ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

29 de fevereiro de 2024 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Viagens organizadas e serviços de viagem conexos — Diretiva (UE) 2015/2302 — Artigo 12.o, n.o 2.o — Direito de o viajante rescindir um contrato de viagem organizada sem pagar uma taxa de rescisão — Circunstâncias inevitáveis e excecionais — Propagação da COVID‑19 — Inexistência de recomendação oficial para desaconselhar as viagens — Tomada em consideração de circunstâncias pessoais relativas à situação individual do viajante em causa — Circunstâncias que afetem consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para o destino — Circunstâncias existentes ou previsíveis à data da celebração do contrato de viagem organizada em causa — Possibilidade de ter em consideração os efeitos que ocorrem no local de partida ou de regresso, bem como noutros locais»

No processo C‑299/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal da Lituânia), por Decisão de 4 de maio de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de maio de 2022, no processo

M. D.

contra

«Tez Tour» UAB,

sendo interveniente:

«Fridmis» AB

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal (relatora), presidente de secção, F. Biltgen, N. Wahl, J. Passer e M. L. Arastey Sahún, juízes,

advogada‑geral: L. Medina,

secretária: K. Hötzel, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 7 de junho de 2023,

vistas as observações apresentadas:

em representação de M. D., por R. Mikulskas, advokatas,

em representação da «Tez Tour» UAB, por E. Rusinas, advokatas,

em representação do Governo Lituano, por K. Dieninis e V. Vasiliauskienė, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Checo, por S. Šindelková, M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Helénico, por K. Boskovits, A. Dimitrakopoulou, K. Georgiadis, C. Kokkosi e E. Tsaousi, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por J. Jokubauskaitė, B.‑R. Killmann e I. Rubene, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 21 de setembro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva (UE) 2015/2302 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, relativa às viagens organizadas e aos serviços de viagem conexos, que altera o Regulamento (CE) 2006/2004 e a Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Diretiva 90/314/CEE do Conselho (JO 2015, L 326, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe M. D. à «Tez Tour» UAB a respeito do direito invocado por M. D. de rescindir, sem pagar uma taxa de rescisão, o contrato de viagem organizada que celebrou com esta última devido ao risco sanitário ligado à propagação da COVID‑19.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 5, 7, 25 e 29 a 31 da Diretiva 2015/2302 têm a seguinte redação:

«(5)

[…] Importa harmonizar os direitos e as obrigações decorrentes dos contratos relativos a viagens organizadas e serviços de viagem conexos, a fim de criar um verdadeiro mercado interno dos consumidores nesse domínio, estabelecendo o bom equilíbrio entre um elevado nível de defesa do consumidor e a competitividade das empresas.

[…]

(7)

Os viajantes que adquirem viagens organizadas ou serviços de viagem conexos são, na sua maioria, consumidores na aceção do direito do consumidor da União. […]

[…]

(25)

O viajante deverá receber todas as informações necessárias antes de adquirir a viagem organizada, quer esta seja vendida através de meios de comunicação à distância, ao balcão de uma agência ou por qualquer outro tipo de distribuição. Ao fornecer essas informações, o operador deverá ter em conta as necessidades específicas dos viajantes particularmente vulneráveis em virtude da sua idade ou incapacidade física que possa razoavelmente prever.

[…]

(29)

Tendo em conta as especificidades dos contratos de viagem organizada, deverão ser estabelecidos os direitos e as obrigações das partes contratantes relativos aos períodos anterior e posterior ao início da viagem organizada, em especial se esta não for corretamente executada, ou em caso de alteração de determinadas circunstâncias.

(30)

Dado que as viagens organizadas são frequentemente adquiridas com uma grande antecedência em relação à data da sua realização, podem ocorrer acontecimentos imprevistos. Por conseguinte, o viajante deverá ter, em certas circunstâncias, o direito de ceder a sua posição no contrato de viagem organizada a outro viajante. Nessas situações, o organizador deverá poder recuperar as despesas em que incorrer, por exemplo se um subcontratante lhe exigir uma taxa para alterar o nome do viajante ou para cancelar o título de transporte e emitir um novo.

(31)

Os viajantes deverão também poder rescindir o contrato de viagem organizada em qualquer altura antes do início da viagem organizada, mediante o pagamento de uma taxa de rescisão adequada, tendo em conta as economias de custos previsíveis e justificáveis e as receitas resultantes da reafetação dos serviços de viagem. Deverão ter também o direito de rescindir o contrato de viagem organizada sem o pagamento de uma taxa de rescisão sempre que circunstâncias inevitáveis e excecionais afetem significativamente a execução da viagem organizada. Isso poderá abranger, por exemplo, situações de guerra, outros problemas sérios de segurança como o terrorismo, riscos significativos para a saúde humana como sejam surtos de doenças graves no destino da viagem, ou catástrofes naturais como inundações, terramotos, ou condições meteorológicas que impossibilitem viajar em segurança para o destino acordado no contrato de viagem organizada.»

4

O artigo 1.o desta diretiva, sob a epígrafe «Objeto», prevê:

«O objetivo da presente diretiva é contribuir para o bom funcionamento do mercado interno e para alcançar um nível de defesa do consumidor elevado e o mais uniforme possível, através da aproximação de determinados aspetos das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de contratos celebrados entre viajantes e operadores relativos a viagens organizadas e serviços de viagem conexos.»

5

O artigo 3.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

12.

“Circunstâncias inevitáveis e excecionais”, qualquer situação fora do controlo da parte que a invoca e cujas consequências não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis;

13.

“Falta de conformidade”, o incumprimento ou a execução deficiente dos serviços de viagem incluídos numa viagem organizada;

[…]»

6

O artigo 5.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Informações pré‑contratuais», enuncia:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que, antes de o viajante ficar vinculado por um contrato de viagem organizada ou uma proposta correspondente, o organizador […] [fique obrigado] a fornecer ao viajante […], caso aplicável à viagem organizada, as informações seguintes:

a)

As principais características dos serviços de viagem:

[…]

ii)

os meios, as características e as categorias de transporte, os locais, as datas e as horas da partida e do regresso, a duração, as escalas e as correspondências,

[…]

viii)

se a viagem ou as férias são, em geral, adequadas para pessoas com mobilidade reduzida e, a pedido do viajante, informações exatas sobre a adequação da viagem ou das férias, tendo em conta as necessidades do viajante;

[…]»

7

O artigo 12.o da Diretiva 2015/2302, sob a epígrafe «Rescisão do contrato de viagem organizada e direito de retratação antes do início da viagem organizada», prevê, nos n.os 1 a 3:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que o viajante possa rescindir o contrato de viagem organizada em qualquer altura antes do início da viagem organizada. Caso rescinda o contrato de viagem organizada nos termos do presente número, o viajante pode ser obrigado a pagar ao organizador uma taxa de rescisão adequada e justificável. O contrato de viagem organizada pode estipular taxas de rescisão normalizadas razoáveis, baseadas na antecedência da rescisão do contrato relativamente ao início da viagem organizada e nas economias de custos e nas receitas esperadas em resultado da reafetação dos serviços de viagem. Na falta de taxas de rescisão normalizadas, o montante da taxa de rescisão corresponde ao preço da viagem organizada deduzido das economias de custos e das receitas resultantes da reafetação dos serviços de viagem. A pedido do viajante, o organizador justifica o montante da taxa de rescisão.

2.   Não obstante o disposto no n.o 1, o viajante tem direito a rescindir o contrato de viagem organizada antes do início da viagem organizada sem pagar qualquer taxa de rescisão caso se verifiquem circunstâncias inevitáveis e excecionais no local de destino ou na sua proximidade imediata que afetem consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para o destino. Em caso de rescisão do contrato de viagem organizada nos termos do presente número, o viajante tem direito ao reembolso integral dos pagamentos efetuados para a viagem organizada mas não tem direito a uma indemnização adicional.

3.   O organizador pode rescindir o contrato de viagem organizada e reembolsar integralmente o viajante dos pagamentos que este tenha efetuado pela viagem organizada, não sendo todavia obrigado a pagar uma indemnização adicional se:

[…]

b)

O organizador for impedido de executar o contrato devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais e notificar o viajante da rescisão do contrato, sem demora injustificada, antes do início da viagem organizada.»

8

O artigo 13.o desta diretiva, sob a epígrafe «Responsabilidade pela execução da viagem organizada», enuncia, nos n.os 3 e 6:

«3.   Se algum dos serviços de viagem não for executado nos termos do contrato de viagem organizada, o organizador supre a falta de conformidade, salvo se isso:

a)

For impossível; ou

b)

Implique custos desproporcionados, tendo em conta a importância da falta de conformidade e o valor dos serviços de viagem afetados.

Se o organizador, nos termos do primeiro parágrafo, alíneas a) ou b), do presente número, não suprir a falta de conformidade, é aplicável o artigo 14.o

[…]

6.   Se a falta de conformidade afetar consideravelmente a execução da viagem organizada e o organizador não a suprir dentro de um prazo razoável fixado pelo viajante, este pode rescindir o contrato de viagem organizada sem pagar uma taxa de rescisão e pode, se adequado, solicitar uma redução do preço e/ou uma indemnização por danos nos termos do artigo 14.o

[…]»

9

O artigo 14.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Redução do preço e indemnização por danos», dispõe, nos n.os 2 e 3:

«2.   O viajante tem direito a receber uma indemnização adequada do organizador por quaisquer danos sofridos em resultado de uma eventual falta de conformidade. Essa indemnização deve ser paga sem demora injustificada.

3.   O viajante não tem direito a uma indemnização por danos se o organizador provar que a falta de conformidade é:

[…]

c) Devida a circunstâncias inevitáveis e excecionais.»

Direito lituano

10

O artigo 6.212 do Lietuvos Respublikos civilinis kodeksas (Código Civil da República da Lituânia), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Código Civil»), sob a epígrafe «Força Maior», enuncia, no n.o 1:

«Uma parte num contrato fica isenta de responsabilidade pelo incumprimento deste contrato se provar que o incumprimento se deveu a circunstâncias que não podia controlar e que não podiam razoavelmente ser previstas no momento da celebração do mesmo contrato, e que a ocorrência de tais circunstâncias ou consequências não poderia ter sido impedida.»

11

O artigo 6.750 do Código Civil, sob a epígrafe «Direito de um turista rescindir um contrato de viagem organizada e de exercer o direito de retratação de um contrato de viagem organizada», dispõe, no n.o 4:

«Os turistas têm o direito a rescindir um contrato de viagem organizada, sem pagar a taxa de rescisão referida no n.o 2 do presente artigo, nos seguintes casos:

[…]

3)

se ocorrerem circunstâncias de força maior no local de destino da viagem turística organizada ou na sua proximidade imediata, suscetíveis de impossibilitar a realização da viagem turística organizada ou o transporte de passageiros até ao destino desta viagem. Nesse caso, este viajante tem o direito a pedir o reembolso das quantias pagas pela referida viagem, mas não tem direito a uma indemnização suplementar.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

Em 10 de fevereiro de 2020, M. D. celebrou com a Tez Tour um contrato de viagem organizada por meio do qual esta última se comprometeu a organizar, para M. D. e os membros da sua família, uma viagem de férias com destino aos Emirados Árabes Unidos durante o período compreendido entre 1 e 8 de março de 2020, sendo que a viagem organizada em causa incluía, nomeadamente, o voo de ida e volta entre Vílnius (Lituânia) e o Dubai (Emirados Árabes Unidos) e a estada de sete noites num hotel. Ao abrigo deste contrato de viagem organizada, M. D. pagou à Tez Tour uma quantia em dinheiro no montante de 4834 euros.

13

Em 27 de fevereiro de 2020, M. D. informou a Tez Tour de que pretendia rescindir o referido contrato de viagem organizada e pediu a esta última que lhe fosse permitido utilizar a quantia paga para efetuar outra viagem, numa data posterior, em que o risco sanitário ligado à propagação da COVID‑19 tivesse diminuído.

14

A Tez Tour indeferiu o pedido de M. D.

15

Por conseguinte, M. D. recorreu aos órgãos jurisdicionais competentes, alegando, em substância, que tinha direito ao reembolso integral da quantia em dinheiro que tinha pago à Tez Tour, uma vez que tinha rescindido o contrato de viagem organizada em causa no processo principal devido à ocorrência, no local de destino da viagem organizada ou na sua proximidade imediata, de circunstâncias inevitáveis e excecionais suscetíveis de impossibilitar a realização, em segurança, desta viagem ou o transporte dos passageiros para o seu destino, especialmente sem os expor a inconvenientes ou a riscos sanitários.

16

M. D. afirmou que, durante o mês de fevereiro de 2020, as informações relativas à propagação da COVID‑19, publicadas tanto pelas autoridades competentes como na imprensa, suscitaram legitimamente dúvidas quanto à possibilidade de efetuar a referida viagem em segurança ou mesmo quanto à possibilidade de a efetuar. Assim, o aumento do número de casos de infeções por coronavírus constatados no mundo, as restrições de voos, a adoção de recomendações oficiais destinadas a desaconselhar os viajantes a deslocarem‑se a locais frequentados e a efetuarem viagens ao estrangeiro, bem como a adoção de outras medidas destinadas a conter a propagação da COVID‑19, demonstram a existência de uma situação de perigo à escala mundial.

17

A Tez Tour contestou a procedência dos pedidos apresentados por M. D., sustentando que a propagação da COVID‑19 não podia, na data da rescisão do contrato de viagem organizada em causa no processo principal, ser considerada uma circunstância que impossibilitava a realização da viagem organizada em causa.

18

Estes pedidos foram julgados improcedentes em primeira instância e em sede de recurso, uma vez que, segundo os órgãos jurisdicionais lituanos em causa, nada permitia qualificar as circunstâncias invocadas por M. D. de circunstâncias de «força maior», na aceção do artigo 6.750 do Código Civil, conceito que aplica, no direito lituano, o de «circunstâncias inevitáveis e excecionais» previsto no artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302. Com efeito, por um lado, M. D. reservou a sua viagem quando já existiam informações que referiam a adoção de medidas de segurança e, por outro, na data da rescisão do contrato de viagem organizada em causa no processo principal, que ocorreu apenas 17 dias depois de M. D. ter efetuado esta reserva, o nível de risco associado à referida viagem não tinha mudado.

19

Chamado a conhecer de um recurso de cassação interposto por M. D., o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal da Lituânia), que é o órgão jurisdicional de reenvio, observa que há que clarificar, para efeitos da resolução do litígio no processo principal, as condições em que um viajante pode invocar a existência de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302, no contexto da pandemia da COVID‑19, bem como, se for caso disso, a relação existente entre este conceito e o de «força maior», na aceção do artigo 6.750 do Código Civil.

20

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, primeiro, saber se as autoridades do Estado do local de partida ou do Estado do local de destino deviam ter publicado uma recomendação oficial destinada a desaconselhar os viajantes a realizar uma viagem não essencial ou se o país do local de destino da viagem em causa devia ter sido classificado de pertencente a uma «zona de risco». Especifica que, no caso em apreço, o Ministério dos Negócios Estrangeiros lituano tinha publicado, em 12 de março de 2020, uma recomendação dirigida aos viajantes, para os aconselhar a adiar todas as suas viagens e a não viajar, nos meses seguintes, para o estrangeiro, incluindo para os Emirados Árabes Unidos, tendo esta recomendação sido adotada quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) tinha requalificado, no dia anterior, o surto de COVID‑19 de «pandemia».

21

Segundo, o órgão jurisdicional de reenvio parte da premissa de que, para poder declarar a existência de «circunstâncias inevitáveis e excecionais» que «afetem consideravelmente a realização da viagem organizada», na aceção do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302, estes efeitos devem ser prováveis para um viajante médio com base numa apreciação efetuada por meio de «prognóstico», tendo em conta as datas da viagem prevista, os dados factuais acessíveis ao viajante em causa e as informações publicadas. Neste contexto, este órgão jurisdicional interroga‑se sobre se estas «circunstâncias inevitáveis e excecionais» só podem ser constatadas quando tenham efeitos que tornem objetivamente impossível a realização da viagem organizada em causa, ou então, como tende a considerar, também quando se torna difícil realizar esta viagem organizada em condições seguras e agradáveis, tendo em conta, se for caso disso, fatores subjetivos, como o estado de saúde desse viajante.

22

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, terceiro, sobre a questão de saber se o facto de as «circunstâncias inevitáveis e excecionais» já existirem em certa medida antes da celebração do contrato de viagem organizada em causa ou, pelo menos, serem previsíveis deve ser considerado um motivo de exclusão do direito de o viajante rescindir este contrato sem pagar uma taxa de rescisão.

23

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, ainda que, antes da data da celebração do contrato de viagem organizada em causa no processo principal, o Ministério dos Negócios Estrangeiros lituano tenha publicado, em 8 de janeiro de 2020, uma recomendação dirigida aos viajantes com destino aos Emirados Árabes Unidos para encorajar estes viajantes a tomar precauções e que, em 30 de janeiro seguinte, a OMS tenha declarado que a epidemia da COVID‑19 constituía uma «emergência de saúde pública de âmbito internacional», a evolução e os efeitos desta epidemia eram, no entanto, dificilmente previsíveis e era evidente a tendência em alta do número de infeções no período compreendido entre a data da reserva da viagem em causa e a da sua rescisão.

24

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio indica que M. D. alega que o estado de emergência nacional tinha sido declarado na Lituânia em 26 de fevereiro de 2020 devido à ameaça que a COVID‑19 representava e que, no dia seguinte, tinha sido publicada na imprensa a informação de que tinham sido detetadas infeções por coronavírus entre as pessoas que se encontravam num hotel situado nos Emirados Árabes Unidos.

25

Quarto, o órgão jurisdicional de reenvio observa que o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302 subordina o direito de o viajante em causa rescindir um contrato de viagem organizada sem pagar uma taxa de rescisão à ocorrência de circunstâncias inevitáveis e excecionais «no local de destino ou na sua proximidade imediata». Assim, pretende saber se, tendo em conta a natureza do acontecimento invocado no caso em apreço, esta última expressão também é suscetível de abranger outros locais, como, nomeadamente, o local de partida, bem como outras questões relacionadas com a viagem de ida e a viagem de regresso em causa.

26

Nestas circunstâncias, o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal da Lituânia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Para se considerar que se verificavam circunstâncias inevitáveis e excecionais no local de destino ou na sua proximidade imediata, na aceção do artigo 12.o, n.o 2, primeiro período, da Diretiva (UE) 2015/2302, é necessário que as autoridades do Estado de partida e/ou de destino emitam uma recomendação oficial de não realização de viagens não essenciais e/ou de classificação do Estado de destino (e, possivelmente, também do Estado de partida) como país que pertence a uma zona de risco?

2)

Ao avaliar se se verificavam circunstâncias inevitáveis e excecionais no local de destino ou na sua proximidade imediata no momento em que o contrato de viagem organizada foi rescindido e se estas afetavam significativamente a realização da viagem organizada: (i) devem tomar‑se apenas em consideração as circunstâncias objetivas, isto é, um impacto significativo na realização da viagem organizada que só diz respeito a uma impossibilidade objetiva e que deve ser interpretado no sentido de que apenas são abrangidas as situações devido às quais a execução do contrato se torna física e juridicamente impossível ou deve, pelo contrário, este conceito abranger também as situações nas quais a execução do contrato não é impossível mas (no caso em apreço, devido ao receio legítimo de se ser infetado com COVID‑19) se torna complicada e/ou ineficiente do ponto de vista económico (em termos da segurança dos viajantes, do risco para a sua saúde e/ou vida, da possibilidade de cumprir com os objetivos da viagem de férias); (ii) constituem, entre outros, fatores subjetivos relevantes o facto de adultos viajarem com crianças com menos de 14 anos de idade ou o facto de se pertencer a um grupo de risco elevado por motivo de idade ou do estado de saúde do viajante? O viajante tem o direito de rescindir o contrato de viagem organizada se, devido à pandemia e às circunstâncias com esta relacionadas, na opinião de um viajante comum, a viagem do e para o destino deixar de ser segura, der origem a inconvenientes para o viajante ou lhe causar um receio legítimo de constituir um risco para a sua saúde ou de ser infetado com um vírus perigoso?

3)

O facto de as circunstâncias nas quais o viajante se baseia já se terem verificado ou, pelo menos, já serem previsíveis/prováveis no momento em que a viagem foi reservada afeta de alguma forma o direito de rescindir o contrato sem o pagamento de uma taxa de rescisão (por exemplo, entre outros, quando este direito é recusado, quando são aplicados critérios mais estritos para avaliar a validade do impacto negativo na execução da viagem organizada)? Ao aplicar o critério da previsibilidade razoável no contexto da pandemia, embora a Organização Mundial da Saúde já tivesse publicado informações sobre a propagação do vírus no momento em que o contrato de viagem organizada [em causa no processo principal] foi celebrado, ainda que a evolução e as consequências da pandemia fossem difíceis de prever, deve tomar‑se em consideração o facto de que não tinham sido adotadas medidas claras para gerir e controlar a infeção nem dados suficientes relativos à própria infeção, bem como o facto de ser evidente a tendência em alta do número de infeções no período compreendido entre o momento da reserva da viagem e a sua rescisão?

4)

Ao avaliar se se verificavam circunstâncias inevitáveis e excecionais no local de destino ou na sua proximidade imediata no momento da rescisão de um contrato de viagem organizada e se estas afetavam consideravelmente a realização da viagem organizada, deve o conceito de “local de destino ou na sua proximidade imediata” abranger apenas o Estado de destino ou, atendendo à natureza da circunstância inevitável e excecional, isto é, ao facto de se tratar de uma infeção viral contagiosa, abranger também o Estado de partida, bem como outras questões relacionadas com a viagem de ida e a viagem de regresso (entre outros, mudanças entre meios de transporte, certos meios de transporte)?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

27

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302, lido à luz do seu artigo 3.o, ponto 12, deve ser interpretado no sentido de que a constatação da ocorrência, no local de destino de uma viagem ou na sua proximidade imediata, de «circunstâncias inevitáveis e excecionais» está sujeita ao requisito de as autoridades competentes terem publicado uma recomendação oficial destinada a desaconselhar deslocações dos viajantes à zona em causa ou uma decisão oficial que qualifique esta zona de «zona de risco».

28

A este respeito, há que recordar, em primeiro lugar, que o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302 prevê que «caso se verifiquem circunstâncias inevitáveis e excecionais no local de destino ou na sua proximidade imediata que afetem consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para o destino», um viajante tem direito a rescindir um contrato de viagem organizada antes do início dessa viagem organizada sem pagar uma taxa de rescisão e a obter o reembolso integral dos pagamentos efetuados para a referida viagem organizada.

29

O conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302, é definido no artigo 3.o, ponto 12, desta diretiva como «qualquer situação fora do controlo da parte que a invoca e cujas consequências não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis».

30

O considerando 31 da diretiva especifica o alcance deste conceito, indicando que «[i]sso poderá abranger, por exemplo, situações de guerra, outros problemas sérios de segurança como o terrorismo, riscos significativos para a saúde humana como sejam surtos de doenças graves no destino da viagem, ou catástrofes naturais como inundações, terramotos, ou condições meteorológicas que impossibilitem viajar em segurança para o destino acordado no contrato de viagem organizada».

31

Assim, resulta da redação das disposições conjugadas do artigo 12.o, n.o 2, e do artigo 3.o, ponto 12, da Diretiva 2015/2302, conforme esclarecidas pelo seu considerando 31, que o exercício, por um viajante, do seu direito de rescindir um contrato de viagem organizada sem pagar uma taxa de rescisão depende apenas da ocorrência, no local de destino ou na sua proximidade imediata, de circunstâncias objetivas suscetíveis de influenciar a realização da viagem organizada em causa.

32

Em contrapartida, há que salientar que não se pode deduzir destas disposições, do considerando 31 da Diretiva 2015/2302 ou de outra disposição desta diretiva que, para constatar a ocorrência de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção desta disposição, é necessário que as autoridades competentes tenham publicado uma recomendação oficial destinada a desaconselhar os viajantes a deslocarem‑se à zona em causa ou uma decisão oficial que qualifique esta zona de «zona de risco».

33

Com efeito, tal requisito estaria em contradição com a própria natureza e o fundamento da adoção dessas recomendações ou decisões, as quais, em princípio, pressupõem a existência de circunstâncias objetivas que dão origem a riscos sanitários ou outros, suscetíveis de serem abrangidas pelo conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302, e são comunicadas para efeitos da informação do público em geral.

34

Além disso, importa recordar que, como resulta do considerando 5 da Diretiva 2015/2302, esta última visa harmonizar os direitos e as obrigações decorrentes dos contratos relativos a viagens organizadas, a fim de criar um verdadeiro mercado interno dos consumidores nesse domínio.

35

Ora, como a advogada‑geral também salientou no n.o 35 das suas conclusões, os requisitos para a adoção de uma recomendação ou de uma decisão da natureza das referidas no n.o 27 do presente acórdão não são uniformes nos diferentes Estados‑Membros, pelo que tal adoção pode estar sujeita a variações entre estes. Assim, uma interpretação do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302 segundo a qual a constatação da ocorrência de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção desta disposição, estaria sujeita à adoção destas recomendações ou destas decisões é suscetível de comprometer o objetivo de harmonização prosseguido por esta diretiva.

36

Por conseguinte, a existência destas recomendações ou destas decisões não pode constituir uma exigência para se poder concluir que o requisito relativo à ocorrência de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302, está preenchido.

37

Em segundo lugar, importa sublinhar que, embora, pela sua natureza, as referidas recomendações e decisões possam ser dotadas de um valor probatório significativo quanto à realidade da ocorrência, nos países a que se referem, dessas circunstâncias e dos efeitos daí decorrentes para a realização da viagem organizada em causa, estas recomendações e decisões não podem, no entanto, ter força probatória a ponto de a sua inexistência ser suficiente para impedir a constatação da ocorrência das referidas circunstâncias.

38

É certo que, na ausência, na Diretiva 2015/2302, de disposições relativas às modalidades de prova no que respeita à ocorrência de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção do seu artigo 12.o, n.o 2, cabe, nos termos do princípio da autonomia processual, e sem prejuízo da observância dos princípios da equivalência e da efetividade, à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro estabelecer as modalidades de administração da prova, os meios de prova admissíveis no órgão jurisdicional nacional competente ou ainda os princípios que regem a apreciação, por esse órgão jurisdicional, da força probatória dos elementos de prova que lhe são submetidos e o nível de prova exigido (v., neste sentido, Acórdão de 21 de junho de 2017, W e o., C‑621/15, EU:C:2017:484, n.o 25).

39

No entanto, no que respeita mais especialmente ao princípio da efetividade, este exige, no que se refere às modalidades processuais das ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que o direito da União confere aos particulares, que essas modalidades não tornem impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (Acórdão de 21 de junho de 2017, W e o., C‑621/15, EU:C:2017:484, n.o 26).

40

Ora, exigir ao viajante que pretenda exercer o direito previsto no artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302 que prove, para demonstrar a realidade das circunstâncias que invoca para este efeito, a adoção de recomendações ou decisões oficiais a este respeito seria suscetível de tornar impossível o exercício deste direito, uma vez que estas circunstâncias podem existir independentemente da adoção de qualquer recomendação ou decisão oficial.

41

No caso em apreço, resulta das explicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que as comunicações oficiais existentes na data da rescisão, por M. D., do contrato de viagem organizada em causa no processo principal, a saber, a da OMS de 30 de janeiro de 2020, que qualifica a propagação da COVID‑19 de «emergência de saúde pública de âmbito internacional», a declaração do estado de emergência na Lituânia, em 26 de fevereiro seguinte, e a publicação na imprensa lituana, no dia seguinte, de vários casos de infeções por coronavírus verificados nos Emirados Árabes Unidos, embora constituíssem indícios de um risco sanitário mais elevado em geral e, em particular, neste último país, não podem ser entendidas como tendo especificamente desaconselhado os viajantes a deslocarem‑se aos Emirados Árabes Unidos.

42

No entanto, como resulta dos n.os 36 e 40 do presente acórdão, esta circunstância não basta, por si só, para afastar a hipótese de que a propagação da COVID‑19 podia legitimamente ser invocada por M. D. como constitutiva de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302.

43

Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que uma crise sanitária mundial como a pandemia de COVID‑19, enquanto tal, é suscetível de ser abrangida por este conceito (Acórdão de 8 de junho de 2023, UFC – Que choisir e CLCV, C‑407/21, EU:C:2023:449, n.o 45).

44

Tendo em conta o que precede, há que responder à primeira questão que o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302, lido à luz do seu artigo 3.o, ponto 12, deve ser interpretado no sentido de que a constatação da ocorrência, no local de destino de uma viagem ou na sua proximidade imediata, de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção destas disposições, não está sujeita ao requisito de as autoridades competentes terem publicado uma recomendação oficial destinada a desaconselhar deslocações dos viajantes à zona em causa ou uma decisão oficial que qualifique esta zona de «zona de risco».

Quanto à segunda questão

45

A título preliminar, há que salientar que, na sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio faz referência à eventual possibilidade de ter em conta, para apreciar o caráter exequível de uma viagem organizada na sequência da ocorrência de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302, a «rentabilidade» desta viagem organizada, «em termos de segurança dos viajantes, do risco para a sua saúde e/ou vida, da possibilidade de cumprir com os objetivos da viagem de férias». No entanto, não resulta da redação desta questão nem da fundamentação do pedido de decisão prejudicial que M. D. tenha pretendido invocar este aspeto.

46

Por conseguinte, há que considerar que, com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, por um lado, se o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais […] que afetem consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para o destino» da viagem em causa abrange apenas circunstâncias que tornam impossível a realização dessa viagem organizada ou também circunstâncias que, sem impedir esta realização, implicam que a realização da referida viagem organizada não ocorra sem expor os viajantes em causa a riscos para a sua saúde e segurança, tendo em conta, se for caso disso, fatores pessoais relativos à situação individual desses viajantes.

47

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se a apreciação destes efeitos deve ser efetuada, na data da rescisão do contrato de viagem organizada em causa, com base na perspetiva de um viajante médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado.

48

No que respeita, em primeiro lugar, à questão evocada no n.o 46 do presente acórdão, há que salientar que resulta da própria redação da expressão «que afetem consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para o destino», utilizada no artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302, que esta disposição não subordina o direito de rescindir um contrato de viagem organizada sem pagar uma taxa de rescisão ao requisito de terem ocorrido as circunstâncias que tornam objetivamente impossíveis a realização da viagem organizada em causa ou a transferência dos passageiros para o destino. Pelo contrário, em conformidade com o seu sentido habitual na linguagem corrente, esta redação tem claramente um alcance mais amplo, abrangendo não só os efeitos que excluem a própria possibilidade de realizar esta viagem organizada mas também os que afetem significativamente as condições de execução da referida viagem organizada.

49

Como a Comissão salienta corretamente, o considerando 31 da Diretiva 2015/2302 corrobora esta interpretação, uma vez que enumera, para ilustrar as situações suscetíveis de serem abrangidas pela aplicação do artigo 12.o, n.o 2, desta diretiva, acontecimentos como o terrorismo e os riscos significativos para a saúde, que são objetivamente suscetíveis de representar um risco para a segurança dos viajantes, sem, no entanto, implicar a impossibilidade absoluta de realizar a viagem organizada em causa.

50

Além disso, esta interpretação é coerente com o contexto desta última disposição. Com efeito, o artigo 13.o, n.o 6, da Diretiva 2015/2302 confere aos viajantes o direito de rescindir um contrato de viagem organizada durante a sua realização sem pagar uma taxa de rescisão se a falta de conformidade «afetar consideravelmente» a execução desta viagem organizada e o organizador em causa não a suprir dentro de um prazo razoável. Em conformidade com o artigo 3.o, ponto 13, desta diretiva, entende‑se por «falta de conformidade» o incumprimento ou a execução deficiente dos serviços de viagem incluídos numa viagem organizada, sendo, aliás, objetiva a constatação da falta de conformidade, no sentido de que implica unicamente a comparação entre os serviços incluídos na viagem organizada do viajante em causa e aqueles que são efetivamente prestados a este último [Acórdão de 12 de janeiro de 2023, FTI Touristik (Viagem organizada às ilhas Canárias), C‑396/21, EU:C:2023:10, n.o 22].

51

Por conseguinte, embora uma falta de conformidade que afete a realização de uma viagem organizada em curso não possa justificar a rescisão sem pagar uma taxa de rescisão do respetivo contrato de viagem, não deixa de ser certo que uma falta de conformidade que implique uma realização incorreta desta viagem organizada pode ser suficiente para dar origem a essa rescisão, desde que esta falta de conformidade «[afete] consideravelmente» a execução da referida viagem organizada, em conformidade com o artigo 13.o, n.o 6, da Diretiva 2015/2302.

52

Do mesmo modo, circunstâncias inevitáveis e excecionais que não impossibilitem objetivamente a realização da viagem organizada em causa permitem rescindir, ao abrigo do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302, o contrato de viagem organizada em causa, desde que as referidas circunstâncias «afetem consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para o destino», na aceção do artigo 12.o, n.o 2, desta diretiva.

53

Por conseguinte, pode considerar‑se que uma crise sanitária, como a propagação da COVID‑19, tendo em conta o risco significativo que representa para a saúde humana, afeta «consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para o destino», na aceção do artigo 12.o, n.o 2, primeiro período, da Diretiva 2015/2302, independentemente do facto de não ser necessariamente suscetível de tornar esta realização objetivamente impossível.

54

No que respeita, mais especificamente, à pertinência que podem revestir, para a apreciação do requisito relativo à existência de tais efeitos, os fatores pessoais relativos à situação individual dos viajantes, como o facto de adultos viajarem com crianças com menos de 14 anos de idade ou de pertencer a um grupo de risco elevado, importa sublinhar que estes efeitos devem ser estabelecidos de forma objetiva, à semelhança das circunstâncias que os causaram, referidas no n.o 31 do presente acórdão.

55

No entanto, nada na redação do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302 permite concluir que os fatores pessoais, como os referidos no número anterior do presente acórdão, devam ser ignorados no âmbito desta apreciação, uma vez que são de natureza objetiva.

56

Com efeito, estes fatores são suscetíveis de ter um impacto na gravidade dos efeitos gerados pelas circunstâncias inevitáveis e excecionais invocadas por um viajante e, deste modo, na possibilidade de realizar, em boas condições, a viagem organizada em causa, conforme acordada entre o organizador desta viagem organizada e este viajante. A este respeito, em relação, nomeadamente, a uma crise sanitária, como a propagação da COVID‑19, os efeitos que esta é suscetível de provocar na realização da referida viagem organizada podem variar consoante, por exemplo, o estado de saúde dos viajantes em causa.

57

Tal não põe em causa o facto de fatores pessoais não serem suficientes, enquanto tais, para justificar que o viajante em causa exerça o seu direito de rescindir um contrato de viagem organizada sem pagar uma taxa de rescisão, em conformidade com o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302, uma vez que estes fatores só são pertinentes quando são suscetíveis de influenciar a apreciação dos efeitos objetivamente ligados à ocorrência de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção desta disposição.

58

O contexto da referida disposição e o objetivo da Diretiva 2015/2302 corroboram a interpretação exposta nos n.os 54 a 57 do presente acórdão.

59

Com efeito, relativamente, por um lado, ao contexto do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302, resulta do seu artigo 5.o, n.o 1, alínea a), viii), que esta diretiva tem expressamente em conta a necessidade de informar os viajantes da questão de saber se, nomeadamente, a viagem organizada em causa é adequada para pessoas com mobilidade reduzida. Ora, a análise dos efeitos das «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção deste artigo 12.o, n.o 2, sobre a realização de tal viagem organizada não pode ignorar as necessidades individuais destas pessoas às quais esta viagem organizada foi concretamente adaptada.

60

A este respeito, o considerando 25 da Diretiva 2015/2302 especifica que, ao fornecer a um viajante as informações necessárias, o operador em causa deverá ter em conta as necessidades específicas dos viajantes particularmente vulneráveis em virtude da sua idade ou incapacidade física que este operador possa razoavelmente prever.

61

Por outro lado, relativamente ao objetivo da Diretiva 2015/2302, este consiste, em especialmente, segundo o seu artigo 1.o, em assegurar um nível de defesa do consumidor elevado, sendo os viajantes que adquirem viagens organizadas ou serviços de viagem conexos, como especifica o considerando 7 da referida diretiva, na sua maioria, consumidores, na aceção do direito do consumidor da União. A este respeito, como a advogada‑geral também salientou, em substância, nos n.os 44 e 45 das suas conclusões, o objetivo de proteção da referida diretiva também engloba os viajantes que se encontrem numa situação mais vulnerável.

62

Por conseguinte, os fatores pessoais relativos à situação individual do viajante em causa podem ser tomados em consideração para determinar se está preenchido o requisito segundo o qual as circunstâncias inevitáveis e excecionais invocadas por este viajante devem afetar consideravelmente a realização da viagem organizada em causa ou o transporte dos passageiros para o destino.

63

Em segundo lugar, quanto à questão de saber se, para apreciar o nível destas consequências, é necessário ter em conta, na data da rescisão do contrato de viagem organizada em causa, a perspetiva de um viajante médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, há que salientar, por um lado, que esta questão assenta na premissa de que um viajante que pretende exercer o seu direito de rescindir esse contrato sem pagar uma taxa de rescisão, ao abrigo do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302, deve proceder a essa apreciação com base num «prognóstico», no sentido de que, na data da rescisão deste contrato, deve ser provável, na opinião deste viajante, que a realização da viagem organizada em causa seja consideravelmente afetada.

64

Quanto a esta premissa, resulta da redação desta disposição que o direito de rescindir o contrato de viagem organizada sem pagar uma taxa de rescisão deve imperativamente ser exercido «antes do início da viagem organizada».

65

Uma vez que o exercício deste direito está sujeito ao requisito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais no local de destino ou na sua proximidade imediata que afetem consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para o destino», este requisito deve necessariamente estar preenchido na data desta rescisão, isto é, «antes do início da viagem organizada».

66

Assim, para apreciar se o referido requisito está preenchido, importa, de um ponto de vista temporal, ter como referência a data da rescisão do contrato de viagem organizada em causa. Ora, uma vez que estes efeitos só se manifestam definitivamente na data da execução desta viagem organizada, a sua apreciação reveste necessariamente um caráter prospetivo.

67

Daqui resulta que, em conformidade com a premissa invocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, esta apreciação se deve basear num «prognóstico» no que respeita à probabilidade de as circunstâncias inevitáveis e excecionais invocadas pelo viajante em causa afetarem consideravelmente a realização da viagem organizada, circunstâncias essas que, aliás, já se verificavam na data da rescisão desse contrato de viagem organizada.

68

Por outro lado, há que salientar que as disposições da Diretiva 2015/2302 não especificam se, para apreciar a probabilidade e o nível destes efeitos, há que ter em conta a perspetiva de um viajante médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado ou em qualquer outra perspetiva.

69

No entanto, em conformidade com a natureza objetiva dos referidos efeitos, salientada no n.o 54 do presente acórdão, não basta que o viajante em causa se baseie, quando pretende exercer o seu direito de rescindir o seu contrato de viagem organizada sem pagar uma taxa de rescisão, em apreciações ou receios puramente subjetivos.

70

Além disso, como a advogada‑geral também observou, em substância, no n.o 52 das suas conclusões, o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302 prossegue especificamente o objetivo que consiste em reconhecer ao viajante em causa, na hipótese de ocorrerem circunstâncias inevitáveis e excecionais, o direito de rescisão, independentemente do direito de que dispõe o organizador em causa ao abrigo do artigo 12.o, n.o 3, desta diretiva. Por conseguinte, não se pode exigir a este viajante que se baseie apenas nas apreciações deste organizador quanto à viabilidade da realização da viagem em causa.

71

Em contrapartida, para que o referido viajante possa utilmente invocar o seu direito de rescisão, previsto no artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302, e para que esta disposição possa responder assim ao seu objetivo específico, lido à luz do objetivo mais geral de defesa do consumidor desta diretiva recordado no n.o 61 do presente acórdão, há que considerar que, para apreciar a probabilidade e o impacto dos efeitos, na aceção desta disposição, há que ter em conta a perspetiva de um viajante médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, à semelhança do critério seguido noutros domínios do direito da União relativos à defesa do consumidor (v., neste sentido, Acórdão de 3 de março de 2020, Gómez del Moral Guasch, C‑125/18, EU:C:2020:138, n.o 51).

72

Tendo em conta o que precede, há que responder à segunda questão que o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais […] que afetem consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para o destino» da viagem em causa abrange não apenas circunstâncias que tornam impossível a realização dessa viagem organizada mas também circunstâncias que, sem impedir esta realização, implicam que a realização da referida viagem organizada não pode ocorrer sem expor os viajantes em causa a riscos para a sua saúde e segurança, tendo em conta, se for caso disso, fatores pessoais relativos à situação individual desses viajantes. A apreciação destes efeitos deve ser efetuada tendo em conta, na data da rescisão do contrato de viagem organizada em causa, a perspetiva de um viajante médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado.

Quanto à terceira questão

73

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302 deve ser interpretado no sentido de que uma situação que, na data em que o contrato de viagem organizada foi celebrado, já era conhecida pelo viajante em causa ou previsível para este, pode ser invocada por este viajante a título de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção desta disposição, tendo em conta, se for caso disso, o caráter evolutivo desta situação.

74

A este respeito, é certo que nem o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302 nem o seu artigo 3.o, ponto 12, que define o conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», fazem expressamente referência a um requisito segundo o qual a situação invocada a este título deve, na data em que o contrato de viagem organizada em causa foi celebrado, ser imprevisível e, a fortiori, inexistente. Todavia, os termos «inevitáveis e excecionais» tendem, por si só, a indicar que este conceito visa apenas situações que, por um lado, não existiam nessa data e, por outro, eram imprevisíveis.

75

Com efeito, uma situação existente não pode por natureza ser qualificada de «inevitável», ainda que o possa ter sido antes de se concretizar. Além disso, uma situação hipotética, quando é previsível, não pode ser qualificada de «excecional».

76

Do mesmo modo, uma vez que o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302 confere aos viajantes o direito de rescindir o seu contrato de viagem organizada sem pagar uma taxa de rescisão se se verificarem as circunstâncias aí mencionadas, há que constatar que estas circunstâncias devem ocorrer após a celebração desse contrato.

77

Além disso, o considerando 30 da Diretiva 2015/2302 enuncia que «[d]ado que as viagens organizadas são frequentemente adquiridas com uma grande antecedência em relação à data da sua realização, podem ocorrer acontecimentos imprevistos», e o seu considerando 31 especifica que «[o]s viajantes deverão também poder rescindir o contrato de viagem organizada em qualquer altura antes do início da viagem organizada». Por conseguinte, o direito de rescisão do viajante em causa parece basear‑se no âmbito de uma alteração imprevista das circunstâncias.

78

Por último, tal interpretação está em conformidade com o objetivo de defesa do consumidor prosseguido pela Diretiva 2015/2302. Com efeito, este objetivo não exige a proteção dos viajantes contra riscos de que, na data em que o contrato de viagem organizada foi celebrado, já tinham conhecimento ou eram previsíveis e que, por conseguinte, aceitaram para efeitos da sua viagem.

79

Assim, circunstâncias que já eram conhecidas do viajante em causa ou previsíveis para este na data em que o contrato de viagem organizada foi celebrado não podem servir de base ao exercício do direito de rescindir esse contrato sem pagar uma taxa de rescisão, prevista no artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302.

80

No que respeita à apreciação, neste contexto, de uma situação existente ou previsível na data em que o contrato de viagem organizada em causa foi celebrado, mas altamente evolutiva, há que especificar que não se pode excluir que esta situação tenha sofrido alterações consideráveis, após a celebração deste contrato, de modo que seja diferente daquela de que o viajante em causa tinha conhecimento ou que podia razoavelmente prever quando celebrou o referido contrato, como a advogada‑geral também salientou no n.o 62 das suas conclusões.

81

Neste caso, estas evoluções poderão, concretamente, dar origem a uma nova situação, suscetível de corresponder enquanto tal à definição do conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302.

82

Por conseguinte, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, tendo em conta a perspetiva de um viajante médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, se o nível do risco sanitário que levou M. D., em 27 de fevereiro de 2020, a rescindir o seu contrato de viagem organizada tinha evoluído consideravelmente face ao risco existente ou previsível na data da celebração deste contrato, em 10 de fevereiro anterior.

83

Tendo em conta o que precede, há que responder à terceira questão que o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302 deve ser interpretado no sentido de que uma situação que, na data em que o contrato de viagem organizada foi celebrado, já era conhecida pelo viajante em causa ou previsível para este, não pode ser invocada por este viajante a título de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção desta disposição, sem prejuízo, no entanto, da possibilidade, tendo em conta o caráter evolutivo desta situação, de a referida situação ter sofrido alterações consideráveis após a celebração do contrato que podem dar origem a uma nova situação, suscetível de corresponder, enquanto tal, à definição do conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção da referida disposição.

Quanto à quarta questão

84

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o alcance da expressão de circunstâncias que «se verifiquem […] no local de destino ou na sua proximidade imediata», que figura no artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302, e, nomeadamente, sobre a questão de saber se esta expressão também pode abranger o local de partida e/ou outros locais, tendo em conta a natureza do evento invocado, a saber, no caso em apreço, a propagação da COVID‑19 à escala mundial.

85

Resulta das explicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, nomeadamente das expostas no n.o 41 do presente acórdão, que este órgão jurisdicional considera provado que, na data da rescisão do contrato de viagem organizada em causa no processo principal, a propagação da COVID‑19 tinha atingido, nomeadamente, os Emirados Árabes Unidos, ou seja, o local de destino da viagem em causa. Por conseguinte, admitindo que o órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta os elementos de interpretação que figuram no âmbito das primeira e terceira questões, considera esta propagação constitutiva de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302, é facto assente, para efeitos do litígio no processo principal, que estas ocorreram, nomeadamente, «no local de destino».

86

Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que se a propagação de uma doença grave no local de destino em causa for suscetível de ser abrangida pelo conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção desta disposição, o mesmo deve ser aplicado, a fortiori, no que diz respeito à propagação de uma doença grave à escala mundial, uma vez que os efeitos desta última também afetam esse local (Acórdão de 8 de junho de 2023, UFC – Que choisir e CLCV, C‑407/21, EU:C:2023:449, n.o 48).

87

Assim, a resolução do litígio no processo principal não depende do facto de saber se o conceito de circunstâncias que «se verifiquem […] no local de destino ou na sua proximidade imediata», na aceção do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302, abrange circunstâncias que ocorrem num local diferente do local de destino da viagem, como, nomeadamente, o local de partida.

88

Ora, segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas (Acórdão de 16 de julho de 2020, Caixabank e Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, C‑224/19 e C‑259/19, EU:C:2020:578, n.o 46).

89

Nestas circunstâncias, há que considerar que, com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302 deve ser interpretado no sentido de que, para determinar se circunstâncias inevitáveis e excecionais, que se verifiquem no local de destino ou na sua proximidade imediata, «afet[a]m consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para o destino», podem também ser tidos em consideração os efeitos que ocorrem no local de partida e nos diferentes locais relacionados com a viagem de ida e a viagem de regresso em causa.

90

Como resulta da redação do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302, lido à luz do seu considerando 31, esta disposição exige que se verifiquem as circunstâncias inevitáveis e excecionais invocadas, nomeadamente, no local de destino previsto ou na sua proximidade imediata e, a este título, que afetem consideravelmente a realização da viagem organizada em causa (v., neste sentido, Acórdão de 8 de junho de 2023, UFC – Que choisir e CLCV, C‑407/21, EU:C:2023:449, n.o 47).

91

Em contrapartida, ainda que estes efeitos se venham a manifestar, em princípio, nomeadamente no local de destino e nas suas imediações, não é menos certo que a referida disposição não contém nenhuma limitação geográfica no que respeita ao local em que os referidos efeitos, provocados por estas circunstâncias, se devem produzir para que possam ser tidos em consideração.

92

Além disso, os serviços de viagem que fazem parte da viagem organizada podem incluir, nomeadamente, o transporte de passageiros, caso em que o contrato de viagem organizada em causa deve, em conformidade com o artigo 5.o, n.o 1, alínea a), ii), da Diretiva 2015/2302, especificar os meios, as características e as categorias de transporte, os locais, as datas e as horas da partida e do regresso, a duração, as escalas e as correspondências.

93

Daqui resulta que, quando os efeitos causados por circunstâncias inevitáveis e excecionais ultrapassam o local de destino e atingem, nomeadamente, o local de partida ou de regresso ou os locais de escala e de correspondência da viagem, são suscetíveis de afetar a realização da viagem organizada em causa e devem, a este título, poder ser tidos em consideração para efeitos da aplicação do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302.

94

A este respeito, como a advogada‑geral salientou no n.o 71 das suas conclusões, é possível, nomeadamente, que sejam adotadas medidas no local de partida como consequência das circunstâncias que ocorrem no local de destino, como as medidas que consistem em sujeitar os viajantes que regressam ao local de partida a restrições, as quais poderiam então fazer parte da avaliação do impacto considerável na execução do contrato de viagem organizada em causa.

95

Tendo em conta o que precede, há que responder à quarta questão que o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302 deve ser interpretado no sentido de que, para determinar se circunstâncias inevitáveis e excecionais, que se verifiquem no local de destino ou na sua proximidade imediata, «afet[a]m consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para o destino», podem também ser tidos em consideração os efeitos que ocorrem no local de partida e nos diferentes locais relacionados com a viagem de ida e a viagem de regresso em causa, quando estes afetem a realização da referida viagem organizada.

Quanto às despesas

96

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

O artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva (UE) 2015/2302 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, relativa às viagens organizadas e aos serviços de viagem conexos, que altera o Regulamento (CE) 2006/2004 e a Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Diretiva 90/314/CEE do Conselho, lido à luz do artigo 3.o, ponto 12, da mesma,

deve ser interpretado no sentido de que:

a constatação da ocorrência, no local de destino de uma viagem ou na sua proximidade imediata, de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção destas disposições, não pode estar sujeita ao requisito de as autoridades competentes terem publicado uma recomendação oficial destinada a desaconselhar deslocações dos viajantes à zona em causa ou uma decisão oficial que qualifique esta zona de «zona de risco».

 

2)

O artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302

deve ser interpretado no sentido de que:

o conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais […] que afetem consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para o destino» da viagem em causa abrange não apenas circunstâncias que tornam impossível a realização dessa viagem organizada mas também circunstâncias que, sem impedir esta realização, implicam que a realização da referida viagem organizada não pode ocorrer sem expor os viajantes em causa a riscos para a sua saúde e segurança, tendo em conta, se for caso disso, fatores pessoais relativos à situação individual desses viajantes. A apreciação destes efeitos deve ser efetuada tendo em conta, na data da rescisão do contrato de viagem organizada em causa, a perspetiva de um viajante médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado.

 

3)

O artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302

deve ser interpretado no sentido de que:

uma situação que, na data em que o contrato de viagem organizada foi celebrado, já era conhecida pelo viajante em causa ou previsível para este, não pode ser invocada por este viajante a título de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção desta disposição, sem prejuízo, no entanto, da possibilidade, tendo em conta o caráter evolutivo desta situação, de a referida situação ter sofrido alterações consideráveis após a celebração do contrato que podem dar origem a uma nova situação, suscetível de corresponder, enquanto tal, à definição do conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção da referida disposição.

 

4)

O artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302

deve ser interpretado no sentido de que:

para determinar se circunstâncias inevitáveis e excecionais, que se verifiquem no local de destino ou na sua proximidade imediata, «afet[a]m consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para o destino», podem também ser tidos em consideração os efeitos que ocorrem no local de partida e nos diferentes locais relacionados com a viagem de ida e a viagem de regresso em causa, quando estes afetem a realização da referida viagem organizada.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: lituano.