ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

29 de julho de 2024 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Infração à concorrência — Proibição de acordos, decisões e práticas concertadas — Artigo 101.o TFUE — Acordos entre empresas — Restrição da concorrência por objeto — Troca de informações entre instituições de crédito — Informações sobre as condições comerciais e os valores de produção — Informações estratégicas»

No processo C‑298/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (Portugal), por Decisão de 3 de maio de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de maio de 2022, no processo

Banco BPN/BIC Português, S. A.,

Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, S. A., Sucursal em Portugal,

Banco Português de Investimento, S. A. (BPI),

Banco Espírito Santo, S. A., em liquidação,

Banco Santander Totta, S. A.,

Barclays Bank plc,

Caixa Económica Montepio Geral — Caixa Económica Bancária, S. A.,

Caixa Geral de Depósitos, S. A.,

Unión de Créditos Inmobiliários, S. A., Establecimiento Financiero de Crédito, Sucursal em Portugal,

Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL,

Banco Comercial Português, S. A.,

contra

Autoridade da Concorrência,

sendo interveniente:

Ministério Público,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan (relator), presidente de secção, Z. Csehi e I. Jarukaitis, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 22 de junho de 2023,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Banco BPN/BIC Português, S. A., por C. Amorim, M. Gorjão‑Henriques, F. Marques de Azevedo e A. Saavedra, advogados,

em representação do Banco Português de Investimento, S. A. (BPI), por M. de Abreu Castelo Branco, A. Lucena e Vale e C. Pinto Correia, advogados,

em representação do Banco Santander Totta, S. A., por T. L. Faria, M. Lopes Martins, G. Neves Lima e N. Salazar Casanova, advogados,

em representação do Barclays Bank plc, por S. Estima Martins e L. Seifert Guincho, advogados,

em representação da Caixa Económica Montepio Geral — Caixa Económica Bancária, S. A., por D. N. Brito, P. Gouveia e Melo e J. Vieira Peres, advogados,

em representação da Caixa Geral de Depósitos, S. A., por G. Banha Coelho, C. Homem Ferreira Morais, L. D. Silva Morais e L. Tomé Feteira, advogados,

em representação da Unión de Créditos Inmobiliários, S. A., Establecimiento Financiero de Crédito, Sucursal em Portugal, por T. L. Faria, M. Lopes Martins e G. Neves Lima, advogados,

em representação da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL, por C. Coutinho da Costa e N. Mimoso Ruiz, advogados,

em representação do Banco Comercial Português, S. A., por R. Bordalo Junqueiro, N. Carrolo dos Santos e B. de Melo Alves, advogados,

em representação da Autoridade da Concorrência, por A. Cruz Nogueira e S. Parodi, advogadas,

em representação do Ministério Público, por P. Vieira, procurador,

em representação do Governo Português, por P. Barros da Costa, C. Chambel Alves e S. Ramos Moura, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Helénico, por K. Boskovits, na qualidade de agente,

em representação do Governo Italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. Caselli, avvocato dello Stato,

em representação do Governo Húngaro, por M. Z. Fehér e R. Kissné Berta, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por S. Baches Opi, P. Caro de Sousa e M. Domecq, na qualidade de agentes,

em representação do Órgão de Fiscalização da EFTA, por M.‑M. Joséphidès, M. Sánchez Rydelski e C. Simpson, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 5 de outubro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 101.o, n.os 1 e 3, TFUE.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe várias instituições de crédito à Autoridade da Concorrência (Portugal) (a seguir «AdC») a respeito da decisão desta última de aplicar a essas instituições uma coima por violação das disposições nacionais do direito da concorrência e do artigo 101.o TFUE, a qual consiste na sua participação numa prática concertada que tem por objeto restringir a concorrência nos mercados do crédito à habitação, ao consumo e a empresas, sob a forma de um intercâmbio de informações relativas às condições, atuais e futuras, aplicáveis às operações, nomeadamente spreads e variáveis de risco, bem como aos valores de produção individualizados dos participantes nesse intercâmbio.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 3.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.°] e [102.° TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), com a epígrafe «Relação entre os artigos [101.°] e [102.° TFUE] e as legislações nacionais em matéria de concorrência», dispõe, no seu n.o 1:

«Sempre que as autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência ou os tribunais nacionais apliquem a legislação nacional em matéria de concorrência a acordos, decisões de associação ou práticas concertadas na aceção do n.o 1 do artigo [101.° TFUE], suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros, na aceção desta disposição, devem aplicar igualmente o artigo [101.° TFUE] a tais acordos, decisões ou práticas concertadas. [...]»

Direito português

4

O Aviso n.o 8/2009 do Banco de Portugal foi publicado em 12 de outubro de 2009 (Diário da República, 2.a série, n.o 197, parte E).

5

O artigo 3.o, n.o 1, deste aviso, sob a epígrafe «Preçário», estabelece:

«As instituições de crédito devem dispor de um Preçário completo das condições gerais com efeitos patrimoniais de realização das operações e dos produtos e serviços financeiros comercializados junto do público.»

6

O artigo 4.o do referido aviso, sob a epígrafe «Dever de informação no âmbito da divulgação do Preçário», especifica, nos seus n.os 1 e 2:

«1   — As instituições de crédito abrangidas pelo presente diploma devem manter o seu Preçário organizado nos termos do artigo anterior em todos os balcões e locais de atendimento ao público, em lugar bem visível e de acesso direto, em dispositivo de consulta fácil e direta, nomeadamente com recurso a meios eletrónicos.

2   — Todas as instituições de crédito que possuam sítio na Internet devem disponibilizar o Preçário completo e atualizado nas suas páginas, em local bem visível, de acesso direto e de forma facilmente identificável, sem necessidade de registo prévio pelos interessados.»

7

O artigo 7.o do Aviso n.o 8/2009, sob a epígrafe «Folheto de Taxas de Juro», menciona, no seu n.o 1:

«A informação constante do Folheto de Taxas de Juro deve ser atualizada de acordo com as condições de mercado e permitir ao público, nomeadamente, conhecer as taxas representativas, aplicadas pelas instituições de crédito nas operações que habitualmente pratiquem, nos termos a definir através de Instrução do Banco de Portugal.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8

Em 9 de setembro de 2019, a AdC adotou uma decisão através da qual aplicou uma coima a determinadas instituições de crédito (a seguir «instituições de crédito participantes») por terem participado num intercâmbio de informações «isolado», ou seja, num intercâmbio relativamente ao qual não foi alegado ser acessório de uma prática concertada restritiva da concorrência. Esse intercâmbio dizia respeito às condições aplicáveis às suas operações de crédito, nomeadamente spreads e variáveis de risco, atuais e futuras, bem como aos valores de produção de cada um dos participantes no referido intercâmbio, em violação do artigo 101.o TFUE e de diversas disposições de direito nacional.

9

Para chegar a esta conclusão, aquela autoridade considerou que o intercâmbio de informações em causa constituía uma restrição da concorrência por objeto, o que a dispensava de procurar os seus eventuais efeitos no mercado. Em contrapartida, a AdC não alegou que as instituições de crédito participantes tivessem participado noutra forma de prática restritiva da concorrência à qual o intercâmbio de informações estivesse ou pudesse estar ligado, como um acordo sobre os preços ou sobre a repartição dos mercados.

10

A maioria das instituições de crédito participantes interpôs recurso dessa decisão para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (Portugal), o órgão jurisdicional de reenvio, com o fundamento de que o intercâmbio de informações em causa não pode ser considerado, em si mesmo, suficientemente nocivo para a concorrência. É, portanto, necessário examinar os seus efeitos. Além disso, a AdC não teve em conta o contexto económico, jurídico e regulamentar em que se realizou esse intercâmbio, o que era necessário antes de poder concluir pela existência de uma restrição por objeto.

11

Em 28 de abril de 2022, o órgão jurisdicional de reenvio proferiu uma sentença interlocutória na qual indicou, de entre os factos contidos na decisão da AdC, quais os que deviam ser considerados provados.

12

No pedido de decisão prejudicial, o referido órgão jurisdicional resumiu a referida sentença interlocutória dividindo a descrição da mesma em cinco partes que tratam, respetivamente, da natureza da informação trocada, da forma de coordenação, do objetivo, do contexto jurídico e económico, bem como dos efeitos ambivalentes/pró‑competitivos.

13

Primeiro, as informações trocadas diziam respeito aos mercados do crédito à habitação, ao consumo e a empresas. Foram trocados dois tipos de informações sobre estes mercados, a saber:

as «condições» comerciais atuais e futuras, a saber, as grelhas de «spread», ou seja, a diferença entre a taxa aplicada a um mutuário pela instituição de crédito e a taxa a que, em princípio, esta se refinancia, bem como as variáveis de risco às quais, para cada nível de risco de um «cliente», determinado em função de fatores como os rendimentos, a contribuição financeira ou o custo do bem imóvel do cliente em causa, está associado um spread a aplicar para compensar esse risco. Atendendo ao nível de exaustividade e sistematização das informações trocadas, essas informações não eram do domínio público no momento do intercâmbio;

os «volumes de produção», ou seja, os valores individualizados, por cada instituição de crédito participante, do montante dos créditos concedidos no mês anterior. Esses dados foram comunicados de modo «desagregado», isto é, pelo menos decompostos em subcategorias detalhadas, e não se encontravam sob esta forma no momento da troca, nem em momento subsequente, disponíveis noutra fonte.

14

O resumo da sentença interlocutória especifica, também, que a troca de informações em causa foi efetuada de forma regular e organizada de forma confidencial, pelo que só as instituições de crédito participantes dela tiveram conhecimento. Além disso, aquela troca incidiu sobre informações estratégicas não públicas ou de difícil acesso ou sistematização. Com efeito, as informações trocadas eram distintas das informações prestadas aos consumidores pelas instituições de crédito participantes, em cumprimento das obrigações de informação que sobre elas recaíam a este respeito. Por outro lado, estas informações foram trocadas de forma desagregada e individualizada por estas instituições e diziam respeito a comportamentos atuais ou futuros. Tais informações referiam‑se, nomeadamente, às intenções de mudança de comportamento estratégico num futuro próximo ou às condições comerciais em vigor.

15

Segundo, quanto à duração e à forma desse intercâmbio de informações, o órgão jurisdicional de reenvio indica que este ocorreu entre os meses de maio de 2002 e março de 2013. O mesmo manifestou‑se através de contactos com caráter bilateral ou multilateral, utilizando comunicações por telefone ou através de mensagens de correio eletrónico, com pleno conhecimento da hierarquia das instituições de crédito participantes.

16

Terceiro, uma vez que o intercâmbio de informações atribuiu a cada uma das instituições de crédito participantes informação detalhada, sistematizada, atualizada e rigorosa sobre a oferta das concorrentes, igualmente participantes, o órgão jurisdicional de reenvio conclui que o referido intercâmbio tinha por objetivo reduzir a incerteza associada ao comportamento estratégico dos concorrentes, e reduzir assim o risco de pressão comercial por parte desses concorrentes.

17

Quarto, quanto ao contexto jurídico e económico do referido intercâmbio, as seis maiores instituições de crédito em Portugal participaram no intercâmbio de informações. Ora, essas instituições controlavam, ao longo de 2013, 83 % do total dos ativos do sistema bancário português.

18

A partir da segunda metade de 2008, em sentido contrário à evolução da Euribor, a saber, o índice que reflete as taxas de juro interbancárias na zona euro, o qual nessa altura registou uma descida abrupta, os spreads aplicados pelas instituições financeiras portuguesas a novas operações de crédito à habitação registaram uma subida acentuada, atenuando a descida das taxas de juro para os clientes finais. Em contrapartida, o volume de crédito à habitação concedido a particulares diminuiu, pelo menos entre 2010 e 2014. Paralelamente, durante 2010 e 2011, as taxas de juro do crédito ao consumo voltaram a aumentar, acompanhando o aumento forte e sustentado dos spreads e superando, no início de 2012, o pico atingido em 2008. Em 2012, aquelas taxas iniciam uma tendência decrescente, refletindo a estabilização dos spreads e a descida da Euribor. No entanto, os spreads praticados pelas instituições de crédito participantes regressaram, em seguida, a níveis mais elevados do que nos períodos anteriores a 2012.

19

Quinto, no que respeita à existência de efeitos potencialmente pró‑concorrenciais ou, pelo menos, ambivalentes, as instituições de crédito participantes não conseguiram demonstrar nem as eficiências geradas pelo intercâmbio de informações, nem a repartição de putativas eficiências no bem‑estar dos consumidores, nem a indispensabilidade das restrições em causa na concorrência. Esse intercâmbio não podia, nomeadamente, ser equiparado a uma análise concorrencial (benchmarking) e o conteúdo das informações concretamente trocadas não era adequado a prevenir ou resolver o problema que consistia numa assimetria de informações na relação entre o mutuante e o mutuário (problema de seleção adversa), dado que não respeitava ao perfil de risco individual dos clientes, incidindo antes em spreads e volumes de produção de crédito sem desagregação por empresa, nem conexão por cliente individual.

20

Embora o próprio órgão jurisdicional de reenvio entenda que, tendo em conta o que precede, o intercâmbio de informações em questão concorreu para reduzir a pressão comercial e a incerteza associada ao comportamento estratégico dos concorrentes no mercado, redundando numa coordenação informal restritiva da concorrência, considera necessário questionar o Tribunal de Justiça sobre os requisitos de aplicação do artigo 101.o TFUE, dada a inexistência de precedentes relativos às trocas de informações isoladas e informais.

21

Nestas circunstâncias, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 101.o [TFUE] opõe‑se à qualificação como “restrição da concorrência por objeto” de uma troca, entre concorrentes, de informação sobre condições comerciais (v.g. spreads e variáveis de risco, atuais e futuras) e valores de produção (mensais, individualizados e desagregados) com cobertura abrangente e frequência mensal, no quadro da oferta de crédito à habitação, a empresas e ao consumo, trocados de modo regular e com reciprocidade, no setor da banca de retalho, no âmbito de um mercado concentrado e com barreiras à entrada, que por esta via aumentou artificialmente a transparência e reduziu a incerteza associada ao comportamento estratégico dos concorrentes?

2)

Em caso afirmativo, a mesma normação opõe‑se àquela qualificação quando não se apuraram, nem se lograram identificar eficiências, efeitos ambivalentes ou pró‑competitivos resultantes daquele intercâmbio de informações?»

Tramitação processual no Tribunal de Justiça

22

O órgão jurisdicional de reenvio solicitou ao Tribunal de Justiça que submetesse o presente processo a tramitação acelerada, em aplicação do artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

23

Em apoio do seu pedido, o órgão jurisdicional de reenvio alega que, por um lado, «[d]e acordo com apreciação liminar respeitante ao termo do prazo de prescrição, verifica‑se a prescrição dos factos aqui em causa em 30 de março de 2023, sem prejuízo de causas de suspensão e interrupção a aquilatar em concreto». Por outro lado, «razões de prevenção geral e especial concorrem para a necessidade de obtenção de uma solução da causa a breve trecho», porquanto os factos ocorreram entre 2002 e 2013.

24

A este respeito, resulta do artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo que, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio ou, a título excecional, oficiosamente, o presidente do Tribunal pode, quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, decidir submeter um reenvio prejudicial a tramitação acelerada, em derrogação das disposições do presente regulamento.

25

Em 14 de junho de 2022, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, indeferir o pedido de submeter o presente processo a tramitação acelerada apresentado pelo órgão jurisdicional de reenvio.

26

Esta decisão foi fundamentada pela circunstância de, em primeiro lugar, de acordo com as próprias palavras do órgão jurisdicional de reenvio, a fixação do termo do prazo de prescrição em 30 de março de 2023 ocorrer «sem prejuízo de causas de suspensão e interrupção a aquilatar em concreto». Ora, o órgão jurisdicional de reenvio também indicou que considera que, segundo a legislação nacional aplicável, «o presente reenvio, implicando uma suspensão da instância, constitui causa de suspensão da prescrição em curso».

27

Em segundo lugar, a circunstância de, embora o recurso no processo principal se encontre pendente no órgão jurisdicional de reenvio desde 22 de outubro de 2019, a natureza urgente do litígio ser relativizada pelo facto de este órgão jurisdicional só ter submetido o pedido de decisão prejudicial em 4 de maio de 2022 (v., por analogia, Acórdão de 11 de novembro de 2021, Energieversorgungscenter Dresden‑Wilschdorf, C‑938/19, EU:C:2021:908, n.o 44).

28

Aliás, da jurisprudência do Tribunal de Justiça resulta que a mera circunstância de o órgão jurisdicional de reenvio ter de assegurar uma resolução rápida do processo que lhe foi submetido, independentemente de qual seja o motivo, não é suficiente, em si mesma, para justificar o recurso à tramitação acelerada ao abrigo do artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo (Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 1 de fevereiro de 2017, Air Serbia e Kondić, C‑476/16, EU:C:2017:170, n.o 8).

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

29

As recorrentes no processo principal, a saber, as instituições de crédito participantes, dedicaram uma parte importante das suas observações escritas a contestar a descrição feita pelo órgão jurisdicional de reenvio dos factos em causa no processo principal, chegando mesmo a defender que o Tribunal de Justiça tem a obrigação de alterar a hipótese factual descrita por aquele órgão jurisdicional a fim de lhe dar uma resposta útil.

30

Ora, importa recordar que resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, no âmbito do processo previsto no artigo 267.o TFUE, que se baseia numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, não compete ao Tribunal de Justiça, mas sim ao órgão jurisdicional nacional, estabelecer os factos que deram origem ao litígio no processo principal (v., neste sentido, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi, C‑561/19, EU:C:2021:799, n.o 35).

31

Daqui resulta que, uma vez que o Tribunal de Justiça só é competente para se pronunciar sobre a interpretação ou a validade de um texto normativo da União, o Tribunal de Justiça não verifica a exatidão do quadro factual apresentado por esse órgão jurisdicional nem se pronuncia sobre o mérito das alegações de algumas das partes que contestam a pertinência da hipótese factual descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio no seu pedido.

32

No entanto, como o advogado‑geral sublinhou no n.o 20 das suas conclusões, a interpretação que o Tribunal de Justiça é chamado a dar a uma disposição do direito da União no contexto factual descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio não implica a presunção de que essa hipótese seja efetivamente a que está em causa no processo principal. Assim, cabe sempre em última instância ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se os elementos de facto que transmitiu ao Tribunal de Justiça correspondem efetivamente a essa situação e se os relativos à legislação nacional estavam completos e eram de facto aplicáveis à referida situação.

33

Esta conclusão não é posta em causa pela obrigação, que recai sobre os órgãos jurisdicionais nacionais e à qual as recorrentes no processo principal se referem, de descrever de forma precisa o contexto factual em que se inserem as questões prejudiciais, especialmente no domínio da concorrência, que se caracteriza por situações de facto e de direito complexas (Acórdão de 3 de março de 2021, Poste Italiane e Agenzia delle entrate — Riscossione, C‑434/19 e C‑435/19, EU:C:2021:162, n.o 77).

34

Com efeito, embora esta obrigação vise permitir que o Tribunal de Justiça se assegure de que o pedido prejudicial não é inadmissível, não é menos certo que, segundo jurisprudência constante, para que semelhante pedido seja inadmissível, a interpretação solicitada do direito da União não deve ter nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, o problema deve ser de natureza hipotética ou o Tribunal de Justiça não deve dispor dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas (Acórdão de 19 de abril de 2007, Asemfo, C‑295/05, EU:C:2007:227, n.o 31), o que não é o caso no presente processo.

35

Uma vez que a verificação da admissibilidade dos pedidos prejudiciais está assim limitada ao manifesto não preenchimento dos requisitos mencionados no número anterior do presente acórdão, não se pode deduzir da obrigação que incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais de descrever de forma precisa o contexto factual em que se inserem as questões prejudiciais que o Tribunal de Justiça tem a obrigação de verificar que a hipótese descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio corresponde efetivamente à situação em causa no processo principal. Além disso, no caso em apreço, não resulta de forma manifesta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que esses requisitos não estão preenchidos.

36

Por conseguinte, o Tribunal de Justiça não tem de se pronunciar sobre as críticas formuladas pelas recorrentes no processo principal a respeito da pertinência da hipótese factual considerada pelo órgão jurisdicional de reenvio nas suas questões, nem sobre os pedidos de reformulação das questões prejudiciais por aquelas apresentados, em cujo âmbito convidavam o Tribunal de Justiça a alterar essa hipótese factual.

Quanto à primeira questão

37

A título preliminar, deve salientar‑se que resulta do pedido de decisão prejudicial e das observações das recorrentes no processo principal que o litígio em causa no processo principal incide principalmente sobre a qualificação jurídica da restrição da concorrência «por objeto».

38

Por conseguinte, deve considerar‑se que, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma abrangente troca de informação recíproca e mensal entre instituições de crédito concorrentes, ocorrida em mercados que apresentam uma forte concentração e barreiras à entrada, e que tem por objeto as condições aplicáveis às operações realizadas nesses mercados, nomeadamente spreads e variáveis de risco, atuais e futuras, bem como os valores de produção individualizados dos participantes nessa troca deve ser qualificada como restrição da concorrência por objeto.

Quanto às condições nas quais um acordo entre empresas, uma decisão de associação ou uma prática concertada podem ser qualificados como restrição por objeto

39

Nos termos do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, são incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno.

40

Em consequência, para se poder considerar, num determinado caso, que um acordo, uma decisão de uma associação de empresas ou uma prática concertada estão abrangidos pela proibição constante do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, é necessário, em conformidade com os próprios termos dessa disposição, demonstrar que esse acordo, essa decisão ou essa prática tem por objeto impedir, restringir ou falsear a concorrência ou que tem esse efeito (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de dezembro de 2023, International Skating Union/Comissão, C‑124/21 P, EU:C:2023:1012, n.o 98; de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.o 158; e de 21 de dezembro de 2023, Royal Antwerp Football Club, C‑680/21, EU:C:2023:1010, n.o 85).

41

A este respeito, embora a existência de um precedente no qual um intercâmbio de informações com a mesma forma e no mesmo setor de atividade que o que está em causa no processo principal foi qualificado como restrição por objeto seja suscetível de facilitar a prova de que este último institui igualmente tal restrição, a inexistência desse precedente, conforme sucede no caso em apreço, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, não pode obstar a que, sendo caso disso, o referido intercâmbio em causa seja qualificado dessa forma [v., neste sentido, Acórdão de 25 de março de 2021, Generics (UK)/Comissão, C‑588/16 P, EU:C:2021:242, n.o 79].

42

Na realidade, para efeitos da aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, há que examinar, num primeiro momento, o objeto do acordo entre empresas, da decisão de associação de empresas ou da prática concertada em questão. Na hipótese de, no termo deste exame, se verificar que esse acordo, essa decisão ou essa prática têm um objeto anticoncorrencial, não é necessário examinar o seu efeito sobre a concorrência. Portanto, só na hipótese de não ser possível considerar que esse acordo, essa decisão ou essa prática têm um objeto anticoncorrencial é que é necessário proceder, num segundo momento, à análise desse efeito (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de dezembro de 2023, International Skating Union/Comissão, C‑124/21 P, EU:C:2023:1012, n.o 99; de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.o 159; e de 21 de dezembro de 2023, Royal Antwerp Football Club, C‑680/21, EU:C:2023:1010, n.o 86).

43

Ora, o Tribunal de Justiça declarou que o conceito de «restrição por objeto», sobre o qual incide exclusivamente a presente questão prejudicial, deve ser interpretado de forma estrita no sentido de que remete exclusivamente para certos tipos de coordenação entre empresas que revelam um grau suficiente de nocividade para a concorrência para que se possa considerar que não é necessário examinar os seus efeitos. Com efeito, certas formas de coordenação entre empresas podem ser consideradas, pela sua própria natureza, prejudiciais ao correto e normal funcionamento da concorrência (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de dezembro de 2023, International Skating Union/Comissão, C‑124/21 P, EU:C:2023:1012, n.os 101 e 102; de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.os 161 e 162; e de 21 de dezembro de 2023, Royal Antwerp Football Club, C‑680/21, EU:C:2023:1010, n.os 88 e 89).

44

A fim de determinar, num determinado caso, se um acordo, uma decisão de associação de empresas ou uma prática concertada apresentam uma forma de coordenação que deva ser considerada, pela sua própria natureza, prejudicial ao correto e normal funcionamento da concorrência, é necessário examinar, primeiro, o teor desse acordo, dessa decisão ou dessa prática, segundo, o contexto económico e jurídico em que aquele ou aquela se insere e, terceiro, os objetivos que aquele ou aquela visa alcançar (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de dezembro de 2023, International Skating Union/Comissão, C‑124/21 P, EU:C:2023:1012, n.o 105; de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.o 165; e de 21 de dezembro de 2023, Royal Antwerp Football Club, C‑680/21, EU:C:2023:1010, n.o 92).

45

Desde logo, a análise do teor do acordo, da decisão de associação de empresas ou da prática concertada em causa pressupõe que se examinem os seus diferentes aspetos a fim de determinar se a concertação em causa apresenta características que permitem associá‑la a uma forma de coordenação entre empresas que deva ser considerada, pela sua própria natureza, prejudicial ao correto e normal funcionamento da concorrência, o que sucede nomeadamente se uma coordenação que apresente tais características for, precisamente em razão destas últimas, adequada para levar a condições de concorrência que não correspondem às condições normais do mercado em causa (v., neste sentido, Acórdão de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.os 115 e 120).

46

No que diz, em seguida, respeito ao contexto económico e jurídico em que se inserem o acordo, a decisão de associação de empresas ou a prática concertada em causa, uma vez que o conceito de restrição por objeto designa unicamente os acordos, as decisões de associação de empresas e as práticas concertadas que integram uma forma de coordenação que deve ser considerada, pela sua própria natureza, prejudicial ao correto e normal funcionamento da concorrência, este não implica de modo nenhum analisar e por maioria de razão demonstrar os efeitos desse acordo, dessa decisão ou dessa prática na concorrência, independentemente de serem reais ou potenciais, negativos ou positivos (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de dezembro de 2023, International Skating Union/Comissão, C‑124/21 P, EU:C:2023:1012, n.o 106; de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.o 166; e de 21 de dezembro de 2023, Royal Antwerp Football Club, C‑680/21, EU:C:2023:1010, n.o 93).

47

Em contrapartida, esta circunstância não exclui que tenha de se tomar em consideração a natureza dos produtos ou dos serviços afetados e as condições reais que caracterizam a estrutura e o funcionamento do ou dos setores ou mercados em questão (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de dezembro de 2023, International Skating Union/Comissão, C‑124/21 P, EU:C:2023:1012, n.o 106; de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.o 166; e de 21 de dezembro de 2023, Royal Antwerp Football Club, C‑680/21, EU:C:2023:1010, n.o 93).

48

Com efeito, pode acontecer que só quando estejam preenchidas determinadas condições especiais é que se poderá presumir que certas formas de coordenação e, portanto, os acordos, as decisões de associações e as práticas concertadas que as integram são prejudiciais ao correto e normal funcionamento da concorrência. Por conseguinte, como o advogado‑geral salientou, em substância, no n.o 43 das suas conclusões, a análise do contexto económico e jurídico em que se inserem essas formas de coordenação deve permitir verificar que, quando uma forma de acordo, de decisão de associação de empresas ou de prática concertada for, pela sua própria natureza, nociva para a concorrência unicamente em certas circunstâncias, relativas nomeadamente à natureza dos bens ou dos serviços em causa, às condições reais do funcionamento do mercado e à sua estrutura, estas circunstâncias estão presentes. A tomada em consideração deste contexto visa, assim, garantir que nenhuma circunstância particular que envolve o acordo, a decisão ou a prática concertada em causa é suscetível de ilidir a presunção de nocividade para a concorrência ligada à forma de coordenação a que pertence.

49

Por último, no que diz respeito às finalidades prosseguidas pelo acordo, pela decisão de associação de empresas ou pela prática concertada em causa, há que determinar as finalidades objetivas que esse acordo, essa decisão ou essa prática pretende alcançar relativamente à concorrência. Em contrapartida, a circunstância de as empresas envolvidas terem agido sem a intenção subjetiva de impedir, restringir ou falsear a concorrência e o facto de terem prosseguido determinados objetivos legítimos não são determinantes para a aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de dezembro de 2023, International Skating Union/Comissão, C‑124/21 P, EU:C:2023:1012, n.o 107; de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.o 167; e de 21 de dezembro de 2023, Royal Antwerp Football Club, C‑680/21, EU:C:2023:1010, n.o 94).

50

Em todo o caso, a análise de todos estes elementos deve revelar as razões concretas pelas quais o acordo, a decisão de associação de empresas ou a prática concertada em causa apresentam um grau suficiente de nocividade para a concorrência, justificando que se considere que esse acordo, essa decisão ou essa prática têm por objeto impedir, restringir ou falsear a concorrência (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de dezembro de 2023, International Skating Union/Comissão, C‑124/21 P, EU:C:2023:1012, n.o 108; de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.o 168; e de 21 de dezembro de 2023, Royal Antwerp Football Club, C‑680/21, EU:C:2023:1010, n.o 98).

Quanto à interpretação do conceito de restrição da concorrência à luz da troca de informações

51

Como o advogado‑geral referiu, em substância, no n.o 52 das suas conclusões, importa sublinhar que, mesmo não acompanhada de um acordo de cooperação, um intercâmbio de informações entre concorrentes pode constituir uma restrição da concorrência, incluindo por objeto, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Com efeito, conforme resulta dos n.os 43 a 49 do presente acórdão, é necessário que este intercâmbio constitua uma forma de coordenação que deva ser considerada, pela sua própria natureza, prejudicial ao correto e normal funcionamento da concorrência no contexto do referido intercâmbio.

52

Isso implica, no que respeita desde logo ao seu conteúdo, que o intercâmbio de informações apresente características que o ligam a uma forma de coordenação entre empresas suscetível de criar condições de concorrência que não correspondem às condições normais do mercado em causa.

53

Ora, há que recordar que o correto e normal funcionamento da concorrência num mercado pressupõe uma certa transparência da situação que atualmente prevaleça neste último. Com efeito, só nesta condição é que um mercado é suscetível de ser eficiente. Assim, o Tribunal de Justiça já reconheceu que, em princípio, a transparência entre os operadores económicos é, pelo menos num mercado não oligopolístico, suscetível de contribuir para a intensificação da concorrência entre as empresas (v., neste sentido, Acórdão de 2 de outubro de 2003, Thyssen Stahl/Comissão, C‑194/99 P, EU:C:2003:527, n.o 84).

54

Em contrapartida, para que um mercado funcione em condições normais, cada operador deve, por um lado, ser obrigado a determinar de forma autónoma a política que tenciona seguir no mercado único (v., neste sentido, Acórdão de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.o 119) e, por outro, estar na incerteza pelo menos quanto à data, à dimensão e às modalidades de alteração futura do comportamento dos seus concorrentes no mercado (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de junho de 2009, T‑Mobile Netherlands e o., C‑8/08, EU:C:2009:343, n.o 41, e de 12 de janeiro de 2023, HSBC Holdings e o./Comissão, C‑883/19 P, EU:C:2023:11, n.o 116)

55

Em seguida, no que respeita ao contexto em que o intercâmbio de informações em causa se insere, é necessário que, neste, qualquer coordenação que apresente características semelhantes às do referido intercâmbio só possa levar a condições de concorrência que não correspondem às condições normais de funcionamento do mercado em causa, tendo em conta a natureza dos bens ou dos serviços em questão, as condições reais do funcionamento do mercado e a estrutura deste último (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de maio de 1998, Deere/Comissão, C‑7/95 P, EU:C:1998:256, n.o 87; de 4 de junho de 2009, T‑Mobile Netherlands e o., C‑8/08, EU:C:2009:343, n.o 33; e de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.o 120).

56

Por último, no que respeita às «finalidades objetivas» prosseguidas pelo referido intercâmbio, importa sublinhar que este conceito remete, no seu sentido jurídico, para a razão de ser primeira do acordo, da decisão de associação de empresas ou da prática concertada, isto é, para as finalidades imediatas e diretas prosseguidas pela coordenação em causa que levaram as empresas envolvidas a nela participarem. Por conseguinte, deve considerar‑se que constitui uma restrição por objeto uma troca de informações que, embora não seja formalmente apresentada como tendo um objeto anticoncorrencial, não pode ser explicada de outra forma, tendo em conta a sua forma e o contexto em que ocorreu, senão pela prossecução de um objetivo contrário a um dos elementos constitutivos do princípio da livre concorrência.

57

Tendo em conta o que precede, uma vez que cada operador económico tem obrigação de determinar de forma autónoma a política que tenciona seguir no mercado único, deve considerar‑se que uma troca de informações apresenta as características que a associam a uma forma de coordenação entre empresas que deve ser entendida como sendo, pela sua própria natureza, prejudicial ao correto e normal funcionamento da concorrência quando o seu conteúdo disser respeito a informações que, independentemente do seu caráter sensível ou confidencial, têm um teor tal que, no contexto em que ocorre essa troca, só podem levar os participantes no intercâmbio, razoavelmente ativos e economicamente racionais, a seguir tacitamente a mesma linha de conduta no que respeita a um dos parâmetros à luz dos quais se estabelece a concorrência no mercado em causa.

58

Para chegar a semelhante apreciação, é necessário ter em conta não apenas a natureza das informações trocadas, mas também o contexto económico que rodeia o intercâmbio. Com efeito, ainda que haja que presumir que as empresas participantes num intercâmbio e com atividade no mercado tomam em conta as informações trocadas com os seus concorrentes para determinarem o seu comportamento nesse mercado (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de julho de 1999, Hüls/Comissão, C‑199/92 P, EU:C:1999:358, n.os 161 e 162; de 4 de junho de 2009, T‑Mobile Netherlands e o., C‑8/08, EU:C:2009:343, n.os 51 e 52; e de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.os 126 e 127), não deixa de ser certo que empresas razoavelmente ativas e economicamente racionais só seguirão uma linha de conduta idêntica se, nomeadamente, tendo em conta o contexto em que ocorre esse acordo, não temerem, nesse momento, a reação dos seus concorrentes atuais e potenciais, bem como dos consumidores. Tal é, em princípio, o que sucede se o intercâmbio ocorrer entre os principais operadores num mercado oligopolístico, ou, pelo menos, fortemente concentrado e se existirem barreiras à entrada nesse mercado (v., neste sentido, Acórdão de 2 de outubro de 2003, Thyssen Stahl/Comissão, C‑194/99 P, EU:C:2003:527, n.os 86 e 87).

59

Assim, nomeadamente nesta última hipótese, a circunstância, conforme foi sublinhado pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua questão, de o mercado apresentar uma certa concentração e barreiras à entrada deve ser considerada relevante.

60

No entanto, para se estabelecer que um intercâmbio de informações constitui uma restrição por objeto, não é sempre necessário demonstrar que este diz respeito a informações com um teor tal que, no contexto em que ocorre esse intercâmbio, apenas podem levar os participantes no referido intercâmbio, razoavelmente ativos e economicamente racionais, a seguir tacitamente uma linha de conduta idêntica no que respeita a um dos parâmetros à luz dos quais se estabelece a concorrência no mercado em causa, violando assim a obrigação que incumbe a cada operador de determinar de forma autónoma a política que tenciona seguir no mercado único.

61

Com efeito, como resulta do n.o 54 do presente acórdão, para que um mercado funcione em condições normais, os operadores desse mercado devem não só determinar autonomamente a política que tencionam seguir no mercado único, mas também, e de um modo mais geral, permanecer na incerteza quanto aos comportamentos futuros dos outros participantes no referido mercado.

62

Por conseguinte, pode considerar‑se que um intercâmbio de informações constitui uma forma de coordenação entre empresas, a qual, pela sua própria natureza, é prejudicial ao correto e normal funcionamento da concorrência, não sendo sequer necessário demonstrar que, no contexto que envolve o intercâmbio, as informações trocadas só podem levar os participantes, razoavelmente ativos e economicamente racionais, a seguir tacitamente uma linha de conduta idêntica no que respeita a um dos parâmetros à luz dos quais se estabelece a concorrência no mercado em causa, quando o referido intercâmbio permita eliminar essa incerteza. Ora, para este efeito, basta que as informações trocadas sejam, por um lado, confidenciais, ou seja, ainda não sejam conhecidas de qualquer operador económico ativo no mercado em causa, e, por outro, estratégicas.

63

Deve considerar-se que constituem semelhantes «informações confidenciais» quaisquer informações que ainda não sejam do conhecimento de todos os operadores económicos ativos no mercado em causa, ao passo que deve entender‑se que constituem «informações estratégicas» as informações suscetíveis de revelar, se for caso disso, depois de terem sido conjugadas com outras informações já conhecidas dos participantes num intercâmbio de informações, a estratégia que alguns desses participantes pretendem implementar em relação ao que constitui um ou vários parâmetros à luz dos quais se estabelece a concorrência no mercado em causa (v., neste sentido, Acórdão de 12 de janeiro de 2023, HSBC Holdings e o./Comissão, C‑883/19 P, EU:C:2023:11, n.o 117).

64

Além disso, mesmo que, como o advogado‑geral salientou nos n.os 69 e 70 das suas conclusões, qualquer intercâmbio de informações sobre preços futuros, ou sobre alguns dos fatores que os determinam, seja intrinsecamente anticoncorrencial tendo em conta, nomeadamente, o risco de prejuízo para a concorrência que comporta, o conceito de informação estratégica é no entanto mais amplo e inclui qualquer dado ainda não conhecido dos operadores económicos que, no contexto desse intercâmbio, seja suscetível de reduzir a incerteza dos que nele são participantes no que se refere ao comportamento futuro dos outros participantes em relação ao que constitui, em razão da natureza dos bens ou dos serviços em causa, das condições reais do funcionamento do mercado bem como da estrutura deste, um ou vários dos parâmetros à luz dos quais se estabelece a concorrência no mercado em questão.

65

Por último, quando as informações trocadas não incidam sobre intenções de alteração do comportamento dos participantes no intercâmbio no mercado em causa, mas sobre factos atuais ou passados, deve no entanto considerar‑se que essas informações são estratégicas se, em razão nomeadamente da natureza dos bens ou dos serviços em causa, das condições reais de funcionamento do mercado, da estrutura dos custos ou dos métodos de produção e de gestão dos participantes nessa troca, esse participante puder inferir com suficiente precisão o comportamento futuro dos outros participantes nesse intercâmbio ou as suas reações a um eventual movimento estratégico no mercado.

Quanto à qualificação, como restrição por objeto, de um intercâmbio de informações com características como as evocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua questão

66

Embora caiba ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se o intercâmbio em causa no processo principal constitui uma forma de coordenação entre empresas que deve ser considerada, pela sua própria natureza, prejudicial ao correto e normal funcionamento da concorrência e proceder às apreciações factuais necessárias para esse efeito, não deixa de ser certo que o Tribunal de Justiça, pronunciando-se a título prejudicial, pode fornecer esclarecimentos destinados a orientar esse órgão jurisdicional na sua interpretação (v., neste sentido, Acórdão de 18 de janeiro de 2024, Lietuvos notarų rūmai e o., C‑128/21, EU:C:2024:49, n.os 89 e 90).

67

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio referiu‑se, na sua questão, a uma abrangente troca de informações recíprocas e mensais entre instituições de crédito concorrentes, ocorrida em mercados que apresentam uma forte concentração e barreiras à entrada, que diz respeito às condições aplicáveis às operações realizadas nesses mercados, nomeadamente spreads e variáveis de risco, atuais e futuras, bem como aos valores de produção individualizados de cada uma delas.

68

Ora, por um lado, resulta da descrição feita pelo órgão jurisdicional de reenvio que as informações relativas aos spreads, que eram trocadas de forma confidencial entre as instituições de crédito participantes, não eram, com um nível de exaustividade e de sistematização idêntico, do domínio público no momento do intercâmbio e que essas informações incidiam, no essencial, sobre eventuais ações futuras. Mais precisamente, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que essas informações diziam respeito às intenções de alteração das condições aplicáveis às operações realizadas no mercado em causa ou, pelo menos, às alterações adotadas, mas ainda não aplicadas.

69

Por outro lado, uma vez que o conceito de «spread» remete para a diferença entre a taxa aplicada a um mutuário pela instituição de crédito e a taxa a que, em princípio, esta se refinancia, sendo esta segunda taxa, em princípio, conhecida, um spread é suscetível de revelar a oferta de taxa que as instituições de crédito propõem aos seus clientes antes da negociação.

70

Uma vez que os spreads se referem, assim, a um dos parâmetros à luz dos quais a concorrência se estabelece nos três mercados em causa no processo principal, deve considerar‑se que qualquer informação relativa às intenções futuras das instituições de crédito de alterar esses spreads constitui informação estratégica.

71

Consequentemente, tendo em conta o que foi declarado no n.o 62 do presente acórdão, um intercâmbio de informações, como o que foi descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua questão, que é organizado de forma confidencial e que tem por objeto as intenções futuras das instituições de crédito em matéria de spreads, que serve para determinar o que será proposto aos seus clientes, constitui uma forma de coordenação entre empresas que deve ser vista, pela sua própria natureza, como prejudicial ao correto e normal funcionamento da concorrência e, portanto, institui uma restrição por objeto na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

72

Sucede o mesmo com as informações relativas às alterações futuras das variáveis de risco aplicadas aos spreads praticados em função do perfil de risco individual dos clientes, uma vez que, conjugadas com as informações relativas às intenções futuras das instituições de crédito em matéria de spreads, são suscetíveis de permitir que os participantes no intercâmbio tenham uma visão mais concreta das estratégias de fixação do preçário que os outros participantes pretendem implementar.

73

Quanto às informações relativas aos «volumes de produção», há que sublinhar que é certo que este tipo de informações é, em princípio, suscetível de revelar, em especial quando, como no processo principal, estas sejam transmitidas de forma desagregada e individualizada por esses participantes, qualquer comportamento de um destes que se desvie de um eventual equilíbrio prevalecente no mercado.

74

Por conseguinte, a existência de um intercâmbio que tenha por objeto tais informações pode, em certas circunstâncias, revelar a existência de uma forma de coordenação que deve ser considerada, pela sua própria natureza, prejudicial ao correto e normal funcionamento da concorrência, forma de coordenação essa que constitui uma componente.

75

Todavia, no processo principal, resulta das informações do órgão jurisdicional de reenvio que a AdC acusou as recorrentes de terem participado num intercâmbio de informações «isolado» e não num intercâmbio que seria acessório de uma prática concertada restritiva da concorrência.

76

Ora, tratando‑se de um intercâmbio de informações «isolado», quando, como neste processo, tais informações digam respeito aos volumes de vendas passadas, afigura‑se pouco provável que, consideradas isoladamente e não havendo circunstâncias específicas, essas informações sejam suscetíveis de revelar as intenções futuras das instituições de crédito em causa ou de levar os participantes no intercâmbio, razoavelmente ativos e economicamente racionais, a seguir tacitamente a mesma linha de conduta no que respeita a um dos parâmetros à luz dos quais a concorrência se estabelece num dos mercados em causa.

77

No entanto, a nocividade de uma forma de intercâmbio de informações deve ser apreciada tendo igualmente em conta a possibilidade de cruzar as diferentes categorias de informações trocadas.

78

Assim, por incidir nomeadamente sobre volumes de produção, um intercâmbio de informações «isolado» pode constituir uma forma de coordenação entre empresas que deve ser considerada, pela sua própria natureza, prejudicial ao correto e normal funcionamento da concorrência se essas informações forem conjugadas nomeadamente com outro tipo de informações trocadas, bem como, sendo caso disso, com outras informações já livremente disponíveis, de tal forma que uma empresa razoavelmente ativa e economicamente racional daí pode deduzir, tendo em conta a natureza, as condições reais de funcionamento dos mercados em causa e a estrutura destes, as intenções futuras dos outros participantes ou ser levada a seguir tacitamente, com estes, uma linha de conduta idêntica no que respeita a um dos parâmetros à luz dos quais se estabelece a concorrência nesses mercados.

79

Em todo o caso, tratando‑se de um intercâmbio de informações como o descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua questão, deve considerar‑se que este último constitui uma restrição por objeto, uma vez que as informações trocadas dizem, nomeadamente, respeito às intenções de alteração futura dos spreads dos participantes nesse intercâmbio.

80

Esta conclusão pode ser confirmada pela análise das finalidades objetivas prosseguidas por um intercâmbio que diga respeito a tais informações, análise essa que é igualmente relevante para apreciar a existência de uma restrição por objeto, como resulta do n.o 49 do presente acórdão. Com efeito, um intercâmbio de informações sobre as intenções futuras dos seus participantes a respeito de um dos parâmetros à luz dos quais a concorrência se estabelece num mercado, como os spreads, não pode prosseguir outra finalidade objetiva que não a de falsear a concorrência nesse mercado.

81

No processo principal, as recorrentes tentam, no entanto, demonstrar que o intercâmbio de informações em causa não constitui uma restrição da concorrência por objeto, para o que apresentam vários argumentos.

82

Em primeiro lugar, alegam que estavam sujeitas, por força do direito do consumo, a obrigações de transparência em termos de preçário e, em conformidade com as regras contabilísticas e financeiras que lhes são aplicáveis, ou mesmo eventualmente, devido ao seu estatuto de sociedade cujos títulos são admitidos à negociação num mercado regulamentado, a obrigações de comunicação do seu volume de vendas, das suas quotas de mercado e dos seus spreads médios. Ora, em razão destas diversas obrigações jurídicas, qualquer operador nos mercados em causa podia recolher informação sobre as condições comerciais das instituições de crédito participantes deslocando‑se aos balcões destas ou consultando o seu sítio na Internet.

83

A este respeito, deve efetivamente sublinhar‑se que uma troca de informações cuja comunicação se tenha aliás tornado obrigatória devido a uma legislação nacional não pode violar o artigo 101.o TFUE, na medida em que essa troca não é suscetível de influenciar o mercado para além da influência já ocasionada pelo cumprimento dessa legislação e pela qual as empresas em causa não podem ser responsabilizadas (v., por analogia, Acórdãos de 11 de novembro de 1997, Comissão e França/Ladbroke Racing, C‑359/95 P e C‑379/95 P, EU:C:1997:531, n.o 33, e de 9 de setembro de 2003, CIF, C‑198/01, EU:C:2003:430, n.os 52 e 53).

84

Todavia, os participantes num intercâmbio de informações não podem invocar semelhante situação em seu benefício se as informações trocadas excederem as que devem ser tornadas públicas por qualquer instituição de crédito ativa nos três mercados em causa no âmbito das suas obrigações normativas e se tiverem sido trocadas antes de essas obrigações imporem a esses participantes que tornem públicas informações desta natureza, o que cabe todavia ao órgão jurisdicional de reenvio determinar.

85

Em segundo lugar, as recorrentes no processo principal observam que um intercâmbio de informações, como o que está em causa no processo principal, cuja frequência seja muito esporádica, a saber, uma ou duas vezes por ano, não pode constituir uma restrição por objeto. No entanto, importa recordar que semelhante frequência não exclui, por si só, o objeto anticoncorrencial de um intercâmbio de informações. Com efeito, um único contacto pode bastar para eliminar incertezas no espírito dos interessados quanto aos comportamentos futuros das outras empresas envolvidas no mercado em causa (v., neste sentido, Acórdão de 4 de junho de 2009, T‑Mobile Netherlands e o., C‑8/08, EU:C:2009:343, n.os 59 e 62).

86

Em terceiro lugar, as recorrentes no processo principal contestam o facto de um intercâmbio de informações, como o descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua questão, poder constituir uma forma de coordenação que, pela sua própria natureza, é prejudicial ao correto e normal funcionamento da concorrência, quando esse intercâmbio seja suscetível de facilitar a atividade de análise concorrencial (benchmarking) dos que nele participam, permitindo‑lhes comparar entre si as respetivas ofertas, reduzindo ao mesmo tempo os custos associados a esse exercício de comparação, podendo pois o mesmo intercâmbio ter efeitos pró‑concorrenciais.

87

É certo que importa salientar que a troca de informações relativas aos melhores métodos de gestão ou de produção a pôr em prática pode favorecer a concorrência, e não pode assim considerar‑se que institui uma restrição por objeto. Todavia, não é o que sucede no caso de troca de informações confidenciais relativas, precisamente, às intenções futuras dos participantes nessa troca a respeito de um dos parâmetros à luz dos quais se estabelece a concorrência no mercado em causa.

88

Em quarto lugar, as recorrentes no processo principal sustentam que os spreads não refletiam o preço global dos serviços de crédito propostos, mas apenas uma das suas componentes, nomeadamente por não mencionarem o montante das comissões e outras despesas. Além disso, pelo menos no mercado do crédito imobiliário, as taxas de juro do crédito propostas aos clientes, que resultam desses spreads, não correspondem às taxas de juro finais praticadas, mas a taxas indicativas que eram utilizadas como ponto de partida nas negociações individuais com cada cliente em função do seu perfil de risco específico. Por conseguinte, não se pode considerar que um intercâmbio de informações sobre os spreads, mesmo relativo às intenções futuras das instituições de crédito participantes, institui uma restrição por objeto.

89

Todavia, conforme o advogado‑geral sublinhou nos n.os 74 e 75 das suas conclusões, para ser abrangida pelo conceito de restrição por objeto, não é necessário que uma prática concertada incida sobre todos os parâmetros à luz dos quais a concorrência se estabelece no mercado ou, tratando‑se de informações relativas ao preçário, que estas incidam sobre todos os componentes do preço final praticado. Por conseguinte, uma troca de informações pode constituir uma forma de coordenação entre empresas que deve ser considerada, pela sua própria natureza, prejudicial ao correto e normal funcionamento da concorrência, mesmo que apenas diga respeito a um desses parâmetros (v., neste sentido, Acórdão de 12 de janeiro de 2023, HSBC Holdings e o./Comissão, C‑883/19 P, EU:C:2023:11, n.o 204).

90

Ora, a taxa utilizada como ponto de partida nas negociações individuais com cada cliente em função do seu perfil de risco reflete um dos parâmetros da concorrência nos mercados em causa uma vez que, com base nessa taxa, os potenciais clientes vão proceder a uma primeira seleção entre as propostas de crédito apresentadas pelas instituições de crédito para só encetarem negociações com algumas delas.

91

Em quinto lugar, as recorrentes no processo principal contestam o facto de, nas circunstâncias do processo principal, as informações transmitidas sobre os spreads dizerem respeito a um comportamento futuro cujo conhecimento era suscetível de proporcionar uma vantagem aos participantes no intercâmbio de informações. Desde logo, segundo as recorrentes no processo principal, essas informações referiam‑se a alterações sobre o momento da entrada em vigor, ou no próprio dia ou, o mais tardar, no dia útil seguinte, quando a comunicação tivesse lugar numa sexta‑feira. Em seguida, as taxas propostas antes da negociação foram indicadas na página da Internet e nos simuladores de crédito da instituição de crédito em causa pouco tempo depois de ter ocorrido o intercâmbio relativo às alterações de spreads, ou mesmo concomitantemente. Por último, de qualquer modo, foram necessárias várias semanas a uma instituição de crédito para alterar os seus próprios spreads, pelo que os participantes nesse intercâmbio não podiam reagir imediatamente às informações que recebiam.

92

A este respeito, há que recordar que a mera circunstância de as informações relativas aos spreads serem trocadas antes de estas se tornarem efetivas ou públicas é suficiente para demonstrar que o referido intercâmbio tinha a capacidade de reduzir a incerteza no espírito dos participantes na troca de informações quanto aos comportamentos futuros das demais instituições de crédito participantes, mesmo que a incerteza que teria afetado os outros concorrentes se tivesse dissipado pouco tempo depois. Com efeito, ainda que se considere que é impossível que os participantes nesse intercâmbio tomem imediatamente em conta essas informações a fim de alterarem imediatamente o seu comportamento no mercado, não deixa de ser certo que qualquer intercâmbio relativo a intenções futuras ainda não reveladas permitia que esses participantes reagissem em todo o caso mais rapidamente do que permitia o funcionamento normal do mercado em causa.

93

Em sexto lugar, as recorrentes no processo principal afirmam que os autos de que o Tribunal de Justiça dispõe não referem nenhum caso em que uma das instituições de crédito participantes tenha alterado o seu preçário depois de ter recebido informação segundo a qual os spreads de outro participante iriam ser alterados. No entanto, esta circunstância não pode ser considerada relevante, uma vez que a aplicação do conceito de restrição por objeto a um intercâmbio de informações não exige que seja feita prova de eventuais efeitos concretos no mercado abrangido pela troca de informações em causa nem sequer que os participantes no intercâmbio tomaram a informação em consideração de forma efetiva.

94

Em sétimo lugar, as recorrentes no processo principal alegam que o conceito de «variável de risco», conforme utilizado pelo órgão jurisdicional de reenvio, designa tabelas de avaliação, às quais é atribuído um nível de risco a uma categoria de clientes determinada em função de fatores como os rendimentos, a entrada ou o custo do bem imóvel, ao qual está associado um spread a aplicar para compensar esse risco. Ora, estes fatores subjacentes a cada nível de risco não foram em caso nenhum divulgados aquando do intercâmbio de informações, como resulta dos depoimentos reproduzidos na sentença interlocutória, pelo que a troca dessas tabelas não é suscetível de constituir uma informação estratégica.

95

A este respeito, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se, tendo em conta nomeadamente as informações de que os participantes no intercâmbio dispunham e a metodologia geralmente utilizada para elaborar este tipo de tabela, as informações contidas em semelhante tabela eram suficientemente inteligíveis para poderem permitir que esses participantes, depois de estes as terem conjugado com os spreads com base nos quais era proposta uma taxa aos clientes antes da negociação e aos volumes de venda realizados, reduzissem a sua incerteza quanto ao comportamento futuro dos outros participantes nesse intercâmbio em relação ao que são, em razão da natureza dos serviços em causa, as condições reais do funcionamento do mercado e da sua estrutura, um ou vários parâmetros à luz dos quais se estabelece a concorrência nos mercados em causa.

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Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma abrangente troca de informação recíproca e mensal entre instituições de crédito concorrentes, ocorrida em mercados que apresentam uma forte concentração e barreiras à entrada e que tem por objeto as condições aplicáveis às operações realizadas nesses mercados, nomeadamente spreads e variáveis de risco, atuais e futuras, bem como os valores de produção individualizados dos participantes nessa troca, na medida em que, pelo menos, esses spreads assim trocados sejam aqueles que essas instituições têm intenção de aplicar no futuro, deve ser qualificada como restrição da concorrência por objeto.

Quanto à segunda questão

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Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

Quanto às despesas

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Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

O artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que uma abrangente troca de informação recíproca e mensal entre instituições de crédito concorrentes, ocorrida em mercados que apresentam uma forte concentração e barreiras à entrada e que tem por objeto as condições aplicáveis às operações realizadas nesses mercados, nomeadamente spreads e variáveis de risco, atuais e futuras, bem como os valores de produção individualizados dos participantes nessa troca, na medida em que, pelo menos, esses spreads assim trocados sejam aqueles que essas instituições têm intenção de aplicar no futuro, deve ser qualificada como restrição da concorrência por objeto.

 

Regan

Csehi

Jarukaitis

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de julho de 2024.

O Secretário

A. Calot Escobar

O Presidente de Secção

E. Regan


( *1 ) Língua do processo: português.