ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

29 de julho de 2024 (*)

«Incumprimento de Estado — Diretiva 2005/36/CE — Reconhecimento das qualificações profissionais — Títulos de formação de arquiteto — Artigo 49.°, n.° 1 — Direitos adquiridos — Engenheiros civis que podem realizar projetos de arquitetura — Artigo 59.°, n.° 3 — Requisitos que limitam o acesso a uma profissão ou o seu exercício — Artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE — Obstáculo à livre circulação dos trabalhadores, à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços»

No processo C‑768/22,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.° TFUE, intentada em 16 de dezembro de 2022,

Comissão Europeia, representada por L. Armati e P. Caro de Sousa, na qualidade de agentes,

demandante,

contra

República Portuguesa, representada por P. Barros da Costa, S. Galinho, L. Medeiros e A. Pimenta, na qualidade de agentes,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: O. Spineanu‑Matei, presidente de secção, J.‑C. Bonichot (relator) e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: T. Ćapeta,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Na sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao manter em vigor o artigo 2.° da Lei n.° 25/2018, de 14 de junho de 2018 (Diário da República, 1.ª série, n.° 113, de 14 de junho de 2018), que adiciona o n.° 7 ao artigo 25.° da Lei n.° 31/2009, de 3 de julho de 2009, relativa à qualificação profissional dos responsáveis por projetos e pela fiscalização e direção de obra, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.° 40/2015 (a seguir «Lei n.° 31/2009»), e que prevê que «[o]s titulares de licenciatura em engenharia civil referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de setembro de 2005, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais [(JO 2005, L 255, p. 22; retificação no JO 2008, L 93, p. 28)], conforme alterada pela Diretiva 2013/55/UE, [do Parlamento Europeu e do Conselho], de 20 de novembro de 2013 [(JO 2013, L 354, p. 132) (a seguir “Diretiva 2005/36”)], com formação iniciada nos anos letivos aí referidos, e que comprovem que, no âmbito das disposições do Decreto n.° 73/73, de 28 de fevereiro de 1973, tenham subscrito, entre 1 de novembro de 2009 e 1 de novembro de 2017, projeto de arquitetura que tenha merecido aprovação municipal, podem elaborar os projetos especificamente previstos no referido Decreto, nas condições nele estabelecidas e no respeito pelo regime legal em vigor para a atividade, ficando, no entanto, sujeitos ao cumprimento dos deveres consagrados na presente lei e, quando aplicável, à sua comprovação perante as entidades administrativas competentes», a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 49.°, n.° 1, do anexo VI e do artigo 59.°, n.° 3, da Diretiva 2005/36/CE, bem como dos artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2005/36

2        O artigo 1.°, primeiro parágrafo, da Diretiva 2005/36 dispõe:

«A presente diretiva estabelece as regras segundo as quais um Estado‑Membro que subordina o acesso a uma profissão regulamentada ou o respetivo exercício no seu território à posse de determinadas qualificações profissionais (adiante denominado “Estado‑Membro de acolhimento”) reconhece, para o acesso a essa profissão e para o seu exercício, as qualificações profissionais adquiridas noutro ou em vários outros Estados‑Membros (adiante denominados “Estado‑Membro de origem”) que permitem ao seu titular nele exercer a mesma profissão.»

3        Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, primeiro parágrafo, desta diretiva:

«A presente diretiva é aplicável a qualquer nacional de um Estado‑Membro que pretenda exercer uma profissão regulamentada, incluindo as profissões liberais, por conta própria ou por conta de outrem, num Estado‑Membro diferente daquele em que adquiriu as suas qualificações profissionais.»

4        O artigo 4.°, n.° 1, da referida diretiva tem a seguinte redação:

«O reconhecimento das qualificações profissionais pelo Estado‑Membro de acolhimento deve permitir aos beneficiários ter acesso nesse Estado‑Membro à mesma profissão para a qual estão qualificados no Estado‑Membro de origem, e nele exercer essa profissão nas mesmas condições que os respetivos nacionais.»

5        A secção 8 do capítulo III do título III da Diretiva 2005/36 é consagrada aos arquitetos e compreende os respetivos artigos 46.° a 49.°

6        O artigo 46.° da referida diretiva, sob a epígrafe «Formação de arquiteto», determina os requisitos mínimos aplicáveis à formação de arquiteto.

7        O artigo 49.° da mesma diretiva, sob a epígrafe «Direitos adquiridos específicos dos arquitetos», prevê, no seu n.° 1, primeiro parágrafo:

«Os Estados‑Membros reconhecem os títulos de formação de arquiteto enumerados no anexo VI, emitidos pelos outros Estados‑Membros e que sancionem uma formação iniciada, o mais tardar, no decurso do ano académico de referência constante do referido anexo, mesmo que não satisfaçam as exigências mínimas definidas no artigo 46.°, atribuindo‑lhes nos seus territórios, para efeitos de acesso às atividades profissionais de arquiteto e respetivo exercício, o mesmo efeito que aos títulos de formação de arquiteto por eles emitidos.»

8        O artigo 59.° da Diretiva 2005/36 figura no título V desta, relativo, nomeadamente, à «[c]ooperação administrativa [...]». Este artigo, sob a epígrafe «Transparência», prevê:

«[...]

3.      Os Estados‑Membros verificam se os requisitos, de acordo com os respetivos sistemas jurídicos, que limitam o acesso a uma profissão ou o seu exercício aos titulares de uma qualificação profissional específica, incluindo o uso do título profissional e as atividades profissionais autorizadas sob esse título, que o presente artigo refere como “requisitos”, são compatíveis com os seguintes princípios:

a)      Os requisitos não podem ser direta ou indiretamente discriminatórios com base na nacionalidade ou na residência;

b)      Os requisitos têm que ser justificados por uma razão imperiosa de interesse geral;

c)      Os requisitos devem ser adequados para garantir a consecução do objetivo perseguido, não indo além do necessário para atingir esse objetivo.

[...]

5.      Até 18 de janeiro de 2016, os Estados‑Membros fornecem informações à Comissão sobre os requisitos que tencionam manter e indica[m] as razões pelas quais consideram que esses requisitos respeitam o n.° 3. Os Estados‑Membros fornecem também informações sobre os requisitos que introduziram posteriormente e indica[m] as razões pelas quais consideram que estes requisitos respeitam o n.° 3 no prazo de seis meses após a adoção da medida.

6.      Até 18 de janeiro de 2016 e, posteriormente, de dois em dois anos, os Estados‑Membros apresentam um relatório à Comissão sobre os requisitos que foram suprimidos ou simplificados.

[...]»

9        O anexo V da Diretiva 2005/36, intitulado «Reconhecimento com base na coordenação das condições mínimas de formação», compreende uma parte V.7., relativa aos arquitetos. O ponto 5.7.1. deste anexo, que figura nessa parte, contém uma tabela que enumera, por Estado‑Membro, os títulos de formação de arquiteto reconhecidos de acordo com o artigo 46.°, n.° 1, desta diretiva.

10      O anexo VI da referida diretiva intitula‑se «Direitos adquiridos aplicáveis às profissões que são objeto de reconhecimento com base na coordenação das condições mínimas de formação [—] Títulos de formação de arquiteto que beneficiam dos direitos adquiridos ao abrigo do n.° 1 do artigo 49.°». Este anexo inclui um quadro que menciona, no que respeita à República Portuguesa, cinco diplomas de formação em arquitetura, bem como quatro licenciaturas em Engenharia Civil emitidas por estabelecimentos de ensino portugueses e fixa o ano académico de 1987/1988 como o ano académico de referência.

 Diretiva 2013/55

11      O considerando 35 da Diretiva 2013/55 enuncia:

«Na sequência da experiência positiva com a avaliação mútua prevista na Diretiva 2006/123/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO 2006, L 376, p. 36)], deverá ser previsto um sistema de avaliação semelhante na [Diretiva 2005/36]. Os Estados‑Membros deverão notificar que profissões regulamentam, por que motivos e discutir entre si as suas conclusões. Este sistema contribuirá para uma maior transparência no mercado dos serviços das profissões liberais.»

 Direito português

 Lei n.° 9/2009

12      O artigo 1.°, n.° 5, da Lei n.° 9/2009 prevê:

«O disposto na presente lei não prejudica:

a)      A necessidade de cumprimento dos requisitos, de natureza diversa de qualificações profissionais, que se encontrem previstos em legislação aplicável ao acesso ou manutenção no exercício de atividades económicas regulamentadas;

b)      A aplicação de regimes jurídicos especiais, no que respeita ao reconhecimento de qualificações profissionais para determinada profissão regulamentada.»

13      O artigo 46.° da Lei n.° 9/2009, sob a epígrafe «Direitos adquiridos dos arquitetos», dispõe, no seu n.° 1:

«A autoridade competente reconhece os títulos de formação de arquiteto previstos no anexo III que atestem uma formação iniciada, o mais tardar, no decurso do ano académico de referência constante do referido anexo, mesmo que não satisfaçam as exigências mínimas definidas no artigo 43.°»

 Lei n.° 31/2009

14      O artigo 4.° da Lei n.° 31/2009 prevê:

«1.      Os projetos são elaborados e subscritos, nos termos da presente lei, e na área das suas qualificações e especializações, por arquitetos, arquitetos paisagistas, engenheiros e engenheiros técnicos, com inscrição válida em associação profissional, sem prejuízo do disposto no artigo 11.°

[...]

9.      O reconhecimento de qualificações obtidas fora de Portugal por técnicos nacionais de Estados do Espaço Económico Europeu é regulado pela [Diretiva 2005/36], transposta para o direito interno português pela [Lei n.° 9/2009], sendo entidades competentes para o efeito as respetivas associações públicas profissionais ou, quando não existam, a autoridade setorialmente competente para o controlo da profissão em causa, nos termos da legislação aplicável, ou ainda, caso tal autoridade não esteja designada, o Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I. P. (IMPIC, I. P.).»

15      O artigo 10.°, n.° 5, da Lei n.° 31/2009 dispõe:

«O disposto no presente artigo não prejudica as exigências impostas pelo direito comunitário em matéria de profissões regulamentadas, nomeadamente no que respeita aos direitos adquiridos aplicáveis às profissões que são objeto de reconhecimento com base na coordenação das condições mínimas de formação, nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 9 do artigo 4.°»

16      Nos termos do artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009, conforme alterada pela Lei n.° 25/2018 (a seguir «novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009»):

«Os titulares de licenciatura em engenharia civil referidos no anexo VI da [Diretiva 2005/36], com formação iniciada nos anos letivos aí referidos, e que comprovem que, no âmbito das disposições do [Decreto n.° 73/73], tenham subscrito, entre 1 de novembro de 2009 e 1 de novembro de 2017, projeto de arquitetura que tenha merecido aprovação municipal, podem elaborar os projetos especificamente previstos no referido [d]ecreto, nas condições nele estabelecidas e no respeito pelo regime legal em vigor para a atividade, ficando, no entanto, sujeitos ao cumprimento dos deveres consagrados na presente lei e, quando aplicável, à sua comprovação perante as entidades administrativas competentes.»

 Procedimento précontencioso

17      Em 16 de julho de 2015, a Comissão enviou um ofício às autoridades portuguesas a respeito de uma proposta de lei que reservava a realização de projetos de arquitetura aos arquitetos inscritos na Ordem dos Arquitetos. Nessa carta, era questionada a situação dos direitos adquiridos dos engenheiros civis, referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36, que podiam realizar projetos de arquitetura em Portugal e nos outros Estados‑Membros da União Europeia.

18      Por carta de 4 de janeiro de 2016, a Comissão descreveu como, na prática, os engenheiros civis portugueses com direitos adquiridos encontravam problemas e expressou preocupação com a recusa de vários municípios portugueses reconhecerem projetos de arquitetura apresentados por esses engenheiros.

19      No âmbito da troca de pontos de vista com a Comissão, as autoridades portuguesas propuseram remover os diplomas de Engenharia Civil do anexo VI da Diretiva 2005/36. Posteriormente, declararam, contudo, a sua intenção de cumprir o disposto nesse anexo.

20      Por ofício de 16 de junho de 2018, estas autoridades comunicaram à Comissão o texto final da Lei n.° 25/2018 cujo artigo 2.° tinha adicionado um novo artigo 25.°, n.° 7, à Lei n.° 31/2009.

21      Considerando que esta última disposição do direito português era contrária às disposições da Diretiva 2005/36, a Comissão enviou, em 24 de janeiro de 2019, uma carta de notificação para cumprir à República Portuguesa.

22      Nessa carta, a Comissão indicou que o anexo VI da Diretiva 2005/36 estabelecia uma lista dos diplomas de Engenharia Civil emitidos em Portugal e alegou que era contrário ao artigo 49.°, n.° 1, desta diretiva que o direito português não permitisse aos titulares desses diplomas realizar projetos de arquitetura quando a sua formação tivesse tido início antes do ano letivo de 1987/1988. Com efeito, a Comissão salientou que as disposições desta diretiva não preveem de modo nenhum que a formação tenha de ter tido início apenas no ano letivo de 1987/1988, podendo esta ter começado mais cedo.

23      Resulta igualmente da carta de notificação para cumprir que a Comissão considerou que o facto de subordinar o direito de os engenheiros civis portugueses realizarem projetos de arquitetura à prova de terem subscrito, entre 1 de novembro de 2009 e 1 de novembro de 2017, um projeto de arquitetura que tenha merecido aprovação municipal é igualmente contrário ao artigo 49.°, n.° 1, e ao anexo VI da Diretiva 2005/36. Referiu, de maneira geral, que, na prática, os engenheiros civis portugueses que beneficiavam dos direitos adquiridos tiveram problemas de apresentação de projetos de arquitetura em Portugal.

24      Por último, a Comissão sustentou que o facto de retirar aos engenheiros civis, cujo título obtido em Portugal se encontra inscrito nesse anexo VI, o direito de realizar projetos de arquitetura constitui uma restrição à livre circulação desses profissionais noutros Estados‑Membros. Esta Instituição também indicou às autoridades portuguesas que, se retirassem a esses engenheiros os seus direitos adquiridos, o anexo VI deveria ser alterado a fim de deixar de mencionar os diplomas portugueses em Engenharia Civil. Isto significava que os outros Estados‑Membros deixavam de ter a obrigação de reconhecer esses diplomas e os seus titulares deixavam de poder prestar os seus serviços ou de se estabelecer nesses Estados.

25      Consequentemente, a Comissão convidou as autoridades portuguesas, na sua carta de notificação para cumprir, a alterar a regulamentação nacional «a fim de clarificar que os engenheiros civis cujo diploma figura no anexo VI da [Diretiva 2005/36] que tenham iniciado a sua formação até ao final do ano letivo de 1987/1988 têm o direito de realizar projetos de arquitetura».

26      Na sua resposta de 5 de abril de 2019 a esta notificação para cumprir, a República Portuguesa reconheceu que, por força da Diretiva 2005/36, os engenheiros civis titulares de uma licenciatura em Engenharia Civil emitida por um dos estabelecimentos de ensino portugueses referidos no anexo VI desta diretiva tinham o direito de obter o reconhecimento da sua qualificação profissional noutros Estados‑Membros para neles exercerem atividades no domínio da arquitetura. Além disso, indicou que o Governo Português só podia apresentar propostas de lei e, por isso, não estava em condições de alterar ele próprio a legislação em causa.

27      Após a análise desta resposta, a Comissão enviou, em fevereiro de 2020, um parecer fundamentado à República Portuguesa, reiterando que o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 era contrário às obrigações decorrentes dos artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE, bem como do artigo 49.°, n.° 1, do artigo 59.°, n.° 3, e do anexo VI da Diretiva 2005/36. Este parecer baseava‑se, em substância, nos mesmos fundamentos já expostos na carta de notificação para cumprir.

28      Em 16 de julho de 2021, por ocasião de uma reunião entre a Comissão e as autoridades portuguesas, estas últimas afirmaram que não podiam fornecer qualquer contribuição para a resolução da infração à Diretiva 2005/36 objeto do parecer fundamentado.

29      Em 16 de dezembro de 2022, a Comissão intentou a presente ação.

 Quanto à ação

30      A título preliminar, importa salientar que, na sua petição, a Comissão não identificou a versão da Diretiva 2005/36 aplicável aos factos objeto da presente ação. Todavia, resulta da carta de notificação para cumprir e do parecer fundamentado, bem como das disposições referidas na petição, que a Comissão se refere à Diretiva 2005/36, conforme alterada pela Diretiva 2013/55.

 Quanto à admissibilidade da ação

 Argumentos das partes

31      A República Portuguesa sustenta que a alegação de que o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 impede, em Portugal, o reconhecimento dos diplomas mencionados no anexo VI da Diretiva 2005/36 obtidos noutro Estado‑Membro constitui um alargamento inadmissível do objeto do litígio. Com efeito, as objeções suscitadas na fase pré‑contenciosa centram‑se exclusivamente na situação dos titulares dos diplomas em Engenharia Civil obtidos em Portugal.

32      A Comissão alega, a este respeito, que não alargou o objeto do litígio definido na fase pré‑contenciosa. Pelo contrário, nesta fase, insistiu na incompatibilidade com a Diretiva 2005/36 das exigências complementares previstas no direito português e na violação concomitante dos direitos adquiridos. Além disso, o parecer fundamentado e, em especial, a sua parte operativa não se limitam à situação de titulares de qualificações obtidas em Portugal.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

33      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito de uma ação intentada com base no artigo 258.° TFUE, a carta de notificação para cumprir dirigida pela Comissão ao Estado‑Membro e, posteriormente, o parecer fundamentado emitido por esta Instituição delimitam o objeto do litígio, que já não pode, portanto, ser ampliado. Com efeito, a possibilidade de o Estado‑Membro em causa apresentar as suas observações, mesmo que entenda não dever utilizá‑la, constitui uma garantia essencial pretendida pelo Tratado, e o respeito dessa garantia é uma formalidade substancial da regularidade do processo de declaração de incumprimento de um Estado‑Membro. Por conseguinte, o parecer fundamentado e a ação da Comissão devem ter por base as mesmas acusações já constantes da carta de notificação para cumprir que dá início à fase pré‑contenciosa (Acórdão de 22 de setembro de 2016, Comissão/República Checa, C‑525/14, EU:C:2016:714, n.° 17 e jurisprudência referida).

34      Se assim não for, semelhante irregularidade não poderá ser considerada sanada pelo facto de o Estado‑Membro ter formulado observações sobre o parecer fundamentado (Acórdão de 25 de abril de 2013, Comissão/Espanha, C‑64/11, EU:C:2013:264, n.° 14 e jurisprudência referida).

35      Não obstante, embora o parecer fundamentado e a ação se devam basear em acusações idênticas, esta exigência não pode, no entanto, ir ao ponto de impor, em todos os casos, a coincidência perfeita entre as acusações enunciadas no parecer fundamentado e os pedidos formulados na petição, quando o objeto do litígio não tenha sido ampliado ou alterado (v., neste sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2006, Comissão/Reino Unido, C‑484/04, EU:C:2006:526, n.° 25 e jurisprudência referida). Assim, a Comissão pode especificar as suas acusações iniciais na petição, desde que, no entanto, não altere o objeto do litígio [Acórdão de 30 de abril de 2020, Comissão/Roménia (Excedência dos valores‑limite das PM10), C‑638/18, EU:C:2020:334, n.° 49].

36      A este respeito, há que salientar que, no presente processo, resulta inequivocamente da carta de notificação para cumprir e do parecer fundamentado, que reproduz, em substância, os fundamentos desta última, que as acusações apresentadas por esta Instituição visavam exclusivamente a situação dos titulares de diplomas em Engenharia Civil emitidos por um dos estabelecimentos de ensino portugueses referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36.

37      Em particular, a Comissão referiu‑se, na exposição dos factos no parecer fundamentado, aos diplomas que figuram na «lista de diplomas de engenharia civil em Portugal» estabelecida no anexo VI da Diretiva 2005/36. Além disso, teve claramente em vista os titulares de um diploma português quando se refere aos profissionais que o obtiveram na sequência de uma formação iniciada «o mais tardar no ano letivo de 1987/1988».

38      A este último respeito, resulta do anexo VI da Diretiva 2005/36 que o ano académico de referência 1987/1988 se aplica aos diplomas portugueses referidos nesse anexo, mas não ao conjunto dos diplomas obtidos nos outros Estados‑Membros, sendo mencionados outros anos académicos de referência para alguns desses Estados no referido anexo. Assim, se a Comissão visava o conjunto dos diplomas enumerados, também se deveria ter referido, no seu parecer fundamentado, aos outros anos académicos de referência.

39      Os excertos da correspondência trocada entre a República Portuguesa e a Comissão, reproduzidos no parecer fundamentado, confirmam que estas se concentraram na situação dos titulares de licenciaturas em Engenharia Civil emitidas por um dos estabelecimentos de ensino portugueses. Assim, este Estado‑Membro considerava, num ofício de 2015, que «os direitos adquiridos dos engenheiros civis portugueses titulares de uma das quatro licenciaturas constantes do anexo VI da Diretiva [2005/36]» não eram afetados, ao passo que a Comissão evocava, num ofício de 2016, que «os engenheiros civis portugueses que beneficiavam de direitos adquiridos se deparavam com problemas para apresentarem projetos de arquitetura em Portugal».

40      Além disso, resulta do parecer fundamentado que, num ofício de 2017, as autoridades portuguesas anunciaram a sua intenção de resolver esses problemas. O processo legislativo iniciado em seguida conduziu à adoção da Lei n.° 25/2018 e à inserção de um novo artigo 25.°, n.° 7, na Lei n.° 31/2009, objeto da presente ação.

41      Importa igualmente mencionar que a exposição do quadro jurídico constante do parecer fundamentado inclui apenas uma parte do anexo VI da Diretiva 2005/36, a saber, a que enumera os diplomas obtidos em Portugal.

42      Foi com base nestes diferentes elementos evocados nos números anteriores que a Comissão examinou, no seu parecer fundamentado, a conformidade da situação da República Portuguesa com o direito da União.

43      Neste contexto, a Comissão verificou, por um lado, a compatibilidade do artigo 2.° da Lei n.° 25/2018 com o artigo 49.°, n.° 1, da Diretiva 2005/36, lido em conjugação com o anexo VI desta diretiva. Sustentou, a este respeito, que o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 era «mais restritivo em termos de direitos adquiridos» do que o anexo VI da Diretiva 2005/36. Com efeito, o direito português limitou o benefício dos direitos adquiridos apenas aos profissionais cuja formação teve início no decurso do ano académico de 1987/1988, quando o ano académico de referência constante do anexo VI para a República Portuguesa é «1987/1988», o que significa que a formação dos engenheiros civis em causa deveria ter tido início, o mais tardar, no decurso do ano académico de 1987/1988, mas podia ter começado mais cedo. Além disso, esses engenheiros estão sujeitos a uma condição que não está prevista no referido anexo VI. 

44      Por outro lado, a Comissão examinou a compatibilidade do artigo 2.° da Lei n.° 25/2018 com os artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE, bem como com o artigo 59.°, n.° 3, da Diretiva 2005/36.

45      A este respeito, a Comissão sustentou que «o facto de retirar a engenheiros cujo título se encontra inscrito no anexo VI da Diretiva [2005/36] o direito de realizar projetos de arquitetura constitui uma restrição ao exercício dessa atividade e à livre circulação desses profissionais noutros Estados‑Membros».

46      Mais especificamente, no que respeita à situação dos «engenheiros estabelecidos noutros Estados‑Membros [onde] obtiveram o reconhecimento automático da sua licenciatura», a Comissão alegou que retirar os «direitos adquiridos em Portugal» exigia uma alteração do anexo VI da Diretiva 2005/36, a fim de deixar de mencionar os «diplomas portugueses em engenharia civil». Esta Instituição também indicou que, no que respeita aos engenheiros civis titulares desse diploma, os Estados‑Membros de acolhimento deixarão de ter a obrigação de conferir a esses diplomas o mesmo efeito, no seu território, que o efeito conferido aos títulos de formação em arquitetura emitidos nesses Estados‑Membros.

47      Além disso, a Comissão sustentou, a este respeito, que os «engenheiros que exercem em Portugal atualmente deixarão de poder prestar serviços no domínio da arquitetura noutros Estados‑Membros e deixarão de poder estabelecer‑se noutros Estados‑Membros».

48      Por conseguinte, resulta inequivocamente do parecer fundamentado que o exame da conformidade do novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 com o artigo 49.°, n.° 1, e o artigo 59.°, n.° 3, da Diretiva 2005/36, bem como com os artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE, visava apenas a situação dos titulares de diplomas portugueses em Engenharia Civil.

49      A situação não difere no que diz respeito ao convite dirigido à República Portuguesa para dar cumprimento ao direito da União, alterando o seu direito nacional a fim de esclarecer «que os engenheiros civis cujo diploma figura no anexo VI da [Diretiva 2005/36] que tenham iniciado a sua formação até ao final do ano letivo de 1987/1988 têm o direito de realizar projetos de arquitetura».

50      Resulta do que precede que, embora a parte operativa do parecer fundamentado esteja formulada em termos gerais, sem visar diplomas obtidos num Estado‑Membro específico, o objeto do litígio tal como claramente definido nos fundamentos do parecer fundamentado não abrange a situação dos titulares de diplomas referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36 obtidos em Estados‑Membros diferentes da República Portuguesa.

51      Ora, na sua petição, a Comissão acusa a República Portuguesa de não ter cumprido as obrigações que lhe incumbem por força da Diretiva 2005/36, bem como dos artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE, pelo facto de o direito português, a saber, o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009, poder impedir a realização de projetos de arquitetura nesse Estado‑Membro pelos titulares de diplomas em Engenharia Civil obtidos noutros Estados‑Membros e abrangidos pelo anexo VI da Diretiva 2005/36. Esta argumentação suscitada, pela primeira vez, na petição alarga o objeto do litígio fixado durante a fase pré‑contenciosa do processo e deve ser julgada inadmissível.

52      Em contrapartida, há que examinar as acusações destinadas a demonstrar que a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto na Diretiva 2005/36, bem como nos artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE, na medida em que o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009, por um lado, pode privar os engenheiros civis titulares de uma licenciatura em Engenharia Civil emitida por um dos estabelecimentos de ensino portugueses referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36 da possibilidade de realizar projetos de arquitetura noutros Estados‑Membros e, por outro, limitar a possibilidade de esses mesmos engenheiros realizarem tais projetos em Portugal.

 Quanto à primeira acusação, relativa à violação do artigo 49.°, n.° 1, da Diretiva 2005/36

 Argumentos das partes

53      A Comissão alega que o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 priva indevidamente certos engenheiros civis dos direitos adquiridos que a Diretiva 2005/36 lhes confere.

54      Com efeito, os engenheiros civis que sejam titulares de uma licenciatura em Engenharia Civil emitida por um dos estabelecimentos de ensino portugueses referidos no anexo VI desta diretiva e cuja formação tenha começado, o mais tardar, no decurso do ano académico constante do anexo teriam o direito de apresentar e de realizar projetos de arquitetura em toda a União.

55      A Comissão sustenta que, se já se afigurava duvidoso que a Lei n.° 31/2009 permitisse aos engenheiros civis conservar esses direitos adquiridos, tal não é certamente o caso após a alteração desta lei pela Lei n.° 25/2018, que adicionou o novo artigo 25.°, n.° 7. Esta última disposição comporta duas restrições.

56      Por um lado, é suscetível de limitar, ratione temporis, o âmbito de aplicação do reconhecimento das formações académicas. Com efeito, por força do artigo 49.°, n.° 1, da Diretiva 2005/36, os engenheiros civis cujos diplomas figuram no anexo VI desta diretiva podem preparar projetos de arquitetura, desde que a sua formação se tenha iniciado, o mais tardar, no decurso do ano académico de referência constante desse mesmo anexo.

57      Ora, o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 só concede esse direito aos engenheiros civis abrangidos pelo anexo VI da Diretiva 2005/36 cuja formação tenha começado no decurso do único ano académico de referência aí referido relativamente à República Portuguesa.

58      Por outro lado, o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 subordina a realização dos projetos de arquitetura pelos mesmos engenheiros civis a uma condição que não está prevista na Diretiva 2005/36. Com efeito, estes têm de comprovar ter subscrito, entre 1 de novembro de 2009 e 1 de novembro de 2017, nos termos do Decreto n.° 73/73, um projeto de arquitetura que tenha merecido aprovação municipal.

59      Esta condição é incompatível com o sistema de reconhecimento dos títulos de formação e, além disso, pode revelar‑se difícil de preencher, como demonstra o facto de, durante o ano de 2015, vários municípios portugueses terem recusado a concessão dessas aprovações aos engenheiros civis.

60      A este respeito, resulta do n.° 19 do Acórdão de 30 de abril de 2014, Ordre des architectes (C‑365/13, EU:C:2014:280), que, em conformidade com a Diretiva 2005/36, o objeto do reconhecimento mútuo é permitir ao titular de uma qualificação profissional que lhe dá acesso a uma profissão regulamentada no seu Estado‑Membro de origem aceder, no Estado‑Membro de acolhimento, à mesma profissão.

61      Decorre dos n.os 21, 24 e 26 deste último acórdão que o sistema de reconhecimento mútuo previsto na Diretiva 2005/36 para a profissão de arquiteto pressupõe que os Estados‑Membros tenham transposto corretamente os artigos 21.°, 46.° e 49.° assim como os anexos V e VI desta diretiva para a sua ordem jurídica interna e se opõe, por conseguinte, a que o Estado‑Membro de acolhimento subordine o reconhecimento dos títulos profissionais a exigências suplementares, não previstas pela referida diretiva.

62      Por outro lado, o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 restringe, em Portugal, o acesso dos engenheiros civis titulares de licenciaturas em Engenharia Civil emitidas por um estabelecimento de ensino português à profissão de arquiteto neste Estado‑Membro. Logo, existe o risco de esses diplomas deixarem de ser reconhecidos nos outros Estados‑Membros pelo facto de esses engenheiros terem perdido o direito de apresentar projetos de arquitetura no seu país de origem.

63      A República Portuguesa sustenta que as acusações relativas à violação do artigo 49.°, n.° 1, da Diretiva 2005/36 devem ser julgadas improcedentes.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

64      A primeira acusação divide‑se em duas partes.

–       Quanto à primeira parte da primeira acusação

65      A primeira parte desta acusação é relativa à violação do artigo 49.°, n.° 1, da Diretiva 2005/36, na medida em que o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 restringe o acesso dos titulares de uma licenciatura em Engenharia Civil emitida por um dos estabelecimentos de ensino referidos no anexo VI desta diretiva à profissão de arquiteto em Portugal.

66      Antes de mais, há que salientar que, como resulta do n.° 51 do presente acórdão, esta parte da primeira acusação deve ser julgada inadmissível, uma vez que visa uma situação que não está abrangida pelo objeto da presente ação, a saber, a situação dos titulares de diplomas obtidos em Estados‑Membros diferentes da República Portuguesa.

67      Quanto à situação, em Portugal, dos titulares de uma licenciatura em Engenharia Civil emitida por um dos estabelecimentos de ensino referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36, que tenha sido obtida nesse Estado‑Membro, há que salientar que esta diretiva não se aplica.

68      Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a Diretiva 2005/36 prevê o reconhecimento mútuo das qualificações profissionais no que respeita ao acesso a um certo número de profissões regulamentadas. O objeto do reconhecimento mútuo, como resulta do artigo 1.° e do artigo 4.°, n.° 1, desta diretiva, é permitir ao titular de uma qualificação profissional que lhe dá acesso a uma profissão regulamentada no seu Estado‑Membro de origem aceder, no Estado‑Membro de acolhimento, à mesma profissão para a qual está qualificado no Estado‑Membro de origem e aí a exercer nas mesmas condições que os nacionais (Acórdãos de 30 de abril de 2014, Ordre des architectes, C‑365/13, EU:C:2014:280, n.° 19, e de 8 de julho de 2021, Lietuvos Respublikos sveikatos apsaugos ministerija, C‑166/20, EU:C:2021:554, n.° 25). O artigo 2.°, n.° 1, da referida diretiva esclarece que a mesma é aplicável a qualquer nacional de um Estado‑Membro que pretenda exercer uma profissão regulamentada num Estado‑Membro diferente daquele em que adquiriu as suas qualificações profissionais.

69      No que respeita à profissão de arquiteto, a mesma diretiva prevê, como resulta do seu considerando 19, um sistema de reconhecimento automático dos títulos de formação, baseado na coordenação das condições mínimas de formação. Tal sistema opõe‑se a que o Estado‑Membro de acolhimento subordine o reconhecimento dos títulos profissionais que respeitem as condições de qualificação previstas pela regulamentação da União a exigências complementares (v., neste sentido, Acórdão de 30 de abril de 2014, Ordre des architectes, C‑365/13, EU:C:2014:280, n.os 20 a 22).

70      Além disso, no que diz especificamente respeito ao acesso à profissão de arquiteto pelos titulares dos diplomas referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36, resulta do artigo 49.°, n.° 1, desta diretiva que os Estados‑Membros reconhecem os títulos de formação de arquiteto referidos neste anexo que foram emitidos após uma formação iniciada, o mais tardar, no decurso do ano académico de referência que figura no referido anexo, mesmo que esses títulos não satisfaçam as exigências mínimas definidas no artigo 46.° da referida diretiva. No que respeita ao acesso à profissão de arquiteto, os Estados‑Membros devem atribuir aos referidos títulos o mesmo efeito que aos títulos por eles emitidos (Acórdão de 30 de abril de 2014, Ordre des architectes, C‑365/13, EU:C:2014:280, n.° 23).

71      Daqui resulta que uma situação em que estejam em causa, num Estado‑Membro, os direitos conferidos por um diploma obtido nesse mesmo Estado não está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2005/36.

72      É certo que a Comissão sustenta, na sua réplica, que «o que está em causa não é o reconhecimento formal de uma qualificação profissional, mas a infração de direitos adquiridos por engenheiros civis que — reconhecida e incontestavelmente — possuem uma tal qualificação profissional», que a sua ação visa «a imposição de exigências complementares não previstas na Diretiva [2005/36], em infração de direitos adquiridos» e que a República Portuguesa confunde, por um lado, o reconhecimento formal de qualificações profissionais, referido nomeadamente no artigo 4.°, n.° 9, e no artigo 10.°, n.° 5, da Lei n.° 31/2009, e, por outro, a violação dos direitos adquiridos que permitem aos titulares dessas qualificações exercer determinadas atividades.

73      No entanto, resulta já da jurisprudência referida nos n.os 68 a 70 do presente acórdão que essa distinção entre o reconhecimento mútuo de qualificações profissionais e o direito de exercer uma determinada profissão regulamentada é alheia ao sistema de reconhecimento mútuo estabelecido pela Diretiva 2005/36. Com efeito, este sistema visa precisamente permitir o exercício dessas profissões em Estados‑Membros diferentes daquele em que o diploma em causa foi obtido.

74      Além disso, é verdade que o artigo 49.° da Diretiva 2005/36, tal como o seu anexo VI para o qual este artigo remete, se refere efetivamente aos «direitos adquiridos». No entanto, o n.° 1 deste artigo não visa os direitos que o titular de um diploma que figura no anexo VI desta diretiva pode já possuir ou adquirir no Estado‑Membro onde obteve esse diploma, regendo o reconhecimento desse diploma nos outros Estados‑Membros a fim de aí exercer a profissão de arquiteto.

75      Este direito de acesso à profissão de arquiteto foi qualificado de «direito adquirido» pelo legislador da União, pelo facto de os titulares dos diplomas referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36 poderem continuar a exercer essa profissão apesar de as formações seguidas para obter esses diplomas já não satisfazerem as exigências mínimas atualmente previstas no artigo 46.° desta diretiva para a formação de arquiteto.

76      De resto, contrariamente ao que sustenta a Comissão, no Acórdão de 16 de outubro de 1997, Garofalo e o. (C‑69/96 a C‑79/96, EU:C:1997:492), o Tribunal de Justiça não reconheceu nem aplicou um «princípio geral do respeito dos direitos adquiridos». Limitou‑se, designadamente nos n.os 33 e 34 desse acórdão, a interpretar uma disposição da Diretiva 93/16/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, destinada a facilitar a livre circulação dos médicos e o reconhecimento mútuo dos seus diplomas, certificados e outros títulos (JO 1993, L 165, p. 1), a saber, o seu artigo 36.°, n.° 2, que, por um lado, reconhecia expressamente a existência de um direito adquirido em benefício de certos médicos no Estado‑Membro onde se estabeleceram, antes de 1 de janeiro de 1995, depois de terem deixado o seu Estado‑Membro de origem e, por outro, permitia aos Estados‑Membros determinar outros direitos adquiridos.

77      Daqui resulta que a primeira parte da primeira acusação deve ser julgada parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

–       Quanto à segunda parte da primeira acusação

78      A segunda parte da primeira acusação é relativa à violação do artigo 49.°, n.° 1, da Diretiva 2005/36, na medida em que o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 corre o risco de prejudicar o reconhecimento, em Estados‑Membros diferentes da República Portuguesa, das licenciaturas em Engenharia Civil emitidas pelos estabelecimentos de ensino portugueses referidos no anexo VI desta diretiva.

79      A este respeito, resulta de jurisprudência constante relativa ao ónus da prova em processos por incumprimento ao abrigo do artigo 258.° TFUE que é à Comissão que incumbe demonstrar o incumprimento alegado. Cabe a esta Instituição fornecer ao Tribunal de Justiça os elementos necessários à verificação, por parte deste, da existência desse incumprimento, não se podendo basear numa qualquer presunção [v., neste sentido, Acórdãos de 18 de novembro de 2010, Comissão/Portugal, C‑458/08, EU:C:2010:692, n.° 54, e de 25 de janeiro de 2024, Comissão/Irlanda (Trialometanos na água potável), C‑481/22, EU:C:2024:85, n.° 41 e jurisprudência referida].

80      A segunda parte da primeira acusação da presente ação não obedece a estas exigências. Com efeito, a Comissão não demonstrou que o risco evocado no n.° 78 do presente acórdão já se concretizou ou que se poderá concretizar no futuro. Não forneceu sequer elementos suscetíveis de demonstrar a existência desse risco.

81      É certo que o facto de limitar o direito de os engenheiros civis portugueses, titulares de uma licenciatura em Engenharia Civil emitida por um dos estabelecimentos de ensino portugueses referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36, realizarem, em Portugal, projetos de arquitetura, quando esta diretiva lhes confere o direito de realizarem esses projetos noutros Estados‑Membros, é suscetível de criar uma situação de insegurança jurídica. Todavia, daqui não decorre necessariamente que esses outros Estados‑Membros possam ser levados a pôr em causa a qualificação desses engenheiros para realizar projetos de arquitetura.

82      A este último respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 70 do presente acórdão que, em aplicação do artigo 49.°, n.° 1, da Diretiva 2005/36, os Estados‑Membros são obrigados a dar acesso à profissão de arquiteto aos engenheiros civis titulares de um diploma obtido em Portugal desde que se trate de um diploma referido no anexo VI desta diretiva.

83      Além disso, o Tribunal de Justiça esclareceu que o sistema de reconhecimento automático das qualificações profissionais previsto, quanto à profissão de arquiteto, nos artigos 21.°, 46.° e 49.° da Diretiva 2005/36 não deixa nenhuma margem de apreciação aos Estados‑Membros. Deste modo, se um nacional de um Estado‑Membro for titular de um dos títulos de formação e dos certificados complementares que figuram no ponto 5.7.1. do anexo V ou no anexo VI desta diretiva, deve poder exercer a profissão de arquiteto noutro Estado‑Membro sem que este último lhe possa impor a obtenção de qualificações profissionais suplementares ou a prova de que as obteve (Acórdão de 30 de abril de 2014, Ordre des architectes, C‑365/13, EU:C:2014:280, n.° 24).

84      Nestas circunstâncias, um Estado‑Membro não pode pôr em causa a aplicabilidade do artigo 49.°, n.° 1, da Diretiva 2005/36 relativamente a pessoas a quem foi emitido um diploma previsto no anexo VI desta diretiva noutro Estado‑Membro. O facto de esse diploma ter sido obtido em Portugal, onde o exercício da profissão de arquiteto pelos titulares desses diplomas está sujeito a determinadas condições, não é relevante a este respeito.

85      Daqui resulta que a segunda parte da primeira acusação deve ser julgada improcedente.

86      Por conseguinte, há que julgar a primeira acusação relativa à violação do artigo 49.°, n.° 1, da Diretiva 2005/36 parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

 Quanto à segunda acusação, relativa à violação dos artigos 45, 49 e 56.° TFUE 

 Argumentos das partes

87      A Comissão considera que o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 restringe os direitos adquiridos dos titulares de uma licenciatura em Engenharia Civil emitida por um dos estabelecimentos de ensino portugueses referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36. Essas pessoas, quer tenham obtido o seu diploma em Portugal ou noutro Estado‑Membro, estão sujeitas a exigências que não estão previstas nesta diretiva. A restrição assim resultante constitui um obstáculo às liberdades de circulação garantidas nos artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE. 

88      Em apoio deste argumento, a Comissão baseia‑se, por um lado, no n.° 81 das Conclusões do advogado‑geral E. Tanchev no processo TopFit e Biffi (C‑22/18, EU:C:2019:181). Deste deduz que existe um «princípio geral do respeito dos direitos adquiridos» que o Tribunal de Justiça já aplicou no contexto do reconhecimento mútuo de qualificações profissionais, ao ter admitido, no seu Acórdão de 16 de outubro de 1997, Garofalo e o. (C‑69/96 a C‑79/96, EU:C:1997:492), que os direitos adquiridos relativamente a atividades profissionais podem ter como fonte tanto diretivas da União como legislação nacional.

89      Por outro lado, a Comissão considera que resulta nomeadamente dos n.os 25 a 27 do Acórdão de 22 de janeiro de 2002, Dreessen (C‑31/00, EU:C:2002:35), que o princípio do reconhecimento mútuo das qualificações profissionais é o corolário de um princípio inerente às liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE que não pode perder parte do seu valor jurídico devido à adoção de diretivas na matéria. Assim, os Estados‑Membros estão sempre obrigados a respeitar as obrigações que decorrem deste Tratado.

90      A aplicabilidade dos artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE, não obstante a adoção da Diretiva 2005/36, resulta igualmente da circunstância de esta diretiva não implicar uma harmonização exaustiva, mas uma harmonização mínima. Resulta dos n.os 30 a 32 do Acórdão de 11 de junho de 2020, KOB (C‑206/19, EU:C:2020:463), que, neste último caso, as disposições do Tratado FUE continuam a ser pertinentes para apreciar a compatibilidade de uma medida nacional com o direito da União.

91      Além disso, uma vez que a situação dos titulares de um diploma obtido num estabelecimento de ensino português não tem de ser implementada através de um mecanismo de reconhecimento mútuo, semelhante situação dos titulares de um diploma obtido num estabelecimento de ensino português não está necessariamente abrangida pela Diretiva 2005/36.

92      Por conseguinte, há que considerar que a privação indevida, pelo novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009, de um direito adquirido pelos engenheiros civis titulares de uma licenciatura em Engenharia Civil emitida por um dos estabelecimentos de ensino portugueses referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36 viola igualmente os artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE. 

93      Concretamente, a imposição de uma condição não prevista na Diretiva 2005/36, relativa à realização de projetos de arquitetura que tenham merecido aprovação municipal em Portugal, entre 1 de novembro de 2009 e 1 de novembro de 2017, a fim de poder continuar a realizar esses projetos, discrimina os titulares de diplomas de engenheiro civil obtidos em Estados‑Membros diferentes da República Portuguesa que deixam de poder aceder à profissão de arquiteto neste último Estado‑Membro.

94      São igualmente discriminados os engenheiros civis titulares de uma licenciatura em Engenharia Civil emitida por um dos estabelecimentos de ensino portugueses referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36 que se estabeleceram noutro Estado‑Membro e que, por este motivo, não subscreveram tais projetos de arquitetura. Na prática, a regulamentação portuguesa impede estes engenheiros de realizar tais projetos em Portugal.

95      Além disso, mesmo os engenheiros civis instalados em Portugal e que aí tenham realizado projetos de arquitetura durante o período de referência fixado no novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 podem, por força desta disposição, ver‑se impedidos de realizar tais projetos. É o que sucede com os engenheiros civis ativos no serviço público em Portugal cujos projetos não precisam de obter a autorização dos municípios, que ficam, assim, impedidos de preencher essa condição. Para culminar, durante este período de referência, vários municípios rejeitaram conceder as autorizações exigidas aos engenheiros civis pelo facto de a conceção dos projetos de arquitetura estar reservada aos arquitetos.

96      No que respeita à possibilidade de justificar as restrições dos direitos adquiridos e dos direitos garantidos nos artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE que resultam do novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009, a Comissão recorda que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que tais restrições só podem ser autorizadas se forem aplicadas de modo não discriminatório, se se justificarem por razões imperativas de interesse geral e forem adequadas para garantir a realização dos objetivos que prosseguem e se não ultrapassarem o que é necessário para os atingir (v., neste sentido, Acórdão de 30 de novembro de 1995, Gebhard, C‑55/94, EU:C:1995:411, n.° 37).

97      Segundo a Comissão, o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 é discriminatório. Além disso, a República Portuguesa não apresentou elementos suscetíveis de demonstrar se, e em que medida, esta disposição nacional pode contribuir para a realização de um objetivo de interesse geral (v. Acórdão de 19 de junho de 2008, Comissão/Luxemburgo, C‑319/06, EU:C:2008:350, n.° 52). Nestas circunstâncias, a compatibilidade da restrição das liberdades de circulação induzida pela referida disposição com o princípio da proporcionalidade não pode ser verificada.

98      A República Portuguesa considera que a acusação relativa à violação dos artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE deve ser julgada improcedente. Alega que o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 não restringe de modo nenhum o reconhecimento de qualificações profissionais abrangidas pela Diretiva 2005/36 e, por conseguinte, também não viola as liberdades previstas nos artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE. 

99      Com efeito, o direito português não impõe novas exigências aos titulares dos diplomas referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36 que pretendam exercer, em Portugal, a profissão para a qual estão qualificados no seu Estado‑Membro de origem.

100    A República Portuguesa assinala que, no direito português, a Diretiva 2005/36 foi transposta pela Lei n.° 9/2009. Esta última estabelece o regime aplicável, no território nacional, ao reconhecimento das qualificações profissionais adquiridas noutro Estado‑Membro por um nacional do Estado‑Membro que pretenda exercer, como trabalhador independente ou como trabalhador subordinado, uma profissão regulamentada não abrangida por outro regime específico.

101    Assim, nos termos do artigo 1.°, n.° 3, da Lei n.° 9/2009, o sistema de reconhecimento das qualificações profissionais permite aos titulares de diplomas visados por este artigo exercer em Portugal a profissão para a qual estão qualificados no seu Estado‑Membro de origem. O artigo 46.° desta lei, sob a epígrafe «Direitos adquiridos dos arquitetos», prevê o reconhecimento dos títulos de formação de arquiteto previstos no anexo III da referida lei que tenham sido obtidos após uma formação iniciada, o mais tardar, no decurso do ano académico de referência constante do referido anexo. A lista dos diplomas que aí figura corresponde à do anexo VI da Diretiva 2005/36.

102    No que respeita à Lei n.° 31/2009, objeto da presente ação, a República Portuguesa refere que esta lei regula a «qualificação profissional exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projetos e pela fiscalização e direção de obra». A referida lei revogou o Decreto n.° 73/73, que habilitava, desde a década de 1970, os engenheiros civis a elaborar projetos de arquitetura. Prevê, no seu artigo 10.°, n.° 2, que esses projetos devem ser elaborados por arquitetos com inscrição válida na Ordem dos Arquitetos.

103    Por força do disposto no artigo 25.° da Lei n.° 31/2009, na sua versão inicial, os engenheiros civis podiam, durante um período transitório de cinco anos, continuar a elaborar esses projetos, desde que comprovassem que, nos cinco anos anteriores, tinham elaborado e subscrito projetos que tivessem merecido aprovação municipal. Este regime transitório foi prorrogado, pela Lei n.° 40/2015, por um período suplementar de três anos, até 1 de novembro de 2017. O legislador português pretendeu assim permitir aos engenheiros civis completar a sua formação académica a fim de poderem subscrever, no futuro, projetos de arquitetura.

104    A Lei n.° 31/2009 foi alterada, por último, pela Lei n.° 25/2018, que lhe aditou a disposição em causa na presente ação, a saber, o novo artigo 25.°, n.° 7.

105    No que respeita ao alcance das disposições da Lei n.° 31/2009, a República Portuguesa alega que a Lei n.° 9/2009 prevê um regime mais específico que continua a aplicar‑se aos direitos adquiridos em matéria de elaboração de projetos de arquitetura pelos titulares dos diplomas previstos no anexo VI da Diretiva 2005/36. O regime transitório da Lei n.° 31/2009 só se aplica aos outros técnicos que estavam antes abrangidos pelo Decreto n.° 73/73.

106    A República Portuguesa reconhece que o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 se refere aos «titulares de licenciatura em engenharia civil referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36». Todavia, trata‑se de uma simples clarificação a fim de esclarecer que este grupo de pessoas também beneficia do regime transitório. Esta clarificação não afeta de modo nenhum o direito adquirido de os titulares dos diplomas mencionados no anexo VI da Diretiva 2005/36 elaborarem, independentemente de quaisquer outros requisitos, projetos de arquitetura em Portugal.

107    Além disso, resulta do artigo 4.°, n.° 9, da Lei n.° 31/2009, conforme alterada pela Lei n.° 40/2015, que «[o] reconhecimento de qualificações obtidas fora de Portugal por técnicos nacionais de Estados do Espaço Económico Europeu é regulado pela Diretiva [2005/36], transposta para o direito interno português pela Lei n.° 9/2009 [...]».

108    O artigo 10.°, n.° 5, da Lei n.° 31/2009, conforme alterada pela Lei n.° 40/2015, confirma que as regras relativas à qualificação dos «autores de projeto» «não prejudica[m] as exigências impostas pelo direito comunitário em matéria de profissões regulamentadas, nomeadamente no que respeita aos direitos adquiridos aplicáveis às profissões que são objeto de reconhecimento com base na coordenação das condições mínimas de formação, nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 9 do artigo 4.°, [desta lei]».

109    A República Portuguesa sustenta que, ainda que se admita, todavia, que existe, no caso em apreço, uma eventual restrição das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, quando uma restrição a essas liberdades se encontra abrangida pelo âmbito de aplicação de uma diretiva, como a Diretiva 2005/36, há que examiná‑la estritamente no quadro deste instrumento (v., neste sentido, Acórdão de 26 de junho de 2019, Comissão/Grécia, C‑729/17, EU:C:2019:534, n.° 54).

110    A título ainda mais subsidiário, a República Portuguesa alega que a justificação da opção de reservar, através da Lei n.° 31/2009, a elaboração dos projetos de arquitetura aos arquitetos com inscrição válida na Ordem dos Arquitetos se explica pelo facto de, em Portugal, a oferta educativa na área da arquitetura ter evoluído de forma decisiva desde a aprovação do Decreto n.° 73/73 que permitia aos engenheiros civis e aos agentes técnicos de Engenharia Civil elaborar projetos de arquitetura. Ora, este regime revelava‑se desajustado face à nova realidade do país.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

111    A segunda acusação é relativa à violação dos artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE, na medida em que o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 restringe indevidamente os direitos adquiridos dos engenheiros civis titulares de uma licenciatura em Engenharia Civil emitida por um dos estabelecimentos de ensino portugueses referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36.

112    Esta acusação divide‑se em quatro partes.

–       Quanto à primeira parte da segunda acusação

113    A primeira parte da segunda acusação é relativa à violação dos artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE, na medida em que o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 impede os engenheiros civis titulares de diplomas obtidos em Estados‑Membros diferentes da República Portuguesa de neles realizarem projetos de arquitetura.

114    A este respeito, basta observar, como resulta do n.° 51 do presente acórdão, que esta parte da segunda acusação deve ser julgada inadmissível, pelo facto de a situação dos titulares de diplomas de engenheiro civil obtidos em Estados‑Membros diferentes da República Portuguesa não ser objeto da presente ação.

–       Quanto à segunda parte da segunda acusação

115    A segunda parte da segunda acusação é relativa à violação dos artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE, na medida em que o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 constitui um obstáculo aos direitos adquiridos dos titulares de uma licenciatura em Engenharia Civil emitida por um dos estabelecimentos de ensino portugueses referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36 que pretendam exercer a profissão de arquiteto num Estado‑Membro diferente da República Portuguesa.

116    Já foi recordado, no n.° 83 do presente acórdão, que o sistema de reconhecimento automático das qualificações profissionais previsto, quanto à profissão de arquiteto, nos artigos 21.°, 46.° e 49.° da Diretiva 2005/36 não deixa nenhuma margem de apreciação aos Estados‑Membros. Deste modo, se um nacional de um Estado‑Membro for titular de um dos títulos de formação e dos certificados complementares que figuram no ponto 5.7.1. do anexo V ou no anexo VI desta diretiva, deverá poder exercer a profissão de arquiteto noutro Estado‑Membro de acolhimento sem que este último lhe possa impor a obtenção de qualificações profissionais suplementares, ou a prova de que as obteve.

117    Daqui resulta que o reconhecimento das licenciaturas em Engenharia Civil referidas no anexo VI da Diretiva 2005/36 e o acesso dos engenheiros civis titulares desse diploma à profissão de arquiteto no Estado‑Membro de acolhimento são regulados de forma exaustiva pela referida diretiva.

118    A este respeito, importa recordar que qualquer medida nacional num domínio que tenha sido objeto de harmonização exaustiva a nível da União deve ser apreciada não à luz das disposições de direito primário, mas das disposições dessa medida de harmonização [v., neste sentido, Acórdãos de 10 de julho de 2014, Comissão/Bélgica, C‑421/12, EU:C:2014:2064, n.° 63, e de 11 de julho de 2019, Comissão/Grécia (Tsipouro), C‑91/18, EU:C:2019:600, n.° 44 e jurisprudência referida].

119    Nestas circunstâncias, há que examinar a situação jurídica dos titulares dos diplomas portugueses referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36 que pretendam exercer a profissão de arquiteto num Estado‑Membro diferente da República Portuguesa não à luz dos artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE, mas apenas à luz da Diretiva 2005/36.

120    Esta apreciação não pode ser posta em causa pelo argumento da Comissão de que a jurisprudência do Tribunal de Justiça, por um lado, evidencia a existência de um «princípio geral do respeito dos direitos adquiridos» inerente aos artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE e, por outro, demonstra a pertinência destes artigos para a apreciação de situações abrangidas pelo âmbito de aplicação do sistema de reconhecimento automático dos diplomas de Engenharia Civil referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36.

121    Como resulta do n.° 76 do presente acórdão, no Acórdão de 16 de outubro de 1997, Garofalo e o. (C‑69/96 a C‑79/96, EU:C:1997:492), o Tribunal de Justiça não reconheceu nem aplicou um «princípio geral do respeito dos direitos adquiridos». A fortiori, este acórdão não pode ser utilmente invocado pela Comissão para demonstrar que esse princípio é inerente às liberdades fundamentais consagradas nos artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE. 

122    Sucede o mesmo no que se refere às Conclusões do advogado‑geral E. Tanchev no processo TopFit e Biffi (C‑22/18, EU:C:2019:181). O n.° 81 das mesmas, a que a Comissão se refere, não evoca o reconhecimento mútuo de qualificações profissionais e os direitos adquiridos reconhecidos nesse quadro, mas a situação jurídica dos nacionais turcos que resulta de uma disposição específica da Decisão n.° 1/80 do Conselho de Associação, de 19 de setembro de 1980, relativa ao desenvolvimento da associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia.

123    É efetivamente com razão que a Comissão sustenta que, no n.° 25 do Acórdão de 22 de janeiro de 2002, Dreessen (C‑31/00, EU:C:2002:35), o Tribunal de Justiça confirmou que o princípio do reconhecimento mútuo das qualificações profissionais é inerente às liberdades fundamentais do Tratado e não pode perder parte do seu valor jurídico devido à adoção de diretivas relativas ao reconhecimento mútuo dos diplomas. Foi esta a razão que levou o Tribunal de Justiça a declarar que a Diretiva 2005/36 deve ser interpretada à luz destas liberdades e, designadamente, do artigo 53.° TFUE, no sentido de que tem por objetivo facilitar o reconhecimento mútuo das qualificações profissionais abrangidas pelo seu âmbito de aplicação (v., neste sentido, Acórdão de 8 de julho de 2021, Lietuvos Respublikos sveikatos apsaugos ministerija, C‑166/20, EU:C:2021:554, n.° 36).

124    Em contrapartida, não assiste razão à Comissão quando dos acórdãos referidos no número anterior do presente acórdão deduz que, no âmbito de uma ação por incumprimento, pode suscitar uma acusação autónoma relativa à violação dos artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE numa situação em que o mecanismo de reconhecimento automático dos diplomas referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36 se aplique.

125    Com efeito, resulta inequivocamente dos n.os 27 a 29 do Acórdão de 22 de janeiro de 2002, Dreessen (C‑31/00, EU:C:2002:35), bem como do n.° 38 do Acórdão de 8 de julho de 2021, Lietuvos Respublikos sveikatos apsaugos ministerija (C‑166/20, EU:C:2021:554), que a aplicação autónoma das disposições do Tratado FUE relativas às liberdades de circulação só pode ser equacionada quando o diploma de que o cidadão da União é titular não seja objeto de reconhecimento automático ao abrigo de uma diretiva relativa ao reconhecimento mútuo de diplomas ou quando, por qualquer outro motivo, essa diretiva não se aplique à situação do interessado.

126    Por conseguinte, há que julgar inadmissível a segunda parte da segunda acusação.

–       Quanto à terceira parte da segunda acusação

127    A terceira parte da segunda acusação é relativa à violação dos artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE, na medida em que o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 constitui um obstáculo aos direitos adquiridos dos titulares de uma licenciatura em Engenharia Civil emitida por um dos estabelecimentos de ensino portugueses referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36, que residam em Portugal e neste pretendam exercer a profissão de arquiteto sem terem anteriormente exercido os direitos que lhes são conferidos pelos artigos 45.° e 49.° TFUE. 

128    É jurisprudência constante que as disposições do Tratado FUE em matéria de liberdade de estabelecimento, de livre prestação de serviços e de livre circulação de capitais não se aplicam a situações em que todos os elementos estejam confinados a um único Estado‑Membro (Acórdão de 21 de dezembro de 2023, Royal Antwerp Football Club, C‑680/21, EU:C:2023:1010, n.° 38 e jurisprudência referida).

129    Sucede o mesmo no que respeita às disposições do Tratado FUE em matéria de livre circulação dos trabalhadores (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2015, Brouillard, C‑298/14, EU:C:2015:652, n.° 26 e jurisprudência referida).

130    Daqui resulta que a situação dos titulares de uma licenciatura em Engenharia Civil emitida por um dos estabelecimentos de ensino portugueses referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36 que residam em Portugal e neste pretendam exercer a profissão de arquiteto sem terem anteriormente exercido os direitos que lhes são conferidos pelos artigos 45.° e 49.° TFUE não pode estar abrangida pelo âmbito de aplicação destes últimos artigos.

131    Quanto ao artigo 56.° TFUE, à luz da jurisprudência recordada no n.° 128 do presente acórdão, importa constatar que, em princípio, este não se pode aplicar à realização de projetos de arquitetura em Portugal por um prestador de serviços estabelecido nesse Estado‑Membro.

132    É certo que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, por um lado, o direito à livre prestação de serviços pode ser invocado por uma empresa relativamente ao Estado‑Membro em que está estabelecida, quando os serviços sejam prestados a destinatários estabelecidos noutro Estado‑Membro, e que, por outro, este direito implica a liberdade de os destinatários de serviços se deslocarem a outro Estado‑Membro para aí beneficiarem de um serviço, sem serem afetados por restrições (Acórdão de 6 de fevereiro de 2014, Navileme e Nautizende, C‑509/12, EU:C:2014:54, n.° 10 e jurisprudência referida).

133    No entanto, no caso em apreço, o Tribunal de Justiça não está em condições de determinar se as hipóteses objeto desta jurisprudência correspondem à situação em causa na presente ação, no âmbito da terceira parte da segunda acusação.

134    Com efeito, a Comissão limita‑se a sustentar que o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 é suscetível de afetar os direitos conferidos pelo artigo 56.° TFUE aos engenheiros civis titulares de uma licenciatura em Engenharia Civil emitida por um dos estabelecimentos de ensino portugueses referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36, que estejam estabelecidos em Portugal e neste realizem projetos de arquitetura. A título de exemplo, menciona os engenheiros civis que, pelo facto de exercerem uma atividade no serviço público em Portugal, não estão obrigados a obter aprovação municipal neste Estado‑Membro, o que os impede de preencher a condição estabelecida no novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009, relativa à subscrição, entre 1 de novembro de 2009 e 1 de novembro de 2017, de um projeto de arquitetura que tenha merecido essa aprovação.

135    Assim, a Comissão não fez de modo nenhum prova da existência de um elemento de estraneidade suscetível de justificar a aplicação do artigo 56.° TFUE. Por conseguinte, há que considerar que a Comissão não demonstrou em que medida a situação dos engenheiros civis em questão pode estar abrangida pelo âmbito de aplicação da livre prestação de serviços.

136    As razões que antecedem não podem ser postas em causa pelos argumentos da Comissão relativos à existência de um alegado «princípio geral do respeito dos direitos adquiridos». Como resulta dos n.os 120 a 125 do presente acórdão e pelas razões nestes enunciadas, estes argumentos não podem ser acolhidos.

137    Por conseguinte, há que julgar inadmissível a terceira parte da segunda acusação.

–       Quanto à quarta parte da segunda acusação

138    A quarta parte da segunda acusação é relativa à violação dos artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE, na medida em que o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 afeta as liberdades de circulação dos titulares de uma licenciatura em Engenharia Civil emitida por um dos estabelecimentos de ensino portugueses referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36 que se estabeleceram num Estado‑Membro diferente da República Portuguesa e que pretendam realizar projetos de arquitetura neste último Estado‑Membro.

139    Como resulta do n.° 68 do presente acórdão, o reconhecimento mútuo tem por objeto essencial, em conformidade com o disposto no artigo 1.° e no artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2005/36, permitir que o titular de uma qualificação profissional que lhe dá acesso a uma profissão regulamentada no seu Estado‑Membro de origem aceda, no Estado‑Membro de acolhimento, à mesma profissão para a qual está qualificado no seu Estado‑Membro de origem e ali exerça nas mesmas condições que os nacionais. O artigo 2.°, n.° 1, desta diretiva esclarece que esta se aplica a qualquer nacional de um Estado‑Membro que pretenda exercer uma profissão regulamentada num Estado‑Membro diferente daquele em que adquiriu as suas qualificações profissionais.

140    Por conseguinte, a situação das pessoas, referidas no n.° 138 do presente acórdão, que pretendam que a sua formação seja reconhecida em Portugal para neste realizarem projetos de arquitetura não está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2005/36.

141    Nestas condições, tendo em conta a jurisprudência referida nos n.os 118 e 125 do presente acórdão, há que apreciar em que medida os artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE, que regulam, respetivamente, a livre circulação dos trabalhadores, a liberdade de estabelecimento e a livre prestação de serviços, são suscetíveis de se aplicar à situação dessas pessoas.

142    Em conformidade com jurisprudência constante, a liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado‑Membro no território de outro Estado‑Membro inclui o acesso às atividades por conta própria e ao seu exercício [Acórdão de 11 de novembro de 2021, MH e ILA (Direitos a pensão em caso de insolvência), C‑168/20, EU:C:2021:907, n.° 62 e jurisprudência referida]. Dela também beneficiam os nacionais que se instalaram num Estado‑Membro diferente daquele de que são nacionais, mas que desejem regressar a este último. Com efeito, o Tribunal de Justiça também declarou que a livre circulação de pessoas não seria totalmente realizada se os Estados‑Membros pudessem recusar o benefício dos artigos 45.° e 49.° TFUE aos seus nacionais que utilizaram as facilidades previstas pelo direito da União e adquiriram, ao seu abrigo, qualificações profissionais num Estado‑Membro diferente do da sua nacionalidade [Acórdãos de 6 de outubro de 2015, Brouillard, C‑298/14, EU:C:2015:652, n.° 27, e de 16 de junho de 2022, Sosiaali- ja terveysalan lupa- ja valvontavirasto (Psicoterapeutas), C‑577/20, EU:C:2022:467, n.° 37].

143    No que respeita à livre prestação de serviços, o artigo 56.° TFUE aplica‑se, nomeadamente, sempre que um prestador de serviços oferece esses serviços no território de um Estado‑Membro que não seja aquele em que está estabelecido, qualquer que seja o local em que estão estabelecidos os destinatários desses serviços (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de fevereiro de 1991, Comissão/França, C‑154/89, EU:C:1991:76, n.° 10, e de 14 de novembro de 2018, Danieli & C. Officine Meccaniche e o., C‑18/17, EU:C:2018:904, n.° 42).

144    Por outro lado, o artigo 57.°, n.° 1, TFUE prevê que, para efeitos do disposto nos Tratados, se consideram «serviços» as prestações realizadas normalmente mediante remuneração, na medida em que não sejam reguladas pelas disposições relativas à livre circulação de mercadorias, de capitais e de pessoas. Além disso, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as disposições relativas à livre prestação de serviços se referem a atividades efetuadas por prestadores independentes (Acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Petersen, C‑544/11, EU:C:2013:124, n.° 31).

145    A este respeito, a Comissão sustenta, na sua petição, que o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 priva os engenheiros civis, titulares de um diploma obtido em Portugal, do direito de neste «realizar[em]» projetos de arquitetura e da possibilidade de procederem à «prestação de tais serviços» em Portugal. Afigura‑se, assim, que a Comissão não se refere à atividade dos engenheiros civis no âmbito de uma relação de trabalho, mas ao exercício de uma atividade por conta própria por um prestador independente.

146    Por conseguinte, está abrangida pelo âmbito de aplicação dos artigos 49.° e 56.° TFUE a situação dos titulares de uma licenciatura em Engenharia Civil emitida por um dos estabelecimentos de ensino portugueses referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36 que se estabeleceram num Estado‑Membro diferente da República Portuguesa e que decidam seja regressar e se estabelecer neste último Estado‑Membro para efeitos do exercício de uma atividade por conta própria, seja prestar serviços neste último a partir do Estado‑Membro onde estão estabelecidos.

147    No que respeita à aplicabilidade do artigo 45.° TFUE às pessoas referidas nos n.os 138 e 140 do presente acórdão, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o conceito de «trabalhador» tem um significado autónomo e não deve ser interpretado de forma restritiva. Assim, deve ser considerado «trabalhador» qualquer pessoa que exerça atividades reais e efetivas, com exclusão de atividades de tal modo reduzidas, que sejam puramente marginais e acessórias. A característica da relação laboral é, segundo essa jurisprudência, o facto de uma pessoa realizar durante certo tempo, em benefício de outra e sob a direção desta, prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração (Acórdão de 19 de julho de 2017, Abercrombie & Fitch Italia, C‑143/16, EU:C:2017:566, n.° 19 e jurisprudência referida).

148    Ora, como foi salientado no n.° 145 do presente acórdão, na sua petição, a Comissão refere‑se apenas ao exercício de uma atividade por conta própria por um prestador independente, pelo que o artigo 45.° TFUE não é aplicável a essa situação.

149    Aliás, nem os documentos transmitidos durante a fase pré‑contenciosa do processo, nem a petição inicial contêm indicações que permitam ao Tribunal de Justiça determinar a existência de factos constitutivos de uma violação do artigo 45.° TFUE. Nestas condições, o Tribunal de Justiça não está em condições de apreciar a aplicabilidade desta disposição ao caso em apreço.

150    Por conseguinte, há que julgar inadmissível a quarta parte da segunda acusação na parte relativa à violação do artigo 45.° TFUE. 

151    Quanto à questão de saber se do novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 decorre uma restrição à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços, resulta de jurisprudência constante que essa restrição é constituída por medidas que proíbam, perturbem ou tornem menos atrativo o exercício destas liberdades (v., neste sentido, Acórdãos de 29 de março de 2011, Comissão/Itália, C‑565/08, EU:C:2011:188, n.° 45 e jurisprudência referida, e de 21 de julho de 2011, Comissão/Portugal, C‑518/09, EU:C:2011:501, n.° 61).

152    Daqui resulta que a Comissão tem razão quando sustenta que o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços, uma vez que, por força desta disposição, os titulares de uma licenciatura em Engenharia Civil emitida por um dos estabelecimentos de ensino portugueses referidos no anexo VI da Diretiva 2006/35, que estejam estabelecidos num Estado‑Membro diferente da República Portuguesa, só podem realizar projetos de arquitetura neste último Estado‑Membro se tiverem subscrito, entre 1 de novembro de 2009 e 1 de novembro de 2017, um projeto de arquitetura que tenha merecido aprovação municipal em Portugal.

153    Este requisito pode de facto ter por efeito privar um certo número de engenheiros civis que não estão estabelecidos em Portugal da possibilidade de realizar esses projetos neste Estado‑Membro, embora, em aplicação do artigo 49.°, n.° 1, da Diretiva 2005/36, os devam poder realizar. Tal requisito é assim suscetível de restringir o acesso dos engenheiros civis em questão ao mercado de projetos de arquitetura em Portugal.

154    Neste contexto, não é necessário ter em conta a alegação da Comissão segundo a qual, em 2015, vários municípios portugueses rejeitaram projetos de arquitetura submetidos por titulares de uma licenciatura em Engenharia Civil emitida por um dos estabelecimentos de ensino portugueses referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36 e que, por isso, lhes é difícil preencher o requisito relativo à subscrição de tais projetos entre 1 de novembro de 2009 e 1 de novembro de 2017. Com efeito, este requisito já constitui, em si mesmo, um obstáculo à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços para os titulares de tais diplomas que, durante esse período, estavam estabelecidos num Estado‑Membro diferente da República Portuguesa.

155    Além disso, a conclusão que figura no n.° 153 do presente acórdão não pode ser infirmada pela argumentação da República Portuguesa destinada a demonstrar que, não obstante o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009, os titulares de uma licenciatura em Engenharia Civil emitida por um dos estabelecimentos de ensino portugueses mencionados no anexo VI da Diretiva 2005/36 podem elaborar, independentemente de qualquer outro requisito, projetos de arquitetura em Portugal. Basta salientar que as disposições do direito português referidas por este Estado‑Membro em apoio da sua argumentação regulam o reconhecimento das qualificações profissionais obtidas fora de Portugal, em aplicação da Diretiva 2005/36, e, por conseguinte, não dizem respeito à situação dos titulares de diplomas portugueses.

156    Por outro lado, como o Tribunal de Justiça decidiu reiteradamente, as medidas nacionais que possam obstar ou tornar menos atrativo o exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado só são admissíveis se preencherem quatro condições: devem ser aplicadas de modo não discriminatório, devem ser justificadas por razões imperativas de interesse geral, devem ser adequadas à realização do objetivo que prosseguem e não podem ultrapassar o que é necessário para alcançar esse objetivo (Acórdão de 21 de julho de 2011, Comissão/Portugal, C‑518/09, EU:C:2011:501, n.° 64 e jurisprudência referida).

157    Ora, a República Portuguesa não logrou identificar o ou os objetivos legítimos concretamente prosseguidos pelo novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009. Com efeito, limitou‑se a sustentar que, na área da arquitetura, a oferta educativa em Portugal evoluiu e que o regime que permitia aos engenheiros civis elaborar projetos de arquitetura se revelava agora desajustado face à nova realidade.

158    Por conseguinte, há que concluir que, uma vez que o novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009 é suscetível de restringir o acesso à profissão de arquiteto em Portugal dos engenheiros civis titulares de uma licenciatura em Engenharia Civil emitida por um dos estabelecimentos de ensino portugueses referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36 que se estabeleceram noutro Estado‑Membro, esta disposição é incompatível com os artigos 49.° e 56.° TFUE.

159    Logo, há que julgar a quarta parte da segunda acusação parcialmente procedente e julgar inadmissível, quanto ao restante, a segunda acusação.

 Quanto à terceira acusação, relativa à violação do artigo 59.°, n.° 3, da Diretiva 2005/36

 Argumentos das partes

160    A Comissão alega que uma violação dos artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE implica igualmente uma violação do artigo 59.°, n.° 3, da Diretiva 2005/36. Esta última disposição, que se aplica às «medidas que restringem o acesso a uma profissão e à livre circulação em geral», reproduz as mesmas condições de justificação que as enumeradas no n.° 96 do presente acórdão.

161    A República Portuguesa considera que a terceira acusação deve ser julgada improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

162    A terceira acusação é relativa à violação do artigo 59.°, n.° 3, da Diretiva 2005/36. A Comissão limita‑se a sustentar a este respeito que esta disposição se aplica às «medidas que restringem o acesso a uma profissão e à livre circulação em geral», sem, contudo, examinar o seu âmbito de aplicação nem as obrigações nela previstas.

163    Como resulta do n.° 139 do presente acórdão, o âmbito de aplicação da Diretiva 2005/36 está, em substância, limitado ao reconhecimento, num Estado‑Membro, de qualificações profissionais adquiridas noutro ou em vários outros Estados‑Membros.

164    Todavia, o artigo 59.°, n.° 3, desta diretiva tem um âmbito de aplicação mais amplo, na medida em que não está relacionado com a aplicação dos diferentes sistemas de reconhecimento mútuo das formações previstos na referida diretiva. Com efeito, por força desta disposição, incumbe aos Estados‑Membros verificar, em abstrato, a existência de requisitos previstos pelo direito nacional que limitem o acesso a uma profissão ou o seu exercício aos titulares de uma qualificação profissional específica ou que limitem o uso do título profissional e as atividades profissionais autorizadas sob esse título.

165    Daqui resulta que o artigo 59.°, n.° 3, da Diretiva 2005/36 visa disposições de direito nacional que, à semelhança do novo artigo 25.°, n.° 7, da Lei n.° 31/2009, subordinam o acesso a uma profissão ou o exercício da mesma a determinados requisitos.

166    Em contrapartida, contrariamente ao que a Comissão sustenta, se se verificar que tais requisitos constituem um obstáculo às liberdades de circulação garantidas nos artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE, esta circunstância não basta para declarar uma violação igualmente do artigo 59.°, n.° 3, da Diretiva 2005/36.

167    Com efeito, esta última disposição não estabelece nenhuma obrigação de reconhecer qualificações profissionais ou de eliminar obstáculos a esse reconhecimento. No que respeita, em especial, à profissão de arquiteto, existem obrigações de reconhecimento das qualificações profissionais decorrentes de outras disposições da Diretiva 2005/36, entre as quais, nomeadamente, o seu artigo 49.°, n.° 1, bem como, fora do âmbito de aplicação desta diretiva, dos artigos 45.°, 49.° e 56.° TFUE.

168    A este respeito, como resulta já do n.° 164 do presente acórdão, o artigo 59.°, n.° 3, da Diretiva 2005/36 limita‑se a estabelecer uma obrigação de verificação, o que confirmam, nomeadamente, os n.os 5 e 6 deste artigo.

169    Em conformidade com o artigo 59.°, n.° 5, da Diretiva 2005/36, com base nas informações recolhidas em aplicação do n.° 3 deste artigo, os Estados‑Membros são obrigados a indicar à Comissão se identificaram requisitos que limitam o acesso a uma profissão ou o seu exercício que desejam manter na sua ordem jurídica. Se for esse o caso, a Comissão deverá ser informada das razões pelas quais os Estados‑Membros consideram que esses requisitos são compatíveis com as condições enumeradas nesse n.° 3. Além disso, por força do n.° 6 do referido artigo, os Estados‑Membros apresentam um relatório à Comissão sobre os requisitos que foram suprimidos ou simplificados.

170    Este alcance assim limitado do artigo 59.°, n.° 3, da Diretiva 2005/36 é corroborado não apenas pela epígrafe deste artigo, a saber, «Transparência», mas também pela Diretiva 2013/55 que adicionou este artigo 59.° à Diretiva 2005/36. Com efeito, do considerando 35 da Diretiva 2013/55 resulta que o legislador da União tinha por intenção instaurar um sistema de avaliação. Esta intenção resulta igualmente da proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2005/36, de 19 de dezembro de 2011 [COM(2011) 883 final], que está na origem da Diretiva 2013/55, cujo ponto 4.11. indica que o aditamento de um novo artigo 59.° à Diretiva 2005/36 foi motivado pela falta de transparência quanto ao âmbito de aplicação e à justificação das diferentes profissões regulamentadas existentes nos Estados‑Membros e visava incentivar estes últimos a simplificar os respetivos quadros jurídicos nacionais aplicáveis às referidas profissões.

171    Por outro lado, há que salientar que, no âmbito da presente ação, a Comissão não sustenta de modo nenhum que a República Portuguesa violou a obrigação de verificação prevista no artigo 59.°, n.° 3, da Diretiva 2005/36.

172    Por conseguinte, há que julgar improcedente a terceira acusação.

173    Tendo em conta tudo o que precede, há que julgar parcialmente procedente a ação intentada pela Comissão e declarar que, ao manter em vigor o artigo 2.° da Lei n.° 25/2018, que adicionou um novo artigo 25.°, n.° 7, à Lei n.° 31/2009, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto nos artigos 49.° e 56.° TFUE, na medida em que esta disposição de direito nacional é suscetível de restringir o acesso à profissão de arquiteto em Portugal dos engenheiros civis titulares de uma licenciatura em Engenharia Civil emitida por um dos estabelecimentos de ensino portugueses referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36 que se estabeleceram noutro Estado‑Membro.

174    A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

 Quanto às despesas

175    Em conformidade com o disposto no artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

176    Nos termos do artigo 138.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.

177    Tendo a Comissão e a República Portuguesa pedido respetivamente a condenação da outra parte nas despesas da outra parte e uma vez que a ação da Comissão só foi julgada parcialmente procedente, há que decidir que cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) decide:

1)      Ao manter em vigor o artigo 2.° da Lei n.° 25/2018, de 14 de junho de 2018, que adicionou um novo artigo 25.°, n.° 7, à Lei n.° 31/2009, de 3 de julho de 2009, relativa à qualificação profissional dos responsáveis por projetos e pela fiscalização e direção de obra, conforme alterada pela Lei n.° 40/2015, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto nos artigos 49.° e 56.° TFUE, na medida em que esta disposição de direito nacional é suscetível de restringir o acesso à profissão de arquiteto em Portugal dos engenheiros civis titulares de uma licenciatura em Engenharia Civil emitida por um dos estabelecimentos de ensino portugueses referidos no anexo VI da Diretiva 2005/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de setembro de 2005, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais, conforme alterada pela Diretiva 2013/55/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de novembro de 2013, que se estabeleceram noutro EstadoMembro.

2)      A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

3)      A Comissão Europeia e a República Portuguesa suportam as suas próprias despesas.

Spineanu-Matei

Bonichot

Rodin

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de julho de 2024.

O Secretário

 

A Presidente de Secção

A. Calot Escobar

 

O. Spineanu-Matei


*      Língua do processo: português.