ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)
7 de março de 2024 ( *1 )
«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Ação de indemnização — Responsabilidade extracontratual da União Europeia — Comportamento pretensamente ilegal do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) — Comunicado de imprensa do OLAF — Proteção das pessoas singulares relativamente ao tratamento dos dados pessoais pelas instituições, pelos órgãos e pelos organismos da União — Regulamento (UE) 2018/1725 — Artigo 3.o, ponto 1 — Conceito de “dados pessoais” e de “pessoa singular identificável” — Inquéritos efetuados pelo OLAF — Regulamento (UE, Euratom) n.o 883/2013 — Presunção de inocência — Direito a uma boa administração»
No processo C‑479/22 P,
que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 14 de julho de 2022,
OC, representada por I. Ktenidis, dikigoros,
recorrente,
sendo a outra parte no processo:
Comissão Europeia, representada por T. Adamopoulos e J. Baquero Cruz, F. Blanc Simonetti e A. Bouchagiar, na qualidade de agentes,
demandada em primeira instância,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),
composto por: T. von Danwitz (relator), presidente de secção, P. G. Xuereb e A. Kumin, juízes,
advogado‑geral: N. Emiliou,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 |
Por meio do seu recurso, OC pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 4 de maio de 2022, OC/Comissão (T‑384/20, a seguir acórdão recorrido, EU:T:2022:273), que julgou improcedente a ação intentada ao abrigo do artigo 268.o TFUE e destinada a obter reparação do prejuízo que alegadamente sofreu em virtude do comunicado de imprensa n.o 13/2020 do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), de 5 de maio de 2020, sob a epígrafe «Um inquérito realizado pelo OLAF revela fraude no financiamento da investigação na Grécia» (OLAF investigation uncovers research funding fraud in Greece) (a seguir «comunicado de imprensa controvertido»), na medida em que este procedeu a um tratamento ilícito dos seus dados pessoais e difundiu informações falsas a seu respeito. |
I. Quadro jurídico
A. Regulamento (UE, Euratom) n.o 883/2013
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O artigo 5.o do Regulamento (UE, Euratom) n.o 883/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de setembro de 2013, relativo aos inquéritos efetuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (Euratom) n.o 1074/1999 do Conselho (JO 2013, L 248, p. 1), sob a epígrafe «Abertura dos inquéritos», prevê, no seu n.o 1: «O Diretor‑Geral pode abrir um inquérito quando existam suspeitas suficientes, que também podem ter como base informações facultadas por terceiros ou informações anónimas, da existência de fraude ou corrupção ou de quaisquer outros atos ilegais lesivos dos interesses financeiros da União [Europeia]. A decisão do Diretor‑Geral de abrir ou não um inquérito tem em conta as prioridades da política de inquérito e o plano anual de gestão do [OLAF], fixado nos termos do artigo 17.o, n.o 5. Essa decisão tem igualmente em conta a necessidade da utilização eficaz dos recursos do [OLAF] e da proporcionalidade dos meios utilizados. No que se refere aos inquéritos internos, é tida em conta especificamente a instituição, órgão, organismo ou agência mais bem colocados para os realizar, com base, em especial, na natureza dos factos, no impacto financeiro, efetivo ou potencial, do caso e na probabilidade de seguimento judicial.» |
3 |
O artigo 9.o deste regulamento, sob a epígrafe «Garantias processuais», enuncia, no seu n.o 1: «Nos inquéritos, o [OLAF] procura reunir provas de acusação e de defesa da pessoa em causa. Os inquéritos são realizados de forma objetiva e imparcial, no respeito do princípio da presunção de inocência e das garantias processuais previstas no presente artigo.» |
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O artigo 10.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Confidencialidade e proteção dos dados», dispõe: «1. As informações transmitidas ou obtidas no âmbito dos inquéritos externos, seja qual for a sua forma, ficam protegidas pelas disposições relevantes. 2. As informações transmitidas ou obtidas no âmbito de inquéritos internos, seja qual for a sua forma, são abrangidas pelo segredo profissional e beneficiam da proteção concedida pelas regras aplicáveis às instituições da União. […] 5. O Diretor‑Geral assegura que as informações fornecidas ao público sejam prestadas de forma neutra e imparcial, e que a sua divulgação respeite a confidencialidade dos inquéritos e os princípios estabelecidos no presente artigo e no artigo 9.o, n.o 1. […]» |
5 |
O artigo 11.o do Regulamento n.o 883/2013, sob a epígrafe «Relatório de inquérito e medidas a tomar na sequência dos inquéritos», prevê, no seu n.o 1: «No termo de qualquer inquérito realizado pelo Organismo, é elaborado um relatório, sob a autoridade do Diretor‑Geral. O relatório indica a base jurídica do inquérito e descreve as etapas processuais, os factos comprovados e a sua qualificação jurídica preliminar, o impacto financeiro estimado dos factos comprovados, o respeito das garantias processuais nos termos do artigo 9.o e as conclusões do inquérito. O relatório é acompanhado de recomendações do Diretor‑Geral sobre se lhe deve ou não ser dado seguimento. As referidas recomendações indicam, se for caso disso, as medidas disciplinares, administrativas, financeiras e/ou judiciais a tomar pelas instituições, órgãos, organismos e agências e pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros em causa, e especificam, em particular, os montantes estimados a recuperar e a qualificação jurídica preliminar dos factos comprovados.» |
B. RGPD
6 |
O artigo 2.o do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) (JO 2016, L 119, p. 1, a seguir «RGPD»), sob a epígrafe «Âmbito de aplicação material», dispõe, no seu n.o 3: «O Regulamento (CE) n.o 45/2001 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2000, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas instituições e pelos órgãos comunitários e à livre circulação desses dados (JO 2001, L 8, p. 1),] aplica‑se ao tratamento de dados pessoais pelas instituições, órgãos, organismos ou agências da União. O Regulamento (CE) n.o 45/2001, bem como outros atos jurídicos da União aplicáveis ao tratamento de dados pessoais, são adaptados aos princípios e regras do presente regulamento nos termos previstos no artigo 98.o» |
7 |
O artigo 4.o do RGPD, sob a epígrafe «Definições», tem a seguinte redação: «Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:
[…]» |
8 |
O artigo 98.o do RGPD, sob a epígrafe «Revisão de outros atos jurídicos da União em matéria de proteção de dados», prevê: «Se necessário, a Comissão [Europeia] apresenta propostas legislativas com vista à alteração de outros atos jurídicos da União sobre a proteção dos dados pessoais, a fim de assegurar uma proteção uniforme e coerente das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento. Tal incide nomeadamente sobre as normas relativas à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento pelas instituições, órgãos, organismos e agências da União e a livre circulação desses dados.» |
C. Regulamento (UE) 2018/1725
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Os considerandos 4, 5 e 16 do Regulamento (UE) 2018/1725 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2018, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas instituições e pelos órgãos e organismos da União e à livre circulação desses dados, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 45/2001 e a Decisão n.o 1247/2002/CE (JO 2018, L 295, p. 39), tem a seguinte redação:
[…]
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10 |
O artigo 2.o do Regulamento 2018/1725, sob a epígrafe «Âmbito», enuncia, no seu n.o 1, que este regulamento «[se aplica] ao tratamento de dados pessoais por todas as instituições e todos os órgãos da União». |
11 |
O artigo 3.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Definições», dispõe: «Para efeitos do presente regulamento, aplicam‑se as seguintes definições:
[…]
[…]» |
12 |
Os artigos 4.o e 5.o do Regulamento 2018/1725 enunciam, respetivamente, os princípios relativos ao tratamento de dados pessoais e as condições para a licitude do tratamento. O artigo 6.o deste regulamento fixa os elementos que o responsável pelo tratamento deve ter em conta a fim de verificar se o tratamento para finalidades diferentes daquelas para as quais os dados pessoais foram inicialmente recolhidos é compatível com esta última finalidade. Por último, o artigo 15.o do referido regulamento estabelece a lista das informações a prestar caso os dados pessoais sejam recolhidos junto do titular dos dados. |
II. Antecedentes do litígio
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Os antecedentes do litígio, que constam dos n.os 1 a 8 do acórdão recorrido, podem, para efeitos do presente processo, ser resumidos da seguinte forma. |
14 |
A recorrente, de nacionalidade grega, é investigadora universitária nos domínios das aplicações na nanotecnologia, do armazenamento de energia e da biomedicina. |
15 |
Em 2007, apresentou ao Conselho Europeu de Investigação uma proposta de investigação relativa a um projeto intitulado «Estudo da transição do micro para o nano: fundamentos, simulações e aplicações teóricas e experimentais» (a seguir «projeto»). |
16 |
Em 30 de setembro de 2008, a Comissão das Comunidades Europeias e a Aristoteleio Panepistimio Thessalonikis (Universidade Aristóteles de Tessalónica, Grécia) (a seguir «Universidade Aristóteles») celebraram a Convenção de Subvenção n.o 211166 (a seguir «convenção»), relativa ao projeto. A Universidade Aristóteles foi designada instituição de acolhimento do projeto. Em 15 de julho de 2009, entrou em vigor um aditamento a esta convenção, nos termos do qual a Comissão foi substituída pela Agência Executiva do Conselho Europeu de Investigação (ERCEA), na qualidade de cocontratante desta universidade. |
17 |
A convenção previa um montante máximo de 1128400 euros de subvenção para a realização do projeto, que foi concedido à Universidade Aristóteles como beneficiária principal, à recorrente como investigadora principal, bem como a outra instituição de investigação situada na Grécia, que foi substituída em 25 de fevereiro de 2012 por outra instituição de investigação situada na Alemanha. O projeto foi realizado num laboratório desta universidade que era dirigido pelo pai da recorrente. |
18 |
Tendo o projeto terminado em 30 de setembro de 2013, a Universidade Aristóteles declarou à ERCEA despesas no montante total de 1116189,21 euros, incluindo despesas de pessoal no montante de 255219,37 euros, bem como um montante de 15020,54 euros a título de despesas de deslocação. Pediu o pagamento deste montante ao abrigo da convenção. |
19 |
Após uma auditoria financeira ex post, a ERCEA concluiu que não eram elegíveis despesas de pessoal no montante de 245525,43 euros e decidiu exigir à Universidade Aristóteles o reembolso desse montante, emitindo uma nota de débito para esse efeito. A Universidade Aristóteles contestou a validade desta nota de débito no Tribunal Geral. Por Acórdão de 17 de janeiro de 2019, Aristoteleio Panepistimio Thessalonikis/ERCEA (T‑348/16 OP, EU:T:2019:14), o Tribunal Geral declarou que o crédito constante da nota de débito da ERCEA, destinado a que esta universidade reembolsasse o montante de 245525,43 euros, era desprovido de fundamento no montante de 233611,75 euros, correspondente às despesas elegíveis. Este acórdão foi posteriormente confirmado pelo Tribunal de Justiça, em sede de recurso, no Acórdão de 14 de janeiro de 2021, ERCEA/Aristoteleio Panepistimio Thessalonikis (C‑280/19 P, EU:C:2021:23). |
20 |
Tendo a ERCEA informado também o OLAF dos resultados da sua auditoria, o diretor‑geral do OLAF decidiu, em 29 de maio de 2015, em conformidade com o artigo 5.o do Regulamento n.o 883/2013, abrir um inquérito relativo a eventuais irregularidades ou a uma eventual fraude no âmbito da execução do projeto. |
21 |
No seu relatório final relativo ao seu inquérito, de 11 de novembro de 2019, o OLAF expôs várias constatações. Com base nestas constatações, recomendou, por um lado, à ERCEA que tomasse as medidas adequadas para recuperar os montantes considerados indevidos junto da Universidade Aristóteles. Por outro lado, transmitiu esse relatório às autoridades judiciárias nacionais e recomendou‑lhes que instaurassem procedimentos por fraude, bem como por falsificação de documentos e utilização de documentos falsos contra a recorrente, o seu pai e alguns membros do pessoal desta universidade. |
22 |
Em 5 de maio de 2020, o OLAF publicou no seu sítio Internet o comunicado de imprensa controvertido. Este comunicado, que referia o inquérito mencionado nos n.os 20 e 21 do presente acórdão, tinha a seguinte redação: «A proteção do orçamento da União previsto para a investigação revestiu sempre uma importância especial para o [OLAF]. Os investigadores do [OLAF] detetaram uma fraude complexa que envolvia uma cientista grega e a sua rede de investigadores internacionais. O processo diz respeito a uma subvenção de cerca de 1,1 milhões de euros concedida pela [ERCEA] a uma universidade grega. Estes fundos destinavam‑se ao financiamento de um projeto de investigação realizado sob a responsabilidade de uma jovem cientista promissora, cujo pai trabalhava na universidade em questão. O projeto incluía uma rede de mais de 40 investigadores de todo o mundo sob a direção da cientista grega. O OLAF começou a ter suspeitas quando descobriu a forma como os investigadores internacionais eram pretensamente pagos. Eram emitidos cheques em nome de investigadores individuais, mas eram, em seguida, depositados em contas bancárias com vários titulares. As suspeitas multiplicaram‑se quando se verificou que os cheques eram depositados nas contas bancárias pela cientista‑chefe. A equipa dos investigadores do OLAF decidiu então proceder a uma inspeção in loco na universidade em questão. Apesar das tentativas da investigadora principal de obstrução do inquérito, graças à ajuda das autoridades policiais nacionais gregas, que deram acesso às contas bancárias, e graças às investigações forenses digitais do próprio OLAF, este pôde reconstituir a verdadeira história por detrás da fraude. Foram encontradas provas concretas que demonstram que a cientista principal tinha aberto as contas bancárias utilizadas para o “pagamento” dos investigadores internacionais e se tinha constituído cotitular dessas contas para ter acesso aos fundos. O OLAF seguiu o rasto financeiro e conseguiu provar que tinham sido retirados montantes significativos em numerário pela cientista ou transferidos para a sua conta pessoal. O OLAF contactou alguns investigadores que pretensamente participaram no projeto de investigação. Nenhum deles sabia que o seu nome estava ligado ao projeto nem tinha conhecimento das contas bancárias abertas em seu nome ou de qualquer pagamento a seu favor. […] O inquérito foi concluído em novembro do ano passado, com recomendações que convidam, por um lado, a ERCEA a recuperar cerca de 190000 euros (ou seja, a parte da subvenção de 1,1 milhões de euros pretensamente paga aos investigadores internacionais) e, por outro, as autoridades nacionais a instaurarem processos judiciais contra as pessoas envolvidas.» |
III. Recurso para o Tribunal Geral e acórdão recorrido
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Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de junho de 2020, a recorrente intentou uma ação nos termos do artigo 268.o TFUE, destinada a obter a condenação da Comissão na reparação do prejuízo moral que pretensamente lhe causou o comunicado de imprensa controvertido. |
24 |
Em apoio da sua ação, a recorrente alegou que, ao publicar o comunicado de imprensa controvertido, o OLAF violou de forma flagrante as disposições do Regulamento 2018/1725 relativas à proteção dos dados pessoais, o princípio da presunção de inocência previsto no artigo 48.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e no artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2013, a obrigação de respeitar a confidencialidade dos inquéritos, prevista no artigo 10.o, n.o 5, deste último regulamento, o direito a uma boa administração, previsto no artigo 41.o da Carta, e o princípio da proporcionalidade. |
25 |
No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou improcedentes todas as acusações da recorrente contra o OLAF e julgou improcedente, na íntegra, a ação por ela intentada. |
IV. Pedidos das partes
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Por meio do seu recurso, a recorrente conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:
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27 |
A Comissão conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:
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V. Quanto ao recurso
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A recorrente invoca três fundamentos de recurso relativos, o primeiro, a uma interpretação errada do conceito de «pessoa singular […] identificável», na aceção do artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2018/1725, o segundo, a uma interpretação errada do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2013 e do artigo 48.o, n.o 1, da Carta, em conjugação com o artigo 6.o, n.o 2, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), no que respeita ao alcance da presunção de inocência, e, o terceiro, a uma desvirtuação dos elementos de prova relativos à violação do artigo 41.o da Carta relativo ao direito a uma boa administração. |
A. Quanto ao primeiro fundamento
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Por meio do primeiro fundamento de recurso, que está dividido em quatro partes, a recorrente alega que o Tribunal Geral violou o direito da União ao concluir, nos n.os 91 e 92 do acórdão recorrido, que não tinha demonstrado que o comunicado de imprensa controvertido tinha permitido, por si só, mas também com o auxílio de meios que apresentem uma probabilidade razoável de ser utilizados por um leitor, identificar a recorrente, pelo que as informações contidas nesse comunicado não estavam abrangidas pelo conceito de «dados pessoais», na aceção do artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2018/1725, e que esse regulamento não era aplicável. |
1. Quanto às partes primeira e segunda do primeiro fundamento
a) Argumentos das partes
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Por meio das partes primeira e segunda do primeiro fundamento, que importa examinar em conjunto, a recorrente acusa o Tribunal Geral de ter aplicado critérios jurídicos errados para interpretar o conceito de «pessoa singular […] identificável», que figura no artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2018/1725. |
31 |
Quanto à primeira parte, sustenta que o Tribunal Geral, no n.o 49 do acórdão recorrido, cometeu um erro de direito ao declarar que a sua identificação devia decorrer do comunicado de imprensa controvertido e não podia resultar de elementos externos ou complementares que não estivessem abrangidos pelo comportamento imputado ao OLAF. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, é inerente ao conceito de «identificação indireta» que sejam necessários elementos suplementares para a identificação, podendo estes elementos estar à disposição de uma pessoa diferente do responsável pelo tratamento (v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2016, Breyer,C‑582/14, EU:C:2016:779, n.os 39 e 41). |
32 |
Assim, o Tribunal Geral considerou erradamente, no n.o 76 do acórdão recorrido, que uma pessoa singular a quem uma informação se refere só é «identificável», na aceção deste artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2018/1725, se a sua identidade puder ser estabelecida por um «leitor médio» que não disponha, ele próprio, de elementos suplementares que lhe permitam determinar a identidade da pessoa a quem a informação se refere. Pelo contrário, esta disposição visa qualquer pessoa diferente do responsável pelo tratamento que disponha de tais elementos. Por conseguinte, o Tribunal Geral, nos n.os 81, 82 e 87 do acórdão recorrido, recusou erradamente ter em conta a circunstância de o jornalista alemão referido no n.o 77 do acórdão recorrido a ter identificado como pessoa visada pelo comunicado de imprensa controvertido. O Tribunal Geral devia ter declarado que podia ser identificada por um leitor que dispusesse de elementos suplementares, à semelhança desse jornalista alemão, e que, em todos os casos, os identificadores que figuravam nesse comunicado de imprensa podiam conduzir à sua identificação pelos membros da sua família e pelos seus colegas que conheciam o seu percurso profissional, bem como o seu compromisso enquanto investigadora principal no projeto. |
33 |
Por meio da segunda parte do primeiro fundamento, a recorrente alega que o Tribunal Geral, nos n.os 65, 67 e 68 do acórdão recorrido, cometeu um erro de direito ao considerar que só os meios menores ou insignificantes, suscetíveis de demonstrar fácil e rapidamente a identidade da pessoa à qual a informação se refere, estão abrangidos pelo conceito de «meios que apresentem uma probabilidade razoável de ser utilizados» para identificar a pessoa à qual os dados pessoais se referem. Com efeito, o considerando 16 do Regulamento 2018/1725 enuncia unicamente que, para determinar se há uma probabilidade razoável de os meios serem utilizados para identificar uma pessoa, há que ter em conta o custo da identificação e o tempo necessário para a identificação, sem exigir que esses custos ou esse tempo sejam mínimos ou insignificantes. |
34 |
A Comissão pede que as partes primeira e segunda do primeiro fundamento sejam julgadas improcedentes. |
35 |
No que respeita à primeira parte, esta instituição alega que o Regulamento 2018/1725 adota o «risco de identificação» como critério de definição da possibilidade de identificação e se refere à necessidade de ter em conta «todos os fatores objetivos» para determinar esse risco. Assim, a simples possibilidade hipotética de distinguir uma pessoa não é suficiente para a considerar«identificável». Recordando que o recurso é limitado às questões de direito, a Comissão salienta que o Tribunal Geral examinou as alegações factuais da recorrente para determinar se podia ser identificada, direta ou indiretamente, sublinhando que cabia a esta fazer prova de que estavam preenchidos os requisitos da responsabilidade extracontratual da União, nos termos do artigo 340.o TFUE. Ora, o Tribunal Geral concluiu, no n.o 73 do acórdão recorrido, que a recorrente não tinha demonstrado que podia ser identificada com certeza por um leitor do comunicado de imprensa controvertido, graças a meios que apresentam uma probabilidade razoável de ser utilizados. |
36 |
Além disso, a Comissão explica que o Tribunal Geral concluiu, no n.o 58 do acórdão recorrido, que a recorrente não tinha demonstrado a existência de nenhum caso específico em que tivesse sido identificada pela simples leitura do comunicado de imprensa controvertido. Assim, a recorrente não pode validamente argumentar com o facto de que poderia ter sido identificada por membros da sua família ou por colegas. Além disso, como resulta dos n.os 73 e 78 a 81 do acórdão recorrido, ficou provado no Tribunal Geral que a única pessoa que determinou e revelou ao público a identidade da recorrente foi o jornalista alemão, mas que este já conhecia o seu percurso e o do seu pai e que este jornalista dispunha de um grande número de informações. Ora, em sede de recurso, não se pode contestar que o referido jornalista dispunha de «conhecimentos externos subjetivos» sobre a recorrente. |
37 |
Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, a Comissão sustenta que não resulta dos n.os 65 a 68 do acórdão recorrido que só os meios «menores ou insignificantes» correspondem à definição de «meios que apresentem uma probabilidade razoável de ser utilizados». Em especial, a argumentação da recorrente baseia‑se numa leitura errada e isolada da última frase do n.o 65 do acórdão recorrido, que deve ser lida em conjugação com o resto do conteúdo desse n.o 65 e com os n.os 61 a 68 desse acórdão, nos quais o Tribunal Geral examinou a argumentação da recorrente. O teste jurídico utilizado pelo Tribunal Geral teria incidido concretamente sobre a questão de saber se a recorrente era identificável no comunicado de imprensa controvertido com o auxílio de meios que apresentem uma probabilidade razoável de ser utilizados. |
b) Apreciação do Tribunal de Justiça
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Por meio das partes primeira e segunda do primeiro fundamento, o recorrente acusa, em substância, o Tribunal Geral de ter cometido vários erros de direito ao considerar que as informações que figuram no comunicado de imprensa controvertido não estão abrangidas pelo conceito de «dados pessoais», na aceção do artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2018/1725 e que, por conseguinte, este regulamento não lhe era aplicável. |
1) Quanto à admissibilidade da primeira parte do primeiro fundamento
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A Comissão considera que certos argumentos formulados em apoio da primeira parte do primeiro fundamento se inserem na apreciação dos factos pelo Tribunal Geral e escapam, a esse título, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito do presente recurso. |
40 |
A este respeito, importa recordar que a qualificação jurídica de um facto ou de um ato pelo Tribunal Geral é uma questão de direito que pode ser suscitada no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral (Acórdão de 12 de maio de 2022, Klein/Comissão,C‑430/20 P, EU:C:2022:377, n.o 41 e jurisprudência referida). |
41 |
Ora, resulta da formulação da primeira parte do primeiro fundamento e de todos os argumentos invocados em seu apoio que a recorrente acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao se basear em critérios jurídicos errados na sua interpretação dos termos «pessoa singular […] identificável» e ao proceder, nessa base, a uma qualificação jurídica errada das informações que figuram no comunicado de imprensa controvertido como não abrangidas pelo conceito de «dados pessoais» que figura no artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2018/1725. |
42 |
Por conseguinte, a primeira parte do primeiro fundamento é admissível. |
2) Quanto à procedência das partes primeira e segunda do primeiro fundamento
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A título preliminar, há que salientar que a definição do conceito de «dados pessoais», prevista no artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2018/1725, é, em substância, idêntica à que figura no artigo 4.o, ponto 1, do RGPD. Além disso, como resulta dos considerandos 4 e 5 do Regulamento 2018/1725, bem como do artigo 2.o, n.o 3, e do artigo 98.o do RGPD, o legislador da União pretendeu instituir um regime de proteção dos dados pessoais pelas instituições, pelos órgãos e pelos organismos da União que é equivalente ao do RGPD para assegurar uma proteção uniforme e coerente das pessoas singulares relativamente ao tratamento dos seus dados pessoais na União. Por conseguinte, há que assegurar uma interpretação idêntica do artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2018/1725 e do artigo 4.o, ponto 1, do RGPD. |
44 |
O artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2018/1725 enuncia que constituem dados pessoais «informações relativas a uma pessoa singular identificada ou identificável». |
45 |
Ora, o Tribunal de Justiça declarou que a utilização do termo «informações» na definição do conceito de «dados pessoais», que figura no artigo 4.o, ponto 1, do RGPD, reflete o objetivo de o legislador da União atribuir um sentido amplo a este conceito, o qual abrange potencialmente qualquer tipo de informações, tanto objetivas como subjetivas sob a forma de opiniões ou de apreciações, na condição de «dizerem respeito» à pessoa em causa. Uma informação diz respeito a uma pessoa singular identificada ou identificável quando, devido ao seu conteúdo, à sua finalidade ou ao seu efeito, está relacionada com uma pessoa identificável (Acórdão de 4 de maio de 2023, Österreichische Datenschutzbehörde e CRIF, C‑487/21, EU:C:2023:369, n.os 23 e 24). |
46 |
Quanto ao caráter «identificável» de uma pessoa singular, o artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2018/1725 especifica que é identificável «a pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador como, por exemplo, um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores em linha ou um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular». |
47 |
A utilização pelo legislador da União do termo «indiretamente» pretende indicar que, para qualificar uma informação de dado pessoal, não é necessário que essa informação permita, por si só, identificar a pessoa em causa (v., por analogia, Acórdão de 19 de outubro de 2016, Breyer,C‑582/14, EU:C:2016:779, n.o 41). |
48 |
O considerando 16 do Regulamento 2018/1725 especifica, a este respeito, que, para determinar se uma pessoa singular é identificável, deverão ser tidos em conta «todos os meios que apresentem uma probabilidade razoável» de ser utilizados quer pelo responsável pelo tratamento quer «por outra pessoa» para identificar «direta ou indiretamente» a pessoa singular. Assim, para que um dado possa ser qualificado de «dado pessoal» não é necessário que todas as informações que permitem identificar a pessoa em causa tenham de estar na posse de uma única pessoa (v., por analogia, Acórdão de 19 de outubro de 2016, Breyer,C‑582/14, EU:C:2016:779, n.o 43). |
49 |
Em especial, a circunstância de serem necessárias informações suplementares para identificar a pessoa em causa não é suscetível de excluir que os dados em causa possam ser qualificados de dados pessoais (v., por analogia, Acórdão de 19 de outubro de 2016, Breyer,C‑582/14, EU:C:2016:779, n.o 44). |
50 |
No entanto, é ainda necessário que a possibilidade de combinar os dados em causa com informações suplementares constitua um meio que apresente uma probabilidade razoável de ser utilizado para identificar a pessoa em causa. Para determinar se há uma probabilidade razoável de os meios serem utilizados para identificar a pessoa singular, segundo o considerando 16 do Regulamento 2018/1725, importa considerar todos os fatores objetivos, como os custos e o tempo necessário para a identificação, tendo em conta a tecnologia disponível à data do tratamento dos dados e a evolução tecnológica. |
51 |
A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que um meio não apresenta uma probabilidade razoável de ser utilizado para identificar a pessoa em causa quando a identificação dessa pessoa for proibida por lei ou inexequível, por exemplo devido ao facto de implicar um esforço desmedido em termos de tempo, de custo e de mão de obra, de modo que o risco de uma identificação parece na realidade (v., por analogia, Acórdão de 19 de outubro de 2016, Breyer,C‑582/14, EU:C:2016:779, n.o 46). |
52 |
No caso em apreço, no âmbito do seu exame destinado a determinar se o comunicado de imprensa controvertido contém dados pessoais na aceção do artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2018/1725, o Tribunal Geral recordou, no n.o 49 do acórdão recorrido, que só os atos ou os comportamentos imputáveis a uma instituição ou a um órgão da União podem dar origem a responsabilidade da União. Daí deduziu, nesse n.o 49, que a identificação da recorrente devia decorrer do comunicado de imprensa controvertido e não podia resultar de elementos externos fora do âmbito do comportamento imputado ao OLAF, pelo que fez incidir o seu exame sobre as informações presentes unicamente nesse comunicado e que eram suscetíveis, sendo caso disso, de permitir aos seus leitores identificar a recorrente. |
53 |
No que respeita, em seguida, à revelação da identidade da recorrente pelo jornalista alemão que tinha publicado um artigo nas redes sociais (Twitter) sobre as acusações do OLAF que figuram no comunicado de imprensa controvertido que lhe dizia respeito, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 82 e 87 do acórdão recorrido, que essa revelação não podia ser tida em conta, uma vez que esse jornalista não tinha conseguido identificar a recorrente apenas a partir dos identificadores presentes no comunicado de imprensa controvertido e que lhe tinha sido necessário utilizar elementos de identificação externos e complementares ao referido comunicado. Para chegar a esta conclusão, o Tribunal Geral considerou, nomeadamente, nos n.os 76 e 81 do acórdão recorrido, que o referido jornalista não era um leitor médio, mas um jornalista de investigação profissional especializado no domínio das ciências que dispunha de conhecimentos externos subjetivos sobre a recorrente. |
54 |
No entanto, a questão de saber se as informações que figuram num comunicado de imprensa proveniente de uma instituição ou de um órgão da União estão abrangidas pelo conceito de «dados pessoais» na aceção do artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2018/1725 não pode ser confundida com a questão relativa aos requisitos necessários para desencadear a responsabilidade extracontratual da União. Esta primeira questão deve ser apreciada exclusivamente à luz dos requisitos impostos por esta disposição e não pode, por conseguinte, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou no n.o 49 do acórdão recorrido, depender de considerações relativas à imputabilidade de um ato à União. |
55 |
A este respeito, como resulta das considerações que figuram nos n.os 48 a 51 do presente acórdão, é inerente à «identificação indireta» de uma pessoa que as informações suplementares devem ser combinadas com os dados em causa para efeitos da identificação da pessoa visada. Daqui também resulta que o facto de essas informações suplementares provirem de uma pessoa ou fonte diferente da do responsável pelo tratamento dos dados em causa não exclui, de modo nenhum, o caráter identificável de uma pessoa, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou nos n.os 49 e 87 do acórdão recorrido. |
56 |
Além disso, o Regulamento 2018/1725 não estabelece nenhuma condição quanto às pessoas que podem identificar a pessoa à qual uma informação está ligada, uma vez que o considerando 16 deste regulamento se refere não só ao responsável pelo tratamento mas também a «outra pessoa». |
57 |
No que respeita, em especial, a um comunicado de imprensa emitido por uma autoridade de inquérito para informar o público sobre o resultado de um inquérito, este destina‑se, pela sua natureza, nomeadamente a jornalistas, pelo que estes não podem ser distinguidos de um «leitor médio», ao qual faz referência o n.o 76 do acórdão recorrido. |
58 |
No entanto, o facto de um jornalista de investigação ter difundido, como no caso em apreço, a identidade de uma pessoa visada por um comunicado de imprensa não permite, por si só, concluir que as informações que figuram nesse comunicado devem necessariamente ser qualificadas de dados pessoais, na aceção do artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2018/1725, e dispensar a obrigação de proceder ao exame do caráter identificável da pessoa em causa. |
59 |
Quanto à questão de saber se o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na qualificação jurídica dos factos quanto ao caráter identificável da recorrente, o comunicado de imprensa controvertido contém, como salientou, em substância, o Tribunal Geral nos n.os 53 a 55 do acórdão recorrido, um certo número de informações relativas à recorrente e que podiam permitir a sua identificação, a saber, o seu género, a sua nacionalidade e a sua profissão, a indicação de que se tratava de uma pessoa jovem e que era responsável pelo projeto de investigação financiado em causa, bem como a menção do montante da subvenção, do organismo de concessão, a saber, a ERCEA, da natureza da entidade que acolhia o projeto e o país em que esta se encontrava, a saber, uma universidade na Grécia, a referência ao pai da pessoa em causa e ao facto de este exercer a sua profissão nessa entidade, tal como o número aproximado de investigadores que trabalham, sob a direção da pessoa em causa, para o referido projeto. |
60 |
Ora, contrariamente à conclusão do Tribunal Geral no n.o 68 do acórdão recorrido, informações relativas ao género de uma pessoa visada por um comunicado de imprensa, à sua nacionalidade, à atividade do seu pai, ao montante da subvenção para um projeto científico e à localização geográfica da entidade que acolhe esse projeto científico, consideradas em conjunto, contêm informações que podem permitir a identificação da pessoa visada por esse comunicado de imprensa, nomeadamente por pessoas que trabalham no mesmo domínio científico e conhecem o seu percurso profissional. |
61 |
Neste contexto, a jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.o 51 do presente acórdão não permite qualificar de insignificante o risco de uma identificação da pessoa em causa. A este respeito, para pessoas que trabalham no mesmo domínio científico, informações como as referidas no número anterior do presente acórdão, consideradas em conjunto, podem permitir a identificação da pessoa visada sem que essa identificação implique um esforço desmedido em termos de tempo, de custo e de mão de obra. Além disso, contrariamente ao que sustentou a Comissão, a recorrente não era obrigada a provar que tinha sido efetivamente identificada por uma dessas pessoas, uma vez que tal requisito não está previsto no artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2018/1725, dado que este se limita a exigir que uma pessoa seja «identificável». |
62 |
Por outro lado, como resulta do n.o 66 do acórdão recorrido, a descrição, no sítio Internet da ERCEA, dos cerca de 70 projetos financiados por esta agência e cujas instituições de acolhimento estavam situadas na Grécia continha vários elementos‑chave que permitiam ao internauta encontrar as informações desejadas, como o nome do responsável do projeto ou o nome da instituição de acolhimento ou ainda o montante do financiamento. |
63 |
Ora, um comunicado de imprensa relativo a comportamentos pretensamente ilegais, como atos de fraude ou de corrupção, é suscetível de suscitar um certo interesse junto do público e de levar os seus leitores, nomeadamente jornalistas, a efetuar investigações sobre a pessoa visada pelo comunicado. Neste contexto, o esforço que implica efetuar essas pesquisas num sítio Internet, como o da ERCEA, por meio da descrição de cerca de 70 projetos financiados que figuram nesse sítio, combinados com outras pesquisas na Internet que permitem presumivelmente obter o nome e outros identificadores da pessoa visada pelo comunicado de imprensa controvertido, não se afigura desproporcionado, pelo que o risco de identificação da recorrente pelos jornalistas ou por outras pessoas que não conheçam o seu percurso profissional não pode ser qualificado de insignificante na aceção da jurisprudência referida no n.o 51 do presente acórdão. |
64 |
Resulta das considerações precedentes que o Tribunal Geral, nos n.os 49 e 87 do acórdão recorrido, cometeu um erro de direito ao considerar que a identificação da recorrente não podia resultar de elementos externos ou complementares que não estivessem abrangidos pelo comportamento imputado ao OLAF. Além disso, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na qualificação jurídica dos factos que lhe foram submetidos ao declarar, no n.o 68 desse acórdão, que os identificadores que figuram no comunicado de imprensa controvertido não permitiam razoavelmente identificar a recorrente, quer com base numa simples leitura objetiva desse comunicado, quer através de meios «que apresentem uma probabilidade razoável de ser utilizados» por um dos seus leitores. |
65 |
Por conseguinte, foi também erradamente que o Tribunal Geral, nos n.os 91 e 92 do acórdão recorrido, declarou que as informações contidas no comunicado de imprensa controvertido não estavam abrangidas pelo conceito de «dados pessoais», previsto no artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2018/1725, e que este regulamento não se aplicava no caso em apreço. |
66 |
Nestas condições, as partes primeira e segunda do primeiro fundamento devem ser julgadas procedentes. |
2. Quanto às partes terceira e quarta do primeiro fundamento
67 |
Atendendo ao que foi declarado no n.o 65 do presente acórdão, não há que examinar as partes terceira e quarta do primeiro fundamento, uma vez que estas também dizem respeito ao mérito das conclusões que figuram nos n.os 91 e 92 do acórdão recorrido. |
B. Quanto ao segundo fundamento
1. Argumentação das partes
68 |
Por meio do segundo fundamento de recurso, a recorrente contesta a conclusão do Tribunal Geral, que figura no n.o 106 do acórdão recorrido, segundo a qual não podia invocar uma violação do princípio da presunção de inocência previsto no artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2013 e consagrado no artigo 48.o, n.o 1, da Carta, em conjugação com o artigo 6.o, n.o 2, da CEDH, uma vez que não era identificada nem identificável no comunicado de imprensa controvertido. Considera que, em todo o caso, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao aplicar os critérios do artigo 3.o, ponto 1, do Regulamento 2018/1725 no âmbito do exame relativo à existência de uma eventual violação deste princípio. Com efeito, basta que uma pessoa possa ser identificada por qualquer meio, independentemente do tempo e dos custos necessários para esse fim. |
69 |
A Comissão conclui pela improcedência do segundo fundamento, nomeadamente pelo facto de uma violação da presunção de inocência pressupor que a pessoa que invoca essa violação seja uma pessoa identificada ou identificável, o que não acontece no caso em apreço. |
2. Apreciação do Tribunal de Justiça
70 |
Tendo em conta a conclusão que figura no n.o 65 do presente acórdão, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, no n.o 106 do acórdão recorrido, que a recorrente não era identificada nem identificável no comunicado de imprensa controvertido e que, por isso, não tinha podido demonstrar uma violação da sua presunção de inocência. |
71 |
Por conseguinte, sem que seja necessário examinar os outros argumentos invocados no âmbito do segundo fundamento de recurso, este fundamento deve ser julgado procedente. |
C. Quanto ao terceiro fundamento
1. Argumentação das partes
72 |
Por meio do seu terceiro fundamento de recurso, a recorrente alega que o Tribunal Geral desvirtuou manifestamente, nos n.os 157 e 169 do acórdão recorrido, um elemento de prova relativo à violação do direito a uma boa administração, consagrado no artigo 41.o da Carta. |
73 |
Em primeiro lugar, a recorrente observa que, contrariamente à conclusão do Tribunal Geral no n.o 157 do acórdão recorrido, resulta da simples leitura do relatório final do OLAF que todos os investigadores — e não apenas alguns deles — declararam ter participado no projeto. Com efeito, no ponto 2.3.3.2 deste relatório, é expressamente mencionado que «os dez investigadores que responderam aos questionários do OLAF confirmaram ter participado no projeto MINATRAN». Do mesmo modo, resulta desse ponto 2.3.3.2, segundo o qual «[t]odavia, alguns investigadores não confirmaram nem as despesas que tinham sido declaradas pela [Universidade Aristóteles] em seu nome nem a posse de uma conta bancária grega», bem como do resumo das respostas dos investigadores que figuram no referido relatório que, na sua maioria, os investigadores tinham efetivamente conhecimento de que tinham sido abertas contas bancárias em seu nome e que lhes tinham sido efetuados pagamentos. Assim, embora todas as respostas dos investigadores pareçam indicar que todos sabiam que os seus nomes estavam ligados ao projeto, o comunicado de imprensa controvertido indicava de forma inexata que nenhum investigador tinha disso conhecimento. Acresce que a apreciação do Tribunal Geral, segundo a qual esse comunicado se referia a «alguns» investigadores ao utilizar o termo «nenhum», constituiria uma desvirtuação deste. |
74 |
Em segundo lugar, no que respeita ao n.o 169 do acórdão recorrido, a recorrente observa que resulta do ponto 2.3.3.1 do relatório final do OLAF que a única crítica que lhe foi dirigida, enquanto tentativa de obstrução ao inquérito, foi o facto de ter enviado uma única mensagem eletrónica a um único investigador. Mesmo admitindo que o envio desta única mensagem, na qual tinha simplesmente assinalado ao referido investigador que não era obrigado a responder ao questionário do OLAF, pudesse ser qualificado de tentativa de obstrução do inquérito, a constatação que figura no n.o 169 do acórdão recorrido, segundo a qual «contactou várias vezes alguns investigadores», constituiria uma desvirtuação manifesta dos factos. |
75 |
Segundo a Comissão, o Tribunal Geral declarou, com razão, no n.o 157 do acórdão recorrido, que o OLAF não tinha divulgado no comunicado de imprensa controvertido informações inexatas que desvirtuavam as conclusões do seu relatório final. Em todo o caso, só uma violação suficientemente caracterizada do princípio da diligência é suscetível de dar origem a responsabilidade extracontratual da União. |
76 |
Além disso, os argumentos da recorrente contra o n.o 169 do acórdão recorrido também devem ser rejeitados. Com efeito, para sustentar a alegada desvirtuação, a recorrente invoca determinados elementos específicos do relatório final do OLAF, sem ter em conta o facto de outros elementos que figuram nesse mesmo relatório indicarem que também tinha contactado um investigador para o informar de que não era obrigado a responder ao OLAF e outro investigador para que este retificasse as suas respostas iniciais. Por outro lado, o OLAF considerou que a retirada ou a alteração espontânea por alguns investigadores durante o mesmo período das respostas que tinham inicialmente dado constituía um indício de que esses investigadores tinham recebido mensagens de correio eletrónico de teor semelhante. |
2. Apreciação do Tribunal de Justiça
77 |
No n.o 157 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou, nomeadamente, que resultava dos autos que, ao utilizar os termos «[n]enhum desses investigadores sabia», no quinto parágrafo do comunicado de imprensa controvertido, para designar «alguns investigadores», o OLAF não divulgou informações inexatas que desvirtuassem as conclusões do seu relatório final. No n.o 169 desse acórdão, considerou, no que respeita à menção das «tentativas» presumidas de obstrução ao inquérito pela recorrente no quarto parágrafo desse comunicado, que, como resultava do relatório final do OLAF, este tinha constatado durante o seu inquérito que a recorrente tinha, por diversas vezes, contactado alguns investigadores e que tinha considerado que esses atos constituíam entraves ao seu inquérito. |
78 |
Há que recordar que, segundo jurisprudência constante, uma desvirtuação deve resultar de modo manifesto dos documentos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas (Acórdão de 25 de julho de 2018, Orange Polska/Comissão,C‑123/16 P, EU:C:2018:590, n.o 75 e jurisprudência referida). Uma desvirtuação existe quando, sem ter recorrido a novos elementos de prova, a apreciação dos elementos de prova existentes se afigura manifestamente errada (Acórdão de 17 de junho de 2010, Lafarge/Commission,C‑413/08 P, EU:C:2010:346, n.o 17 e jurisprudência referida). |
79 |
Por outro lado, uma desvirtuação dos elementos de prova, embora possa consistir numa interpretação de um documento contrária ao conteúdo deste, deve resultar de modo manifesto dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça e pressupõe que o Tribunal Geral tenha excedido manifestamente os limites de uma apreciação razoável desses elementos de prova. A este respeito, não basta demonstrar que um documento pode ser objeto de uma interpretação diferente da adotada pelo Tribunal Geral (Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, Comissão/Itália e Espanha, C‑635/20 P, EU:C:2023:98, n.o 127 e jurisprudência referida). |
80 |
Tendo em conta esta jurisprudência, as constatações factuais efetuadas pelo Tribunal Geral nos n.os 157 e 169 do acórdão recorrido só podem ser postas em causa se se demonstrar que resulta manifestamente dos documentos apresentados ao Tribunal Geral que essas constatações são inexatas. |
81 |
No que respeita, em primeiro lugar, ao n.o 157 do acórdão recorrido, a recorrente acusa o Tribunal Geral de ter desvirtuado tanto o comunicado de imprensa controvertido como as conclusões do relatório final do OLAF. |
82 |
A este respeito, há que recordar que o OLAF indicou, no terceiro período do quinto parágrafo do comunicado de imprensa controvertido, que «[tinha] contactado alguns investigadores que pretensamente participaram no projeto de investigação». A constatação, que figura na frase seguinte, segundo a qual «[n]enhum deles sabia que o seu nome estava ligado ao projeto nem tinha conhecimento das contas bancárias abertas em seu nome ou de qualquer pagamento a seu favor» deve, por isso, ser entendido no sentido de que se aplicava a todos os investigadores contactados pelo OLAF. |
83 |
Por conseguinte, por um lado, ao interpretar no referido n.o 157 esta última frase do comunicado de imprensa controvertido no sentido de que o OLAF visava constatar que alguns dos investigadores que tinha contactado não sabiam que os seus nomes estavam ligados ao projeto, nem tinham conhecimento das contas bancárias abertas em seu nome ou de qualquer pagamento a seu favor, quando o comunicado de imprensa controvertido só pode ser entendido no sentido de que visava todos os investigadores contactados pelo OLAF, o Tribunal Geral desvirtuou o conteúdo deste. |
84 |
Por outro lado, quanto à alegada desvirtuação das conclusões do relatório final do OLAF, há que salientar que resulta das referidas conclusões, que figuram no ponto 2.3.3.2 desse relatório, que dez investigadores que pretensamente participaram no projeto de investigação responderam ao questionário do OLAF e «confirmaram ter participado no projeto MINATRAN». Resulta também dessas conclusões que «[t]odavia, alguns investigadores não confirmaram nem as despesas que tinham sido declaradas pela [Universidade Aristóteles] em seu nome nem a posse de uma conta bancária grega». Nestas condições, é manifesto que, contrariamente ao que resulta do comunicado de imprensa controvertido, nem todos os investigadores que o OLAF contactou sabiam que os seus nomes estavam ligados ao projeto de investigação nem tinham conhecimento das contas bancárias abertas em seu nome ou de um pagamento a seu favor. Por conseguinte, o Tribunal Geral desvirtuou as conclusões do referido relatório final, ao declarar, no n.o 157 do acórdão recorrido, que o OLAF não tinha divulgado informações inexatas no quinto parágrafo do comunicado de imprensa controvertido. |
85 |
No que respeita, em segundo lugar, ao n.o 169 do acórdão recorrido, resulta da redação do ponto 2.3.3.1 do relatório final, a que a recorrente se refere, que lhe tinha sido imputada, enquanto tentativa de obstrução ao inquérito, o facto de ter enviado uma mensagem eletrónica a um único investigador, ao passo que o comunicado de imprensa controvertido se refere de forma abstrata a várias tentativas de obstrução. Não é, contudo, manifesto que o OLAF tenha pretendido abranger exaustivamente, neste ponto do relatório final, as tentativas de obstrução imputadas à recorrente. |
86 |
Assim, não se afigura manifesto que o Tribunal Geral tenha desvirtuado o relatório final do OLAF ao declarar, no n.o 169 do acórdão recorrido, que, como resulta desse relatório, o OLAF tinha constatado, no decurso do seu inquérito, que a recorrente tinha por várias vezes contactado alguns investigadores e que tinha considerado que estes atos constituíam entraves ao seu inquérito. |
87 |
Daqui resulta que o terceiro fundamento de recurso deve ser julgado procedente na medida em que o Tribunal Geral julgou improcedente o fundamento relativo à violação do direito a uma boa administração, no que respeita ao quinto parágrafo do comunicado de imprensa controvertido. |
88 |
Uma vez que os fundamentos primeiro e segundo, bem como uma parte do terceiro fundamento de recurso, são julgados procedentes, há que anular o acórdão recorrido na parte em que, através deste, o Tribunal Geral julgou improcedentes os pedidos da ação destinados à condenação da Comissão na reparação do prejuízo resultante da violação pelo OLAF das obrigações que lhe incumbem por força do Regulamento 2018/1725, do princípio da presunção de inocência e do direito a uma boa administração. |
89 |
É negado provimento ao recurso quanto ao restante. |
VI. Quanto à ação no Tribunal Geral
90 |
Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal de Justiça pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio se este estiver em condições de ser julgado. |
91 |
Não é o que sucede no presente caso. |
92 |
Com efeito, o Tribunal Geral não procedeu à verificação da questão de saber se o OLAF, ao publicar o comunicado de imprensa controvertido, tinha violado a presunção de inocência prevista no artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2013 e consagrada no artigo 48.o, n.o 1, da Carta, em conjugação com o artigo 6.o, n.o 2, da CEDH, nem ainda se, na hipótese de tal violação, estão reunidos os requisitos da responsabilidade extracontratual da União nos termos do artigo 340.o TFUE. |
93 |
Nestas circunstâncias, o litígio não está em condições de ser julgado. |
VII. Quanto às despesas
94 |
Sendo o processo remetido ao Tribunal Geral, reserva‑se para final a decisão quanto às despesas relativas ao recurso. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) decide: |
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Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: grego.