ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

13 de junho de 2024 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 64.o, n.os 1 e 2 — Aplicabilidade — Prestações dos administradores e liquidatários judiciais — Prestações efetuadas de forma continuada — Artigo 168.o, alínea a) — Dedução do IVA pago a montante — Despesas relacionadas com o direito de utilização de um nome comercial — Direitos de defesa — Direito de ser ouvido»

No processo C‑696/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj, Roménia), por Decisão de 15 de julho de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de novembro de 2022, no processo

C SPRL

contra

Administrația Județeană a Finanțelor Publice (AJFP) Cluj,

Direcția Generală Regională a Finanțelor Publice (DGRFP) Cluj‑Napoca,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: O. Spineanu‑Matei, presidente de secção, J.‑C. Bonichot (relator) e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: N. Emiliou,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da C SPRL, por A. Coroian, A. Madar‑Petran e C. A. Păun, avocati,

em representação do Governo Romeno, por R. Antonie, E. Gane e A. Rotăreanu, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Armenia e J. Jokubauskaitė, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 63.o, 64.o, 66.o e 168.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2008/117/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008 (JO 2009, L 14, p. 7) (a seguir «Diretiva 2006/112»), bem como do princípio do respeito pelos direitos de defesa.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a C SPRL à Administrația Județeană a Finanțelor Publice (AJFP) Cluj (Administração Distrital das Finanças Públicas de Cluj, Roménia) e à Direcția Generală Regională a Finanțelor Publice (DGRFP) Cluj‑Napoca (Direção‑Geral Regional das Finanças Públicas de Cluj‑Napoca, Roménia) (a seguir, em conjunto, «autoridade tributária romena») a respeito da legalidade de um aviso de liquidação que impõe a C um pagamento adicional de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) por serviços prestados a empresas que se encontram em processo de insolvência.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O considerando 24 da Diretiva 2006/112 enuncia:

«As noções de facto gerador e de exigibilidade do imposto deverão ser harmonizadas, a fim de que a aplicação e as alterações posteriores do sistema comum do IVA produzam efeitos na mesma data em todos os Estados‑Membros.»

4

O título VI desta diretiva, relativo ao facto gerador e à exigibilidade do IVA, inclui um capítulo 2, intitulado «Entregas de bens e prestações de serviços», no qual figuram os artigos 63.o a 67.o da referida diretiva.

5

O artigo 63.o da mesma diretiva prevê:

«O facto gerador do imposto ocorre e o imposto torna‑se exigível no momento em que é efetuada a entrega de bens ou a prestação de serviços.»

6

O artigo 64.o, n.o 2, da Diretiva 2006/112, na sua versão inicial, foi alterado pela Diretiva 2008/117, cujo prazo de transposição, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 1, desta última, terminou em 1 de janeiro de 2010. Foi assim inserido um primeiro parágrafo no artigo 64.o, n.o 2, da Diretiva 2006/112, mantendo‑se inalterado o n.o 1 deste artigo 64.o

7

O artigo 64.o da Diretiva 2006/112 dispõe:

«1.   Quando deem origem a pagamentos por conta ou a pagamentos sucessivos, as entregas de bens, que não sejam as que têm por objeto a locação de um bem durante um período determinado ou a venda a prestações de um bem, referidas na alínea b) do n.o 2 do artigo 14.o, e as prestações de serviços, consideram‑se efetuadas no termo do prazo a que se referem esses pagamentos.

2.   […]

Os Estados‑Membros podem prever que, em determinados casos, que não sejam os previstos no primeiro e no segundo parágrafos, as entregas de bens e as prestações de serviços efetuadas de forma continuada ao longo de determinado período sejam consideradas concluídas pelo menos com intervalos de um ano.»

8

O artigo 66.o da Diretiva 2006/112, na sua versão inicial, foi alterado pela Diretiva 2008/117. Foi assim inserido um segundo parágrafo no artigo 66.o, mantendo‑se inalterado o primeiro parágrafo deste artigo.

9

Nos termos do artigo 66.o desta diretiva:

«Em derrogação do disposto nos artigos 63.o, 64.o e 65.o, os Estados‑Membros podem prever que, em relação a certas operações ou a certas categorias de sujeitos passivos, o imposto se torne exigível num dos seguintes momentos:

a)

O mais tardar, no momento da emissão da fatura;

b)

O mais tardar, no momento em que o pagamento é recebido;

c)

Nos casos em que a fatura não seja emitida ou seja emitida tardiamente, dentro de um prazo fixado a contar da data do facto gerador.

[…]»

10

O título VII da referida diretiva, sob a epígrafe «Valor tributável», inclui o artigo 90.o, com a seguinte redação:

«1.   Em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efetuada a operação, o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados‑Membros.

2.   Em caso de não pagamento total ou parcial, os Estados‑Membros podem derrogar o disposto no n.o 1.»

11

O título X da mesma diretiva, relativo às deduções, inclui um capítulo 1, intitulado «Origem e âmbito do direito à dedução», no qual figura o artigo 168.o, que dispõe:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado‑Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)

O IVA devido ou pago nesse Estado‑Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

[…]»

Direito romeno

12

A Legea nr. 571/2003 privind Codul fiscal (Lei n.o 571/2003, que institui o Código Tributário), de 22 de dezembro de 2003 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 927, de 23 de dezembro de 2003), na versão aplicável aos factos do litígio no processo principal (a seguir «Código Tributário»), inclui um artigo 134.o‑A, sob a epígrafe «Facto gerador nas entregas de bens e nas prestações de serviços», que prevê:

«(1)   O facto gerador ocorre na data da entrega dos bens ou na data da prestação dos serviços, sem prejuízo das exceções previstas no presente capítulo.

[…]

(7)   As prestações de serviços que deem origem a pagamentos por conta ou a pagamentos sucessivos, tais como serviços de construção e de montagem, serviços de consultoria, de investigação, de perícia e outros serviços semelhantes, consideram‑se efetuadas na data da prestação de informações sobre o andamento da obra, dos relatórios de trabalhos ou de outros documentos semelhantes que permitam determinar os serviços prestados ou, se for caso disso, em função das estipulações contratuais, na data da sua aceitação pelos beneficiários.

8)   No caso de entregas de bens e de prestações de serviços efetuadas de forma continuada para além das referidas no n.o 7, tais como o fornecimento de gás natural, de água, de serviços telefónicos, de fornecimento de eletricidade ou de outros serviços similares, considera‑se que a entrega ou a prestação foi efetuada nas datas previstas no contrato para o pagamento dos bens entregues ou dos serviços prestados ou na data da emissão da fatura, sem que o período de faturação possa ser superior a um ano.

[…]»

13

Nos termos do artigo 145.o do referido código, sob a epígrafe «Âmbito do direito à dedução»:

«[…]

(2) Os sujeitos passivos têm direito a deduzir o imposto referente às compras se as mesmas forem utilizadas para os fins das seguintes operações:

a)

operações tributadas […]»

14

O artigo 4.o da Legea nr. 85/2006 privind procedura insolvenței (Lei n.o 85/2006, relativa ao processo de insolvência), de 5 de abril de 2006 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 359, de 21 de abril de 2006), tem a seguinte redação:

«(1)   Todas as despesas relativas ao processo instituído pela presente lei, incluindo as relativas à notificação, à convocação e à notificação dos atos processuais realizados pelo administrador da insolvência e/ou pelo liquidatário, são suportadas pelo património do devedor.

[…]

(4)   Não havendo liquidez na conta do devedor, é utilizado o fundo de liquidação […]»

15

O artigo 11.o, n.o 1, desta lei dispõe:

«Nos termos da presente lei, o juiz da insolvência tem como principais funções:

[…]

c)

nomear, de forma fundamentada, na decisão de abertura do processo, dentre os administradores da insolvência compatíveis que tenham apresentado uma proposta de serviços nos autos, o administrador da insolvência provisório […], fixar a sua remuneração em conformidade com os critérios previstos na Lei relativa à organização das atividades dos administradores da insolvência e determinar as suas funções durante esse período. O juiz da insolvência nomeia o administrador da insolvência provisório ou o liquidatário provisório requerido pelo credor que requereu a abertura do processo ou pelo devedor, se for o requerente da insolvência. […]

d)

confirmar, por despacho, o administrador da insolvência ou o liquidatário designado pela assembleia de credores ou pelo credor que detenha mais de 50 % do valor dos créditos, bem como os honorários negociados. […]»

16

O artigo 21.o, n.os 1 e 1‑A, da referida lei prevê:

«(1)   O administrador da insolvência apresenta mensalmente um relatório com a descrição do modo como desempenhou as suas funções, bem como um comprovativo das despesas incorridas com a gestão do processo ou outras despesas efetuadas a cargo da massa insolvente do devedor. O relatório é junto aos autos e é publicado um excerto do mesmo no [Buletinul Procedurilor de Insolvență (BPI) (Boletim dos Processos de Insolvência)]. A cada 120 dias, o juiz da insolvência fixa um prazo para a prossecução do processo, findo o qual o administrador da insolvência expõe em resumo as medidas entretanto tomadas, que figuram nos relatórios de atividade.

(1‑A)   O relatório referido no n.o 1 menciona igualmente a remuneração do administrador da insolvência ou do liquidatário, com indicação do seu modo de cálculo.»

17

O artigo 24.o da mesma lei dispõe:

«(1)   Quando decreta a insolvência, o juiz da insolvência nomeia um liquidatário, aplicando‑se em conformidade o disposto nos artigos 19.o, 21.o, 22.o, 23.o e no artigo 102.o, n.o 5.

(2)   As funções do administrador da insolvência cessam no momento em que as funções do liquidatário são determinadas pelo juiz da insolvência.

(3)   O administrador da insolvência anteriormente designado pode também ser nomeado liquidatário.»

18

A Ordonanța Guvernului nr. 92/2003 privind Codul de procedură fiscală (Despacho do Governo n.o 92/2003, que aprova o Código de Processo Tributário), de 24 de dezembro de 2003 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 941, de 29 de dezembro de 2003), na versão em vigor à data dos factos do litígio no processo principal (a seguir «Código de Processo Tributário»), previa, no seu artigo 213.o, sob a epígrafe «Tratamento da reclamação»:

«(1)   A autoridade competente, ao decidir sobre a reclamação, analisa os fundamentos de facto e de direito em que o ato administrativo fiscal se baseia. A análise da reclamação deve ter em conta os argumentos das partes, as disposições legais por elas invocadas e os documentos existentes nos autos. A reclamação é analisada dentro dos limites do pedido apresentado.

(2)   A autoridade responsável pelo tratamento da reclamação pode solicitar o parecer das direções especializadas do ministério ou de outras instituições e autoridades.

(3)   A decisão sobre a reclamação não pode ter por efeito agravar a situação do autor da reclamação na sequência do seu próprio recurso.

(4)   O autor da reclamação, os intervenientes ou os respetivos mandatários podem fornecer novos elementos de prova para fundamentar o pedido. Nesse caso, a autoridade fiscal que praticou o ato administrativo fiscal impugnado ou o órgão que tenha efetuado a inspeção, consoante o caso, tem a possibilidade de se pronunciar sobre os novos elementos.

(5)   A autoridade responsável pelo tratamento da reclamação pronuncia‑se, em primeiro lugar, sobre as exceções processuais e substantivas e, se verificar que merecem acolhimento, não há lugar ao conhecimento do mérito do processo.»

19

O artigo 38.o da Ordonanța de urgență nr. 86/2006 privind organizarea activității practicienilor în insolvență (Decreto Urgente do Governo n.o 86/2006, relativo à organização das atividades dos administradores da insolvência), de 8 de novembro de 2006 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 944, de 22 de novembro de 2006), dispõe:

«(1)   Os administradores da insolvência têm direito a honorários pela atividade exercida, sob a forma de honorários fixos, honorários de resultado ou uma combinação de ambos os tipos de honorários.

[…]

(4)   No momento da abertura do processo de insolvência, o juiz da insolvência fixa os honorários provisórios para o período de observação com base nos critérios previstos no n.o 2. Os honorários podem ser alterados pela assembleia de credores, a qual deve ter em conta o disposto no n.o 2.

(5)   O pagamento dos honorários dos administradores da insolvência ou dos liquidatários, ou das custas processuais, é efetuado a partir do fundo criado nos termos do artigo 4.o da Lei n.o 85/2006 […]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

20

A C, uma sociedade de direito romeno, reúne administradores e liquidatários judiciais, apelidados de «administradores da insolvência» pelo direito romeno. Esta sociedade presta serviços a empresas que se encontram em processo de insolvência. É pacífico que estes serviços estão sujeitos ao IVA.

21

Por aviso de liquidação de 13 de agosto de 2015, confirmado parcialmente por Decisão de 10 de maio de 2016, proferida em resposta a uma reclamação apresentada pela C, a autoridade tributária romena verificou a existência de irregularidades, nomeadamente no que respeita à exigibilidade do imposto. A C interpôs recurso contencioso para a Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj, Roménia), que é o órgão jurisdicional de reenvio, pedindo simultaneamente a suspensão da execução da Decisão de 10 de maio de 2016.

22

O órgão jurisdicional de reenvio considera que este recurso suscita três questões relativas à interpretação da Diretiva 2006/112.

23

No que respeita, em primeiro lugar, aos serviços prestados pela C à sociedade SM SRL no período compreendido entre 17 de março e 31 de agosto de 2011, o órgão jurisdicional de reenvio constata que a C emitiu uma fatura nesta última data.

24

Para apreciar a legalidade desta abordagem, importa determinar se os serviços em questão estão abrangidos pelo artigo 64.o, n.o 2, da Diretiva 2006/112, que foi transposto para o direito romeno pelo artigo 134.o‑A, n.o 8, do Código Tributário.

25

Nos termos desta última disposição, os sujeitos passivos podem prever que a faturação das suas prestações se prolongue pelo período máximo de um ano quando se trate de «prestações de serviços efetuadas de forma continuada». O âmbito de aplicação da referida disposição é delimitado por uma lista de serviços não exaustiva.

26

Se se verificar que os serviços prestados à sociedade SM estão abrangidos pelo artigo 134.o‑A, n.o 8, do Código Tributário, a autoridade tributária romena considerou erradamente que o facto gerador e a exigibilidade do imposto ocorreram na data da prestação desses serviços por C e que, por conseguinte, esta era obrigada a emitir a fatura, o mais tardar, até ao dia 15 do mês seguinte à referida prestação.

27

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que resulta da perícia realizada no âmbito do litígio que lhe foi submetido para decisão que os serviços em questão foram efetivamente prestados de forma continuada. No entanto, não está excluído que esses serviços tenham dado lugar a pagamentos por conta ou a pagamentos sucessivos.

28

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, relativamente aos serviços prestados no período compreendido entre novembro de 2010 e outubro de 2011, a C emitiu uma fatura em 3 de outubro de 2011 e cobrou o IVA em 1 de novembro de 2011, quando recebeu a remuneração. Esta abordagem justificava‑se pelo facto de o pagamento ter sido sujeito a uma condição de disponibilidade de liquidez pelo beneficiário desses serviços.

29

A autoridade tributária romena considerou que esse requisito não permitia dissociar o facto gerador e a exigibilidade do IVA, precisando‑se que a C tinha prestado serviços a partir da data da sua designação como administrador da insolvência ou liquidatário judicial.

30

Em contrapartida, a C baseia‑se no Acórdão de 3 de setembro de 2015, Asparuhovo Lake Investment Company (C‑463/14, EU:C:2015:542, n.o 35), para sustentar que o «pagamento» se caracteriza por uma relação direta entre a operação e a contrapartida. Assim, antes do pagamento em questão, não houve troca de prestações recíprocas, nem operação tributável.

31

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a compatibilidade da posição defendida pela autoridade tributária romena com os artigos 63.o, 64.o e 66.o da Diretiva 2006/112.

32

Em terceiro e último lugar, ao abrigo de um acordo de colaboração celebrado em 8 de dezembro de 2009, a DDKK, uma sociedade de advogados, prestou um auxílio financeiro a C e concedeu‑lhe o direito de utilizar o seu nome e o seu logótipo.

33

Segundo a autoridade tributária romena, este acordo inseria‑se numa estratégia de marketing destinada a atrair clientes no momento do início de atividade da C como administrador da insolvência ou liquidatário de empresas em situação de insolvência. Todavia, esta autoridade recusou a dedução do IVA constante das faturas emitidas pela DDKK ao abrigo desse acordo, pelo facto de a C não ter demonstrado que os serviços prestados por esta última eram utilizados para os fins das suas operações tributáveis.

34

O órgão jurisdicional de reenvio considera que, para invocar o seu direito a dedução nos termos do artigo 145.o, n.o 2, alínea a), do Código Tributário, a C devia demonstrar a existência de uma «relação direta e imediata» entre as aquisições que efetuava a montante e as operações que realizava a jusante. O Acórdão de 25 de novembro de 2021, Amper Metal (C‑334/20, EU:C:2021:961), fornece indícios a este respeito, mas não permite determinar o nível de prova exigido. No caso em apreço, a C apresentou à autoridade tributária romena o acordo de colaboração celebrado pela DDKK e as faturas emitidas por esta. Além disso, a C referiu um aumento do seu volume de negócios e do montante das suas operações tributáveis.

35

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, além das três questões relativas à interpretação da Diretiva 2006/112, o litígio que lhe foi submetido para decisão suscita uma questão respeitante aos direitos de defesa.

36

Com efeito, no âmbito do procedimento de reclamação contra o aviso de liquidação de 13 de agosto de 2015, a autoridade tributária romena apresentou novos argumentos de facto e de direito. A C alega não ter tido a possibilidade de tomar posição em relação a estes argumentos, em violação dos direitos de defesa e do artigo 213.o do Código de Processo Tributário, que limita a fiscalização efetuada no âmbito de uma reclamação aos fundamentos de facto e de direito tomados em consideração no momento da prática do ato impugnado.

37

O órgão jurisdicional de reenvio recorda que, no n.o 79 do Acórdão de 3 de julho de 2014, Kamino International Logistics e Datema Hellmann Worldwide Logistics (C‑129/13 e C‑130/13, EU:C:2014:2041), o Tribunal de Justiça declarou que uma violação dos direitos de defesa, especialmente do direito de ser ouvido, só implica a anulação da decisão tomada no termo do procedimento administrativo em causa se, não existindo essa irregularidade, esse procedimento pudesse ter conduzido a um resultado diferente. Decorre do n.o 73 desse acórdão que também não há violação dos direitos de defesa se a execução de um aviso de liquidação estiver suspensa até à sua eventual anulação.

38

No caso em apreço, a C beneficiou de medidas provisórias, a saber, a suspensão do aviso de liquidação de 13 de agosto de 2015 até à adoção de uma decisão de mérito pelo órgão jurisdicional de reenvio. Além disso, no âmbito do litígio que lhe foi submetido para decisão, a C contestou os novos argumentos usados pela autoridade tributária romena durante o procedimento de reclamação.

39

Nestas circunstâncias, a Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Os artigos 63.o, 64.o e 66.o da Diretiva [2006/112] obstam a uma prática administrativa de uma entidade tributária, como a que está em causa no presente processo, que impôs obrigações de pagamento adicionais ao sujeito passivo, uma sociedade de profissionais por quotas (SPRL) através da qual os administradores de insolvência podiam exercer a sua profissão, que consistem em determinar o facto gerador do imposto e a exigibilidade no momento em que os serviços são prestados no âmbito de um processo de insolvência, quando os honorários do administrador da insolvência foram fixados pelo juiz da insolvência ou pela assembleia de credores, com a consequente obrigação de o sujeito passivo emitir as faturas até ao dia 15 do mês seguinte àquele em que ocorreu o facto gerador do IVA?

2)

Os artigos 63.o, 64.o e 66.o da Diretiva 2006/112 obstam a uma prática administrativa de uma entidade tributária, como a que está em causa no presente processo, que consiste em impor obrigações de pagamento adicionais ao sujeito passivo, uma sociedade de profissionais por quotas (SPRL) através da qual os administradores de insolvência podem exercer a sua profissão, por só ter emitido faturas e cobrado o IVA na data de receção dos pagamentos pelos serviços prestados no âmbito do processo de insolvência, apesar de a assembleia de credores ter estabelecido que o pagamento dos honorários do administrador de insolvência dependia da existência de liquidez nas contas dos devedores?

3)

Para efeitos da concessão do direito à dedução, no caso de um acordo de cooperação de marca (co branding) entre uma sociedade de advogados e o sujeito passivo, basta que este último, para demonstrar a existência de [uma relação direta e imediata] entre as aquisições efetuadas a montante pelo sujeito passivo e as operações a jusante, faça prova, após o acordo, de um aumento da faturação/valor das operações tributáveis, sem outra documentação justificativa? Em caso de resposta afirmativa, que critérios devem ser tidos em conta para determinar a real extensão do direito à dedução?

4)

Deve o princípio geral do direito da União do respeito dos direitos de defesa ser interpretado no sentido de que, se, no decurso de um procedimento administrativo nacional para tomada de uma decisão sobre uma reclamação relativa a um aviso que impôs o pagamento de IVA adicional, tiverem sido apresentados argumentos de facto e de direito novos face aos constantes no relatório de inspeção fiscal em que se baseou a decisão de emitir esse aviso e o sujeito passivo, enquanto aguarda a decisão quanto ao mérito, beneficie de medidas judiciais cautelares, a saber, a suspensão do título de crédito, o tribunal a quem foi submetido o processo pode considerar que não houve violação desse princípio sem verificar se o processo poderia ter conduzido a resultado diferente se essa irregularidade não tivesse existido?»

Quanto ao pedido de tramitação acelerada

40

O órgão jurisdicional de reenvio pediu ao Tribunal de Justiça que submetesse o presente processo a tramitação acelerada, nos termos do artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, informando que o litígio no processo principal estava nele pendente desde 2016.

41

O artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo prevê que, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio ou, a título excecional, oficiosamente, o presidente do Tribunal de Justiça pode, quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, decidir submeter um reenvio prejudicial a tramitação acelerada, em derrogação do disposto neste regulamento.

42

No caso em apreço, não se afigura que o órgão jurisdicional de reenvio esteja obrigado a pronunciar‑se num prazo determinado nem que o recurso judicial que lhe foi submetido pela C em 2016 tenha sido objeto de tratamento urgente (v., neste sentido, Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 1 de outubro de 2010, N. S. e o., C‑411/10, EU:C:2010:575, n.o 8).

43

A este respeito, basta salientar que esse órgão jurisdicional decidiu submeter o seu pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça em 15 de julho de 2021. Todavia, o mesmo órgão jurisdicional só apresentou esse pedido em 8 de novembro de 2022.

44

De resto, há que recordar que a exigência do tratamento de um litígio pendente no Tribunal de Justiça em prazos curtos não pode decorrer do simples facto de o órgão jurisdicional de reenvio estar obrigado a assegurar uma resolução rápida do litígio (Acórdão de 13 de outubro de 2022, Gmina Wieliszew, C‑698/20, EU:C:2022:787, n.o 50).

45

Por último, o Tribunal de Justiça já declarou que não constitui uma circunstância excecional suscetível de justificar o recurso a tramitação acelerada o mero interesse dos particulares, certamente legítimo, em determinar o mais rapidamente possível o alcance dos direitos que lhes são conferidos pelo direito da União (Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 10 de janeiro de 2012, Arslan, C‑534/11, EU:C:2012:4, n.o 13 e jurisprudência referida).

46

Nestas circunstâncias, o presidente do Tribunal de Justiça, por Decisão de 21 de dezembro de 2022, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, indeferiu o pedido de aplicação da tramitação acelerada prevista no artigo 105.o do Regulamento de Processo.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à admissibilidade das questões

47

Em primeiro lugar, há que salientar que, com as suas primeira e segunda questões, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que interprete os artigos 63.o, 64.o e 66.o da Diretiva 2006/112.

48

Todavia, resulta do pedido de decisão prejudicial que, na realidade, esse órgão jurisdicional não se interroga sobre a interpretação do artigo 63.o da Diretiva 2006/112 enquanto tal, mas sobre o âmbito de aplicação, respetivamente, dos n.os 1 e 2 do artigo 64.o desta diretiva, conjugados com o artigo 63.o da mesma.

49

A este respeito, resulta igualmente do pedido de decisão prejudicial que o artigo 64.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2006/112, na sua versão original, foi transposto para o direito romeno pelo artigo 134.o‑A, n.os 7 e 8, do Código Tributário.

50

Em contrapartida, o Tribunal de Justiça não pode determinar se o artigo 66.o, primeiro parágrafo, desta diretiva, que é uma disposição de aplicação facultativa, tinha sido transposto para o direito romeno à data dos factos em causa no litígio no processo principal. Nas suas observações escritas, o Governo Romeno alega que não o tinha sido. De resto, as informações de que o Tribunal de Justiça dispõe não lhe permitem apreciar a relevância desta disposição para a resolução do litígio no processo principal.

51

Ora, uma vez que o pedido de decisão prejudicial serve de fundamento ao referido processo, o órgão jurisdicional nacional deve explicitar, nesse pedido, o quadro factual e regulamentar do litígio no processo principal e fornecer as explicações necessárias sobre as razões da escolha das disposições do direito da União cuja interpretação solicita e sobre o nexo que estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio que lhe é submetido [Acórdão de 8 de junho de 2023, Lyoness Europe, C‑455/21, EU:C:2023:455, n.o 26 e jurisprudência referida].

52

Estes requisitos cumulativos, relativos ao conteúdo de um pedido de decisão prejudicial, figuram expressamente no artigo 94.o do Regulamento de Processo, que o órgão jurisdicional nacional deve respeitar escrupulosamente. Além disso, estes requisitos são recordados nos n.os 13, 15 e 16 das Recomendações do Tribunal de Justiça da União Europeia à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (JO 2019, C 380, p. 1) (Acórdão de 8 de junho de 2023, Lyoness Europe, C‑455/21, EU:C:2023:455, n.o 27 e jurisprudência referida).

53

Tendo em conta estas considerações, há que forçosamente que concluir que a primeira e a segunda questões são inadmissíveis dado terem por objeto a interpretação do artigo 66.o da Diretiva 2006/112.

54

Em segundo lugar, a terceira questão tem por objeto o exercício do direito à dedução, previsto no artigo 168.o, alínea a), da Diretiva 2006/112. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, por um lado, sobre os elementos de prova que o sujeito passivo deve fornecer às autoridades tributárias para poder beneficiar desse direito e, por outro, sobre o alcance do mesmo.

55

Todavia, as informações de que o Tribunal de Justiça dispõe dizem apenas respeito à primeira parte da terceira questão, pelo que não tem condições para determinar nem os motivos na origem das interrogações do órgão jurisdicional de reenvio, relativas ao alcance do direito à dedução, nem a utilidade de uma resposta a este respeito. Nestas circunstâncias, a segunda parte da terceira questão é inadmissível.

Quanto à primeira questão

56

A título preliminar, importa observar que, no que respeita às prestações de serviços em causa no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio salienta, em substância, que os administradores da insolvência e os liquidatários da C não prestam serviços de forma pontual às empresas que se encontram em processo de insolvência, mas sim de forma continuada ao longo de um certo período.

57

Por conseguinte, há que considerar que, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se o artigo 64.o da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que estão abrangidas pelo âmbito de aplicação respetivo dos n.os 1 e 2 deste artigo as prestações de serviços efetuadas de forma continuada ao longo de um certo período, como as dos administradores da insolvência e dos liquidatários, ao abrigo do direito romeno, em benefício das empresas que se encontram em processo de insolvência.

58

A este respeito, importa, por um lado, recordar que o artigo 64.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado à luz do artigo 63.o desta diretiva, uma vez que a primeira disposição está intrinsecamente ligada à segunda [Acórdão de 28 de outubro de 2021, X‑Beteiligungsgesellschaft (IVA — Pagamentos sucessivos), C‑324/20, EU:C:2021:880, n.o 34].

59

Segundo este artigo 63.o, o facto gerador do imposto ocorre e o imposto torna‑se exigível no momento em que é efetuada a entrega de bens ou a prestação de serviços. Nos termos do referido artigo 64.o, n.o 1, quando deem origem, nomeadamente, a pagamentos por conta ou a pagamentos sucessivos, as prestações de serviços consideram‑se efetuadas, na aceção do referido artigo 63.o, no termo do prazo a que se referem esses pagamentos [v., neste sentido, Acórdão de 28 de outubro de 2021, X‑Beteiligungsgesellschaft (IVA — Pagamentos sucessivos), C‑324/20, EU:C:2021:880, n.o 35].

60

Resulta da aplicação conjugada destas duas disposições que, relativamente às prestações que deem origem a pagamentos por conta ou a pagamentos sucessivos, o facto gerador do imposto ocorre e o imposto torna‑se exigível no termo dos períodos a que se referem esses pagamentos [v., neste sentido, Acórdão de 28 de outubro de 2021, X‑Beteiligungsgesellschaft (IVA — Pagamentos sucessivos), C‑324/20, EU:C:2021:880, n.o 36 e jurisprudência referida].

61

Quanto aos termos «prestações que deem origem a pagamentos sucessivos», o Tribunal de Justiça confirmou que estes visam apenas as prestações cuja própria natureza justifica um pagamento fracionado, a saber, as que não são realizadas de forma pontual mas sim de forma recorrente ou continuada, ao longo de um certo período [v., neste sentido, Acórdão de 28 de outubro de 2021, X‑Beteiligungsgesellschaft (IVA — Pagamentos sucessivos), C‑324/20, EU:C:2021:880, n.os 37 a 39].

62

Esta constatação aplica‑se mutatis mutandis ao segundo caso previsto no artigo 64.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112, a saber, quando as «prestações dão lugar a pagamentos sucessivos».

63

Além disso, só se impõe o recurso ao artigo 64.o, n.o 1, desta diretiva, enquanto norma jurídica destinada a determinar o momento em que se constitui a obrigação fiscal, quando o ou os momentos de realização efetiva das prestações não sejam unívocos e possam dar origem a apreciações diferentes, o que acontece quando estas são, devido ao seu caráter continuado ou recorrente, efetuadas durante um ou vários períodos determinados [Acórdão de 28 de outubro de 2021, X‑Beteiligungsgesellschaft (TVA — Pagamentos sucessivos), C‑324/20, EU:C:2021:880, n.o 45].

64

Em contrapartida, no caso de o momento da execução da prestação ser unívoco, nomeadamente quando a prestação tem caráter pontual e há um momento preciso que permite demonstrar que a sua realização está concluída em conformidade com a relação contratual que vincula as partes na operação em causa, o artigo 64.o, n.o 1, da referida diretiva não pode ser aplicado sem violar o teor claro do artigo 63.o da mesma diretiva [Acórdão de 28 de outubro de 2021, X‑Beteiligungsgesellschaft (IVA — Pagamentos sucessivos), C‑324/20, EU:C:2021:880, n.o 46].

65

Por outro lado, resulta inequivocamente da redação do artigo 64.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112 que esta disposição visa, à semelhança do n.o 1 deste artigo 64.o, as entregas de bens e as prestações de serviços efetuadas de forma continuada ao longo de um certo período.

66

Daqui resulta igualmente que o artigo 64.o, n.o 2, terceiro parágrafo, desta diretiva prevê um regime cuja aplicação é facultativa, pelo que incumbe aos Estados‑Membros decidir se pretendem recorrer a esse regime. A este respeito, o legislador nacional dispõe de uma certa margem de manobra, uma vez que esta disposição se limita a estatuir que a sua aplicação pode ser prevista «em determinados casos» sem outra precisão além da relativa à natureza continuada das prestações, evocada no número anterior do presente acórdão.

67

Conforme salientado no n.o 49 do presente acórdão, o legislador romeno decidiu efetivamente aplicar a referida disposição ao adotar o artigo 134.o‑A, n.o 8, do Código Tributário, cujo âmbito de aplicação abrange as entregas de bens e as prestações de serviços realizadas de forma continuada, «que não sejam as referidas no n.o 7» deste artigo 134.o‑A. Por conseguinte, está excluída a aplicação do artigo 134.o‑A, n.o 8, do Código Tributário quando estejam em causa prestações de serviços realizadas de forma continuada e «que dão origem a pagamentos por conta ou a pagamentos sucessivos», estando pois abrangidas pelo n.o 7 do referido artigo 134.o‑A, o que, todavia, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

68

Por conseguinte, para determinar se as prestações em causa no processo principal estão abrangidas pelo artigo 64.o, n.o 1, ou pelo artigo 64.o, n.o 2, da Diretiva 2006/112, conforme transpostos para o direito romeno, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar a natureza dessas prestações, a saber, se estas são de facto efetuadas de forma continuada ao longo de um determinado período e, especialmente, se dão lugar a pagamentos por conta ou a pagamentos sucessivos.

69

Para todos os efeitos, há que salientar que resulta do pedido de decisão prejudicial que, no que respeita, concretamente, aos serviços prestados a SM, a C foi nomeada liquidatário judicial desta sociedade e lhe foram fixados honorários mensais de 1000,00 leus romenos (RON) (cerca de 240 euros), bem como honorários de resultado de 10 %. Além disso, nas suas observações escritas, o Governo Romeno e a Comissão Europeia indicaram que, por força do direito romeno, a saber, o artigo 21.o, n.o 1 e n.o 1‑A, e o artigo 24.o da Lei n.o 85/2006 relativa ao processo de insolvência, na versão aplicável aos factos do processo principal, os administradores da insolvência e os liquidatários apresentam relatórios mensais sobre os serviços prestados e sobre a remuneração que lhes é devida.

70

À luz do que precede e, sem prejuízo das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, afigura‑se que as prestações de serviços em causa no processo principal davam lugar a pagamentos por conta ou a pagamentos sucessivos e que, por conseguinte, não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 64.o, n.o 2, da Diretiva 2006/112, conforme transposto, para o direito romeno, pelo artigo 134.o‑A, n.o 8, do Código Tributário, mas sim pelo artigo 64.o, n.o 1, desta diretiva, transposto, para o direito romeno, pelo artigo 134.o‑A, n.o 7, deste código.

71

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 64.o da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do n.o 1 deste artigo as prestações de serviços efetuadas de forma continuada ao longo de um certo período, como as dos administradores da insolvência e dos liquidatários, ao abrigo do direito romeno, em benefício das empresas que se encontram em processo de insolvência, quando, sem prejuízo das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, essas prestações deem lugar a pagamentos por conta ou a pagamentos sucessivos.

Quanto à segunda questão

72

A título preliminar, importa recordar que resulta da resposta à primeira questão que as prestações de serviços do tipo das que estão em causa no processo principal estão, em princípio, abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 64.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112.

73

Além disso, tendo em conta a sua redação, a segunda questão pode ser entendida no sentido de que visa determinar o momento em que as faturas devem ser emitidas e cobrado o IVA. Todavia, resulta das informações contidas no pedido de decisão prejudicial que esta questão tem por objeto, tal como a primeira, a determinação do momento em que ocorre o facto gerador do IVA e aquele em que esse imposto se torna exigível.

74

Por conseguinte, há que considerar que, com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 64.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de o pagamento da remuneração por prestações abrangidas pelo âmbito de aplicação desta disposição não poder ser efetuado devido à insuficiência de liquidez nas contas do devedor, a referida disposição permite considerar que o IVA só se torna exigível no momento do recebimento efetivo da remuneração.

75

Como recordado no n.o 60 do presente acórdão, resulta da aplicação conjugada do artigo 63.o do artigo 64.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112 que, para as prestações que deem origem a pagamentos por conta ou a pagamentos sucessivos, o facto gerador do imposto ocorre e este torna‑se exigível no termo dos períodos a que se referem esses pagamentos.

76

O momento assim determinado em aplicação do artigo 64.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112 é vinculativo para os sujeitos passivos.

77

Com efeito, em conformidade com o artigo 63.o da Diretiva 2006/112, lido à luz do seu considerando 24, o momento da constituição do IVA e a sua exigibilidade não são elementos de que as partes num contrato possam dispor livremente. Pelo contrário, o legislador da União entendeu harmonizar ao máximo a data em que se constitui a obrigação fiscal em todos os Estados‑Membros a fim de garantir uma cobrança uniforme desse imposto [Acórdão de 28 de outubro de 2021, X‑Beteiligungsgesellschaft (IVA — Pagamentos sucessivos), C‑324/20, EU:C:2021:880, n.o 47].

78

Por conseguinte, o artigo 64.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112 não permite sujeitar o momento da constituição do imposto e a sua exigibilidade a um requisito relativo ao recebimento efetivo da remuneração devida pelos serviços prestados ao longo de um determinado período. Pelo contrário, no termo desse período, ou seja, na data em que o pagamento dessa remuneração é normalmente devido, o imposto torna‑se invariavelmente exigível, mesmo que esse pagamento não tenha sido recebido por qualquer motivo, incluindo em razão da falta de liquidez na conta do devedor.

79

Esta interpretação do artigo 64.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112 é corroborada pela sistemática desta diretiva.

80

Com efeito, a Diretiva 2006/112 não exclui que o IVA se possa tornar exigível, o mais tardar, no momento da emissão da fatura ou no momento em que o preço é recebido. Todavia, trata‑se apenas de uma faculdade que, por força do artigo 66.o, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), desta diretiva, só pode ser exercida pelos Estados‑Membros em relação a certas operações ou certas categorias de sujeitos passivos, em derrogação dos artigos 63.o a 65.o da referida diretiva [v., neste sentido, Acórdão de 28 de outubro de 2021, X‑Beteiligungsgesellschaft (IVA — Pagamentos sucessivos), C‑324/20, EU:C:2021:880, n.o 49].

81

Além disso, há que recordar que as situações em que o beneficiário de uma entrega de bens ou de uma prestação de serviços não paga, ou só paga parcialmente, um crédito de que, no entanto, é devedor por força do contrato celebrado com o fornecedor ou o prestador de serviços são reguladas por uma disposição específica da Diretiva 2006/112, a saber, o seu artigo 90.o, n.o 1, que prevê a redução do valor tributável, nomeadamente em caso de não pagamento total ou parcial depois de efetuada a operação [v., neste sentido, Acórdão de 28 de outubro de 2021, X‑Beteiligungsgesellschaft (IVA — Pagamentos sucessivos), C‑324/20, EU:C:2021:880, n.os 57 e 60].

82

Tendo em conta todas as considerações precedentes, importa responder à segunda questão que o artigo 64.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de o pagamento da remuneração por prestações abrangidas pelo âmbito de aplicação desta disposição não poder ser efetuado devido à insuficiência de liquidez nas contas do devedor, a referida disposição não permite considerar que o IVA só se torna exigível no momento do recebimento efetivo da remuneração.

Quanto à terceira questão

83

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 168.o, alínea a), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que, para estabelecer a existência de uma relação direta e imediata entre, por um lado, uma determinada operação a montante e, por outro, operações a jusante com direito à dedução, basta que, além do contrato subjacente à operação a montante e das respetivas faturas, o sujeito passivo forneça documentos que comprovem o aumento do volume de negócios ou do volume das operações tributadas alegadamente devido a essa operação a montante.

84

Nos termos do artigo 168.o, alínea a), da Diretiva 2006/112, quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado‑Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor o IVA devido ou pago nesse Estado‑Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo.

85

A este respeito, resulta de jurisprudência constante que o direito a dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Esse direito é imediatamente exercido relativamente a todos os impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante. O regime das deduções visa, com efeito, aliviar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou dos resultados destas, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA. Na medida em que o sujeito passivo, agindo nessa qualidade no momento em que adquire um bem ou um serviço, utilize esse bem ou esse serviço para efeito das suas operações tributadas, está autorizado a deduzir o IVA devido ou pago sobre o referido bem ou sobre o referido serviço (Acórdão de 25 de novembro de 2021, Amper Metal, C‑334/20, EU:C:2021:961, n.o 23 e jurisprudência referida).

86

O Tribunal de Justiça precisou que, para que o direito à dedução do IVA pago a montante seja reconhecido ao sujeito passivo, é necessária a existência de uma relação direta e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução. O direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição façam parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito à dedução [Acórdão de 8 de setembro de 2022, Finanzamt R (Dedução do IVA ligado a uma entrada de acionista), C‑98/21, EU:C:2022:645, n.o 45 e jurisprudência referida].

87

No entanto, foi também admitido um direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de uma relação direta e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das despesas gerais deste último e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens fornecidos ou dos serviços prestados pelo mesmo. Estes custos têm, com efeito, uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo [Acórdão de 8 de setembro de 2022, Finanzamt R (Dedução do IVA ligado a uma entrada de acionista), C‑98/21, EU:C:2022:645, n.o 46 e jurisprudência referida].

88

Em qualquer caso, é necessário que o custo dos bens ou das prestações a montante seja incorporado, respetivamente, no preço de operações determinadas a jusante ou no preço dos bens fornecidos ou dos serviços prestados pelo sujeito passivo no âmbito das suas atividades económicas [Acórdão de 8 de setembro de 2022, Finanzamt R (Dedução do IVA ligado a uma entrada de acionista), C‑98/21, EU:C:2022:645, n.o 47 e jurisprudência referida].

89

Além disso, o Tribunal de Justiça precisou que a existência de tal relação entre operações deve ser apreciada à luz do conteúdo objetivo das mesmas. Mais especificamente, cabe às Administrações Fiscais e aos órgãos jurisdicionais nacionais tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenrolaram as operações em causa e ter em conta apenas as operações que estão objetivamente relacionadas com a atividade tributável do sujeito passivo. Neste sentido, declarou‑se que há que ter em conta a utilização efetiva dos bens e dos serviços adquiridos, a montante, pelo sujeito passivo e a causa exclusiva desta aquisição, devendo esta última ser considerada um critério de determinação do conteúdo objetivo [v., neste sentido, Acórdãos de17 de outubro de 2018, Ryanair, C‑249/17, EU:C:2018:834, n.o 28, e de 8 de setembro de 2022, Finanzamt R (Dedução do IVA ligado a uma entrada de acionista), C‑98/21, EU:C:2022:645, n.o 49 e jurisprudência referida].

90

Uma vez demonstrado que uma operação não foi efetuada para corresponder às necessidades das atividades tributáveis de um sujeito passivo, não se pode considerar que esta operação tem uma relação direta e imediata com essas atividades, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, ainda que, tendo em conta o seu conteúdo objetivo, essa operação seja tributável em sede de IVA (Acórdão de 8 de novembro de 2018, C&D Foods Acquisition, C‑502/17, EU:C:2018:888, n.o 37 e jurisprudência referida).

91

No caso de as despesas incorridas se referirem parcialmente a uma atividade isenta ou não económica, o IVA pago sobre essas despesas só pode ser deduzido parcialmente (v., neste sentido, Acórdão de 17 de outubro de 2018, Ryanair, C‑249/17, EU:C:2018:834, n.o 30 e jurisprudência referida).

92

No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que a C forneceu à autoridade tributária romena documentos comprovativos de um aumento do seu volume de negócios ou do volume das suas operações tributadas.

93

Todavia, tendo em conta as considerações precedentes, deve considerar‑se que tais circunstâncias não podem, por si só, permitir à autoridade tributária romena demonstrar a existência de uma relação entre os serviços prestados a C ao abrigo do contrato de colaboração celebrado com a DDKK e as operações realizadas por C a jusante, que conferem direito à dedução.

94

Esta conclusão é corroborada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da qual resulta que o artigo 168.o, alínea a), da Diretiva 2006/112 não subordina de modo nenhum o exercício do direito à dedução a um critério relativo ao aumento do volume de negócios do sujeito passivo nem, mais genericamente, a um critério de rentabilidade económica da operação efetuada a montante. Concretamente, a inexistência de um aumento do volume de negócios do sujeito passivo não pode ter impacto no exercício do direito à dedução. Com efeito, como foi recordado no n.o 85 do presente acórdão, o sistema comum do IVA garante a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, sejam quais forem os objetivos ou os resultados destas, na condição de as referidas atividades estarem, em princípio, elas próprias, sujeitas ao IVA. Por conseguinte, o direito à dedução, uma vez constituído, mantém‑se adquirido mesmo que, ulteriormente, a atividade económica planeada não tenha sido realizada e, portanto, não tenha dado origem a operações tributáveis ou se o sujeito passivo não tiver podido utilizar os bens ou os serviços que deram origem a dedução no âmbito de operações tributáveis em razão de circunstâncias alheias à sua vontade (v., neste sentido, Acórdão de 25 de novembro de 2021, Amper Metal, C‑334/20, EU:C:2021:961, n.os 30 e 35).

95

Em contrapartida, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, no caso em apreço, haverá outros elementos suscetíveis de estabelecer a relação exigida entre as operações efetuadas pela C aqui em causa e a sua atividade tributável, na aceção da jurisprudência referida no n.o 89 do presente acórdão, respeitantes à utilização efetiva dos bens e dos serviços adquiridos pela C ao abrigo do contrato de colaboração celebrado com a DDKK bem como à causa desta aquisição.

96

Com efeito, resulta do pedido de decisão prejudicial que, por força do artigo 11.o, n.o 1, alíneas c) e d), da Lei n.o 85/2006, relativa ao processo de insolvência, para poderem propor os seus serviços no âmbito de um determinado processo de insolvência, os administradores da insolvência e os liquidatários interessados apresentam propostas nesse sentido e incumbe, em princípio, aos credores da empresa em causa nesse processo designar um deles. Tendo em conta este contexto jurídico, a autoridade tributária romena já se pronunciou sobre a causa da operação em questão, declarando que o acordo de colaboração entre a C e DDKK se inseria numa estratégia de marketing destinada a atrair clientes para o início da atividade da C como administradora da insolvência ou liquidatária de empresas em situação de insolvência.

97

Além disso, no que respeita à efetiva execução deste acordo de colaboração, afigura‑se pertinente salientar que a C invocou perante o órgão jurisdicional de reenvio que os documentos que apresentou a terceiros têm o nome comercial da DDKK.

98

Cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar a veracidade das circunstâncias acima referidas e tomá‑las em consideração, juntamente com todas as demais circunstâncias em que as operações a jusante em causa, efetuadas pela C, se desenrolaram, a fim de verificar se existe, no caso em apreço, uma relação direta e imediata entre operações a montante e operações a jusante, com direito à dedução.

99

Tendo em conta todas as considerações precedentes, importa responder à terceira questão que o artigo 168.o, alínea a), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que, para estabelecer a existência de uma relação direta e imediata entre, por um lado, uma determinada operação a montante e, por outro, operações a jusante com direito à dedução, importa determinar o conteúdo objetivo dessas operações, o que implica tomar em consideração todas as circunstâncias em que decorreram as mesmas operações, a saber, nomeadamente, a utilização efetiva dos bens e dos serviços adquiridos pelo sujeito passivo a montante, bem como a causa exclusiva dessa aquisição, não constituindo o aumento do volume de negócios ou do volume das operações tributadas elementos pertinentes a este respeito.

Quanto à quarta questão

100

A título preliminar, importa recordar que foi submetido ao órgão jurisdicional de reenvio o recurso de uma decisão administrativa adotada em resposta a uma reclamação e que aquele considera que essa decisão foi adotada em violação do princípio do respeito pelos direitos de defesa.

101

A este respeito, resulta do pedido de decisão prejudicial que, no caso em apreço, a autoridade tributária romena emitiu um aviso de liquidação no qual constatou irregularidades, nomeadamente no que respeita ao momento da exigibilidade do IVA retido pela C. Este aviso foi parcialmente confirmado no termo de um procedimento de reclamação, mas com base em elementos de facto e de direito novos, sem que, no entanto, a C tenha sido convidada a tomar posição sobre esses elementos.

102

O órgão jurisdicional de reenvio considera que esta violação dos direitos de defesa não é necessariamente determinante para a decisão do recurso. Com efeito, só implicaria a anulação da decisão adotada em resposta à reclamação da C se se verificasse que, se essa violação não tivesse existido, o procedimento de reclamação poderia ter conduzido a um resultado diferente. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, todavia, se pode negar provimento ao recurso que lhe foi submetido sem proceder a essa análise, com o fundamento de que, a pedido da C, o aviso de liquidação de 13 de agosto de 2015 foi suspenso.

103

Por conseguinte, há que considerar que, com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o princípio geral do direito da União do respeito pelos direitos de defesa deve ser interpretado no sentido de que se impõe, no âmbito de um procedimento administrativo de reclamação contra um aviso de liquidação de IVA, quando a autoridade competente adote uma decisão baseada em elementos de facto e de direito novos, relativamente aos quais o interessado não pôde tomar posição, anular essa decisão, mesmo que, a pedido do interessado, haja uma suspensão da execução desse aviso de liquidação paralelamente ao recurso judicial interposto contra essa decisão.

104

A este propósito, cabe recordar que o respeito pelos direitos de defesa constitui um princípio fundamental do direito da União, do qual o direito de ser ouvido faz parte integrante (Acórdão de 3 de julho de 2014, Kamino International Logistics e Datema Hellmann Worldwide Logistics, C‑129/13 e C‑130/13, EU:C:2014:2041, n.o 28 e jurisprudência referida).

105

Por força deste princípio, que é aplicável sempre que a Administração se propõe adotar relativamente a uma pessoa um ato lesivo dos seus interesses, os destinatários de decisões que afetem de modo sensível os seus interesses devem ter a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre os elementos com base nos quais a Administração tenciona tomar a sua decisão (Acórdão de 3 de julho de 2014, Kamino International Logistics e Datema Hellmann Worldwide Logistics, C‑129/13 e C‑130/13, EU:C:2014:2041, n.o 30 e jurisprudência referida).

106

Esta obrigação incumbe às Administrações dos Estados‑Membros sempre que tomem decisões que recaiam no âmbito de aplicação do direito da União, mesmo que a regulamentação aplicável não preveja expressamente essa formalidade (Acórdão de 3 de julho de 2014, Kamino International Logistics e Datema Hellmann Worldwide Logistics, C‑129/13 e C‑130/13, EU:C:2014:2041, n.o 31 e jurisprudência referida).

107

No caso em apreço, estamos efetivamente perante uma situação desse tipo. Com efeito, o princípio do respeito pelos direitos de defesa aplica‑se em circunstâncias como as do processo principal, nas quais um Estado‑Membro, para cumprir a obrigação decorrente da aplicação do direito da União de tomar todas as medidas legislativas e administrativas necessárias para garantir a cobrança da totalidade do IVA devido no seu território e de lutar contra a fraude, sujeita os contribuintes a um procedimento de inspeção fiscal (Acórdão de 16 de outubro de 2019, Glencore Agriculture Hungary, C‑189/18, EU:C:2019:861, n.o 40),

108

Por outro lado, a regra segundo a qual deve ser dada ao destinatário de uma decisão lesiva dos seus interesses a possibilidade de apresentar observações antes de esta ser tomada destina‑se a permitir que a autoridade competente possa ter utilmente em conta todos os elementos pertinentes. A fim de assegurar uma proteção efetiva da pessoa ou da empresa em causa, essa regra tem, designadamente, por objeto permitir que estas últimas corrijam um erro ou invoquem determinados elementos relativos à sua situação pessoal que militem no sentido de a decisão ser ou não tomada ou ter este ou aquele conteúdo (Acórdão de 3 de julho de 2014, Kamino International Logistics e Datema Hellmann Worldwide Logistics, C‑129/13 e C‑130/13, EU:C:2014:2041, n.o 38 e jurisprudência referida).

109

Tendo em conta as considerações precedentes e os elementos de facto resumidos no n.o 101 do presente acórdão, pode considerar‑se que, no caso em apreço, o direito da C de ser ouvida antes da adoção de um ato lesivo dos seus interesses pode ter sido violado pela autoridade tributária romena, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

110

Todavia, não será esse o caso se a impossibilidade de a C defender a sua posição a respeito dos novos elementos de facto e de direito considerados no âmbito do procedimento de reclamação não resultar não de um erro dessa administração mas sim da aplicação de uma norma processual que prossegue um objetivo de interesse geral reconhecido, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

111

Com efeito, segundo jurisprudência constante, os direitos fundamentais, tal como o respeito pelos direitos de defesa, não constituem prerrogativas absolutas, mas podem comportar restrições, na condição de estas corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral prosseguidos pela medida em causa e não constituírem, à luz da finalidade prosseguida, uma intervenção desmedida e intolerável que atente contra a própria substância dos direitos assim garantidos (Acórdão de 3 de julho de 2014, Kamino International Logistics e Datema Hellmann Worldwide Logistics, C‑129/13 e C‑130/13, EU:C:2014:2041, n.o 42 e jurisprudência referida).

112

A este respeito, decorre de jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma audição a posteriori no quadro de um recurso interposto de uma decisão desfavorável pode, em certas condições, ser suscetível de assegurar o respeito do direito de ser ouvido (Acórdão de 3 de julho de 2014, Kamino International Logistics e Datema Hellmann Worldwide Logistics, C‑129/13 e C‑130/13, EU:C:2014:2041, n.o 55 e jurisprudência referida).

113

Especialmente, tendo em conta o interesse geral da União de cobrar o mais rapidamente possível as suas próprias receitas, o que implica que os controlos fiscais possam ser realizados com prontidão e com eficácia, uma restrição do direito de ser ouvido antes da adoção de uma decisão lesiva dos seus interesses, como um aviso de liquidação, pode ser justificada quando, por um lado, no momento da interposição de um recurso contra essa decisão, o interessado possa efetivamente requerer a adoção de medidas provisórias que impliquem a suspensão da decisão em causa e quando, por outro, esse recurso lhe permita defender utilmente o seu ponto de vista (v., neste sentido, Acórdão de 3 de julho de 2014, Kamino International Logistics e Datema Hellmann Worldwide Logistics, C‑129/13 e C‑130/13, EU:C:2014:2041, n.os 54, 66, 67 e 71).

114

A jurisprudência recordada nos n.os 111 a 113 do presente acórdão tem por objeto a possibilidade de poder justificar uma limitação do direito de ser ouvido prevista no direito nacional. Todavia, tendo em conta os elementos de direito e de facto expostos pelo órgão jurisdicional de reenvio, no caso em apreço, não parece estar em causa tal limitação, o que, todavia, cabe ao mesmo órgão jurisdicional determinar.

115

Com efeito, nada nos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça permite considerar que o artigo 213.o do Código de Processo Tributário, que, segundo as informações prestadas por aquele órgão jurisdicional, rege o procedimento de reclamação, preveja qualquer limitação ao direito do autor da reclamação de ser ouvido no caso de a autoridade tributária romena pretender fundamentar a sua decisão em elementos de facto e de direito novos relativamente aos quais o interessado não tenha podido tomar posição. Pelo contrário, resulta da sua quarta questão e das considerações a ela relativas que o órgão jurisdicional de reenvio considera que o facto de não ter ouvido a C antes da adoção da decisão sobre a reclamação desta constitui efetivamente uma «irregularidade» suscetível de violar o direito de ser ouvido.

116

No entanto, como o órgão jurisdicional de reenvio salientou com razão, nem todas as violações dos direitos de defesa no decurso de um procedimento administrativo devem necessariamente conduzir à anulação da decisão tomada no termo desse procedimento.

117

A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que, quando nem as condições em que deve ser assegurado o respeito pelos direitos de defesa nem as consequências da violação destes direitos forem fixadas pelo direito da União, estas condições e estas consequências são regidas pelo direito nacional, desde que as medidas adotadas neste sentido sejam equivalentes àquelas de que beneficiam os particulares em situações de direito nacional comparáveis (princípio da equivalência) e não tornem, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos de defesa conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (Acórdão de 3 de julho de 2014, Kamino International Logistics e Datema Hellmann Worldwide Logistics, C‑129/13 e C‑130/13, EU:C:2014:2041, n.o 75 e jurisprudência referida).

118

Esta solução é aplicável em matéria de IVA, uma vez em que a Diretiva 2006/112 não contém disposições relativas aos processos de recurso que devessem ser transpostas pelos Estados‑Membros (v., por analogia, Acórdão de 3 de julho de 2014, Kamino International Logistics e Datema Hellmann Worldwide Logistics, C‑129/13 e C‑130/13, EU:C:2014:2041, n.o 76).

119

No entanto, embora seja legítimo que os Estados‑Membros permitam o exercício dos direitos de defesa do mesmo modo que é adotado para regular as situações internas, esse modo deve ser conforme com o direito da União e não pôr, designadamente, em causa o efeito útil da Diretiva 2006/112 (v., por analogia, Acórdão de 3 de julho de 2014, Kamino International Logistics e Datema Hellmann Worldwide Logistics, C‑129/13 e C‑130/13, EU:C:2014:2041, n.o 77).

120

Ora, a obrigação que incumbe assim ao órgão jurisdicional nacional de garantir o pleno efeito do direito da União não tem sempre como consequência a anulação de uma decisão impugnada, quando esta tiver sido adotada em violação dos direitos de defesa. Com efeito, essa violação, especialmente do direito de ser ouvido, apenas acarreta a anulação da decisão tomada no termo do procedimento administrativo em causa se, não se verificando tal irregularidade, esse procedimento pudesse conduzir a um resultado diferente [v., neste sentido, Acórdãos de 3 de julho de 2014, Kamino International Logistics e Datema Hellmann Worldwide Logistics, C‑129/13 e C‑130/13, EU:C:2014:2041, n.os 78 e 79; de 20 de dezembro de 2017, Prequ' Italia, C‑276/16, EU:C:2017:1010, n.o 62; e de 4 de junho de 2020, C. F. (Controlo fiscal), C‑430/19, EU:C:2020:429, n.o 35]. Em contrapartida, é irrelevante o facto de se ter procedido à suspensão do ato cuja anulação é pedida paralelamente ao recurso interposto desse ato.

121

Nestas circunstâncias, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar em que medida o procedimento de reclamação poderia ter conduzido a um resultado diferente se a C tivesse sido ouvida no decurso da mesma.

122

Tendo em conta todas as considerações precedentes, importa responder à quarta questão que o princípio geral do direito da União do respeito pelos direitos de defesa deve ser interpretado no sentido de que impõe, no âmbito de um procedimento administrativo de reclamação contra um aviso de liquidação de IVA, quando a autoridade competente adote uma decisão baseada em elementos de facto e de direito novos, relativamente aos quais o interessado não pôde tomar posição, anular a decisão adotada no termo desse procedimento, se, caso essa irregularidade não tivesse existido, o referido processo tivesse conduzido a um resultado diferente, mesmo que a pedido do interessado, tenha havido uma suspensão da execução desse aviso de liquidação paralelamente ao recurso judicial interposto dessa decisão.

Quanto às despesas

123

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

 

1)

O artigo 64.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2008/117/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008,

deve ser interpretado no sentido de que:

estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do n.o 1 deste artigo as prestações de serviços efetuadas de forma continuada ao longo de um certo período, como as dos administradores da insolvência e dos liquidatários, ao abrigo do direito romeno, em benefício das empresas que se encontram em processo de insolvência, quando, sem prejuízo das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, essas prestações deem lugar a pagamentos por conta ou a pagamentos sucessivos.

 

2)

O artigo 64.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112, conforme alterada pela Diretiva 2008/117,

deve ser interpretado no sentido de que:

no caso de o pagamento da remuneração por prestações abrangidas pelo âmbito de aplicação desta disposição não poder ser efetuado devido à insuficiência de liquidez nas contas do devedor, a referida disposição não permite considerar que o imposto sobre o valor acrescentado só se torna exigível no momento do recebimento efetivo da remuneração.

 

3)

O artigo 168.o, alínea a), da Diretiva 2006/112, conforme alterada pela Diretiva 2008/117,

deve ser interpretado no sentido de que:

para estabelecer a existência de uma relação direta e imediata entre, por um lado, uma determinada operação a montante e, por outro, operações a jusante com direito à dedução, importa determinar o conteúdo objetivo dessas operações, o que implica tomar em consideração todas as circunstâncias em que decorreram as mesmas operações, a saber, nomeadamente, a utilização efetiva dos bens e dos serviços adquiridos pelo sujeito passivo a montante, bem como a causa exclusiva dessa aquisição, não constituindo o aumento do volume de negócios ou do volume das operações tributadas elementos pertinentes a este respeito.

 

4)

O princípio geral do direito da União do respeito pelos direitos de defesa

deve ser interpretado no sentido de que:

no âmbito de um procedimento administrativo de reclamação contra um aviso de liquidação do imposto sobre o valor acrescentado, quando a autoridade competente adote uma decisão baseada em elementos de facto e de direito novos, relativamente aos quais o interessado não pôde tomar posição, anular a decisão adotada no termo desse procedimento, se, caso essa irregularidade não tivesse existido, o referido processo tivesse conduzido a um resultado diferente, mesmo que a pedido do interessado, tenha havido uma suspensão da execução desse aviso de liquidação paralelamente ao recurso judicial interposto dessa decisão.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: romeno.