ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)
5 de outubro de 2023 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Regulamento (UE) 2018/858 — Homologação e vigilância do mercado dos serviços de informação sobre a reparação e a manutenção dedos veículos a motor e seus reboques, bem como dos sistemas, componentes e unidades técnicas distintas destinados a esses veículos — Artigo 61.o, n.os 1 e 4 — Anexo X, ponto 2.9 — Informações do sistema de diagnóstico a bordo (OBD) dos veículos a motor — Acesso ilimitado, normalizado e não discriminatório — Obrigações dos fabricantes — Direitos dos operadores independentes»
No processo C‑296/22,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Landgericht Köln (Tribunal Regional de Colónia, Alemanha), por Decisão de 27 de abril de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de maio de 2022, no processo
A.T.U. Auto‑Teile‑Unger GmbH & Co. KG,
Carglass GmbH
contra
FCA Italy SpA,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),
composto por: M. Safjan, presidente de secção, N. Piçarra (relator) e M. Gavalec, juízes,
advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
— |
em representação da A.T.U. Auto‑Teile‑Unger GmbH & Co. KG bem como da Carglass GmbH, por E. Macher, M. Sacré e P. Schmitz, Rechtsanwälte, |
— |
em representação da FCA Italy SpA, por M. Ruttloff e C. Steinle, Rechtsanwälte, |
— |
em representação da Comissão Europeia, por M. Huttunen e M. Noll‑Ehlers, na qualidade de agentes, |
vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 61.o, n.os 1 e 4, bem como do anexo X, ponto 2.9., do Regulamento (UE) 2018/858 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018, relativo à homologação e à fiscalização do mercado dos veículos a motor e seus reboques, e dos sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a esses veículos, que altera os Regulamentos (CE) n.o 715/2007 e (CE) n.o 595/2009 e revoga a Diretiva 2007/46/CE (JO 2018, L 151, p. 1). |
2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a A.T.U. Auto‑Teile‑Unger GmbH & Co. KG (a seguir «ATU»), uma cadeia de oficinas de reparação independentes, e a Carglass GmbH, uma empresa de reparação e de substituição de vidros de veículos, à FCA Italy SpA (a seguir «FCA»), uma filial do grupo automóvel Fiat Chrysler Automobiles NV, que fabrica veículos particulares e utilitários ligeiros, a propósito da disponibilização, por esta última, do fluxo de dados direto dos seus veículos. |
Quadro jurídico
Direito internacional
3 |
O Regulamento n.o 155 da ONU — Prescrições uniformes relativas à homologação de veículos no que diz respeito à cibersegurança e ao sistema de gestão da cibersegurança [2021/387] (JO 2021, L 82, p. 30) prevê, no seu ponto 1.3: «O presente regulamento não prejudica os outros regulamentos da ONU, as legislações regionais ou nacionais que regem o acesso das partes autorizadas ao veículo e aos seus dados, funções e recursos, bem como as respetivas condições de acesso. […]» |
Direito da União
Regulamento 2018/858
4 |
Os considerandos 50 e 52 do Regulamento 2018/858 enunciam:
[…]
|
5 |
O artigo 3.o deste regulamento tem a seguinte redação: «Para efeitos do presente regulamento e dos atos regulamentares enumerados no anexo II, salvo disposição em contrário neles prevista, entende‑se por: […]
[…]
[…]
[…]
[…]» |
6 |
O artigo 61.o, epigrafado «Obrigação de os fabricantes comunicarem as informações do sistema OBD do veículo e as informações relativas à reparação e à manutenção de veículos», dispõe: «1. Os fabricantes disponibilizam aos operadores independentes um acesso ilimitado, normalizado e não discriminatório às informações do sistema OBD do veículo, aos equipamentos de diagnóstico e outros, aos instrumentos, incluindo as referências completas e os descarregamentos disponíveis do suporte lógico (software) aplicável, e às informações relativas à reparação e à manutenção de veículos. As informações devem ser apresentadas de modo facilmente acessível, num formato de conjuntos de dados passíveis de tratamento eletrónico e de leitura automática. […] […] 4. O anexo X contém os pormenores dos requisitos técnicos para o acesso às informações do sistema OBD do veículo e às informações relativas à reparação e à manutenção de veículos, em especial as especificações técnicas sobre o modo como essas informações devem ser fornecidas. […]» |
7 |
O anexo II do mesmo regulamento, intitulado «Requisitos de homologação UE de veículos, sistemas, componentes e unidades técnicas», inclui uma parte I, com o título «Atos regulamentares para efeitos de homologação UE de veículos produzidos em séries ilimitadas». Na sua versão em vigor até 6 de julho de 2022, o elemento 63 desta parte mencionava o Regulamento (CE) n.o 661/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, relativo às prescrições para homologação no que se refere à segurança geral dos veículos a motor, seus reboques e sistemas, componentes e unidades técnicas a eles destinados (JO 2009, L 200, p. 1). Na sua versão resultante do Regulamento (UE) 2019/2144 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de novembro de 2019, relativo aos requisitos de homologação de veículos a motor e seus reboques e dos sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a esses veículos, no que se refere à sua segurança geral e à proteção dos ocupantes dos veículos e dos utentes da estrada vulneráveis, que altera o Regulamento (UE) 2018/858 do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga os Regulamentos (CE) n.o 78/2009 (CE) n.o 79/2009 e (CE) n.o 661/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho e os Regulamentos (CE) n.o 631/2009 (UE) n.o 406/2010 (UE) n.o 672/2010 (UE) n.o 1003/2010 (UE) n.o 1005/2010 (UE) n.o 1008/2010 (UE) n.o 1009/2010 (UE) n.o 19/2011 (UE) n.o 109/2011 (UE) n.o 458/2011 (UE) n.o 65/2012 (UE) n.o 130/2012 (UE) n.o 347/2012 (UE) n.o 351/2012 (UE) n.o 1230/2012, e (UE) 2015/166 da Comissão (JO 2019, L 325, p. 1, e retificações JO 2021, L 398, p. 21), esse elemento 63 mencionava o Regulamento 2019/2144. |
8 |
O anexo X do Regulamento 2018/858, intitulado «Acesso às informações do sistema OBD do veículo e às informações relativas à reparação e à manutenção de veículos», prevê, no seu ponto 2.9: «Para efeitos dos sistemas OBD, de diagnóstico, de reparação e de manutenção dos veículos, o fluxo direto de dados relativos ao veículo deve ser disponibilizado através da porta dos dados de série do conector normalizado de ligação para dados […] Quando o veículo estiver em movimento, os dados devem ser disponibilizados unicamente em modo de leitura.» |
9 |
Este anexo precisa, no seu ponto 6.2, que «[o] acesso às características de segurança do veículo utilizado pelos concessionários e pelas oficinas de reparação autorizados é facultado aos operadores independentes sob a proteção de uma tecnologia de segurança». |
10 |
Nos termos do ponto 6.4 do referido anexo: «A reprogramação das unidades de controlo é realizada em conformidade com as normas internacionais ISO 22900‑2, SAE J2534 ou TMC RP1210B mediante recurso a equipamento não exclusivo. A fim de validar a compatibilidade da aplicação própria do fabricante e das interfaces de comunicação do veículo (VCI) que cumpram a norma internacional ISO 22900‑2, SAE J2534 ou TMC RP1210B, o fabricante deve propor quer uma validação das VCI desenvolvidas de forma independente, quer a informação e o empréstimo de eventual hardware especial de que um fabricante de VCI necessite para realizar ele próprio tal validação. […]» |
Regulamento 661/2009
11 |
O artigo 5.o do Regulamento n.o 661/2009, epigrafado «Requisitos e ensaios», previa, no seu n.o 1: «Os fabricantes devem assegurar que os veículos sejam concebidos, fabricados e montados por forma a minimizar o risco de lesões nos ocupantes do veículo e demais utentes da estrada.» |
Regulamento 2019/2144
12 |
O considerando 27 do Regulamento 2019/2144 enuncia: «As modificações das aplicações informáticas podem alterar significativamente as funcionalidades dos veículos. Deverão ser estabelecidas regras e requisitos técnicos harmonizados para as modificações das aplicações informáticas de acordo com os procedimentos de homologação. Os regulamentos da ONU ou os outros atos regulamentares relativos aos processos de atualização das aplicações informáticas deverão, pois, ser aplicados a título obrigatório o mais rapidamente possível após a sua entrada em vigor. No entanto, essas medidas de segurança não deverão comprometer as obrigações do fabricante do veículo de proporcionar o acesso a informações exaustivas de diagnóstico e aos dados a bordo do veículo que sejam relevantes para a reparação e a manutenção do veículo.» |
13 |
O artigo 4.o deste Regulamento, epigrafado «Obrigações gerais e requisitos técnicos», dispõe, nos seus n.os 4 e 5: «4. Os fabricantes devem assegurar que os veículos sejam concebidos, construídos e montados de forma a minimizar o risco de lesões nos ocupantes do veículo e nos utentes da estrada vulneráveis. 5. Os fabricantes também devem assegurar que os veículos, sistemas, componentes e unidades técnicas cumpram os requisitos aplicáveis enumerados no anexo II, com efeitos a partir das datas especificadas nesse anexo, os requisitos técnicos pormenorizados e os procedimentos de ensaio estabelecidos nos atos delegados e os procedimentos uniformes e as especificações técnicas estabelecidos nos atos de execução adotados nos termos do presente regulamento, […]» |
Litígio no processo principal e questão prejudicial
14 |
A ATU e a Carglass são operadores independentes, na aceção do artigo 3.o, ponto 45, do Regulamento 2018/858, cuja atividade inclui a realização de diagnósticos de veículos. |
15 |
A FCA, enquanto fabricante, na aceção do artigo 3.o, ponto 40, deste regulamento, equipa os seus veículos do sistema dito «Secure Gateway». Para poder efetuar operações de escrita, eliminar os códigos de anomalias, proceder a calibragens e ativar elementos destes veículos, tanto as oficinas de reparação independentes como as oficinas de reparação autorizadas devem respeitar as exigências definidas pela FCA, a saber, registar‑se previamente junto desta, identificar‑se através de dados de ligação pessoais num servidor designado pela FCA, comprar uma assinatura paga para o uso de ferramentas de diagnóstico genéricas e conectar estas últimas, através da Internet, a este servidor. |
16 |
Por considerarem que a imposição unilateral, pela FCA, destas exigências constitui uma violação das obrigações que lhe incumbem por força do artigo 61.o, n.os 1 e 4, do Regulamento 2018/858, lido em conjugação com o anexo X, ponto 2.9, deste regulamento, a ATU e a Carglass interpuseram para o Landgericht Köln (Tribunal Regional de Colónia, Alemanha), que é o órgão jurisdicional de reenvio, um recurso em que era pedido que a FCA fosse condenada a deixar de sujeitar, na Alemanha, o diagnóstico, a reparação e a manutenção dos veículos a estas exigências, sempre que não se trate da reprogramação completa das unidades de controlo. |
17 |
O órgão jurisdicional de reenvio considera que o desfecho do litígio depende da interpretação das disposições conjugadas do artigo 61.o, n.os 1 e 4, e do anexo X, ponto 2.9, do Regulamento 2018/858. |
18 |
Salienta, por um lado, que a redação do artigo 61.o, n.o 1, bem como o espírito e a finalidade desse regulamento militam por uma interpretação da obrigação de fornecer um acesso «ilimitado», prevista nesta disposição, no sentido de que a FCA é obrigada a fornecer um acesso completo ao fluxo de dados direto do veículo, por intermédio da interface do sistema OBD, sem poder submeter o recurso a ferramentas de diagnóstico e a sua utilização a exigências impostas unilateralmente. Este órgão jurisdicional baseia‑se no n.o 28 do Acórdão de 19 de setembro de 2019, Gesamtverband Autoteile‑Handel (C‑527/18, EU:C:2019:762), para considerar que a obrigação de facultar um acesso «sem restrições», previsto pela regulamentação em vigor antes da adoção do referido regulamento, dizia respeito ao conteúdo das informações e não às modalidades da disponibilização dessas informações. Porém, o órgão jurisdicional interroga‑se sobre a possibilidade de interpretar do mesmo modo o conceito de acesso «ilimitado», na aceção do artigo 61.o, n.o 1, do Regulamento 2018/858, tendo em conta que, em seu entender, este regulamento institui um novo regime jurídico na matéria. |
19 |
Se este conceito deve ser entendido no sentido de que visa não só o conteúdo das informações mas também as condições de utilização das ferramentas de diagnóstico, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se a garantia de segurança geral dos veículos, visada no elemento 63 da parte I do anexo II do Regulamento 2018/858, na sua versão em vigor até 6 de julho de 2022 ou na que resulta do Regulamento 2019/2144, impõe que se interprete o referido conceito de modo restritivo. |
20 |
Nestas condições, o Landgericht Köln (Tribunal Regional de Colónia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial: «Deve o artigo 61.o, n.os 1 e 4, em conjugação com o anexo X, ponto 2.9, do Regulamento 2018/858, […] tendo também em conta os requisitos impostos ao fabricante do veículo para garantir a segurança geral do veículo que figuram no anexo II, parte I, ponto 63, deste regulamento,
ser interpretado no sentido de que o fabricante do veículo deve sempre assegurar, mesmo quando são implementadas medidas de segurança adequadas, que [continue a ser possível às oficinas de reparação independentes proceder à consulta das informações do sistema OBD dos veículos bem como ao] diagnóstico, [à] reparação e [à] manutenção dos veículos, incluindo [às] operações de escrita necessárias para o efeito, com recurso a uma ferramenta de diagnóstico universal e genérica, sem que seja necessário cumprir exigências[,] não expressamente previstas no [Regulamento 2018/858,] de uma ligação à Internet da ferramenta de diagnóstico a um servidor designado pelo fabricante do veículo e/ou de um registo pessoal prévio do utilizador junto do fabricante do veículo?» |
Quanto ao pedido de abertura da fase oral do processo
21 |
Por requerimento apresentado na Secretaria em 19 de junho de 2023, a FCA pediu a abertura da fase oral do processo, em aplicação do artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, invocando um documento emitido pelo Centro Prova Autoveicoli Torino (Centro de Inspeção dos Veículos Automóveis de Turim, Itália), uma autoridade regional competente em matéria de homologação de veículos, e uma correspondência do Ministero delle Infrastrutture e dei Trasporti (Ministério das Infraestruturas e dos Transportes, Itália), mediante a qual esta autoridade certifica a compatibilidade com o artigo 61.o, n.o 1, do Regulamento 2018/858 do sistema «Secure Gateway» com o qual a FCA equipa os seus veículos. |
22 |
Por força do artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido. |
23 |
No caso vertente, o Tribunal de Justiça, ouvido o advogado‑geral, considera, com base no pedido de decisão prejudicial e nas observações escritas, que dispõe de todos os elementos necessários para tratar o presente reenvio prejudicial e que os documentos invocados pela FCA no seu pedido de 19 de junho de 2023, visados no n.o 21 do presente Acórdão, cuja pertinência para o processo principal deve ser apreciada pelo órgão jurisdicional de reenvio, não constituem factos novos suscetíveis de exercer influência determinante na decisão prejudicial do Tribunal. |
24 |
Por conseguinte, não há que ordenar a abertura da fase oral do processo. |
Quanto à questão prejudicial
25 |
Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 61.o, n.os 4 e 5, do Regulamento 2018/858, lido em conjugação com o ponto 2.9 do anexo X deste regulamento deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um fabricante de automóveis sujeite o acesso dos operadores independentes às informações sobre a reparação e a manutenção dos veículos bem como às do sistema OBD, incluindo o acesso de escrita a estas informações, a condições diferentes das previstas pelo referido regulamento. |
26 |
Importa começar por recordar que, ao proceder à interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos, mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que esta disposição faz parte (Acórdão de 9 de junho de 2022IMPERIAL TOBACCO BULGARIA, C‑55/21, EU:C:2022:459, n.o 44 e jurisprudência referida). A génese dessa disposição pode igualmente fornecer elementos pertinentes para a interpretação desta (v., neste sentido, Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o., C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 47 e jurisprudência referida). |
27 |
No que respeita à interpretação literal das disposições em causa, o artigo 61.o, n.o 1, do Regulamento 2018/858 obriga os fabricantes de automóveis a fornecer aos operadores independentes um acesso ilimitado, normalizado e não discriminatório às informações do sistema OBD, na aceção do artigo 3.o, ponto 49, deste regulamento, aos equipamentos e às ferramentas de diagnóstico ou outros, bem como às informações sobre a reparação e a manutenção dos veículos na aceção desse artigo 3.o, ponto 48. Estas informações devem ser apresentadas de modo facilmente acessível, num formato de conjuntos de dados suscetíveis de leitura automática e de tratamento eletrónico. |
28 |
O artigo 61.o, n.o 4, do referido regulamento prevê que anexo X contém «os pormenores dos requisitos técnicos para o acesso às informações do sistema OBD do veículo e às informações relativas à reparação e à manutenção de veículos, em especial as especificações técnicas sobre o modo como essas informações devem ser fornecidas». Este anexo estabelece, no seu ponto 2.9, que «[p]ara efeitos dos sistemas OBD, de diagnóstico, de reparação e de manutenção dos veículos, o fluxo direto de dados relativos ao veículo deve ser disponibilizado através da porta dos dados de série do conector normalizado de ligação para dados». Além disso, esta última disposição precisa, no seu segundo parágrafo, que, quando o veículo estiver em movimento, os dados devem ser disponibilizados unicamente para as funções acessíveis por simples leitura. |
29 |
Daqui decorre, por um lado, que a obrigação, no que respeita aos fabricantes de automóveis, de fornecer um acesso ilimitado, normalizado e não discriminatório às informações do sistema OBD, bem como às respeitantes à informação e à manutenção dos veículos, prevista no artigo 61.o, n.o 1, do Regulamento 2018/858, inclui a obrigação de permitir que os operadores independentes tratem e explorem estas informações sem estarem sujeitos a condições para além das previstas neste regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 27 de outubro de 2022, ADPA e Gesamtverband Autoteile‑Handel, C‑390/21, EU:C:2022:837, n.o 29). Por outro lado, resulta do ponto 2.9, segundo parágrafo, do anexo X do referido regulamento que, quando o veículo não estiver em movimento, estes operadores devem beneficiar de um acesso mais alargado do que um acesso unicamente para leitura dos dados visados nesta última disposição. |
30 |
No que respeita à interpretação contextual das disposições em causa, os pontos 6.2 e 6.4 do anexo X do Regulamento 2018/858 definem, por um lado, as prescrições relativas ao acesso às características de segurança do veículo e, por outro, as exigências relativas à reprogramação das unidades de controlo. Como a Comissão Europeia referiu nas suas observações escritas, estes pontos identificam os casos nos quais o acesso às informações do sistema OBD, bem como às relativas à reparação e à manutenção dos veículos pode ser sujeito a certas condições devido à sua importância para a segurança. Excetuados estes casos, os operadores independentes devem pois beneficiar de um acesso de escrita a estas informações sem ser sujeito a condições que não sejam as previstas pelo referido regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 27 de outubro de 2022, ADPA e Gesamtverband Autoteile‑Handel, C‑390/21, EU:C:2022:837, n.o 32). |
31 |
A interpretação que figura no n.o 29 do presente acórdão é corroborada pelo objetivo enunciado nos considerandos 50 e 52 do Regulamento 2018/858, a saber, permitir uma concorrência efetiva no mercado dos serviços de informação sobre a reparação e a manutenção dos veículos, de modo que o mercado da reparação e da manutenção dos veículos pelos operadores independentes possa concorrer com o dos concessionários autorizados (v., neste sentido, Acórdão de 27 de outubro de 2022, ADPA e Gesamtverband Autoteile‑Handel, C‑390/21, EU:C:2022:837, n.o 30). |
32 |
Assim, os operadores independentes devem obter um acesso ilimitado às informações necessárias para conduzir as suas atividades na cadeia de abastecimento do mercado da reparação e da manutenção dos veículos. Ora, submeter o acesso às informações visadas no artigo 61.o, n.o 1, do Regulamento 2018/858 a condições que não estão previstas neste último poderia diminuir o número de oficinas de reparação independentes com acesso a estas informações, com o efeito potencial de reduzir a concorrência no mercado dos serviços de informação sobre a reparação e a manutenção dos veículos, bem como, por conseguinte, a oferta aos consumidores. Além disso, se os fabricantes pudessem limitar à sua vontade o acesso ao fluxo direto de dados do veículo, na aceção do ponto 2.9 do anexo X deste regulamento, ser‑lhes‑ia possível subordinar o acesso a este fluxo a condições suscetíveis de o tornar, na prática, impossível. |
33 |
A interpretação constante do n.o 29 do presente acórdão também é corroborada pela génese do artigo 61.o, n.o 1, do Regulamento 2018/858. Com efeito, ao passo que a regulamentação anterior — que estabelecia uma distinção entre, por um lado, o acesso às informações sobre a reparação e a manutenção de veículos e, por outro, o formato no qual este acesso devia ser concedido — só excluía restrições em relação ao conteúdo dessas informações (v., neste sentido, Acórdão de 19 de setembro de 2019, Gesamtverband Autoteile‑Handel, C‑527/18, EU:C:2019:762, n.o 28), este artigo 61.o, n.o 1, obriga o fabricante não só a fornecer um acesso ilimitado às informações visadas nesta disposição mas também a apresentar estas informações de uma maneira «facilmente acessível». |
34 |
Daqui resulta que a obrigação imposta, no artigo 61.o, n.o 1, do Regulamento 2018/858, aos fabricantes de automóveis de concederem aos operadores independentes um acesso às informações visadas nesta disposição num formato suscetível de ser objeto de tratamento eletrónico, obrigação que, introduzida apenas no decurso do processo legislativo relativo a este regulamento, vai além da obrigação de conceder este acesso em simples leitura (v., neste sentido, Acórdão de 19 de setembro de 2019, Gesamtverband Autoteile‑Handel, C‑527/18, EU:C:2019:762, n.os 26 e 34). |
35 |
Além disso, no que respeita às exigências relativas à cibersegurança que decorrem do Regulamento n.o 155 da ONU, invocadas pela FCA, basta salientar que este regulamento prevê, no seu ponto 1.3, que este deve ser entendido no sentido de que não prejudica, designadamente, «legislações regionais ou nacionais que regem o acesso das partes autorizadas ao veículo e aos seus dados, funções e recursos, bem como as respetivas condições de acesso». |
36 |
No que respeita à remissão feita pelo elemento 63 da parte I do anexo II do Regulamento 2018/858 para o Regulamento 2019/2144, o considerando 27 deste último regulamento enuncia expressamente que as medidas de segurança que este prevê «não deverão comprometer as obrigações do fabricante do veículo de proporcionar o acesso a informações exaustivas de diagnóstico e aos dados a bordo do veículo que sejam relevantes para a reparação e a manutenção do veículo». |
37 |
Por último, à semelhança do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 661/2009, para o qual este elemento 63 remeteu até 6 de julho de 2022, o artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento 2019/2144, para o qual o referido elemento remete a partir desta data, prevê que as questões de segurança devem ser asseguradas na fase da conceção, do fabrico e da montagem dos veículos, e não em detrimento dos restantes operadores do mercado, como os operadores independentes, o que comprometeria o objetivo recordado no n.o 31 do presente acórdão. |
38 |
Daqui resulta que não são admitidas pelo referido regulamento as condições de acesso às informações visadas no artigo 61.o, n.o 1, do Regulamento 2018/858, que não as previstas neste regulamento, como sejam uma ligação da ferramenta de diagnóstico através da Internet a um servidor designado pelo fabricante ou um registo prévio dos operadores independentes junto deste fabricante. |
39 |
Atendendo aos fundamentos que precedem, há que responder à questão submetida que o artigo 61.o, n.os 1 e 4, do Regulamento 2018/858, lido em conjugação com o anexo X deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um fabricante de automóveis sujeite o acesso dos operadores independentes às informações sobre a reparação e a manutenção dos veículos, bem como às do sistema OBD, incluindo o acesso de escrita a essas informações, a condições diferentes das que estão previstas no referido regulamento. |
Quanto às despesas
40 |
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara: |
O artigo 61.o, n.os 1 e 4, do Regulamento (UE) 2018/858 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018, relativo à homologação e à fiscalização do mercado dos veículos a motor e seus reboques, e dos sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a esses veículos, que altera os Regulamentos (CE) n.o 715/2007 e (CE) n.o 595/2009 e revoga a Diretiva 2007/46/CE, lido em conjugação com o anexo X do Regulamento 2018/858, |
deve ser interpretado no sentido de que: |
se opõe a que um fabricante de automóveis sujeite o acesso dos operadores independentes às informações sobre a reparação e a manutenção dos veículos, bem como às do sistema OBD, incluindo o acesso de escrita a essas informações, a condições diferentes das que estão previstas no referido regulamento. |
Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: alemão.