ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

13 de junho de 2024 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política comum em matéria de asilo e de proteção subsidiária — Diretiva 2011/95/UE — Artigo 12.o — Exclusão do estatuto de refugiado — Pessoa registada na Agência das Nações Unidas de Assistência (aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente) (UNRWA) — Condições para que essa pessoa possa invocar ipso facto a Diretiva 2011/95/UE — Cessação da proteção ou da assistência da UNRWA — Artigo 4.o — Situação geral existente num setor da zona de operações da UNRWA — Apreciação individual dos elementos pertinentes — Diretiva 2013/32/UE — Artigo 40.o — Pedido subsequente de proteção internacional — Elementos novos — Elementos já examinados na decisão final relativa ao pedido anterior»

No processo C‑563/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia, Bulgária), por Decisão de 9 de agosto de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de agosto de 2022, no processo

SN,

LN,

contra

Zamestnik‑predsedatel na Darzhavna agentsia za bezhantsite,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, O. Spineanu‑Matei, J.‑C. Bonichot, S. Rodin e L. S. Rossi (relatora), juízes,

advogado‑geral: N. Emiliou,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo Búlgaro, por T. Mitova, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por A. Azéma, J. Hottiaux e I. Zaloguin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 11 de janeiro de 2024,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9), do artigo 40.o da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60), e do artigo 19.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe SN e LN ao Zamestnik‑predsedatel na Darzhavna agentsia za bezhantsite (vice‑presidente da Agência Nacional para os Refugiados, Bulgária), a respeito do indeferimento por este último do pedido de SN e de LN de obtenção do estatuto de refugiado ou, na sua falta, do benefício da proteção subsidiária.

Quadro jurídico

Direito internacional

Convenção de Genebra

3

A Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra em 28 de julho de 1951 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.o 2545 (1954)], entrou em vigor em 22 de abril de 1954. Esta Convenção foi completada e alterada pelo Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967, que, por sua vez, entrou em vigor em 4 de outubro de 1967 (a seguir «Convenção de Genebra»).

4

O artigo 1.o, ponto D, da Convenção de Genebra enuncia:

«Esta Convenção não será aplicável às pessoas que atualmente beneficiam de proteção ou assistência da parte de um organismo ou instituição das Nações Unidas que não seja o Alto‑Comissário das Nações Unidas para os Refugiados [(a seguir «ACNUR»)].

Quando essa proteção ou assistência tiver cessado por qualquer razão, sem que a sorte dessas pessoas tenha sido definitivamente resolvida, em conformidade com as resoluções respetivas aprovadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas, essas pessoas beneficiarão de pleno direito do regime desta Convenção.»

UNRWA

5

A Resolução n.o 302 (IV) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 8 de dezembro de 1949, relativa à assistência aos refugiados da Palestina, criou a Agência das Nações Unidas de Assistência (aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente) (UNRWA) [United Nations Relief and Works Agency (for Palestine Refugees in the Near East)].

6

A zona de operações da UNRWA abrange cinco setores, a saber, a Faixa de Gaza, a Cisjordânia, a Jordânia, o Líbano e a Síria.

7

Nos termos da Resolução n.o 74/83 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 13 de dezembro de 2019, relativa à ajuda aos refugiados da Palestina:

«A Assembleia Geral,

[…]

Saudando o papel indispensável da [UNRWA] que, desde a sua criação há mais de 65 anos, melhora o destino dos refugiados da Palestina, prestando para o efeito assistência educativa, sanitária e social, bem como serviços de socorro e prosseguindo a sua ação em matéria de ordenamento dos campos, de microfinanciamento, de proteção e de ajuda de emergência,

[…]

Tomando igualmente conhecimento do relatório do Comissário Geral, de 31 de maio de 2019, apresentado nos termos do ponto 57 do relatório do Secretário‑Geral, e que se manifesta preocupada com a grave crise financeira que a [UNRWA] atravessa, que compromete fortemente a sua capacidade de continuar a fornecer programas essenciais aos refugiados da Palestina em todas as zonas de operações,

[…]

Manifestando grande preocupação com a situação particularmente difícil dos refugiados palestinianos sob ocupação, nomeadamente no que diz respeito à sua segurança, bem‑estar e condições de vida socioeconómicas,

Manifestando grande preocupação, em particular, com a grave situação humanitária e as condições socioeconómicas dos refugiados palestinianos na Faixa de Gaza, e sublinhando a importância da assistência humanitária e de emergência e dos esforços urgentes de reconstrução,

[…]

1. Lamenta que nem o repatriamento nem a indemnização dos refugiados, previstos no n.o 11 da [Resolução 194 (III) da Assembleia‑Geral das Nações Unidas, de 11 de dezembro de 1948, sobre os princípios para alcançar uma solução definitiva e o regresso dos refugiados palestinianos às suas casas], tenham ainda ocorrido, pelo que a situação dos refugiados da Palestina continua a ser motivo de grave preocupação e que estes continuam a necessitar de ajuda para suprir as suas necessidades básicas em matéria de saúde, educação e subsistência;

[…]

3. Sublinha a necessidade de prosseguir a obra da [UNRWA], bem como a importância das suas operações, que devem ser levadas a cabo sem entraves, e dos seus serviços, incluindo o auxílio urgente, para o bem‑estar e o desenvolvimento humano dos refugiados da Palestina e a estabilidade da região, na expectativa da resolução equitativa da questão dos refugiados da Palestina;

4. Apela a todos os doadores para que continuem a intensificar os seus esforços no sentido de satisfazer as necessidades previstas da [UNRWA], nomeadamente no que diz respeito ao aumento das despesas e das necessidades decorrentes dos conflitos e da instabilidade na região, bem como da grave situação socioeconómica e humana, em particular no Território Palestiniano Ocupado, assim como as necessidades mencionadas nos recentes apelos e planos de emergência, recuperação e reconstrução para a Faixa de Gaza para efeitos de ajuda de emergência, de recuperação e de reconstrução, bem como nos planos regionais criados para fazer face à situação dos refugiados da Palestina na República Árabe Síria e dos que fugiram para outros países da região;

[…]

7. Decide prorrogar o mandato da [UNRWA] até 30 de junho de 2023, sem prejuízo do disposto no n.o 11 da [Resolução 194 (III) da Assembleia‑Geral das Nações Unidas, de 11 de dezembro de 1948, sobre os princípios para alcançar uma solução definitiva e o regresso dos refugiados palestinianos às suas casas].»

8

Através da Resolução n.o 77/123 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 12 de dezembro de 2022, relativa à ajuda aos refugiados da Palestina, o mandato da UNRWA foi prorrogado até 30 de junho de 2026.

9

Tendo em conta a missão que lhe é atribuída, a UNRWA deve ser considerada um organismo das Nações Unidas, diferente do ACNUR, que oferece proteção ou assistência, na aceção do artigo 1.o, ponto D, da Convenção de Genebra.

Direito da União

Diretiva 2011/95

10

O considerando 18 da Diretiva 2011/95 enuncia:

«O “interesse superior da criança” deverá ser uma das principais preocupações a ter em consideração pelos Estados‑Membros na aplicação da presente diretiva, em conformidade com a Convenção das Nações Unidas de 1989 sobre os Direitos da Criança. Ao avaliarem o interesse superior da criança, os Estados‑Membros deverão ter devidamente em conta, em particular, o princípio da unidade familiar, o bem‑estar e o desenvolvimento social do menor, questões de segurança e as opiniões do menor em função da sua idade e grau de maturidade.»

11

O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

d)

“Refugiado”, o nacional de um país terceiro que, receando com razão ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a um determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país, ou o apátrida que, estando fora do país em que tinha a sua residência habitual, pelas mesmas razões que as acima mencionadas, não possa ou, em virtude do referido receio, a ele não queira voltar, e aos quais não se aplique o artigo 12.o;

[…]»

12

O artigo 4.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Apreciação dos factos e circunstâncias», prevê:

«1.   Os Estados‑Membros podem considerar que incumbe ao requerente apresentar o mais rapidamente possível todos os elementos necessários para justificar o pedido de proteção internacional. Incumbe ao Estado‑Membro apreciar, em cooperação com o requerente, os elementos pertinentes do pedido.

2.   Os elementos mencionados no n.o 1 consistem nas declarações do requerente e em toda a documentação de que o requerente disponha sobre a sua idade, história pessoal, incluindo a dos familiares pertinentes, identidade, nacionalidade(s), país(es) e local(is) de residência anteriores, pedidos de asilo anteriores, itinerários, documentos de viagem e os motivos pelos quais solicita proteção internacional.

3.   A apreciação do pedido de proteção internacional deve ser efetuada a título individual e ter em conta:

a)

Todos os factos pertinentes respeitantes ao país de origem à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e a forma como estas são aplicadas;

b)

As declarações e a documentação pertinentes apresentadas pelo requerente, incluindo informações sobre se o requerente sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave;

[…]»

13

O artigo 12.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Exclusão», tem a seguinte redação:

«1.   O nacional de um país terceiro ou o apátrida é excluído da qualidade de refugiado se:

a)

Estiver abrangido pelo âmbito do ponto D do artigo 1.o da Convenção de Genebra, relativo à proteção ou assistência de órgãos ou agências das Nações Unidas, com exceção do [ACNUR]. Quando essa proteção ou assistência tiver cessado por qualquer razão sem que a situação da pessoa em causa tenha sido definitivamente resolvida em conformidade com as resoluções aplicáveis da Assembleia Geral das Nações Unidas, essa pessoa terá direito ipso facto a beneficiar do disposto na presente diretiva;

b)

As autoridades competentes do país em que tiver estabelecido a sua residência considerarem que tem os direitos e os deveres de quem possui a nacionalidade desse país, ou direitos e deveres equivalentes.

2.   O nacional de um país terceiro ou o apátrida é excluído da qualidade de refugiado quando existam suspeitas graves de que:

a)

Praticou crimes contra a paz, crimes de guerra ou crimes contra a humanidade, nos termos dos instrumentos internacionais que estabelecem disposições relativas a estes crimes;

b)

Praticou um crime grave de direito comum fora do país de refúgio antes de ter sido admitido como refugiado, ou seja, antes da data em que foi emitida uma autorização de residência com base na concessão do estatuto de refugiado; podem ser classificados como crimes de direito comum graves os atos particularmente cruéis ou desumanos, mesmo que praticados com objetivos alegadamente políticos;

c)

Praticou atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas enunciados no preâmbulo e nos artigos 1.o e 2.o da Carta das Nações Unidas.

3.   O n.o 2 aplica‑se às pessoas que tenham instigado ou participado de outra forma na prática dos crimes ou atos nele referidos.»

14

O artigo 15.o da Diretiva 2011/95, sob a epígrafe «Ofensas graves», prevê:

«São ofensas graves:

a)

A pena de morte ou a execução; ou

b)

A tortura ou a pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem; ou

c)

A ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física de um civil, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno.»

15

O artigo 20.o dessa diretiva, sob a epígrafe «Normas gerais», dispõe, no seu n.o 3:

«Ao aplicar o presente capítulo, os Estados‑Membros devem ter em conta a situação específica das pessoas vulneráveis, designadamente os menores, os menores não acompanhados, os deficientes, os idosos, as grávidas, as famílias monoparentais com filhos menores, as vítimas de tráfico humano, as pessoas com distúrbios mentais e as pessoas que tenham sido sujeitas a atos de tortura, violação ou outras formas graves de violência psicológica, física ou sexual.»

16

O artigo 21.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Proteção contra a repulsão», prevê, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros devem respeitar o princípio da não repulsão, de acordo com as suas obrigações internacionais.»

Diretiva 2013/32

17

O artigo 2.o da Diretiva 2013/32, sob a epígrafe «Definições», prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

e)

“Decisão definitiva”, a decisão que determina se o estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária pode ser concedido ao nacional de país terceiro ou apátrida, nos termos da Diretiva [2011/95], e que já não é passível de recurso no âmbito do Capítulo V da presente diretiva, independentemente de esse recurso permitir aos requerentes permanecer nos Estados‑Membros em causa na pendência da respetiva conclusão;

[…]

q)

“Pedido subsequente”, um pedido de proteção internacional apresentado após ter sido proferida uma decisão definitiva sobre um pedido anterior, incluindo os casos em que o requerente tenha retirado expressamente o seu pedido e aqueles em que o órgão de decisão tenha indeferido um pedido na sequência da sua retirada implícita nos termos do artigo 28.o, n.o 1.»

18

O capítulo II dessa diretiva, sob a epígrafe «Princípios e garantias fundamentais», inclui os seus artigos 6.o a 30.o O artigo 10.o dessa diretiva, sob a epígrafe «Condições aplicáveis à apreciação dos pedidos», contém um n.o 3 que tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros asseguram que as decisões sobre os pedidos de proteção internacional sejam proferidas pelo órgão de decisão após apreciação adequada. Para o efeito, os Estados‑Membros asseguram que:

a)

Os pedidos sejam apreciados e as decisões proferidas de forma individual, objetiva e imparcial;

b)

Sejam obtidas informações precisas e atualizadas junto de várias fontes, tal como o [Gabinete Europeu de apoio em Matéria de Asilo (EASO)], o ACNUR e organizações internacionais de direitos humanos pertinentes, sobre a situação geral nos países de origem dos requerentes e, sempre que necessário, nos países por onde estes tenham transitado, e que tais informações sejam transmitidas aos agentes responsáveis pela apreciação dos pedidos e pela pronúncia de decisões;

[…]»

19

O artigo 33.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Inadmissibilidade dos pedidos», dispõe, no seu n.o 2, alínea d):

«Os Estados‑Membros podem considerar não admissível um pedido de proteção internacional apenas quando:

[…]

d)

O pedido for um pedido subsequente, em que não surgiram nem foram apresentados pelo requerente novos elementos ou dados relacionados com a análise do cumprimento das condições para o requerente beneficiar da proteção internacional nos termos da Diretiva [2011/95]».

20

O artigo 40.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Pedidos subsequentes», dispõe:

«1.   Quando uma pessoa que pediu proteção internacional num Estado‑Membro apresentar declarações suplementares ou um pedido subsequente no mesmo Estado‑Membro, este último deve analisar essas declarações suplementares ou os elementos do pedido subsequente no âmbito da apreciação do pedido anterior ou da análise da decisão objeto de revisão ou recurso, na medida em que as autoridades competentes possam ter em conta e analisar todos os elementos subjacentes às declarações suplementares ou ao pedido subsequente nesse âmbito.

2.   Para efeitos de uma decisão acerca da admissibilidade de um pedido de proteção internacional nos termos do artigo 33.o, n.o 2, alínea d), um pedido de proteção internacional subsequente será primeiramente sujeito a uma apreciação preliminar para determinar se surgiram ou foram apresentados pelo requerente novos elementos ou provas relacionados com a análise do preenchimento das condições para o requerente beneficiar da proteção internacional nos termos da Diretiva [2011/95].

3.   Caso a apreciação preliminar referida no n.o 2 conclua que surgiram ou foram apresentados pelo requerente novos elementos ou factos que aumentem consideravelmente a probabilidade de o requerente poder beneficiar da proteção internacional nos termos da Diretiva [2011/95], a apreciação do pedido prossegue de acordo com o capítulo II. Os Estados‑Membros podem também prever outras razões para um pedido subsequente ser novamente apreciado.

[…]»

21

O artigo 46.o da Diretiva 2013/32, sob a epígrafe «Direito a um recurso efetivo», prevê, no seu n.o 3:

«Para dar cumprimento ao n.o 1, os Estados‑Membros asseguram que um recurso efetivo inclua a análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito, incluindo, se aplicável, uma apreciação das necessidades de proteção internacional na aceção da Diretiva [2011/95], pelo menos no recurso perante um órgão jurisdicional de primeira instância.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

22

SN e a sua filha menor, LN, ambas apátridas de origem palestiniana, deixaram a cidade de Gaza em julho de 2018, tendo depois permanecido, primeiro, no Egito durante 45 dias, em seguida, na Turquia durante 7 meses, antes de se deslocarem ilegalmente para a Bulgária, passando pela Grécia, acompanhados por KN, marido de SN e pai de LN.

23

Em 22 de março de 2019, SN e LN apresentaram um primeiro pedido de proteção internacional às autoridades búlgaras. Este pedido baseava‑se na situação incerta na Faixa de Gaza, na falta de condições de vida dignas e na situação de guerra quase permanente, devido quer aos disparos provenientes de Israel quer aos conflitos existentes entre o Fatah e o Hamas. Era também indicado que a vida de KN estava ameaçada pelos bombardeamentos incessantes no seu local de trabalho, que SN não podia considerar ter mais filhos nesse ambiente e que a sua casa, situada perto de um posto de polícia do Hamas, estava ameaçada pelos disparos regulares de mísseis provenientes de Israel.

24

Nesse primeiro pedido, SN e LN não tinham indicado que estavam registadas na UNRWA.

25

Por Decisão de 5 de julho de 2019, o presidente da Darzhavna agentsia za bezhantsite (Agência Nacional para os Refugiados, Bulgária) (a seguir «DAB») indeferiu esse pedido com o fundamento, antes de mais, de que SN e LN não tinham sido obrigadas a abandonar a Faixa de Gaza devido a um risco real de tortura, tratamento desumano ou degradante, pena de morte ou de execução ou outras ofensas graves e que não corriam esse risco em caso de regresso à Faixa de Gaza; em seguida, de que a situação na Faixa de Gaza não podia ser equiparada à de um conflito armado como o que estava em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 17 de fevereiro de 2009, Elgafaji (C‑465/07, EU:C:2009:94) e, por último, de que SN e LN podiam estabelecer‑se no primeiro país seguro, a saber, o Egito, ou mesmo a Turquia, e que, na realidade, só se deslocaram à Bulgária na esperança de uma melhor vida económica.

26

Após o esgotamento das vias de recurso internas, essa decisão tornou‑se definitiva.

27

Em 21 de agosto de 2020, SN e LN apresentaram um segundo pedido de proteção internacional. No âmbito deste pedido, SN e LN apresentaram uma carta do ACNUR, de 18 de agosto de 2020, que certifica o seu registo na UNRWA e invocaram o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95 para beneficiar ipso facto do estatuto de refugiado.

28

Em apoio do referido pedido, SN e LN apresentaram diversos documentos que demonstravam as condições críticas em que a UNRWA operava na Faixa de Gaza, em especial desde a suspensão, em 2018, dos financiamentos anuais por parte dos Estados Unidos da América, que conduziu à diminuição da ajuda que a sua família inicialmente recebia, tornando‑a insuficiente para lhes assegurar condições de vida dignas. Nestas circunstâncias, SN e LN declararam que se devia considerar que a proteção ou a assistência da UNRWA cessou a seu respeito.

29

Para explicar a sua partida da Faixa de Gaza e a sua incapacidade de regressar, SN invocou a degradação da situação de segurança na região, a interrupção do pagamento do seu salário, a falta de trabalho e a elevada taxa de desemprego, o agravamento da situação ligada à pandemia de COVID‑19, a introdução de um recolher obrigatório, o encerramento das escolas e a proibição imposta pelo Hamas aos habitantes de abandonarem a sua casa, as tensões regulares entre o Hamas e Israel, bem como a circunstância de a casa em que vivia, situada perto de um posto de polícia do Hamas, estar ameaçada pelos disparos regulares de mísseis provenientes de Israel. Além disso, num ataque em 2014, o telhado dessa casa foi atingido e SN e LN mudaram‑se para a casa do avô paterno de SN e viveram aí durante cerca de dois anos, antes de voltarem para a referida casa. Além disso, os pais de SN mudaram‑se para a Suécia em 2008 e a sua intenção era juntar‑se a eles.

30

Por Decisão de 28 de agosto de 2020, a DAB considerou que esse pedido subsequente de proteção internacional era admissível, uma vez que a apresentação da prova do registo de SN na UNRWA devia ser considerada uma nova circunstância essencial relativa à sua situação pessoal e ao seu país de origem.

31

Por Decisão de 14 de maio de 2021, o vice‑presidente da DAB indeferiu, contudo, o referido pedido subsequente com o fundamento, nomeadamente, de que, no âmbito desse pedido, a apreciação se limita à existência, à pertinência e à procedência de qualquer elemento novo relativo à situação pessoal do requerente ou à situação do país de origem. Ora, antes de mais, o registo na UNRWA não constitui uma nova circunstância pertinente para a situação pessoal de SN e de LN, uma vez que estas já beneficiaram da assistência da UNRWA e decidiram renunciar à mesma abandonando voluntariamente a zona de operações desse organismo. Em seguida, não há nenhuma razão para crer que não beneficiariam de novo dessa assistência em caso de regresso a essa zona. Por último, as alegações relativas à situação geral na Faixa de Gaza não permitiram demonstrar um elemento pessoal de perseguição ou de ameaça de morte pertinente para a concessão do estatuto de refugiado. Com efeito, SN não foi forçada a abandonar o seu país de origem e também não alegou ter sido objeto de medidas discriminatórias ou de outras medidas desfavoráveis que originassem um risco de perseguição.

32

SN e LN interpuseram recurso dessa decisão no Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia, Bulgária), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

33

Em apoio do seu recurso, alegam, primeiro, que KN tinha sido convocado, em 26 de março de 2018, pela polícia do Hamas, devido à sua participação em manifestações pacíficas contra o Hamas. Ora, essa convocatória expôs KN ao risco de ser torturado ou mesmo morto, o que obrigou KN e a sua família a abandonar a zona de operações da UNRWA. Segundo, os serviços essenciais e as operações humanitárias efetuadas pela UNRWA estão alegadamente ameaçados por repetidos défices financeiros. Neste contexto, a família de SN recebeu apenas uma ajuda mínima, constituída unicamente por produtos alimentares. Terceiro, SN alega uma impossibilidade objetiva de regresso à Faixa de Gaza devido às restrições impostas por Israel. Quarto, importa ter em conta o interesse superior da criança LN. Quinto, alegaram que, uma vez que 80 % dos habitantes de Gaza dependem da ajuda humanitária, a sua transferência para a Faixa de Gaza os colocaria em condições de extrema privação material, em violação do artigo 4.o da Carta.

34

O vice‑presidente da DAB reiterou que a assistência de que SN e LN beneficiaram não cessou por razões independentes da sua vontade, tendo estas renunciado voluntariamente ao abandonar a zona de operações da UNRWA.

35

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio considera que as razões pelas quais SN e LN deixaram a Faixa de Gaza, que é um dos setores da zona de operações da UNRWA, são determinantes para apreciar se a sua situação está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95.

36

Em primeiro lugar, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre os elementos que podem, em conformidade com o artigo 40.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, ser tomados em consideração no âmbito da apreciação do mérito de um pedido subsequente. A este respeito, salienta que SN e LN invocaram, em apoio do seu pedido subsequente, o seu registo na UNRWA e alegaram que as circunstâncias já invocadas em apoio do seu pedido anterior permitiam concluir que a proteção ou a assistência da UNRWA tinha cessado a seu respeito, na aceção do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95.

37

Por um lado, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 33.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2013/32, segundo o qual são inadmissíveis os pedidos subsequentes que não se baseiem em elementos novos, obsta à tomada em consideração das razões pelas quais SN e LN deixaram a Faixa de Gaza.

38

Por outro lado, esse órgão jurisdicional considera que, para poder analisar essas razões, à luz do elemento novo, constituído pela prova do registo de SN e de LN na UNRWA, é necessário interpretar a exigência, imposta pelo referido artigo 40.o, n.o 1, segundo a qual o Estado‑Membro analisa o pedido subsequente no âmbito da apreciação do pedido anterior ou da «decisão objeto de revisão ou recurso» referida nesta disposição.

39

Em segundo lugar, no que respeita à interpretação do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que SN e LN não alegaram um risco de perseguição, mas pedem que seja apreciada a situação geral na Faixa de Gaza como motivo de partida e de impossibilidade de regresso à zona de operações da UNWRA, situação que permite concluir que a proteção ou a assistência da UNRWA cessou por razões independentes da sua vontade.

40

Neste contexto, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se o regresso de SN e LN à Faixa de Gaza não as colocaria numa situação de privação material extrema, na aceção do Acórdão de 19 de março de 2019, Jawo (C‑163/17, EU:C:2019:218), ou seja, numa situação que não lhes permitiria fazer face às suas necessidades mais elementares, como, nomeadamente, a alimentação, a higiene pessoal e o alojamento, e que prejudicaria a sua saúde física ou mental ou as colocaria num estado de degradação incompatível com a dignidade humana. Considera que também se deve ter em conta a situação geral na Faixa de Gaza à luz do artigo 19.o da Carta, que aplica o princípio da não repulsão e proíbe os tratamentos desumanos e degradantes.

41

Nestas condições, o Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Resulta do artigo 40.o, n.o 1, da Diretiva [2013/32] que, em caso de admissão para apreciação de um pedido de proteção internacional subsequente apresentado por um requerente apátrida de origem palestiniana, com base no seu registo junto da UNRWA, a obrigação das autoridades competentes, prevista nessa disposição, de terem em conta e analisarem todos os elementos subjacentes ao pedido subsequente também abrange, atendendo às circunstâncias do processo, a obrigação de análise dos motivos pelos quais a pessoa abandonou a zona de operações da UNRWA, além dos novos elementos ou circunstâncias que são objeto do pedido subsequente, quando essa obrigação é interpretada em conjugação com o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95? O cumprimento da referida obrigação depende do facto de os motivos pelos quais a pessoa abandonou a zona de operações da UNRWA já terem sido analisados no âmbito do processo relativo ao primeiro pedido de proteção [internacional] que terminou com um despacho de indeferimento transitado em julgado, mas no qual o requerente nem invocou nem provou o seu registo junto da UNRWA?

2)

Resulta do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95 que a expressão “Quando essa proteção ou assistência tiver cessado por qualquer razão”, constante dessa disposição, é aplicável a um apátrida de origem palestiniana que se tenha registado junto da UNRWA e que tenha recebido da UNRWA, na cidade de Gaza, ajuda alimentar e ajuda em matéria de serviços de saúde e de educação, sem que houvesse indícios de ameaça pessoal àquela pessoa, que abandonou a cidade de Gaza voluntaria e legalmente, atendendo às seguintes informações existentes no processo:

avaliação da situação geral na data da saída como uma crise humanitária inédita, devido à escassez de alimentos, de água potável, de serviços de saúde, de medicamentos e a problemas de abastecimento de água e de eletricidade, à destruição de edifícios e de infraestruturas, ao desemprego

dificuldades da UNRWA de continuar a garantir em Gaza a prestação de apoio e de serviços, também sob a forma de alimentos e serviços de saúde, devido a um défice considerável do orçamento da UNRWA e ao número crescente de pessoas que dependem do apoio da Agência das Nações Unidas de Assistência, [e o facto de] a situação geral em Gaza comprometer a atividade da UNRWA?

A resposta a esta questão será diferente pelo simples facto de o requerente ser uma pessoa vulnerável na aceção do artigo 20.o, n.o 3, desta diretiva, concretamente, um menor?

3)

Deve o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95 ser interpretado no sentido de que um requerente de proteção internacional que seja um refugiado palestiniano registado na UNRWA pode regressar à zona de operações da UNRWA por ele abandonada, mais concretamente à cidade de Gaza, se, na data da audiência de julgamento relativa ao seu recurso contra um despacho de indeferimento

não houver informações seguras de que esta pessoa pudesse beneficiar do apoio da UNRWA no que diz respeito a alimentação, serviços de saúde, medicamentos, cuidados de saúde e educação,

as informações sobre a situação geral na cidade de Gaza e sobre a UNRWA, constantes da posição do ACNUR relativa ao regresso à Faixa de Gaza, de março de 2022, tiverem sido classificadas como motivos para a saída da zona de operações da UNRWA e para o não regresso, incluindo o facto de o requerente, em caso de regresso, aí poder viver em condições de vida dignas?

A situação pessoal de um requerente de proteção internacional, tendo em conta a situação na Faixa de Gaza na data referida e na medida em que a pessoa depende do apoio da UNRWA no que diz respeito a alimentação, serviços de saúde, medicamentos e cuidados de saúde, tendo em conta a aplicação e a garantia do princípio da não repulsão consagrado no artigo 21.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, em conjugação com o artigo 19.o da Carta, no que diz respeito a este requerente, é abrangida pelo âmbito de aplicação da interpretação, constante do n.o 4 do dispositivo do Acórdão de 19 de março de 2019, Jawo (C‑163/17, EU:C:2019:218), do conceito de situação de privação material extrema, nos termos do artigo 4.o da [Carta]?

Deve a questão relativa ao regresso à cidade de Gaza, com base nas informações sobre a situação geral nesta cidade e sobre a UNRWA, obter uma resposta diferente pelo simples facto de a pessoa que pede proteção ser um menor, tendo em conta a salvaguarda do superior interesse do menor e a garantia do seu bem‑estar e do seu desenvolvimento social, da sua proteção e segurança?

4)

Em função da resposta à terceira questão prejudicial:

Deve o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95, em especial a expressão nele constante “essa pessoa terá direito ipso facto a beneficiar do disposto na presente diretiva”, ser, no presente caso, interpretado no sentido de que:

Em relação a uma pessoa que requeira proteção e que seja um apátrida palestiniano registado junto da UNRWA, o princípio da não repulsão consagrado no artigo 21.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, em conjugação com o artigo 19.o, n.o 1, da Carta é aplicável porque a pessoa, em caso de regresso à cidade de Gaza, corre o risco de ser sujeita a tratamento desumano e degradante, uma vez que poderia ficar numa situação de privação material extrema e ser abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 15.o, [alínea b)], da Diretiva 2011/95, para efeitos de concessão de proteção subsidiária,

ou

pressupõe esta disposição, relativamente a uma pessoa que requer proteção e que é um palestiniano apátrida registado junto da UNRWA, o reconhecimento do estatuto de refugiado na aceção do artigo 2.o, alínea [d)], desta Diretiva pelo Estado‑Membro e a concessão ipso facto do estatuto de refugiado a esta pessoa, se a mesma não for abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 12.o, n.o 1, alínea b), ou n.os 2 e 3, [da referida] Diretiva, em conformidade com o n.o 2 do dispositivo do Acórdão de 19 de dezembro de 2012, El Kott e o. (C‑364/11, EU:C:2012:826), sem que as circunstâncias relevantes para a concessão de proteção subsidiária ao abrigo do artigo 15.o, [alínea b)], da Diretiva 2011/95 sejam tidas em conta em relação a esta pessoa?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

42

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 40.o da Diretiva 2013/32, em conjugação com o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95, deve ser interpretado no sentido de que a autoridade que decide do mérito de um pedido subsequente de proteção internacional é obrigada a analisar os elementos de facto apresentados em apoio desse pedido, incluindo quando esses factos já tenham sido apreciados pela autoridade que indeferiu definitivamente um primeiro pedido de proteção internacional.

43

Para responder a esta questão, importa recordar, em primeiro lugar, que, em conformidade com o artigo 2.o, alíneas e) e q), da Diretiva 2013/32, um pedido subsequente é um novo pedido de proteção internacional apresentado após ter sido tomada uma decisão definitiva, ou seja, uma decisão que já não é suscetível de recurso no âmbito do capítulo V desta diretiva, sobre um pedido anterior.

44

Por conseguinte, um pedido subsequente constitui, enquanto tal, um pedido de proteção internacional, e isto, como o advogado‑geral sublinha, em substância, no n.o 45 das suas conclusões, independentemente do fundamento jurídico com base no qual esse pedido subsequente é apresentado.

45

No caso em apreço, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que o primeiro pedido de proteção internacional apresentado por SN e por LN foi indeferido com o fundamento de que os elementos apresentados em apoio desse pedido não permitiam demonstrar que SN e LN tinham abandonado a Faixa de Gaza por receio de serem perseguidos, na aceção do artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 2011/95.

46

Só depois de a decisão tomada sobre este primeiro pedido se ter tornado definitiva é que SN e LN apresentaram o seu novo pedido de proteção internacional, o qual deve, por conseguinte, ser considerado um pedido subsequente, na aceção do artigo 2.o, alínea q), da Diretiva 2013/32.

47

Em segundo lugar, o pedido subsequente de SN e LN foi julgado admissível por Decisão de 28 de agosto de 2020, uma vez que o elemento novo em que esta se baseava era relativo à prova do registo desses apátridas de origem palestiniana na UNRWA.

48

Em terceiro lugar, quando estiverem preenchidas as condições de admissibilidade de um pedido subsequente, esse pedido deve ser apreciado quanto ao mérito, como especifica o artigo 40.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, em conformidade com o capítulo II desta diretiva, que contém os princípios de base e as garantias fundamentais aplicáveis aos pedidos de proteção internacional [Acórdão de 8 de fevereiro de 2024, Bundesrepublik Deutschland (Admissibilidade de um pedido subsequente), C‑216/22, EU:C:2024:122, n.o 33 e jurisprudência referida].

49

Por conseguinte, o artigo 40.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 não faz nenhuma distinção entre um primeiro pedido de proteção internacional e um pedido subsequente à luz da natureza dos elementos ou factos suscetíveis de demonstrar que o requerente preenche as condições para beneficiar do estatuto de proteção internacional ao abrigo da Diretiva 2011/95. A apreciação dos factos e das circunstâncias apresentados em apoio desses pedidos deve, em ambos os casos, ser realizada em conformidade com o artigo 4.o da Diretiva 2011/95 [v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2021, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Novos elementos ou provas), C‑921/19, EU:C:2021:478, n.o 40].

50

Este artigo 4.o define, no seu n.o 2, os elementos necessários em apoio de um pedido de proteção internacional, que consiste «nas declarações do requerente e em toda a documentação de que o requerente disponha sobre a sua idade, história pessoal, incluindo a dos familiares pertinentes, identidade, nacionalidade(s), país(es) e local(is) de residência anteriores, pedidos de asilo anteriores, itinerários, documentos de viagem e os motivos pelos quais solicita proteção internacional».

51

O artigo 4.o, n.o 3, alíneas a) e b), da Diretiva 2011/95 impõe, por seu turno, uma apreciação do pedido a título individual, tendo em conta, nomeadamente, todos os factos pertinentes respeitantes ao país de origem à data da decisão sobre o pedido e a documentação pertinente apresentada pelo requerente, incluindo informações sobre se o requerente sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave.

52

Além disso, como o advogado‑geral sublinha, em substância, no n.o 55 das suas conclusões, o artigo 10.o da Diretiva 2013/32, que faz parte precisamente do seu capítulo II, prevê, no seu n.o 3, alínea a), que os pedidos de proteção internacional sejam apreciados de forma individual, objetiva e imparcial.

53

Daqui resulta que a autoridade que decide do mérito de um pedido subsequente não se pode limitar a apreciar apenas os novos elementos ou provas apresentados em apoio da sua admissibilidade, mas deve ter em conta todos os elementos apresentados pelo requerente em apoio do referido pedido subsequente, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95 [Acórdão de 10 de junho de 2021, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Novos elementos ou provas), C‑921/19, EU:C:2021:478, n.o 44].

54

A circunstância de um elemento em apoio de um pedido subsequente já ter sido apreciado no âmbito da análise de um pedido anterior de proteção internacional que deu origem a uma decisão de recusa que se tornou definitiva não obsta a que a autoridade que decide sobre o pedido subsequente reexamine esse elemento, à luz das circunstâncias evidenciadas pelos novos elementos ou provas que permitiram considerar esse pedido admissível, com vista a pronunciar‑se sobre o mérito deste último pedido.

55

Com efeito, é apenas na fase da apreciação da admissibilidade do pedido subsequente que a autoridade nacional competente se deve limitar a verificar, por um lado, se existem, em apoio desse pedido, elementos ou provas que não foram apreciados no âmbito da decisão proferida sobre o pedido anterior que é agora definitiva e, por outro, se esses elementos ou provas novos aumentam consideravelmente a probabilidade de o requerente obter o estatuto de beneficiário da proteção internacional [v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2021, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Novos elementos ou provas), C‑921/19, EU:C:2021:478, n.o 50]. De resto, mesmo quando se examina a admissibilidade de um pedido subsequente, esses novos elementos ou provas não podem ser apreciados de forma totalmente independente do contexto em que esses novos elementos ou provas intervêm, incluindo quando esse contexto não foi alterado desde o indeferimento definitivo do pedido anterior.

56

Esta interpretação impõe‑se ainda mais quando o elemento novo apresentado em apoio do pedido subsequente não constitui uma simples circunstância factual, mas é suscetível de desencadear a aplicação de uma norma jurídica diferente daquela com base na qual a autoridade competente decidiu sobre o pedido anterior, como o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/95, que diz respeito aos casos de cessação da proteção ou da assistência da UNRWA. Em tal situação, os elementos já examinados durante o procedimento anterior devem ser reavaliados à luz das características desta nova base jurídica.

57

Por último, tendo em conta as dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio a este respeito, importa sublinhar que a referida interpretação não é de modo algum posta em causa pelo artigo 40.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32. Como a Comissão Europeia salienta, dado que se aplica aos pedidos subsequentes, esta disposição abrange a situação muito específica em que o direito nacional permite, a título excecional, a reabertura do processo após o indeferimento definitivo de um pedido anterior devido à existência de um pedido subsequente.

58

Atendendo ao que precede, há que responder à primeira questão que o artigo 40.o da Diretiva 2013/32, lido em conjugação com o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95, deve ser interpretado no sentido de que a autoridade que decide do mérito de um pedido subsequente de proteção internacional está obrigada a analisar os elementos de facto apresentados em apoio desse pedido, incluindo quando esses factos já tenham sido apreciados pela autoridade que indeferiu definitivamente um primeiro pedido de proteção internacional.

Quanto às questões segunda e terceira

59

Com as segunda e terceira questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que a proteção ou a assistência da UNRWA, de que beneficia um requerente de proteção internacional, apátrida de origem palestiniana, cessou, na aceção desta disposição, quando este organismo não puder, por qualquer razão, incluindo a situação geral no setor da zona de operações do referido organismo no qual esse apátrida tinha a sua residência habitual, assegurar ao referido apátrida, tendo em conta, se for caso disso, o seu estado de vulnerabilidade, condições de vida dignas, em conformidade com a sua missão, sem que este seja obrigado a demonstrar que é especificamente visado por essa situação geral devido a elementos específicos relativos à sua situação pessoal. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta em que momento se deve efetuar a apreciação da questão de saber se se deve considerar que a proteção ou a assistência da UNRWA cessou. Além disso, este órgão jurisdicional pergunta se a circunstância de o mesmo apátrida ser um filho menor é pertinente para efeitos dessa apreciação.

60

A título preliminar, importa salientar que, nos termos do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), primeiro período, da Diretiva 2011/95, o nacional de um país terceiro ou o apátrida é excluído da qualidade de refugiado se «[e]stiver abrangido pelo âmbito do ponto D do artigo 1.o da Convenção de Genebra, relativo à proteção ou assistência por parte de órgãos ou agências das Nações Unidas, com exceção do [ANUR]».

61

O artigo 1.o, ponto D, primeiro parágrafo, da Convenção de Genebra dispõe que esta não é aplicável às pessoas que «atualmente beneficiam» de proteção ou assistência «da parte de um organismo ou instituição das Nações Unidas que não seja o [ACR]».

62

Concretamente, qualquer pessoa, como SN ou LN, que esteja registada na UNRWA, pode beneficiar da proteção e da assistência desse organismo com o objetivo de servir o seu bem‑estar como refugiada [Acórdão de 5 de outubro de 2023, OFPRA (Estatuto de refugiado de um apátrida de origem palestiniana), C‑294/22, EU:C:2023:733, n.o 29 e jurisprudência referida].

63

Devido a este estatuto específico de refugiado instituído nos referidos territórios do Próximo Oriente para os Palestinianos, as pessoas registadas na UNRWA estão, em princípio, ao abrigo do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), primeiro período, da Diretiva 2011/95, que corresponde ao artigo 1.o, ponto D, primeiro parágrafo, da Convenção de Genebra, excluídas do estatuto de refugiado na União Europeia [Acórdão de 5 de outubro de 2023, Bundesrepublik Deutschland (Estatuto de refugiado de um apátrida de origem palestiniana), C‑294/22, EU:C:2023:733, n.o 30 e jurisprudência referida].

64

Todavia, decorre do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95, que corresponde ao artigo 1.o, ponto D, segundo parágrafo, da Convenção de Genebra, que, se a proteção ou a assistência da UNRWA cessar por qualquer razão, sem que a situação das referidas pessoas tenha sido definitivamente resolvida em conformidade com as resoluções pertinentes da Assembleia Geral das Nações Unidas, essas pessoas terão direito ipso facto a beneficiar do disposto na Diretiva 2011/95 [Acórdão de 5 de outubro de 2023, OFPRA (Estatuto de refugiado de um apátrida de origem palestiniana), C‑294/22, EU:C:2023:733, n.o 31 e jurisprudência referida].

65

Ora, é facto assente que a situação dos beneficiários da proteção ou da assistência prestada pela UNRWA não foi definitivamente resolvida até hoje, como resulta, nomeadamente, das sucessivas resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas.

66

À luz destes esclarecimentos preliminares, importa, em primeiro lugar, sublinhar que o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95 corresponde, em substância, ao artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida (JO 2004, L 304, p. 12), de modo que a jurisprudência relativa a esta segunda disposição é pertinente para interpretar a primeira disposição [Acórdão de 5 de outubro de 2023, OFPRA (Estatuto de refugiado de um apátrida de origem palestiniana), C‑294/22, EU:C:2023:733, n.o 33 e jurisprudência referida].

67

A este respeito, o Tribunal de Justiça já especificou que a mera partida da pessoa em causa da zona de operações da UNRWA, independentemente do motivo dessa partida, não pode pôr termo à exclusão do estatuto de refugiado prevista no artigo 12.o, n.o 1, alínea a), primeiro período, desta diretiva e que, por conseguinte, a simples ausência dessa zona ou a decisão voluntária de a abandonar não pode ser qualificada de cessação da proteção ou da assistência da UNRWA, na aceção do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da referida diretiva [Acórdão de 5 de outubro de 2023, OFPRA (Estatuto de refugiado de um apátrida de origem palestiniana), C‑294/22, EU:C:2023:733, n.o 34 e jurisprudência referida].

68

O Tribunal de Justiça declarou, todavia, que a cessação da proteção ou da assistência fornecida por um organismo ou por uma instituição, como a UNRWA, pode resultar não apenas da própria supressão desse organismo ou dessa instituição mas também da impossibilidade de o referido organismo ou instituição cumprir a sua missão [Acórdão de 5 de outubro de 2023, OFPRA (Estatuto de refugiado de um apátrida de origem palestiniana), C‑294/22, EU:C:2023:733, n.o 35 e jurisprudência referida].

69

Assim, quando a decisão de deixar a zona de operações da UNRWA é motivada por contingências independentes da vontade da pessoa em causa, tal situação pode levar a concluir que a assistência de que essa pessoa beneficiava cessou no sentido do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95 [Acórdão de 5 de outubro de 2023, OFPRA (Estatuto de refugiado de um apátrida de origem palestiniana), C‑294/22, EU:C:2023:733, n.o 36 e jurisprudência referida].

70

Esta interpretação é conforme com o objetivo dessa disposição, que visa nomeadamente assegurar a continuidade da proteção dos refugiados da Palestina, enquanto tais, através de uma proteção ou de uma assistência efetiva e não apenas garantindo a existência de um organismo ou de uma instituição encarregada de prestar essa assistência ou proteção, até que a sua situação tenha sido definitivamente resolvida em conformidade com as resoluções pertinentes da Assembleia Geral das Nações Unidas [Acórdão de 5 de outubro de 2023, OFPRA (Estatuto de refugiado de um apátrida de origem palestiniana), C‑294/22, EU:C:2023:733, n.o 37 e jurisprudência referida].

71

Por conseguinte, o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95 é aplicável quando se verificar, com base numa apreciação individual de todos os elementos pertinentes, que o apátrida de origem palestiniana em causa se encontra num estado pessoal de insegurança grave e que a UNRWA, cuja assistência foi solicitada pelo interessado, se encontra, por qualquer razão, impossibilitada de lhe assegurar condições de vida conformes com a sua missão, pelo que esse apátrida, por motivos que escapam ao seu controlo e que são independentes da sua vontade, se vê forçado a deixar a zona de operações da UNRWA [Acórdãos de 25 de julho de 2018, Alheto, C‑585/16, EU:C:2018:584, n.o 86; de 3 de março de 2022, Secretary of State for the Home Department (Estatuto de refugiado de um apátrida de origem palestiniana), C‑349/20, EU:C:2022:151, n.o 50; e de 5 de outubro de 2023, OFPRA (Estatuto de refugiado de um apátrida de origem palestiniana), C‑294/22, EU:C:2023:733, n.os 38 e 44].

72

A este respeito, importa precisar, por um lado, que a condição relativa ao estado pessoal de insegurança grave do requerente implica que este requerente deve ser pessoalmente confrontado com uma insegurança grave no setor da zona de operações da UNRWA em causa, sem contudo exigir que esse estado de insegurança pessoal grave tenha características específicas próprias do requerente ou seja causado pela sua situação particular. No que respeita à impossibilidade de a UNRWA assegurar ao requerente condições de vida conformes à sua missão, é esse o caso quando o organismo se encontra, por qualquer razão, incluindo a situação geral existente nesse setor, impossibilitado de assegurar ao requerente condições de vida dignas e com um mínimo de segurança [v., neste sentido, Acórdão de 13 de janeiro de 2021, Bundesrepublik Deutschland (Estatuto de refugiado de um apátrida de origem palestiniana) (C‑507/19, EU:C:2021:3, n.o 54).

73

Além disso, a apreciação individual dessas condições pressupõe que seja tida devidamente em conta a situação específica do requerente e o seu grau de vulnerabilidade (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2020, Addis, C‑517/17, EU:C:2020:579, n.o 54). A este respeito, deve ser dada especial atenção a qualquer elemento que permita considerar que o apátrida de origem palestiniana em causa tem necessidades essenciais específicas ligadas a uma situação de vulnerabilidade e, nomeadamente, à eventual circunstância de esse apátrida ser menor de idade, devendo então o interesse superior dessa criança ser tido em conta, em conformidade com o artigo 24.o, n.o 2, da Carta. Para este efeito, a autoridade nacional competente deve, como resulta, designadamente, do considerando 18 da Diretiva 2011/95, ter devidamente em conta, em particular, o princípio da unidade familiar, o bem‑estar e o desenvolvimento social do menor, bem como considerações relativas à sua proteção e à sua segurança.

74

Além disso, o facto de a proteção ou a assistência da UNRWA se situar a um nível inferior àquela de que o apátrida de origem palestiniana poderia beneficiar se o estatuto de refugiado lhe fosse concedido num Estado‑Membro não basta para considerar que foi obrigado a deixar a zona de operações da UNRWA ou que não pode aí regressar [v., neste sentido, Acórdão de 5 de outubro de 2023, OFPRA (Estatuto de refugiado de um apátrida de origem palestiniana), C‑294/22, EU:C:2023:733, n.o 45].

75

Em segundo lugar, como o advogado‑geral salienta no n.o 63 das suas conclusões, cabe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais competentes verificar não apenas se a saída da zona de operações da UNRWA daqueles que são requerentes do estatuto de refugiado na aceção do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95 se pode justificar por motivos que escapam ao seu controlo e que são independentes da sua vontade, que os impedem, assim, de beneficiar da proteção ou da assistência concedida pela UNRWA, mas também se essas pessoas, no momento em que as autoridades administrativas competentes analisam um pedido de concessão do estatuto de refugiado ou no momento em que o órgão jurisdicional competente decide do recurso de uma decisão de recusa de concessão desse estatuto, estão impedidas de beneficiar dessa proteção ou dessa assistência devido à situação degradada na zona de operações em causa por motivos alheios ao seu controlo e independentes da sua vontade [v., neste sentido, Acórdão de 3 de março de 2022, Secretary of State for the Home Department (Estatuto de refugiado de um apátrida de origem palestiniana), C‑349/20, EU:C:2022:151, n.os 57 e 58].

76

Com efeito, por um lado, a questão de saber se a proteção ou a assistência da UNRWA cessou em relação ao apátrida de origem palestiniana deve ser apreciada pela autoridade administrativa competente com base numa apreciação individual de todos os elementos pertinentes, em conformidade com o artigo 4.o da Diretiva 2011/95. Ora, resulta do artigo 4.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva 2011/95 que, para decidir sobre um pedido de proteção internacional, há que tomar em consideração todos os factos pertinentes respeitantes ao país de origem «à data da decisão sobre o pedido». Por outro lado, por força do artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, os Estados‑Membros são obrigados a adaptar o seu direito nacional de modo que o tratamento dos recursos previstos nesta disposição inclua uma análise «exaustiva e ex nunc», o que pressupõe que o órgão jurisdicional competente tenha em conta, nomeadamente, todos os elementos que permitam proceder a uma apreciação atualizada do caso em apreço [v., neste sentido, Acórdão de 3 de março de 2022, Secretary of State for the Home Department (Estatuto de refugiado de um apátrida de origem palestiniana), C‑349/20, EU:C:2022:151, n.os 54, 55 e 61].

77

A este respeito, importa ainda salientar que o artigo 10.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2013/32 impõe aos Estados‑Membros que assegurem que sejam obtidas informações precisas e atualizadas junto de diferentes fontes, tal como a Agência da União Europeia para o Asilo (EUAA), o ACNUR, e organizações internacionais de direitos humanos pertinentes, sobre a situação geral no país de origem dos requerentes ou, no caso de serem apátridas, no país em que tinham a sua residência habitual.

78

Resulta do exposto que um apátrida de origem palestiniana que pediu a assistência da UNRWA está abrangido pelo artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95 quando se verifique, com base numa avaliação individual e atualizada de todos os elementos pertinentes, que esse apátrida em causa se encontraria, se regressasse ao setor da zona de operações da UNRWA em que tinha a sua residência habitual, num estado pessoal de insegurança grave, tendo em conta, se for caso disso, o seu estado de vulnerabilidade, e que a UNRWA se encontra, por qualquer razão, incluindo a situação geral existente nesse setor, na impossibilidade de assegurar ao referido apátrida condições de vida dignas e com um mínimo de segurança, no que respeita, se for caso disso, às necessidades específicas ligadas ao seu estado de vulnerabilidade.

79

Assim, deve considerar‑se que um apátrida de origem palestiniana não pode regressar ao setor da zona de operações da UNRWA no qual tinha a sua residência habitual se a impossibilidade, por qualquer razão, de beneficiar da proteção ou da assistência da UNRWA implicar que esse apátrida corra um risco real de ser exposto a condições de vida que não lhe assegurem que, em conformidade com a missão da UNRWA, seja capaz de prover às suas necessidades básicas em matéria de saúde, educação e subsistência, tendo em conta, se for caso disso, as suas necessidades básicas específicas devido à sua pertença a um grupo de pessoas que se caracteriza por um motivo de vulnerabilidade, como a idade.

80

Em terceiro lugar, visto que o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, no processo principal, SN e LN não invocaram razões relativas à sua situação individual para demonstrar que a proteção ou a assistência da UNRWA cessou a seu respeito, importa salientar, primeiro, que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio ter em conta não só os elementos invocados em apoio desse pedido mas também os elementos que a autoridade que decidiu indeferir esse pedido teve em conta ou poderia ter tido em conta, bem como os elementos surgidos após essa decisão, atendendo à obrigação que esta autoridade tinha, por força do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, de cooperar ativamente com o requerente para completar e determinar os elementos pertinentes do seu pedido [v., neste sentido, Acórdãos de 25 de julho de 2018, Alheto, C‑585/16, EU:C:2018:584, n.o 113, e de 3 de março de 2022, Secretary of State for the Home Department (Estatuto de refugiado de um apátrida de origem palestiniana), C‑349/20, EU:C:2022:151, n.o 64].

81

Segundo, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha ainda que a situação geral em Gaza afeta efetivamente a capacidade da UNRWA de prestar assistência e proteção efetiva aos apátridas de origem palestiniana que se encontram nesse setor. Neste contexto, refere‑se, nomeadamente, à Resolução do Parlamento Europeu, de 19 de abril de 2018, sobre a situação na Faixa de Gaza (JO 2019, C 390, p. 108), da qual resulta que a situação na Faixa de Gaza «que resultou na deterioração da crise humanitária sem precedentes que afeta a região» e ao documento, intitulado «[t]omada de posição do ACNUR sobre os regressos a Gaza», de março de 2022, no qual o ACNUR indica que a deterioração da situação geral na referida cidade é um fator a ter em conta na apreciação dos pedidos de proteção internacional. Em especial, tendo em conta indícios de graves violações e de abusos dos direitos humanos internacionalmente reconhecidos e do direito humanitário, bem como da instabilidade persistente no referido setor, o ACNUR convidou os Estados a autorizar todos os civis que fogem da Faixa de Gaza a entrarem nos seus territórios e a respeitarem o princípio da não repulsão. O ACNUR sublinha expressamente que a situação nesta zona pode constituir uma razão objetiva para que os refugiados palestinianos a abandonem, razão pela qual se deve considerar que a proteção ou a assistência da UNRWA a estes refugiados cessou.

82

Desde então, como o advogado‑geral salienta, em substância, nomeadamente no n.o 64 das suas conclusões, tanto as condições de vida na Faixa de Gaza como a capacidade da UNRWA para cumprir a sua missão sofreram uma degradação sem precedentes devido às consequências dos acontecimentos de 7 de outubro de 2023.

83

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, à luz, designadamente, das informações referidas no n.o 77 do presente acórdão, se a UNRWA não pode, por qualquer razão, incluindo a situação geral existente na Faixa de Gaza, assegurar a nenhum apátrida de origem palestiniana, que tenha reclamado a sua assistência e que permaneça nesse setor, a possibilidade de aí residir em condições de vida dignas e com um mínimo de segurança.

84

Seria esse o caso, designadamente, se, no setor em causa da zona de operações da UNRWA, qualquer apátrida de origem palestiniana se encontrasse, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais, numa situação de privação material extrema, que não lhe permitisse fazer face às suas necessidades mais básicas, como, nomeadamente, alimentar‑se, lavar‑se e ter alojamento, e que atentasse contra a sua saúde física ou mental ou o colocasse num estado de degradação incompatível com a dignidade humana, na aceção do artigo 4.o da Carta (v., a este respeito, Acórdão de 19 de março de 2019, Jawo, C‑163/17, EU:C:2019:218, n.o 92).

85

Por último, se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que, tendo em conta as condições gerais de vida existentes na Faixa de Gaza no momento em que decide, se deve considerar que a proteção ou a assistência da UNRWA neste setor da sua zona de operações cessou em relação a SN ou a LN, cabe‑lhe ainda prosseguir o seu exame individual dos seus pedidos para examinar se SN ou LN estão abrangidas por um dos motivos de exclusão enunciados no artigo 12.o, n.o 1, alínea b), e n.os 2 e 3, da Diretiva 2011/95.

86

Se assim não fosse, o estatuto de refugiado deveria ser concedido de pleno direito a esses apátridas de origem palestiniana (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Abed El Karem El Kott e o., C‑364/11, EU:C:2012:826, n.o 81).

87

Atendendo ao que precede, importa responder às questões segunda e terceira que o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que a proteção ou a assistência da UNRWA, de que beneficia um requerente de proteção internacional, apátrida de origem palestiniana, cessou, na aceção desta disposição, quando, por um lado, este organismo não puder, por qualquer razão, incluindo devido à situação geral existente no setor da zona de operações do referido organismo no qual esse apátrida tinha a sua residência habitual, assegurar ao referido apátrida, tendo em conta, se for caso disso, o seu estado de vulnerabilidade, condições de vida dignas, em conformidade com a sua missão, sem que este esteja obrigado a demonstrar que está especificamente abrangido por essa situação geral devido a elementos específicos relativos à sua situação pessoal, e, por outro, esse mesmo apátrida se encontrar, em caso de regresso a esse setor, num estado de insegurança grave, tendo em conta, se for caso disso, o seu estado de vulnerabilidade, devendo as autoridades administrativas e judiciais proceder a uma apreciação individual de cada pedido de proteção internacional com base nesta disposição, em cujo âmbito a idade da pessoa em causa pode ser relevante. Deve considerar‑se que a assistência ou a proteção da UNRWA cessou em relação ao requerente quando, por qualquer razão, esse organismo já não possa assegurar a nenhum apátrida de origem palestiniana, que permaneça no setor da zona de operações desse organismo onde esse requerente tinha a sua residência habitual, condições de vida dignas ou condições mínimas de segurança. A questão de saber se se deve considerar que a proteção ou a assistência da UNRWA cessou deve ser apreciada no momento em que o referido apátrida abandonou o setor da zona de operações da UNRWA no qual tinha a sua residência habitual, quando as autoridades administrativas competentes decidem sobre o seu pedido de proteção internacional ou ainda no momento em que o órgão jurisdicional competente decide sobre um recurso que tem por objeto a decisão de indeferimento desse pedido.

Quanto à quarta questão

88

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a expressão «essa pessoa terá direito ipso facto a beneficiar do disposto na presente diretiva», que figura no artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95, deve ser interpretada no sentido de que, por um lado, as pessoas em causa, caso devessem ser reenviadas para um dos setores da zona de operações da UNRWA e, nesse setor, estivessem expostas a um risco de tratamentos desumanos e degradantes, deveriam ser ipso facto consideradas abrangidas pela proibição de repulsão prevista no artigo 21.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, em conjugação com o artigo 19.o da Carta, bem como pelo âmbito de aplicação do artigo 15.o, alínea b), da Diretiva 2011/95, para efeitos de concessão de proteção subsidiária, ou que, por outro, essas pessoas deveriam, ipso facto, beneficiar do estatuto de refugiado sem que sejam tidas em conta as suas circunstâncias, relevantes para a concessão da proteção subsidiária.

89

Uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio não expôs, no seu pedido, as razões pelas quais solicita a interpretação dessas disposições do direito da União e o nexo que estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio que lhe foi submetido (Acórdão de 14 de setembro de 2023, Vinal, C‑820/21, EU:C:2023:667, n.o 98 e jurisprudência referida), há que declarar que a quarta questão é inadmissível.

Quanto às despesas

90

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O artigo 40.o da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional, lido em conjugação com o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida,

deve ser interpretado no sentido de que:

a autoridade que decide do mérito de um pedido subsequente de proteção internacional está obrigada a analisar os elementos de facto apresentados em apoio desse pedido, incluindo quando esses factos já tenham sido apreciados pela autoridade que indeferiu definitivamente um primeiro pedido de proteção internacional.

 

2)

O artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95

deve ser interpretado no sentido de que:

se deve considerar que a proteção ou a assistência da Agência das Nações Unidas de Assistência (aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente) (UNRWA), de que beneficia um requerente de proteção internacional, apátrida de origem palestiniana, cessou, na aceção desta disposição, quando, por um lado, este organismo não puder, por qualquer razão, incluindo devido à situação geral existente no setor da zona de operações do referido organismo no qual esse apátrida tinha a sua residência habitual, assegurar ao referido apátrida, tendo em conta, se for caso disso, o seu estado de vulnerabilidade, condições de vida dignas, em conformidade com a sua missão, sem que este esteja obrigado a demonstrar que está especificamente abrangido por essa situação geral devido a elementos específicos relativos à sua situação pessoal, e, por outro, esse mesmo apátrida se encontrar, em caso de regresso a esse setor, num estado de insegurança grave, tendo em conta, se for caso disso, o seu estado de vulnerabilidade, devendo as autoridades administrativas e judiciais proceder a uma apreciação individual de cada pedido de proteção internacional com base nesta disposição, em cujo âmbito a idade da pessoa em causa pode ser relevante. Deve considerar‑se que a assistência ou a proteção da UNRWA cessou em relação ao requerente quando, por qualquer razão, esse organismo já não possa assegurar a nenhum apátrida de origem palestiniana, que permaneça no setor da zona de operações desse organismo onde esse requerente tinha a sua residência habitual, condições de vida dignas ou condições mínimas de segurança. A questão de saber se se deve considerar que a proteção ou a assistência da UNRWA cessou deve ser apreciada no momento em que o referido apátrida abandonou o setor da zona de operações da UNRWA no qual tinha a sua residência habitual, quando as autoridades administrativas competentes decidem sobre o seu pedido de proteção internacional ou ainda no momento em que o órgão jurisdicional competente decide sobre um recurso que tem por objeto a decisão de indeferimento desse pedido.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: búlgaro.