ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)
13 de junho de 2024 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Adjudicação de contratos de empreitada de obras públicas, contratos públicos de fornecimento e contratos públicos de serviços — Diretiva 2014/24/UE — Artigo 18.o — Princípios da igualdade de tratamento e da transparência — Artigo 46.o — Divisão de um contrato em lotes — Possibilidade conferida ao proponente que apresentou a segunda proposta economicamente mais vantajosa de lhe ser adjudicado um lote nas condições da proposta economicamente mais vantajosa»
No processo C‑737/22,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Østre Landsret (Tribunal de Recurso da Região Este, Dinamarca), por Decisão de 11 de novembro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 1 de dezembro de 2022, no processo
Staten og Kommunernes Indkøbsservice A/S
contra
BibMedia A/S,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),
composto por: C. Lycourgos (relator), presidente de secção, O. Spineanu‑Matei, J.‑C. Bonichot, S. Rodin e L. S. Rossi, juízes,
advogado‑geral: A. Rantos,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
– |
em representação da Staten og Kommunernes Indkøbsservice A/S, por J. Bødtcher‑Hansen e R. Holdgaard, advokater, |
– |
em representação da BibMedia A/S, por H. Holtse, advokat, |
– |
em representação do Governo Estónio, por M. Kriisa, na qualidade de agente, |
– |
em representação do Governo Espanhol, por I. Herranz Elizalde, na qualidade de agente, |
– |
em representação do Governo Austríaco, por A. Posch e J. Schmoll, na qualidade de agentes, |
– |
em representação da Comissão Europeia, por G. Gattinara, C. Vang e G. Wils, na qualidade de agentes, |
vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 18.o da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65). |
2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Staten og Kommunernes Indkøbsservice A/S (a seguir «SKI») à BibMedia A/S acerca da adjudicação de um contrato público relativo ao fornecimento de material de biblioteca e de serviços preparatórios associados. |
Quadro jurídico
Direito da União
3 |
O artigo 18.o da Diretiva 2014/24, sob a epígrafe «Princípios da contratação», dispõe, no n.o 1: «As autoridades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não‑discriminação e atuam de forma transparente e proporcionada. Os concursos não podem ser organizados no intuito de não serem abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente diretiva ou de reduzir artificialmente a concorrência. Considera‑se que a concorrência foi artificialmente reduzida caso o concurso tenha sido organizado no intuito de favorecer ou desfavorecer indevidamente determinados operadores económicos.» |
4 |
O artigo 27.o desta diretiva, sob a epígrafe «Concurso aberto», prevê, no n.o 1: «Nos concursos abertos, qualquer operador económico interessado pode apresentar uma proposta em resposta a um convite à apresentação de propostas. […]» |
5 |
O artigo 28.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Concurso limitado», enuncia: «1. Nos concursos limitados, qualquer operador económico pode apresentar um pedido de participação em resposta a um anúncio de concurso […], apresentando as informações para efeitos de seleção qualitativa solicitadas pela autoridade adjudicante. […] 2. Só podem apresentar propostas os operadores económicos convidados pela autoridade adjudicante após a sua avaliação das informações prestadas. […] […]» |
6 |
O artigo 46.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Divisão dos contratos em lotes», dispõe: «1. As autoridades adjudicantes podem decidir adjudicar um contrato sob a forma de lotes separados e podem determinar a dimensão e o objeto desses lotes. […] 2. As autoridades adjudicantes indicam, no anúncio de concurso ou no convite à confirmação de interesse, se podem ser apresentadas propostas para um lote, para vários lotes ou para todos eles. Mesmo que possam ser apresentadas propostas para vários lotes ou para todos os lotes, as autoridades adjudicantes podem limitar o número de lotes que podem ser adjudicados a um proponente, desde que o número máximo de lotes por proponente esteja indicado no anúncio de concurso ou no convite à confirmação de interesse. As autoridades adjudicantes devem indicar nos documentos do concurso as regras ou os critérios objetivos e não discriminatórios que tencionam aplicar para determinar a adjudicação dos lotes, nos casos em que a aplicação dos critérios de adjudicação resulte na adjudicação a um proponente de um número de lotes superior ao número máximo fixado. 3. Os Estados‑Membros podem prever que, se puder ser adjudicado mais do que um lote ao mesmo proponente, as autoridades adjudicantes possam adjudicar contratos que combinem vários lotes ou a totalidade dos lotes se, no anúncio de concurso ou no convite à confirmação de interesse, tiverem especificado que se reservam a possibilidade de o fazer e indicado a forma como os lotes ou grupos de lotes podem ser combinados. […]» |
Direito dinamarquês
7 |
O artigo 2.o da Udbudsloven (Lei dos Contratos Públicos) enuncia: «1. Nos procedimentos de contratação pública […], as entidades adjudicantes deve respeitar os princípios da igualdade de tratamento, da transparência e da proporcionalidade. 2. Um concurso aberto não pode ser concebido com a intenção de eximir o contrato do âmbito de aplicação da presente lei ou de limitar artificialmente a concorrência. Considera‑se que a concorrência é artificialmente limitada quando o procedimento for elaborado com a intenção de favorecer ou desfavorecer indevidamente um ou vários operadores económicos determinados.» |
8 |
Nos termos do artigo 49.o, n.o 3, desta lei: «No anúncio de concurso, a entidade adjudicante indica:
|
9 |
O artigo 56.o da referida lei prevê: «Num concurso aberto, qualquer operador económico pode apresentar uma proposta em resposta ao anúncio de concurso. […]» |
Litígio no processo principal e questão prejudicial
10 |
A Ski é uma central de compras propriedade do Estado dinamarquês e da Kommunernes Landsforening (Associação dos Municípios do Reino da Dinamarca). Esta entidade foi criada para racionalizar a adjudicação de contratos públicos, nomeadamente através da adjudicação e da gestão de acordos‑quadro em nome do Estado e dos municípios. |
11 |
Em 4 de fevereiro de 2020, a SKI lançou um concurso público com vista à celebração de um acordo‑quadro relativo ao fornecimento de material de biblioteca e de serviços preparatórios. O critério de adjudicação do contrato era o preço mais baixo. |
12 |
Este contrato estava dividido em oito lotes. Os lotes 1 e 2, objeto do litígio no processo principal, eram intitulados, respetivamente, «Livros e partituras dinamarqueses (Este)» e «Livros e partituras dinamarqueses (Oeste)», e tinham valores estimados de 253 milhões de coroas dinamarquesas (DKK) (cerca de 34 milhões de euros) e de 475 milhões de DKK (cerca de 63 milhões de euros), respetivamente. |
13 |
O ponto 3.1 do caderno de encargos deste concurso enunciava: «Os lotes 1 e 2 são interdependentes (v. ponto 3.1.1) e, se um proponente apresentar uma proposta para um desses lotes, esta considera‑se automaticamente apresentada para ambos os lotes. […] Sem prejuízo do exposto, não há limitações quanto ao número mínimo ou máximo de lotes para os quais pode/deve ser apresentada uma proposta. A Ski prevê a adjudicação de cada lote a um único fornecedor. Podem ser adjudicados vários lotes a um mesmo fornecedor. O contrato do material de biblioteca caracteriza‑se pela existência de poucos fornecedores especializados e potenciais proponentes. Para os potenciais proponentes, os livros e partituras dinamarqueses constituem o maior grupo de produtos em termos de volume de negócios e são comercialmente importantes. A fim de assegurar a concorrência futura neste setor, os contratos relativos aos livros e partituras dinamarqueses são divididos geograficamente em dois lotes. Os clientes participantes são divididos em duas categorias, respetivamente «Este» e «Oeste». […]» |
14 |
O ponto 3.1.1 deste caderno de encargos precisava: «Os contratos relativos aos livros e partituras dinamarqueses são objeto de um concurso público segundo o modelo dito «Este/Oeste», o que significa que está previsto designar um fornecedor para o Este da Dinamarca e outro fornecedor para o Oeste, mas aplicam‑se os mesmos preços a todos os clientes, quer estes estejam situados no Este ou no Oeste da Dinamarca. […] O contrato para o fornecimento do Lote 2 — Livros e partituras dinamarqueses (Oeste) será adjudicado ao proponente que apresente a proposta economicamente mais vantajosa. O contrato para o fornecimento do Lote 1 — Livros e partituras dinamarqueses (Este) será adjudicado ao proponente que apresente a segunda proposta economicamente mais vantajosa. Todavia, este proponente deve aceitar que a adjudicação do contrato como fornecedor da Dinamarca Este o obriga a fornecer aos clientes do Este da Dinamarca os produtos e serviços do acordo‑quadro exatamente aos mesmos preços que os que foram propostos e serão aplicados no Oeste da Dinamarca pelo proponente que apresentou a proposta economicamente mais vantajosa. Se o proponente que apresentou a segunda proposta economicamente mais vantajosa não aceitar ser o fornecedor para o Este da Dinamarca, será dada a oportunidade ao proponente que apresentou a terceira proposta economicamente mais vantajosa, o qual deve igualmente aceitar que a adjudicação que lhe é feita do contrato enquanto fornecedor para o Este da Dinamarca implica que deva fornecer aos clientes do Este os produtos e serviços abrangidos pelo acordo‑quadro exatamente aos mesmos preços que foram propostos e serão aplicados no Oeste da Dinamarca pelo proponente que apresentou a proposta economicamente mais vantajosa. Se esse proponente também não aceitar ser o fornecedor para o Este da Dinamarca, será dada a oportunidade ao proponente seguinte na lista, e assim sucessivamente. Se a lista dos proponentes cujas propostas cumprem os requisitos do concurso estiver esgotada e não for encontrado nenhum fornecedor para o Este da Dinamarca, o contrato para o Este da Dinamarca será igualmente adjudicado ao fornecedor ao qual foi adjudicado o contrato para o Oeste. […] […]» |
15 |
No termo do prazo para apresentação das propostas, a SKI recebeu propostas da Audio Visionary Music A/S (a seguir «AVM») e da BibMedia, que apresentaram ambas uma proposta para todos os lotes. |
16 |
Tendo considerado que a BibMedia tinha apresentado a proposta economicamente mais vantajosa, a SKI adjudicou‑lhe o lote 2 (Oeste) e propôs adjudicar à AVM o lote 1 (Este), na condição de esta aceitar efetuar os fornecimentos e prestar os serviços previstos nesse lote ao preço que a BibMedia tinha proposto, preço do qual a AVM tinha sido informada. |
17 |
Tendo a AVM aceitado, a SKI fez chegar, em 21 de abril de 2020, uma notificação da decisão de adjudicação do contrato. |
18 |
Em 30 de abril de 2020, a AVM interpôs um recurso na Klagenævnet for Udbud (Comissão de Recursos em matéria de Contratos Públicos, Dinamarca) (a seguir «Comissão de Recursos»). |
19 |
Em 14 de janeiro de 2021, a Câmara de Recurso considerou que a SKI tinha violado o artigo 2.o, n.o 1, da Lei dos Contratos Públicos ao recorrer a um procedimento de adjudicação dos lotes 1 e 2 cujas modalidades implicavam, em substância, que o proponente que tivesse apresentado a segunda proposta economicamente mais vantajosa pudesse alterar a sua proposta após a data‑limite fixada para a apresentação das propostas, a fim de lhe ser adjudicado o lote 1 (a seguir «Decisão de 14 de janeiro de 2021»). |
20 |
A Comissão de Recursos fundamentou essa decisão expondo que esse proponente tinha tido a faculdade de alterar um termo essencial da sua proposta, a saber, o preço, de um modo que beneficia a entidade adjudicante e dá ao referido proponente a possibilidade de melhorar a sua proposta com a finalidade de lhe ser adjudicado o contrato. Tal procedimento é contrário à proibição de negociação, que decorre dos princípios da igualdade de tratamento e da transparência. |
21 |
Em 9 de julho de 2021, a SKI intentou no Retten i Glostrup (Tribunal de Primeira Instância de Glostrup, Dinamarca) uma ação judicial contra a Decisão de 14 de janeiro de 2021. |
22 |
Em 7 de dezembro de 2021, a ação foi remetida para o Østre Landsret (Tribunal de Recurso da Região Este, Dinamarca), que é o órgão jurisdicional de reenvio, na qualidade de órgão jurisdicional de primeira instância. |
23 |
Este órgão jurisdicional considera que, embora o Tribunal de Justiça já tenha precisado o alcance da proibição de negociação decorrente do artigo 18.o da Diretiva 2014/24 no que respeita às reservas constantes de uma proposta, à subcontratação e à possibilidade de ter em conta informações complementares, ainda não especificou se, no âmbito de um concurso aberto relativo a um contrato dividido em lotes em conformidade com o artigo 46.o desta diretiva, a proibição de negociação se opõe a que seja adjudicado um lote a um proponente que não tenha apresentado a proposta economicamente mais vantajosa na condição de este aceitar, no âmbito desse lote, efetuar os fornecimentos e prestar os serviços previstos no contrato pelo mesmo preço que o proposto pelo proponente que tenha apresentado a proposta economicamente mais vantajosa. |
24 |
Nestas circunstâncias, o Østre Landsret (Tribunal de Recurso da Região Este) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial: «Os princípios da transparência e da igualdade de tratamento consagrados no artigo 18.o da Diretiva [2014/24] e a consequente proibição de negociações opõem‑se a que, após o termo do prazo para a apresentação da proposta, e em conformidade com os termos predefinidos no caderno de encargos, um proponente que tenha apresentado a segunda proposta economicamente mais vantajosa no âmbito de um concurso aberto para lotes separados (v. artigos 27.o e 46.o da Diretiva Contratos Públicos) possa prestar os serviços propostos num lote nos mesmos termos que um proponente que tenha apresentado a proposta economicamente mais vantajosa e ao qual, por conseguinte, é adjudicado outro lote lançado a concurso ao mesmo tempo?» |
Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial
25 |
O Tribunal de Justiça sublinhou reiteradamente que o processo instituído pelo artigo 267.o TFUE constitui um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução dos litígios que lhes cabe decidir e que a justificação do reenvio prejudicial não se baseia na formulação de opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, mas sim com a necessidade inerente à resolução efetiva de um litígio [Acórdão de 9 de janeiro de 2024, G. e o. (Nomeação dos juízes comuns na Polónia), C‑181/21 e C‑269/21, EU:C:2024:1, n.o 62 e jurisprudência referida]. O Tribunal de Justiça recordou igualmente que resulta simultaneamente dos termos e da economia do artigo 267.o TFUE que o processo de reenvio prejudicial pressupõe, nomeadamente, que esteja efetivamente pendente perante os órgãos jurisdicionais nacionais um litígio no âmbito do qual estes sejam chamados a proferir uma decisão suscetível de tomar em consideração o acórdão prejudicial (Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny, C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 46 e jurisprudência referida). |
26 |
No caso em apreço, o Tribunal de Justiça enviou, em 13 de outubro de 2023, um pedido de informações ao órgão jurisdicional de reenvio, para que este esclarecesse se, apesar do facto, evocado nas observações escritas da BibMedia, de o concurso público em causa não ter sido retomado após a Decisão de 14 de janeiro de 2021, tendo sido substituído por um novo procedimento de concurso, a SKI mantém, segundo o direito dinamarquês, um interesse em agir no litígio no processo principal. |
27 |
Em 27 de novembro de 2023, o órgão jurisdicional de reenvio respondeu afirmativamente a esse pedido de informações, referindo‑se, nomeadamente, à jurisprudência dinamarquesa sobre o interesse em agir no domínio do direito administrativo. |
28 |
Assim, dado que este órgão jurisdicional expôs que, segundo o direito nacional, subsiste um interesse jurídico na resolução do litígio no processo principal, no âmbito do qual o referido órgão jurisdicional é chamado a proferir uma decisão suscetível de tomar em consideração o acórdão prejudicial, a questão submetida não é de natureza hipotética e deve ser considerada admissível. |
Quanto à questão prejudicial
29 |
Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 18.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que os princípios da igualdade de tratamento e da transparência enunciados nesta disposição se opõem a que, no âmbito de um procedimento de adjudicação de um contrato público dividido em lotes, seja adjudicado um lote ao proponente que tenha apresentado a segunda proposta economicamente mais vantajosa, em conformidade com as modalidades definidas nos documentos do concurso, na condição de este aceitar efetuar os fornecimentos e prestar os serviços relativos a esse lote pelo mesmo preço que o proposto pelo proponente que tenha apresentado a proposta economicamente mais vantajosa e ao qual, em consequência, tenha sido adjudicado outro lote, mais importante, desse contrato. |
30 |
O princípio da igualdade de tratamento, consagrado no artigo 18.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24, tem por objetivo favorecer o desenvolvimento de uma concorrência sã e efetiva entre as empresas que participam num concurso público e faz parte da própria essência das regras da União relativas aos procedimentos de adjudicação de contratos públicos. Em conformidade com este princípio, os proponentes devem encontrar‑se em pé de igualdade tanto no momento em que preparam as suas propostas como no momento em que estas são avaliadas pela referida entidade adjudicante (v., neste sentido, Acórdão de 3 de junho de 2021, Rad Service e o., C‑210/20, EU:C:2021:445, n.o 43 e jurisprudência referida). |
31 |
O princípio da transparência, igualmente consagrado neste artigo 18.o, n.o 1, tem por finalidade garantir a inexistência de risco de favoritismo e de arbitrariedade por parte da entidade adjudicante. Este princípio implica que as condições e modalidades do procedimento de adjudicação sejam formuladas de modo claro, preciso e unívoco, no anúncio de concurso ou no caderno de encargos, de modo, primeiro, a permitir a todos os proponentes razoavelmente informados e normalmente diligentes compreenderem o seu alcance exato e interpretá‑las da mesma maneira e, segundo, a possibilitar à entidade adjudicante verificar efetivamente se as propostas dos proponentes correspondem aos critérios por que se rege o concurso em causa (v., neste sentido, Acórdão de 14 de setembro de 2017, Casertana Costruzioni, C‑223/16, EU:C:2017:685, n.o 34 e jurisprudência referida). |
32 |
Estes princípios da igualdade de tratamento e da transparência opõem‑se a qualquer negociação entre a entidade adjudicante e um proponente no âmbito de um procedimento de adjudicação de contratos públicos, o que implica que, em princípio, uma proposta não pode ser alterada após ser apresentada, seja por iniciativa da entidade adjudicante ou do proponente (Acórdãos de 14 de setembro de 2017, Casertana Costruzioni, C‑223/16, EU:C:2017:685, n.o 35, e de 3 de junho de 2021, Rad Service e o., C‑210/20, EU:C:2021:445, n.o 43). |
33 |
Ora, uma modalidade de adjudicação de contrato público como a exposta no caderno de encargos do concurso em causa no processo principal, segundo a qual o contrato está dividido em lotes, sendo o mais importante adjudicado ao proponente que apresente a proposta economicamente mais vantajosa, ao passo que um lote de valor menor será preferencialmente adjudicado, com o objetivo de manter uma concorrência no setor económico em causa, ao proponente que apresenta a segunda proposta economicamente mais vantajosa, na condição de este aceitar executar esse lote ao preço do proponente que apresenta a proposta economicamente mais vantajosa, não contém nenhum elemento de negociação, na aceção da jurisprudência supramencionada. |
34 |
A este respeito, há que salientar que essa modalidade de adjudicação de um contrato público garante, para a adjudicação de todos os lotes do contrato, o respeito do critério do preço mais baixo sem a possibilidade de a entidade adjudicante derrogar esse critério ou convidar um proponente a alterar a sua proposta, uma vez que essa entidade adjudicante se deve basear nos preços propostos antes do termo do prazo de apresentação das propostas e respeitar, ao longo de todo esse procedimento, a ordem de classificação que resulta dessas propostas de preços. |
35 |
Com efeito, nesse procedimento de adjudicação, são os preços propostos antes do termo do prazo para a apresentação das propostas que determinam direta e definitivamente a classificação dos proponentes. Nesta classificação, o proponente que apresentou o preço mais baixo ocupa o primeiro lugar e o seu preço é aquele a que o contrato será, na sua totalidade, celebrado. |
36 |
A possibilidade, dada pelo caderno de encargos ao proponente que apresentar a segunda proposta economicamente mais vantajosa, de obter a adjudicação de um lote do contrato decorre unicamente, como resulta expressamente dos documentos do concurso, do facto de este ocupar o segundo lugar na classificação resultante dos preços indicados nas propostas. |
37 |
A questão de saber se essa possibilidade é ou não utilizada depende da decisão do referido proponente de aceitar ou não executar o lote em questão pelo preço do proponente que apresentou a proposta economicamente mais vantajosa. Esta condição faz parte das modalidades do procedimento de adjudicação formuladas no caderno de encargos do concurso. Caso o proponente que tiver apresentado a segunda proposta economicamente mais vantajosa não aceite alinhar‑se por esse preço, incumbe ao proponente que ocupa o terceiro lugar na classificação resultante dos preços indicados nas propostas tomar posição sobre este aspeto e, assim sucessivamente segundo a ordem de classificação das propostas, enquanto nenhum dos proponentes aceitar alinhar‑se pelo preço da proposta do proponente que tiver apresentado a proposta economicamente mais vantajosa. Se todos os proponentes classificados do segundo ao último lugar recusarem executar o referido lote a esse preço, todos os lotes do contrato são adjudicados ao proponente que tenha apresentado a proposta economicamente mais vantajosa. |
38 |
Nenhuma das decisões que podem ser tomadas pelos proponentes classificados entre o segundo e o último lugar implica uma alteração das propostas que estes tinham apresentado antes do termo do prazo previsto para esse efeito ou uma negociação com a entidade adjudicante. Com efeito, nenhum proponente tem a possibilidade de alterar, através de uma modificação da sua proposta ou de qualquer negociação, o seu lugar na classificação ou no preço a que será celebrado o contrato relativo a qualquer lote do contrato. |
39 |
Resulta destes elementos que uma modalidade de adjudicação como a que está em causa no processo principal se enquadra, sem violação dos princípios da igualdade de tratamento e da transparência, na hipótese prevista no artigo 46.o da Diretiva 2014/24, a saber, aquela em que uma entidade adjudicante decide adjudicar um contrato sob a forma de lotes separados, indicando nos documentos do concurso se podem ser apresentadas propostas para um lote, para vários lotes ou para todos eles e especificando quais os critérios objetivos e não discriminatórios que serão aplicados para determinar a adjudicação dos lotes. |
40 |
A este respeito, a circunstância de o procedimento de adjudicação do contrato, no caso em apreço, ser aberto, na aceção do artigo 27.o desta diretiva, é irrelevante, dado que as considerações expostas nos n.os 33 a 38 do presente acórdão podem igualmente aplicar‑se no âmbito de um concurso limitado, na aceção do artigo 28.o da referida diretiva, visto que os operadores económicos convidados a apresentar uma proposta apresentaram as respetivas propostas de preços. |
41 |
Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 18.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que os princípios da igualdade de tratamento e da transparência enunciados nesta disposição não se opõem a que, no âmbito de um procedimento de adjudicação de um contrato público dividido em lotes, seja adjudicado um lote ao proponente que tenha apresentado a segunda proposta economicamente mais vantajosa, na condição de aceitar efetuar os fornecimentos e prestar os serviços relativos a esse lote ao mesmo preço que o proposto pelo proponente que tenha apresentado a proposta economicamente mais vantajosa e ao qual, em consequência, tenha sido adjudicado outro lote, mais importante, desse contrato. |
Quanto às despesas
42 |
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara: |
O artigo 18.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE, |
deve ser interpretado no sentido de que: |
os princípios da igualdade de tratamento e da transparência enunciados nesta disposição não se opõem a que, no âmbito de um procedimento de adjudicação de um contrato público dividido em lotes, seja adjudicado um lote ao proponente que tenha apresentado a segunda proposta economicamente mais vantajosa, na condição de aceitar efetuar os fornecimentos e prestar os serviços relativos a esse lote ao mesmo preço que o proposto pelo proponente que tenha apresentado a proposta economicamente mais vantajosa e ao qual, em consequência, tenha sido adjudicado outro lote, mais importante, desse contrato. |
Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: dinamarquês.