestação de serviços objeto dessa fatura, enquanto exige ao sujeito passivo que proceda a verificações não só a respeito do seu parceiro imediato mas também do conjunto dos operadores que constituem a cadeia de prestações, especialmente no que respeita à legalidade da sua atividade, não constitui uma extensão da obrigação de diligência que o sujeito passivo deve demonstrar, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, para garantir que a operação invocada para fundar o direito à dedução não faz parte de uma fraude ao IVA.

21

Tendo dúvidas de que a exigência dessas verificações seja conforme aos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, mais precisamente, se a circunstância de o sujeito passivo verificar que os operadores que intervêm a montante na cadeia de prestações violaram as normas que regulam as prestações de serviços em causa, sem que essa violação afete a execução destas últimas, pode levar a considerar que o referido sujeito passivo participou numa fraude ao IVA e a recusar‑lhe o benefício do direito à dedução.

22

Segundo o referido órgão jurisdicional, é problemática a prática da Administração Tributária que consiste em pôr em dúvida a racionalidade das decisões comerciais dos sujeitos passivos, sem ter em conta a sua liberdade contratual e a especificidade da vida económica. A este respeito, duvida que o exercício do direito à dedução possa ser considerado não conforme à sua finalidade e, portanto, constitutivo de uma fraude quando o sujeito passivo o exerce no âmbito de uma montagem que lhe permite reduzir os seus custos, incluindo os relativos ao IVA.

23

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, coloca‑se igualmente a questão de saber se, uma vez que as fraudes cometidas em cadeia estão difundidas no domínio da cedência de trabalhadores, a Administração Tributária está obrigada a especificar em cada caso os elementos constitutivos da fraude fiscal e a provar que a mesma ocorreu.

24

Nestas condições, o Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem os artigos 167.o, 168.o, alínea a), e 178.o, alínea a), da Diretiva [2006/112] ser interpretados no sentido de que, se a autoridade tributária apurar relativamente a qualquer membro de uma cadeia de prestações uma infração da legislação especial relativa às prestações assumidas por contrato subscrito com o contribuinte ou por acordos celebrados entre os membros da cadeia, ou uma infração de qualquer outra legislação, esse incumprimento constitui um facto suficiente por si próprio, enquanto circunstância objetiva, para demonstrar a existência de uma fraude fiscal, mesmo quando a atividade dos membros da cadeia seja legal em todos os aspetos, ou a autoridade tributária também tem que concretizar neste caso em que consiste a fraude fiscal, bem como por qual dos membros da cadeia e por meio de que atuação foi cometida? Neste contexto, no caso de apurar um incumprimento, é necessário que a autoridade tributária examine o nexo causal entre o incumprimento das obrigações legais que regem a atividade económica e o direito do contribuinte à dedução, de forma que só no caso de demonstrar tal nexo poderá recusar ao contribuinte o seu direito a deduzir o IVA?

2)

Tendo em conta os referidos artigos da Diretiva [2006/112], bem como o direito a um processo equitativo consagrado como princípio geral do Direito no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e dos princípios fundamentais da proporcionalidade e da segurança jurídica, pode exigir‑se ao contribuinte, no âmbito da sua obrigação geral de controlo, que verifique se os membros anteriores da cadeia cumpriram as obrigações estabelecidas em legislação especial para a execução das prestações faturadas e os requisitos para operar legalmente? Em caso de resposta afirmativa, trata‑se de uma obrigação contínua do contribuinte enquanto durar a relação jurídica ou, sendo caso disso, com que frequência deve cumpri‑la?

3)

Devem os artigos 167.o, 168.o, alínea a), e 178.o, alínea a), da Diretiva [2006/112] ser interpretados no sentido de que, se o contribuinte detetar que qualquer membro anterior da cadeia incumpriu as suas obrigações, se constitui o dever de o contribuinte não exercer o seu direito a deduzir o IVA suportado nesse caso, sob pena de a aplicação da dedução do IVA ser qualificada de evasão fiscal?

4)

Devem os referidos artigos da Diretiva [2006/112], em conjugação com os princípios da segurança jurídica e da neutralidade fiscal, ser interpretados no sentido de que, ao examinar e qualificar o caráter fraudulento da cadeia, bem como ao determinar os factos relevantes e apreciar as provas que os demonstram, a autoridade tributária não pode ignorar as disposições da legislação especial relativa às prestações faturadas, em particular as normas que regulam os direitos e obrigações das partes?

5)

Está em conformidade com os referidos artigos da Diretiva [2006/112], com o direito a um processo equitativo, consagrado como princípio geral de Direito no artigo 47.o da Carta, e com o princípio fundamental da segurança jurídica uma prática da autoridade tributária que consiste em que, no seguimento de uma inspeção do direito à dedução relativo a uma operação económica realizada no exercício de uma atividade de prestação de serviços, a existência real dessa operação económica, documentada através de faturas, contratos e outros comprovativos contabilísticos, pode ser refutada com base nas constatações efetuadas pela autoridade de fiscalização durante a inspeção, nas declarações prestadas durante a inspeção pelas pessoas inspecionadas e nos depoimentos prestados por trabalhadores contratados através de empresas de trabalho temporário sobre o que pensam da sua relação laboral, como a qualificam juridicamente e quem consideram que atua como empregador?

6)

É compatível com os referidos artigos da Diretiva [2006/112] e está em conformidade com o direito a um processo equitativo consagrado como princípio geral de Direito no artigo 47.o da Carta e com o princípio fundamental da segurança jurídica uma prática da autoridade tributária que consiste em a opção do contribuinte por realizar a sua atividade económica de uma forma que lhe permita reduzir os seus custos na maior medida possível ser qualificada de exercício irregular do direito e, com base nisso, a autoridade tributária exercer o seu direito a requalificar os contratos de tal modo que cria um contrato entre partes que anteriormente não estavam vinculadas contratualmente?»

Quanto às questões prejudiciais

25

Nos termos do artigo 99.o do seu Regulamento de Processo, quando a resposta à questão submetida a título prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou quando a resposta a tal questão não suscite nenhuma dúvida razoável, o Tribunal pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.

26

Ora, no caso em apreço, as respostas às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio podem ser claramente deduzidas da jurisprudência.

27

É certo que este último evoca, no seu pedido de decisão prejudicial, discordâncias persistentes que existem entre as soluções adotadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à interpretação e à aplicação do direito da União, bem como à interpretação das decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça no que respeita ao ónus da prova da existência de uma fraude ao IVA e da participação do sujeito passivo nessa fraude, que deve ser feita para lhe recusar o benefício do direito à dedução do IVA pago a montante. Indica, nomeadamente, a este respeito, que as decisões que proferiu na sequência dos Despachos de 3 de setembro de 2020, Vikingo Fővállalkozó (C‑610/19, EU:C:2020:673) e de 3 de setembro de 2020, Crewprint (C‑611/19, não publicado, EU:C:2020:674), foram anuladas pela Kúria (Supremo Tribunal, Hungria) e considera que, devido às interpretações divergentes deste último despacho, deve formular as suas questões prejudiciais de forma mais concreta no que respeita à apreciação dos elementos de prova invocados pela Autoridade Tributária, a fim de limitar a possibilidade de interpretações divergentes.

28

Cumpre, no entanto, constatar que o órgão jurisdicional de reenvio não fornece nenhuma precisão sobre as divergências de interpretação do direito da União ou das decisões do Tribunal de Justiça que evoca e que resulta da sua exposição que essas divergências parecem incidir mais sobre a apreciação das provas em determinadas circunstâncias.

29

De facto, no âmbito de um processo nos termos do artigo 267.o TFUE, que se baseia numa nítida separação de funções entre os tribunais nacionais e o Tribunal de Justiça, o juiz nacional tem competência exclusiva para apurar e apreciar os factos do litígio no processo principal. O Tribunal de Justiça não tem competência para aplicar as regras de direito a uma situação determinada, uma vez que o artigo 267.o TFUE apenas o habilita a pronunciar‑se sobre a interpretação dos Tratados e dos atos adotados pelas instituições da União (Acórdão de 16 de junho de 2022, DuoDecad, C‑596/20, EU:C:2022:474, n.o 37 e jurisprudência referida).

30

A este respeito, nos n.os 8 e 11 das Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (JO 2019, C 380, p. 1), recorda‑se que o pedido de decisão prejudicial não deve ter por objeto questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal e que o próprio Tribunal de Justiça não aplica o direito da União a esse litígio.

31

Quando muito, o Tribunal de Justiça pode, no âmbito do processo nos termos do artigo 267.o TFUE e num espírito de cooperação com os órgãos jurisdicionais nacionais, fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio as indicações que julgar necessárias (v., neste sentido, Acórdãos de 1 de julho de 2008, MOTOE, C‑49/07, EU:C:2008:376, n.o 30, e de 10 de fevereiro de 2022, HR Rail, C‑485/20, EU:C:2022:85, n.o 46).

32

Assim, em matéria de IVA, quando é recusado a um sujeito passivo o benefício do direito à dedução devido à existência de uma fraude, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar se a Autoridade Tributária fez prova bastante de que os elementos objetivos que permitem concluir que o referido sujeito passivo cometeu uma fraude ou sabia ou deveria saber que a operação invocada para fundamentar o direito à dedução fazia parte de tal fraude (v., neste sentido, Despacho de 3 de setembro de 2020, Vikingo Fővállalkozó, C‑610/19, EU:C:2020:673, n.o 57, e Acórdão de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C‑281/20, EU:C:2021:910, n.o 50 e jurisprudência referida).

33

A este respeito, o Tribunal de Justiça, interpretando a Diretiva 2006/112, já várias vezes recordou os princípios que dela decorrem no que respeita ao ónus da prova e forneceu indicações para apreciar a pertinência de certos elementos de facto. O Tribunal de Justiça procedeu desse modo, nomeadamente, nos Despachos de 3 de setembro de 2020, Vikingo Fővállalkozó (C‑610/19, EU:C:2020:673), e de 3 de setembro de 2020, Crewprint (C‑611/19, não publicado, EU:C:2020:674), e no Acórdão de 1 de dezembro de 2022, Aquila Part Prod Com (C‑512/21, EU:C:2022:950), em resposta a questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que apresentam grandes semelhanças com as que este mesmo órgão jurisdicional submete no presente processo.

34

Por conseguinte, o Tribunal de Justiça observa que o referido órgão jurisdicional já dispunha, antes da apresentação do seu pedido de decisão prejudicial, dos elementos de interpretação e de grande parte das indicações que lhe deviam permitir dirimir o litígio no processo principal. Quanto ao resto, o Tribunal de Justiça considera que as indicações solicitadas não dão origem a nenhuma dúvida razoável.

35

Consequentemente, há que aplicar o artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça no presente processo.

36

Por outro lado, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio não expôs as razões pelas quais questionava o Tribunal de Justiça sobre a interpretação do artigo 47.o da Carta e do princípio da segurança jurídica, a segunda, quarta, quinta e sexta questões submetidas não respondem, a este respeito, às exigências do artigo 94.o do Regulamento de Processo, pelo que, na medida em que respeitem a esta disposição da Carta ou a este princípio, são inadmissíveis.

Quanto à sexta questão

37

Com a sua sexta questão, que deve ser analisada em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma prática nacional que consiste em qualificar de «exercício irregular de um direito» a opção de um sujeito passivo de exercer uma atividade económica sob a forma que lhe permite reduzir os seus custos económicos e em recusar, por esse motivo, a esse sujeito passivo o benefício do direito à dedução do IVA pago a montante.

38

A este respeito, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio evocou, no seu pedido, a eventualidade de um abuso de direito para explicar a hipótese prevista na sua questão, importa recordar que o combate à fraude, à evasão fiscal e a eventuais abusos é um objetivo reconhecido e encorajado pela referida diretiva e que o princípio da proibição das práticas abusivas, aplicável no domínio do IVA, conduz a proibir as montagens puramente artificiais, desprovidas de realidade económica, efetuadas com o único fim de obter uma vantagem fiscal (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o., C‑255/02, EU:C:2006:121, n.os 70 e 71, e de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses, C‑419/14, EU:C:2015:832, n.o 35).

39

No entanto, a verificação da existência de uma prática abusiva em matéria de IVA exige, por um lado, que as operações em causa, apesar da aplicação formal dos requisitos previstos nas disposições pertinentes da Diretiva IVA e da legislação nacional que a transpõe, tenham por resultado a obtenção de uma vantagem fiscal cuja concessão seria contrária ao objetivo prosseguido por essas disposições e, por outro lado, que resulte de um conjunto de elementos objetivos que a finalidade essencial das operações em causa se limita à obtenção dessa vantagem fiscal (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o., C‑255/02, EU:C:2006:121, n.os 74 e 75, e de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses, C‑419/14, EU:C:2015:832, n.o 36).

40

Quanto à questão de saber se a finalidade essencial de uma operação se limita à obtenção dessa vantagem fiscal, importa recordar que, em matéria de IVA, o Tribunal de Justiça já declarou que, quando o sujeito passivo pode escolher entre duas operações, não está obrigado a optar pela que implica o pagamento do montante de IVA mais elevado, tendo o direito de escolher a estrutura da sua atividade de modo a limitar a sua dívida fiscal. Os sujeitos passivos têm assim geralmente a liberdade de escolher as estruturas organizacionais e as modalidades transacionais que considerem mais adequadas às suas atividades económicas e ao objetivo de limitar os seus encargos fiscais (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o., C‑255/02, EU:C:2006:121, n.o 73, e de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses, C‑419/14, EU:C:2015:832, n.o 42).

41

Por conseguinte, como o Tribunal de Justiça ainda recordou no n.o 41 do Despacho de 3 de setembro de 2020, Crewprint (C‑611/19, não publicado, EU:C:2020:674), o princípio da proibição das práticas abusivas proíbe apenas as montagens puramente artificiais, desprovidas de realidade económica, efetuadas com o único objetivo de obter uma vantagem fiscal cuja concessão seja contrária aos objetivos da Diretiva 2006/112.

42

Tendo em conta estas considerações, há que responder à sexta questão que a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma prática nacional que consiste em qualificar de «exercício irregular de um direito» a opção de um sujeito passivo de exercer uma atividade económica sob a forma que lhe permite reduzir os seus custos económicos e em recusar, por esse motivo, a esse sujeito passivo o benefício do direito à dedução do IVA pago a montante, quando não se demonstre a existência de uma montagem puramente artificial, desprovida de realidade económica, efetuada com o único fim ou, pelo menos, com o objetivo essencial de obter uma vantagem fiscal cuja concessão seria contrária aos objetivos da referida diretiva.

Quanto à quinta questão

43

À luz dos factos expostos no pedido de decisão prejudicial, há que considerar que, com a sua quinta questão, que deve ser analisada em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que a Autoridade Tributária recuse a um sujeito passivo o benefício do direito à dedução do IVA relativo a uma prestação de serviços, com base em conclusões resultantes de depoimentos face aos quais a referida autoridade pôs em causa a realidade dessa prestação de serviços ou considerou que a mesma fazia parte de uma fraude ao IVA.

44

Importa recordar que o direito à dedução do IVA está subordinado ao cumprimento de exigências ou de requisitos tanto materiais como formais.

45

No que se refere às exigências ou aos requisitos materiais, resulta do artigo 168.o, alínea a), da referida diretiva que, para poder beneficiar do referido direito, é necessário, por um lado, que o interessado seja um «sujeito passivo», na aceção desta diretiva, e, por outro, que os bens ou serviços invocados para basear o direito à dedução do IVA sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens sejam entregues ou esses serviços prestados por outro sujeito passivo.

46

Esta segunda exigência ou requisito material a que está subordinado o direito à dedução implica que a entrega de bens ou a prestação de serviços a que diz respeito a fatura tenha sido efetivamente realizada. O Tribunal de Justiça já declarou que a verificação da existência da operação tributável deve ser efetuada em conformidade com as regras de prova do direito nacional, procedendo a uma apreciação global de todos os elementos e circunstâncias de facto do caso em apreço (Despacho de 3 de setembro de 2020, Vikingo Fővállalkozó, C‑610/19, EU:C:2020:673, n.o 46 e jurisprudência referida).

47

Quanto às modalidades do exercício do direito à dedução do IVA, equiparáveis a exigências ou a requisitos de natureza formal, o artigo 178.o, alínea a), da Diretiva 2006/112 prevê que o sujeito passivo deve possuir uma fatura emitida em conformidade com os artigos 220.o a 236.o e com os artigos 238.o a 240.o da mesma (Despacho de 3 de setembro de 2020, Vikingo Fővállalkozó, C‑610/19, EU:C:2020:673, n.o 43 e jurisprudência referida).

48

O Tribunal de Justiça precisou igualmente, no que respeita ao ónus da prova, que é ao sujeito passivo que pede a dedução do IVA que cabe demonstrar que preenche os requisitos para dela beneficiar. Assim, o sujeito passivo está obrigado a apresentar provas objetivas de que os bens ou os serviços lhe foram efetivamente entregues ou prestados a montante pelos sujeitos passivos, para os fins das suas próprias operações sujeitas ao IVA e relativamente aos quais pagou efetivamente IVA (Acórdão de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C‑281/20, EU:C:2021:910, n.os 38 e 39 e jurisprudência referida).

49

Por outro lado, o Tribunal de Justiça considerou várias vezes que o facto de a prestação em causa não ter sido concretamente realizada pelo fornecedor mencionado nas faturas, nomeadamente porque este último não dispõe do pessoal, dos materiais e dos ativos necessários, não basta, por si só, para excluir o direito à dedução, uma vez que este facto pode ser a consequência tanto de uma dissimulação fraudulenta dos fornecedores como do simples recurso a subcontratantes (Despacho de 3 de setembro de 2020, Vikingo Fővállalkozó, C‑610/19, EU:C:2020:673, n.o 47 e jurisprudência referida).

50

Daqui resulta que, se, como indica o órgão jurisdicional de reenvio, as prestações de serviços em causa no processo principal foram efetivamente realizadas e foram utilizadas a jusante pela A.T.S. 2003 para os fins das suas operações tributadas, o benefício do direito à dedução não pode, em princípio, ser‑lhe recusado (v., por analogia, Despacho de 3 de setembro de 2020, Vikingo Fővállalkozó, C‑610/19, EU:C:2020:673, n.o 49 e jurisprudência referida).

51

No entanto, ainda que os requisitos materiais do direito à dedução estejam reunidos, cabe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais recusar o benefício do direito à dedução se se demonstrar, à luz de elementos objetivos, que este direito é invocado fraudulenta ou abusivamente (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C‑439/04 e C‑440/04, EU:C:2006:446, n.os 54 e 55, e de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C‑281/20, EU:C:2021:910, n.o 45 e jurisprudência referida).

52

No que respeita à fraude, segundo jurisprudência constante, o benefício do direito à dedução deve ser recusado não apenas quando uma fraude ao IVA seja cometida pelo próprio sujeito passivo, mas também quando se demonstre, em face de elementos objetivos, que o sujeito passivo ao qual foram entregues os bens ou prestados os serviços que estão na base do direito à dedução sabia ou deveria saber que, com a aquisição dos referidos bens ou serviços, participava numa operação que fazia parte de tal fraude cometida pelo fornecedor ou por outro operador a montante ou a jusante na cadeia dos fornecimentos ou das prestações (v., nesse sentido, Acórdão de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C‑281/20, EU:C:2021:910, n.os 46 e 48 e jurisprudência referida).

53

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma vez que a recusa do direito à dedução é uma exceção à aplicação do princípio fundamental que constitui este direito, incumbe às autoridades tributárias fazer prova bastante de que os elementos objetivos que permitem concluir que o sujeito passivo cometeu uma fraude ou sabia ou deveria saber que a operação invocada para fundamentar o direito à dedução fazia parte de uma fraude. Em seguida, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar se as autoridades tributárias em causa demonstraram a existência de tais elementos objetivos (Acórdão de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C‑281/20, EU:C:2021:910, n.o 50 e jurisprudência referida).

54

Uma vez que o direito da União não prevê regras relativas às modalidades de produção de prova em matéria de fraude ao IVA, esses elementos objetivos devem ser demonstrados pela Administração Tributária em conformidade com o regime probatório previsto no direito nacional. No entanto, esse regime não deve atentar contra a eficácia do direito da União (Acórdão de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C‑281/20, EU:C:2021:910, n.o 51 e jurisprudência referida).

55

Decorre da jurisprudência recordada nos n.os 52 a 54 do presente despacho que o benefício do direito à dedução apenas pode ser recusado a um sujeito passivo se, após ter procedido a uma apreciação global de todos os elementos e de todas as circunstâncias de facto do caso concreto, efetuada em conformidade com as regras do direito nacional em matéria de prova, ficar demonstrado que este cometeu uma fraude ao IVA ou sabia ou deveria saber que a operação invocada para basear o direito à dedução fazia parte dessa fraude. O benefício do direito à dedução apenas poder ser recusado se esses factos forem suficientemente demonstrados, não através de suposições (v., neste sentido, Acórdão de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C‑281/20, EU:C:2021:910, n.o 52 e jurisprudência referida).

56

No caso em apreço, decorre do pedido de decisão prejudicial que a Autoridade Tributária considerou que a A.T.S. 2003 e outros operadores económicos tinham instituído uma cadeia de faturação fictícia recorrendo a falsas cedências de trabalhadores e a falsas faturas de subcontratação, a fim de reduzir, designadamente, as suas obrigações em matéria de IVA. A referida autoridade salientou que resultava das declarações das pessoas suspeitas interrogadas no âmbito de um inquérito penal e dos trabalhadores disponibilizados que as empresas de trabalho temporário em causa não exerciam nenhuma atividade económica real. Tais factos, constitutivos de fraude, se forem provados em conformidade com as regras de prova do direito nacional, são suscetíveis de justificar a recusa do benefício do direito à dedução de IVA.

57

Em contrapartida, o facto de a cadeia de operações que conduziu a estas prestações de serviços se afigurar irracional no plano económico ou não razoavelmente justificada não pode ser considerado, por si só, constitutivo de uma fraude (v., neste sentido, Despachos de 3 de setembro de 2020, Vikingo Fővállalkozó, C‑610/19, EU:C:2020:673, n.o 63, e de 3 de setembro de 2020, Crewprint, C‑611/19, não publicado, EU:C:2020:674, n.o 42).

58

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à quinta questão que a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que a Autoridade Tributária recuse a um sujeito passivo o benefício do direito à dedução do IVA relativo a uma prestação de serviços, com fundamento em constatações resultantes de depoimentos com base nos quais a referida Autoridade Tributária pôs em causa a realidade dessa prestação de serviços ou considerou que esta fazia parte de uma fraude ao IVA, se, no primeiro caso, o referido sujeito passivo não tiver demonstrado que a referida operação foi efetivamente realizada ou se, no segundo caso, a referida Autoridade Tributária demonstrar, em conformidade com as regras do direito nacional em matéria de prova, que o referido sujeito passivo cometeu uma fraude ao IVA ou sabia ou deveria saber que a operação invocada para basear o direito à dedução fazia parte dessa fraude.

Quanto à primeira e quarta questões

59

Com a primeira e quarta questões, que importa analisar conjuntamente e em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que a Autoridade Tributária recuse a um sujeito passivo o benefício do direito à dedução ao considerar como elemento de prova bastante da existência de uma fraude ao IVA o facto de esse sujeito passivo, ou outros operadores que intervêm a montante na cadeia das prestações, terem violado as normas nacionais que regulam as prestações de serviços em causa, sem que se demonstre a existência de um nexo entre essa violação e o direito à dedução do IVA.

60

Neste contexto, o referido órgão jurisdicional pergunta igualmente, em substância, se incumbe à Autoridade Tributária caracterizar os elementos constitutivos da fraude e identificar os autores da mesma, bem como as respetivas atuações.

61

Importa observar que a violação das normas nacionais que regulam as prestações de serviços em causa, pelo sujeito passivo ou por outro operador que intervém na cadeia de prestações, não é, em si mesma, um elemento que permita demonstrar que o sujeito passivo cometeu uma fraude ao IVA ou participou nessa fraude. No entanto, tal violação pode, consoante as circunstâncias de facto do caso concreto, constituir um indício, entre outros, da existência de uma fraude ao IVA, bem como um elemento de prova que pode ser tido em conta, no âmbito da apreciação global dessas circunstâncias, para demonstrar que o sujeito passivo é o seu autor ou nela participou ativamente, ou para demonstrar que o referido sujeito passivo sabia ou deveria saber que a operação invocada para basear o direito à dedução fazia parte dessa fraude (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de outubro de 2019, Altic, C‑329/18, EU:C:2019:831, n.o 41, e de 1 de dezembro de 2022, Aquila Part Prod Com, C‑512/21, EU:C:2022:950, n.o 58).

62

Por outro lado, incumbe à Autoridade Tributária, sobre a qual recai o ónus da prova, caracterizar os elementos constitutivos de uma fraude ao IVA e provar as atuações fraudulentas, bem como demonstrar que o sujeito passivo é o autor dessa fraude ou nela participou ativamente, ou sabia ou deveria saber que a operação invocada para fundamentar o direito à dedução fazia parte dessa fraude. Todavia, tal exigência não implica necessariamente que todos os participantes na fraude, bem como as respetivas atuações, sejam identificados. É aos órgãos jurisdicionais nacionais que cabe verificar se as autoridades tributárias fizeram prova bastante (v., neste sentido, Acórdão de 1 de dezembro de 2022, Aquila Part Prod Com, C‑512/21, EU:C:2022:950, n.o 36).

63

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira e quarta questões que a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que:

se opõe a que a Autoridade Tributária recuse a um sujeito passivo o benefício do direito à dedução ao considerar como elemento de prova bastante da existência de uma fraude ao IVA o facto de esse sujeito passivo, ou outros operadores que intervêm a montante na cadeia das prestações, terem violado as normas nacionais que regulam as prestações de serviços em causa, sem que se demonstre a existência de um nexo entre essa violação e o direito à dedução do IVA;

essa violação pode, no entanto, consoante as circunstâncias de facto do caso concreto, constituir um indício, entre outros, da existência de tal fraude, bem como um elemento de prova que pode ser tido em conta, no âmbito da apreciação global de todas essas circunstâncias, para demonstrar que o sujeito passivo é o seu autor ou nela participou, ou para demonstrar que o referido sujeito passivo sabia ou deveria saber que a operação invocada para basear o direito à dedução fazia parte dessa fraude;

incumbe à Autoridade Tributária caracterizar os elementos constitutivos da fraude ao IVA, provar as atuações fraudulentas e demonstrar que o sujeito passivo é o autor dessa fraude ou nela participou ativamente, ou sabia ou deveria saber que a operação invocada para fundamentar o direito à dedução fazia parte dessa fraude;

tal exigência não implica necessariamente que todos os participantes na fraude, bem como as respetivas atuações, sejam identificados.

Quanto à segunda e terceira questões

64

Com a segunda e terceira questões, que importa analisar conjuntamente e em último lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2006/112, em conjugação com o princípio da proporcionalidade, deve ser interpretada no sentido de que incumbe ao sujeito passivo verificar se o fornecedor e os outros operadores que intervêm a montante na cadeia de prestações respeitaram as normas nacionais que regulam as prestações de serviços em causa, bem como as outras normas nacionais que se aplicam à sua atividade.

65

Resulta da jurisprudência recordada no n.o 52 do presente despacho que o direito à dedução deve ser recusado quando se demonstre que o sujeito passivo, ao qual foram entregues os bens ou prestados os serviços que servem de base ao direito à dedução, sabia ou deveria saber que, através da aquisição desses bens ou serviços, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA cometida pelo fornecedor ou por outro operador interveniente a montante ou a jusante na cadeia dos fornecimentos ou das prestações.

66

O Tribunal de Justiça declarou várias vezes que não é contrário ao direito da União exigir que um operador tome todas as medidas que lhe podem ser razoavelmente exigidas para garantir que a operação que efetua não implica a sua participação numa fraude fiscal, e que a determinação das medidas que, num caso concreto, podem ser razoavelmente exigidas a um sujeito passivo que pretende exercer o direito à dedução do IVA para se certificar de que as suas operações não fazem parte de uma fraude cometida por um operador a montante depende essencialmente das circunstâncias do caso concreto (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid, C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373, n.os 54 e 59; de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C‑101/16, EU:C:2017:775, n.o 52, e Despacho de 14 de abril de 2021, Finanzamt Wilmersdorf, C‑108/20, EU:C:2021:266, n.o 28).

67

O Tribunal de Justiça precisou que, quando existem indícios que permitem suspeitar da existência de irregularidades ou de fraude, um operador prudente pode, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, ver‑se obrigado a obter informações sobre outro operador a quem pretenda adquirir bens ou serviços, para se certificar da fiabilidade desse operador (Acórdão de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid, C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373, n.o 60; Despachos de 3 de setembro de 2020, Vikingo Fővállalkozó, C‑610/19, EU:C:2020:673, n.o 55, e de 14 de abril de 2021, Finanzamt Wilmersdorf, C‑108/20, EU:C:2021:266, n.o 29).

68

No entanto, a Administração Tributária não pode obrigar o sujeito passivo a realizar verificações complexas e aprofundadas relativamente ao seu fornecedor, transferindo, de facto, para o sujeito passivo os atos de controlo que incumbem a essa administração (Acórdão de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C‑101/16, EU:C:2017:775, n.o 51).

69

Em particular, o Tribunal de Justiça já declarou que a Autoridade Tributária não pode exigir, de uma maneira geral, ao sujeito passivo que pretenda exercer o seu direito à dedução do IVA, por um lado, que verifique se o emitente da fatura referente aos bens e serviços a título dos quais é requerido o exercício desse direito dispunha dos bens em causa e podia entregá‑los e cumpriu as suas obrigações declarativas e de pagamento do IVA, para se certificar da inexistência de irregularidades ou de fraude a nível das operações a montante, ou, por outro lado, que disponha de documentos a esse respeito [Acórdãos de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid, C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373, n.o 61, e de 4 de junho de 2020, C.F. (Inspeção fiscal), C‑430/19, EU:C:2020:429, n.o 47].

70

Daqui decorre que a diligência exigida ao sujeito passivo e as medidas que lhe podem ser razoavelmente exigidas para se certificar de que, com a sua aquisição, não participa numa operação que faz parte de uma fraude cometida por um operador a montante dependem das circunstâncias do caso concreto e, em especial, da questão de saber se existem ou não indícios que permitam ao sujeito passivo, no momento da aquisição que efetua, suspeitar da existência de irregularidades ou de fraude. Assim, perante indícios de fraude, pode esperar‑se uma diligência acrescida do sujeito passivo. Todavia, não se lhe pode exigir que proceda a verificações complexas e aprofundadas, como as que a Administração Tributária tem os meios para efetuar (Acórdão de 1 de dezembro de 2022, Aquila Part Prod Com, C‑512/21, EU:C:2022:950, n.o 52).

71

Quanto ao respeito das normas nacionais que regulam as prestações de serviços em causa, importa salientar que, como resulta do n.o 61 do presente despacho, a violação dessas normas pode, consoante as circunstâncias de facto do caso em apreço, constituir um indício, entre outros, da existência de uma fraude ao IVA, bem como um elemento de prova que pode ser tido em conta, no âmbito da apreciação global de todas essas circunstâncias, para demonstrar que o sujeito passivo é o autor da fraude ou nela participou ativamente, ou para demonstrar que o referido sujeito passivo sabia ou deveria saber que a operação invocada para basear o direito à dedução fazia parte dessa fraude. O mesmo se diga da violação de outras normas nacionais aplicáveis ao exercício da atividade do fornecedor e dos outros operadores que intervêm a montante na cadeia de prestações.

72

Decorre de tudo o que precede que não se pode exigir ao sujeito passivo que pretenda exercer o direito à dedução do IVA que verifique, no momento da aquisição que efetua ou posteriormente, que o fornecedor e os outros operadores que intervêm a montante na cadeia de prestações respeitaram as normas nacionais que regulam as prestações de serviços em causa, bem como as outras normas nacionais aplicáveis à sua atividade. Todavia, perante indícios, que resultam da violação dessas normas e são suscetíveis de criar no sujeito passivo, no momento da aquisição que efetua, suspeitas quanto à existência de irregularidades ou de fraude, pode exigir‑se a esse sujeito passivo que faça prova de diligência acrescida e tome as medidas que razoavelmente se possam esperar dele para se certificar de que, através dessa aquisição, não participa numa operação que faça parte de uma fraude ao IVA.

73

Consequentemente, há que responder à segunda e terceira questões que a Diretiva 2006/112, em conjugação com o princípio da proporcionalidade, deve ser interpretada no sentido de que não incumbe, em princípio, ao sujeito passivo que pretenda exercer o direito à dedução do IVA verificar se o fornecedor e os outros operadores que intervêm a montante na cadeia de prestações respeitaram as normas nacionais que regulam as prestações de serviços em causa, bem como as outras normas nacionais aplicáveis à sua atividade. Todavia, perante indícios, que resultam da violação dessas regras e são suscetíveis de criar no sujeito passivo, no momento da aquisição que efetua, suspeitas quanto à existência de irregularidades ou de fraude, pode exigir‑se a esse sujeito passivo que faça prova de diligência acrescida e tome as medidas que razoavelmente se possam esperar dele para se certificar de que, através dessa aquisição, não participa numa operação que faça parte de uma fraude ao IVA.

Quanto às despesas

74

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

1)

A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado,

deve ser interpretada no sentido de que:

se opõe a uma prática nacional que consiste em qualificar de «exercício irregular de um direito» a opção de um sujeito passivo de exercer uma atividade económica sob a forma que lhe permite reduzir os seus custos económicos e em recusar, por esse motivo, a esse sujeito passivo o benefício do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante, quando não se demonstre a existência de uma montagem puramente artificial, desprovida de realidade económica, efetuada com o único fim ou, pelo menos, com o objetivo essencial de obter uma vantagem fiscal cuja concessão seria contrária aos objetivos da referida diretiva.

 

2)

A Diretiva 2006/112/CE

deve ser interpretada no sentido de que:

não se opõe a que a Autoridade Tributária recuse a um sujeito passivo o benefício do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) relativo a uma prestação de serviços, com fundamento em constatações resultantes de depoimentos com base nos quais a referida Autoridade Tributária pôs em causa a realidade dessa prestação de serviços ou considerou que esta fazia parte de uma fraude ao IVA, se, no primeiro caso, o referido sujeito passivo não tiver demonstrado que a referida operação foi efetivamente realizada ou se, no segundo caso, a referida Autoridade Tributária demonstrar, em conformidade com as regras do direito nacional em matéria de prova, que o referido sujeito passivo cometeu uma fraude ao IVA ou sabia ou deveria saber que a operação invocada para basear o direito à dedução fazia parte dessa fraude.

 

3)

A Diretiva 2006/112/CE

deve ser interpretada no sentido de que:

se opõe a que a Autoridade Tributária recuse a um sujeito passivo o benefício do direito à dedução ao considerar como elemento de prova bastante da existência de uma fraude ao imposto sobre o valor acrescentado (IVA) o facto de esse sujeito passivo, ou outros operadores que intervêm a montante na cadeia das prestações, terem violado as normas nacionais que regulam as prestações de serviços em causa, sem que se demonstre a existência de um nexo entre essa violação e o direito à dedução do IVA;

essa violação pode, no entanto, consoante as circunstâncias de facto do caso concreto, constituir um indício, entre outros, da existência de tal fraude, bem como um elemento de prova que pode ser tido em conta, no âmbito da apreciação global de todas essas circunstâncias, para demonstrar que o sujeito passivo é o seu autor ou nela participou, ou para demonstrar que o referido sujeito passivo sabia ou deveria saber que a operação invocada para basear o direito à dedução fazia parte dessa fraude;

incumbe à Autoridade Tributária caracterizar os elementos constitutivos da fraude ao IVA, provar as atuações fraudulentas e demonstrar que o sujeito passivo é o autor dessa fraude ou nela participou ativamente, ou sabia ou deveria saber que a operação invocada para fundamentar o direito à dedução fazia parte dessa fraude;

tal exigência não implica necessariamente que todos os participantes na fraude, bem como as respetivas atuações, sejam identificados.

 

4)

A Diretiva 2006/112, em conjugação com o princípio da proporcionalidade,

deve ser interpretada no sentido de que:

não incumbe, em princípio, ao sujeito passivo que pretenda exercer o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) verificar se o fornecedor e os outros operadores que intervêm a montante na cadeia de prestações respeitaram as normas nacionais que regulam as prestações de serviços em causa, bem como as outras normas nacionais aplicáveis à sua atividade. Todavia, perante indícios, que resultam da violação dessas regras e são suscetíveis de criar no sujeito passivo, no momento da aquisição que efetua, suspeitas quanto à existência de irregularidades ou de fraude, pode exigir‑se a esse sujeito passivo que faça prova de diligência acrescida e tome as medidas que razoavelmente se possam esperar dele para se certificar de que, através dessa aquisição, não participa numa operação que faça parte de uma fraude ao IVA.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: húngaro.