ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

7 de setembro de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Serviços postais na União Europeia — Diretiva 97/67/CE — Artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, e n.o 3 — Artigo 22.o — Empresas do setor postal — Contribuição para os custos de funcionamento da autoridade reguladora do setor postal — Obrigação — Encargo financeiro exclusivamente assumido pelos operadores do mercado, sem distinção em função do tipo de serviços prestados — Princípios da proporcionalidade e da não discriminação»

No processo C‑226/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado em formação jurisdicional, Itália), por Decisão de 22 de março de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 31 de março de 2022, nos processos

Nexive Commerce Srl,

Nexive Scarl,

Nexive Services Srl,

Nexive Network Srl,

Nexive SpA,

General Logistics Systems Enterprise Srl,

General Logistics Systems Italy SpA,

contra

Autorità per le Garanzie nelle Comunicazioni,

Presidenza del Consiglio dei Ministri,

Ministero dell’Economia e delle Finanze,

Ministero dello Sviluppo economico,

e

BRT SpA


contra


Autorità per le Garanzie nelle Comunicazioni,


Presidenza del Consiglio dei Ministri,


Ministero dell’Economia e delle Finanze,

e


AICAI — Associazione Italiana Corrieri Aerei Internazionali,


DHL Express (Italy) Srl,


TNT Global Express Srl,


United Parcel Service Italia Srl,


Fedex Express Italy Srl,


Federal Express Europe Inc. Filiale Italiana


contra


Autorità per le Garanzie nelle Comunicazioni,


Presidenza del Consiglio dei Ministri,


Ministero dell’Economia e delle Finanze,


Ministero dello Sviluppo economico,


sendo interveniente:


Nexive SpA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, D. Gratsias (relator), M. Ilešič, I. Jarukaitis e Z. Csehi, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da BRT SpA, por E. Fumagalli, A. Manzi, e L. Scambiato, avvocati,

em representação da AICAI — Associazione Italiana Corrieri Aerei Internazionali, da DHL Express (Italy) Srl, da TNT Global Express Srl, da Federal Express Europe Inc. Filiale Italiana e da United Parcel Service Italia Srl, por M. Giordano, avvocato,

em representação da General Logistics Systems Enterprise Srl e da General Logistics Systems Italy SpA, por M. Giordano, avvocato,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por E. De Bonis e B. G. Fiduccia, avvocati dello Stato,

em representação do Governo belga, por P. Cottin e J.‑C. Halleux, na qualidade de agentes,

em representação do Governo helénico, por V. Baroutas e K. Boskovits, na qualidade de agentes,

em representação do Governo lituano, por K. Dieninis e S. Grigonis, na qualidade de agentes,

em representação do Governo português, por P. Barros da Costa, A. Pimenta, M. J. Ramos, na qualidade de agentes, assistidas por S. Gonçalves do Cabo, advogado,

em representação do Governo norueguês, por I. Collett, V. Hauan e L. Tvedt, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por L. Malferrari e M. Mataija, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 23 de março de 2023,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 9.o, n.os 2 e 3, e do artigo 22.o da Diretiva 97/67/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço (JO 1998, L 15, p. 14), conforme alterada pela Diretiva 2008/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de fevereiro de 2008 (JO 2008, L 52, p. 3) (a seguir «Diretiva 97/67»), bem como dos princípios da proporcionalidade e da não discriminação.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Nexive Commerce Srl e outros operadores económicos que prestam serviços de correio expresso (a seguir «Nexive Commerce e o.») à Autorità per le Garanzie nelle Comunicazioni (Autoridade Reguladora das Comunicações, Itália) (a seguir «AGCOM»), à Presidenza del Consiglio dei Ministri (Presidência do Conselho de Ministros, Itália), ao Ministero dell’Economia e delle Finanze (Ministério da Economia e das Finanças, Itália) e ao Ministero dello Sviluppo economico (Ministério do Desenvolvimento Económico, Itália), a respeito das Decisões n.os 182/17/CONS, 427/17/CONS e 528/18/CONS, nas quais a AGCOM determinou, para os anos de 2017 a 2019, o montante e as modalidades de pagamento da contribuição devida pelas entidades que exercem atividade no setor dos serviços postais para o financiamento dos custos respeitantes ao seu funcionamento (a seguir «decisões controvertidas»).

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 97/67

3

Nos termos do considerando 39 da Diretiva 97/67:

«Considerando que, para garantir o bom funcionamento do serviço universal e para garantir a concorrência leal no setor não reservado, convém separar as funções de regulador, por um lado, e de operador, por outro; que um operador postal não pode, simultaneamente, ser juiz e parte interessada; que compete ao Estado‑Membro definir o estatuto de uma ou mais autoridades reguladoras nacionais [(a seguir “ARN”)], que podem ser autoridades públicas ou entidades independentes designadas para o efeito».

4

O artigo 1.o desta diretiva dispõe:

«A presente diretiva estabelece regras comuns relativas:

[…]

à criação de [ARN] independentes.»

5

O artigo 9.o da referida diretiva prevê:

«1.   Para os serviços não abrangidos pelo conceito de serviço universal, os Estados‑Membros podem estabelecer autorizações gerais na medida necessária para garantir o cumprimento dos requisitos essenciais.

2.   Para os serviços abrangidos pelo conceito de serviço universal, os Estados‑Membros podem estabelecer procedimentos de autorização, incluindo licenças individuais, na medida necessária para garantir o cumprimento dos requisitos essenciais e assegurar a prestação do serviço universal.

A concessão de autorizações pode:

ser subordinada às obrigações do serviço universal,

se necessário, impor requisitos relativamente à qualidade, disponibilidade e desempenho dos serviços relevantes,

quando apropriado, ser subordinada à obrigação de contribuir financeiramente para os mecanismos de partilha de custos referidos no artigo 7.o, se a prestação do serviço universal implicar um custo líquido e representar um encargo não razoável para o prestador ou prestadores de serviço universal designados nos termos do artigo 4.o,

quando apropriado, ser subordinada à obrigação de contribuir financeiramente para os custos de funcionamento da [ARN] a que se refere o artigo 22.o,

quando apropriado, ser subordinada ao cumprimento de condições de trabalho fixadas pela legislação nacional ou impor esse cumprimento.

As obrigações e os requisitos referidos no primeiro travessão e no artigo 3.o só podem ser impostos aos prestadores do serviço universal designados.

[…]

3.   Os procedimentos, as obrigações e os requisitos referidos nos n.os 1 e 2 devem ser transparentes, acessíveis, não discriminatórios, proporcionados, exatos e inequívocos, publicados com a devida antecedência e baseados em critérios objetivos. Os Estados‑Membros devem assegurar que os motivos do indeferimento ou da revogação total ou parcial de uma autorização sejam comunicados ao requerente, e instituir um processo de recurso.»

6

O artigo 22.o, n.os 1 e 2, da mesma diretiva tem a seguinte redação:

«1.   Cada Estado‑Membro designa uma ou mais [ARN] para o setor postal, juridicamente distintas e funcionalmente independentes dos operadores postais. Os Estados‑Membros que mantenham a propriedade ou o controlo de prestadores de serviços postais devem assegurar uma separação estrutural efetiva entre as funções de regulação e as atividades ligadas à propriedade ou ao controlo.

[…]

2.   As [ARN] têm como atribuição específica assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes da presente diretiva, em especial estabelecendo procedimentos de acompanhamento e de regulação para garantir a prestação do serviço universal. Podem igualmente ter como atribuição assegurar o cumprimento das regras de concorrência no sector postal.

[…]»

Diretiva 2008/6

7

O considerando 47 da Diretiva 2008/6 tem a seguinte redação:

«As [ARN] continuarão muito provavelmente a ter um papel essencial, em particular nos Estados‑Membros onde o processo de transição para a concorrência não está ainda concluído. De acordo com o princípio da separação das funções de regulação e operacionais, os Estados‑Membros deverão garantir a independência das [ARN], assegurando assim a imparcialidade das suas decisões. Este requisito de independência não prejudica a autonomia institucional e as obrigações constitucionais dos Estados‑Membros, nem o princípio, estabelecido no artigo 295.o do Tratado, da neutralidade no que respeita à legislação aplicada nos Estados‑Membros ao regime da propriedade. As [ARN] deverão dispor de todos os recursos necessários em termos de pessoal, de competências e de meios financeiros para o desempenho das suas funções.»

Diretiva Autorização

8

A Diretiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações eletrónicas (Diretiva Autorização) (JO 2002, L 108, p. 21), revogada, em 21 de dezembro de 2020, pelo artigo 125.o da Diretiva (UE) 2018/1972 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que estabelece o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas (reformulação) (JO 2018, L 321, p. 36, a seguir «Código Europeu das Comunicações Eletrónicas»), dispunha, no seu artigo 12.o, n.o 1, com a epígrafe «Encargos administrativos»:

«Todos os encargos administrativos impostos às empresas que ofereçam serviços ou redes ao abrigo da autorização geral ou às quais foi concedido um direito de utilização:

a)

Cobrirão, no total, apenas os custos administrativos decorrentes da gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral, bem como dos direitos de utilização e das obrigações específicas referidas no n.o 2 do artigo 6.o, os quais poderão incluir custos de cooperação internacional, harmonização e normalização, análise de mercados, vigilância do cumprimento e outros tipos de controlo do mercado, bem como trabalho de regulação que envolva a preparação e execução de legislação derivada e decisões administrativas, como decisões em matéria de acesso e de interligação; e

b)

Serão impostos às empresas de forma objetiva, transparente e proporcional, que minimize os custos administrativos adicionais e os encargos conexos.»

Código Europeu das Comunicações Eletrónicas

9

Nos termos do artigo 16.o, n.o 1, do Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, com a epígrafe «Encargos administrativos»:

«Todos os encargos administrativos impostos às empresas fornecedoras de redes ou serviços de comunicações eletrónica ao abrigo da autorização geral ou às quais foi concedido um direito de utilização devem:

a)

Cobrir, no total, apenas os custos administrativos decorrentes da gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral, bem como dos direitos de utilização e das obrigações específicas referidas no artigo 13.o, n.o 2, os quais podem incluir custos de cooperação internacional, de harmonização e normalização, análise de mercados, vigilância do cumprimento e outros tipos de controlo do mercado, bem como trabalho de regulação que envolva a preparação e execução de legislação derivada e decisões administrativas, como decisões em matéria de acesso e de interligação; e

b)

Ser impostos às empresas de forma objetiva, transparente e proporcional, que minimize os custos administrativos suplementares e os encargos conexos.

Os Estados‑Membros podem optar pela não aplicação dos encargos administrativos para as empresas cujo volume de negócios seja inferior a um determinado limiar ou cujas atividades não atinjam uma quota de mercado mínima, ou que tenham um âmbito territorial muito limitado.»

Direito italiano

10

A Diretiva 97/67 foi transposta para o direito italiano pelo Decreto legislativo n. 261 — Attuazione della direttiva 97/67/CE concernente regole comuni per lo sviluppo del mercato interno dei servizi postali comunitari e per il miglioramento della qualità del servicio (Decreto Legislativo n.o 261, que transpõe a Diretiva 97/67/CE relativa às Regras Comuns para o Desenvolvimento do Mercado Interno dos Serviços Postais Comunitários e a Melhoria da Qualidade de Serviço), de 22 de julho de 1999 (GURI n.o 182, de 5 de agosto de 1999), cujo artigo 2.o, n.o 1, previa que a ARN do setor postal é o Ministério das Comunicações.

11

Esta disposição foi alterada pelo artigo 1.o do Decreto legislativo n. 58 — Attuazione della direttiva 2008/6/CE che modifica la direttiva 97/67/CE, per quanto riguarda il pieno completamento del mercato interno dei servizi postali della Comunità (Decreto Legislativo n.o 58, que transpõe a Diretiva 2008/6/CE que altera a Diretiva 97/67/CE, no que respeita à Plena Realização do Mercado Interno dos Serviços Postais Comunitários), de 31 de março de 2011 (GURI n.o 98, de 29 de abril de 2011).

12

Resulta do artigo 2.o, n.o 1, deste decreto legislativo que a Agência Nacional de Regulação do Setor Postal foi designada como ARN para este setor, na aceção do artigo 22.o da Diretiva 97/67. De acordo com o artigo 2.o, n.o 12, do referido decreto, as funções que lhe são aferentes, exercidas até então pelo ministério competente, «com os recursos humanos, financeiros e funcionais pertinentes» foram transferidos para essa agência. No que diz respeito aos custos de funcionamento da referida agência, estava previsto o seu financiamento parcial através de um fundo específico inscrito na dotação orçamental do Ministério do Desenvolvimento Económico e, parcialmente, através de uma contribuição paga por todos os operadores do setor.

13

As competências da agência mencionadas no número anterior foram transferidas para a AGCOM pelo artigo 21.o, n.os 13 e 14, do Decreto‑Legge, n. 201 — Disposizioni urgenti per la crescita, l’equità e il consolidamento dei conti pubblici (Decreto‑Lei n.o 201, que estabelece disposições urgentes para o crescimento, a equidade e a consolidação das contas públicas), de 6 de dezembro de 2011 (GURI n.o 284, de 6 dezembro de 2011), convertido na Lei n.o 214, de 22 de dezembro de 2011.

14

Nos termos do artigo 1.o, n.os 65 e 66, da Legge n. 266 — Disposizioni per la formazione del bilancio annuale e pluriennale dello Stato (legge finanziaria 2006) [Lei n.o 266 que estabelece Disposições para a Elaboração do Orçamento Anual e Plurianual do Estado (Lei de Finanças de 2006)], de 23 de dezembro de 2005 (GURI n.o 302, de 29 de dezembro de 2005, a seguir «Lei n.o 266/2005»):

«65.   A partir de 2007, as despesas de funcionamento […] da Autoridade Reguladora das Comunicações […] são financiadas pelo mercado de referência, na parte não coberta pelo financiamento a cargo do Orçamento do Estado, segundo as modalidades previstas na legislação em vigor, sendo os montantes de contribuição determinados por deliberação [dessa autoridade], dentro dos limites máximos previstos pela lei, e pagos diretamente [à referida autoridade]; […]

66.   Desde a sua primeira aplicação em 2006, o montante da contribuição suportada pelas entidades que operam no setor das comunicações […] é fixado em 1,5 por mil das receitas declaradas no último orçamento anterior à entrada em vigor da presente lei. Para os anos seguintes, as eventuais variações do montante e das modalidades dos encargos serão adotadas pela [AGCOM] em conformidade com o n.o 65, até ao limite de 2 por mil das receitas declaradas no último orçamento anterior à adoção da decisão.»

15

O artigo 65.o do Decreto‑Legge n. 50 convertito con modificazioni dalla L. 21 giugno 2017, n.o 96 — Disposizioni urgenti in materia finanziaria, iniziative a favore degli enti territoriali, ulteriori interventi per le zone colpite da eventi sismici e misure per lo sviluppo (Decreto‑Lei n.o 50, convertido, com alterações, na Lei n.o 96, de 21 de junho de 2017, que estabelece Disposições Urgentes em Matéria Financeira, Iniciativas de Apoio às Autoridades Regionais ou Locais, Medidas Adicionais de Apoio às Zonas afetadas por Fenómenos Sísmicos e Medidas para o Desenvolvimento), de 24 de abril de 2017 (GURI n.o 95, de 24 de abril de 2017, a seguir «Decreto‑Lei n.o 50/2017») enuncia:

«A partir de 2017, as despesas de funcionamento da [AGCOM] relativas às funções de [ARN] do setor postal serão asseguradas exclusivamente de acordo com as modalidades previstas nos n.os 65 e 66, segundo período, do artigo 1.o da Lei [n.o 266/2005), por referência às receitas obtidas pelos operadores no setor postal. […]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16

Nas decisões controvertidas, a AGCOM identificou os devedores, bem como as modalidades de cálculo da contribuição referida no artigo 1.o, n.os 65 e 66, da Lei n.o 266/2005, respetivamente para os anos de 2017 a 2019.

17

Resulta destas decisões que são devedores dessa contribuição «o prestador do serviço postal universal e os titulares de uma licença ou de uma autorização geral», na aceção do decreto legislativo que transpôs a Diretiva 97/67. Em seguida, as mencionadas decisões indicam que a base de cálculo da contribuição é constituída pelas receitas auferidas pelas empresas devedoras. Por último, a taxa aplicável elevava‑se a 1,4 por mil para os anos de 2017 e 2018 e a 1,35 por mil para o ano de 2019. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a aplicação desta taxa permite cobrir a totalidade das despesas anuais em que a AGCOM previa incorrer para a regulação do referido mercado em cada um daqueles anos.

18

A Nexive Commerce e o., que são principalmente sociedades prestadoras de serviços de correio expresso no mercado italiano, propuseram ações de anulação das decisões controvertidas no Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio, Itália).

19

Uma vez que essas ações foram julgadas improcedentes na primeira instância, a Nexive Commerce e o. interpuseram recurso das sentenças em causa para o órgão jurisdicional de reenvio. Como fundamento de recurso alegam, em primeiro lugar, que resulta do artigo 9.o, n.o 2, e do artigo 22.o da Diretiva 97/67 que os custos de funcionamento dessa autoridade imputáveis às suas atividades no setor postal devem ser cofinanciados pelos operadores de mercado e pelo orçamento de Estado; em segundo lugar, que o artigo 9.o, n.o 2, desta diretiva só permite que sejam postos a cargo desses operadores os «custos de funcionamento», ou seja, apenas os custos diretos e estritamente relacionados com o exercício das funções de regulação deste setor abrangido pelo serviço universal, e, em terceiro lugar, que as decisões controvertidas não são conformes com o artigo 9.o, n.o 2, da referida diretiva, na medida em que não se baseiam numa apreciação concreta e não têm em consideração nem a situação dos rendimentos dos operadores que são devedores da contribuição, nem da situação do mercado, nem, por último, o facto de certas empresas não necessitarem de intervenção reguladora.

20

Por sua vez, perante o órgão jurisdicional de reenvio, a AGCOM alega, em primeiro lugar, que as disposições aplicáveis ao caso em apreço não impõem nenhum co‑financiamento e que a parte dos custos de financiamento dessa autoridade coberta pelo Estado pode, para cada um dos anos considerados, ser igual a zero. Em contrapartida, o sistema baseia‑se na necessidade de garantir a independência e a autonomia necessárias das ARN perante o Governo. Quanto ao requisito da independência funcional destas ARN relativamente aos operadores regulados, enunciada no artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 97/67, esta não diz respeito ao financiamento das referidas autoridades mas à execução das suas atribuições. Em segundo lugar, no que diz respeito ao âmbito de aplicação do artigo 9.o, n.o 2, desta diretiva, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se no sentido de que a possibilidade de um Estado‑Membro subordinar a concessão das autorizações à obrigação de contribuir financeiramente para os cursos de funcionamento da ARN competente diz respeito às autorizações para a prestação de serviços postais abrangidos tanto pelo serviço universal como pelos serviços de correio expresso. Por último, em terceiro lugar, deve considerar‑se que os custos ocasionados por estes serviços «transversais» suportados pelas ARN estão abrangidos pelo conceito de «custos de funcionamento», na aceção do artigo 9.o, n.o 2, da referida diretiva.

21

Nessas circunstâncias, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado em formação jurisdicional, Itália), decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, e n.o 3, bem como o artigo 22.o da Diretiva [97/67] ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional como a relevante no ordenamento italiano [expressa nos artigos 1.o, n.os 65 e 66, da [Lei n.o 266/2005), e 65.o do Decreto‑Lei [n.o 50/2017]), que permite impor exclusivamente aos prestadores do setor postal, incluindo aqueles que não prestam serviços abrangidos pelo âmbito de aplicação do serviço universal, a obrigação de contribuir financeiramente para os custos de funcionamento da [ARN] do setor postal, admitindo assim a possibilidade de excluir qualquer forma de cofinanciamento público a cargo do orçamento do Estado?

2)

Devem o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, e o artigo 22.o da Diretiva [97/67] ser interpretados no sentido de que permitem incluir entre os custos de funcionamento elegíveis para serem financiados pelos prestadores de serviços postais também os custos a suportar decorrentes de atividades de regulação respeitantes aos serviços postais não abrangidos pelo âmbito de aplicação do serviço universal, bem como os custos das estruturas administrativas e de orientação estratégica (as denominadas estruturas “transversais”) cuja atividade, embora não se destine diretamente à regulação dos mercados dos serviços postais, contribui, no entanto, para o desenvolvimento de todas as competências institucionais da [AGCOM], com a consequente possibilidade da sua imputação por via indireta e parcial (proporcionalmente) ao setor dos serviços postais?

3)

O princípio da proporcionalidade, o princípio da não discriminação, o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, e n.o 3, bem como o artigo 22.o da Diretiva [97/67] opõem‑se a uma legislação nacional como a italiana (expressa no [artigo] 1.o, n.os 65 e 66, da [Lei n.o 266/2005], e [no artigo] 65.o do Decreto‑Lei [n.o 50/2017]), que impõe pôr a cargo dos prestadores do setor postal a obrigação de contribuir para o financiamento da [ARN] do setor postal, sem possibilidade de distinguir a posição dos prestadores de serviços de correio expresso da posição dos prestadores do serviço universal e, por conseguinte, sem possibilidade de ter em conta a diferente intensidade da atividade reguladora exercida pela [ARN] em relação aos diferentes tipos de serviços postais?»

Quanto às questões prejudiciais

22

O artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, da Diretiva 97/67 permite aos Estados‑Membros subordinar, «quando apropriado», a concessão de autorizações aos operadores do setor postal «à obrigação de contribuir financeiramente para os custos de funcionamento» das ARN do setor. As presentes questões no seu conjunto dizem respeito, em substância, ao alcance dessa obrigação de contribuir para o financiamento dos «custos de funcionamento» das ARN deste setor. Ora, este último conceito é objeto da segunda questão prejudicial, a qual importa, assim, analisar em primeiro lugar.

Quanto à segunda questão

23

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, da Diretiva 97/67, em conjugação com o artigo 22.o desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «custos de funcionamento», que figura na primeira destas disposições, engloba, em primeiro lugar, os custos incorridos pelas ARN do setor postal com a sua atividade reguladora dos serviços postais não abrangidos pelo serviço universal e, em segundo lugar, os custos gerados pelas atividades dessas ARN que, embora não estando diretamente ligadas à função de regulação destas, se destinam ao exercício das competência institucionais dessas autoridades no seu conjunto, a saber, os custos incorridos pelas ARN com as suas atividades de natureza administrativa e institucional, preparatórias ou necessárias para a realização das suas atividades reguladoras (a seguir «custos transversais»).

24

A este respeito, importa salientar que, em conformidade com a redação do artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, da Diretiva 97/67, a obrigação que os Estados‑Membros podem estabelecer nos termos desta disposição tem por objeto o financiamento dos custos de funcionamento da ARN prevista no artigo 22.o desta diretiva, a saber, aquela que cada Estado‑Membro deve designar para o setor postal, em especial, para assegurar o cumprimento da referida diretiva.

25

No entanto, esta diretiva não define o conceito de «custos de funcionamento». Em especial, o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, desta diretiva está, a este respeito, redigido em termos bastante gerais. Por outro lado, importa salientar, à semelhança do que faz o advogado‑geral no n.o 31 das conclusões, que o recurso às diferentes versões linguísticas desta diretiva não aduz elementos suscetíveis de esclarecer melhor a interpretação deste conceito.

26

Ora, segundo a jurisprudência, quando a redação do artigo 20.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33 não permita, por si só, responder a uma questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, para a interpretação desta disposição há que ter em conta o seu contexto, bem como a economia geral e a finalidade desta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 12 de novembro de 2019, Haqbin, C‑233/18, EU:C:2019:956, n.o 42 e jurisprudência referida).

27

No que respeita, mais especificamente, à primeira parte da segunda questão, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de esclarecer com precisão que as atividades que incumbem às ARN do setor postal se referem a todo este setor e não apenas às prestações de serviços abrangidos pelo serviço universal. Por conseguinte, na medida em que as atividades das ARN, que estão encarregadas, como resulta do artigo 22.o, n.o 2, da Diretiva 97/67, de assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes desta diretiva e das regras de concorrência no sector postal, dizem respeito a todo este setor e no qual o papel e as atribuições conferidas a essas autoridades foram concebidas pelo legislador da União Europeia para beneficiar todos os operadores do serviço postal, o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, da Diretiva 97/67 deve ser interpretado no sentido de que todos os prestadores dos serviços postais, incluindo os que não prestam serviços postais abrangidos pelo serviço universal podem, em contrapartida, ser sujeitos à obrigação de contribuir para o financiamento dessas autoridades [Acórdão de 16 de novembro de 2016, DHL Express (Austria), C‑2/15, EU:C:2016:880, n.os 29, 31 e 32].

28

Ora, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, constituem «prestadores de serviços postais», na aceção desta diretiva, as empresas de transporte rodoviário, de expedição ou de correio expresso que prestam serviços de recolha, triagem, transporte e distribuição dos envios postais, salvo no caso de a sua atividade se limitar ao transporte de envios postais (Acórdão de 31 de maio de 2018, Confetra e o., C‑259/16 e C‑260/16, EU:C:2018:370, n.o 41). Apesar de os serviços de correio expresso se distinguirem do serviço postal universal pelo valor acrescentado para os clientes, pelo qual estes estão dispostos a pagar mais, na falta de indicação contrária e tendo em conta a obrigação em causa, o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, da referida diretiva não pode ser interpretado no sentido de que exclui os operadores destes serviços do seu âmbito de aplicação pessoal (v. Acórdão de 15 de junho de 2017, Ilves Jakelu, C‑368/15, EU:C:2017:462, n.o 24 e jurisprudência referida).

29

Assim, tendo em conta esta conceção global das funções confiadas às ARN do setor postal e as vantagens que o conjunto dos operadores deste setor daí podem retirar, há que considerar que o conceito de «custos de funcionamento» deve ser interpretado no sentido de que inclui, entre os custos que podem ser financiados pelos prestadores de serviços postais, os custos incorridos pelas ARN do setor para efeitos das suas atribuições de regulação dos serviços abrangidos pelo serviço universal e dos relativos aos serviços por ele não abrangidos.

30

No que respeita à segunda parte da segunda questão, importa constatar, por um lado, que, tendo em conta o que foi declarado no n.o 25 do presente acórdão, não resulta nem do contexto nem da economia geral da Diretiva 97/67 qualquer elemento suscetível de restringir o alcance do conceito de «custos de funcionamento», referido no artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, desta diretiva, no sentido de que este conceito não engloba os custos transversais.

31

Como salienta, em substância, o advogado‑geral nos n.os 34 a 41 das conclusões, a interpretação deste conceito não se pode, por outro lado, inspirar no conceito de «custos administrativos» referido no quadro legislativo que rege as comunicações eletrónicas, mencionado na decisão de reenvio.

32

A este respeito, o artigo 16.o do Código Europeu das Comunicações Eletrónicas designa os custos associados à regulação do mercado das comunicações eletrónicas que podem ser abrangidas pelos encargos administrativos impostos às empresas que ofereçam redes ou serviços de comunicações eletrónicas. Mais concretamente, nos termos do n.o 1, alínea a), deste artigo, os encargos aí previstos devem cobrir, no total, apenas os custos administrativos decorrentes da gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral, bem como dos direitos de utilização e das obrigações específicas que podem ser impostas a essas empresas, os quais podem incluir custos de cooperação internacional, de harmonização e normalização, análise de mercados, vigilância do cumprimento e outros tipos de controlo do mercado, bem como trabalho de regulação que envolva a preparação e execução de legislação derivada e decisões administrativas, como decisões em matéria de acesso e de interligação.

33

Foi a respeito do artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva Autorização, que tem um alcance, no essencial, idêntico ao do artigo 16.o, n.o 1, alínea a), do Código Europeu das Comunicações Eletrónicas que lhe sucedeu, que o Tribunal de Justiça declarou que o mesmo não se opunha a uma regulamentação nacional em virtude da qual as empresas que operam no setor das telecomunicações são devedoras de uma contribuição destinada a cobrir a totalidade dos custos suportados pela ARN do setor e não financiados pelo Estado, desde que essa contribuição seja apenas destinada a cobrir as despesas com as atividades indicadas na mencionada disposição, e que a totalidade das receitas obtidas em virtude da referida contribuição não exceda a totalidade dos custos com essas atividades (v., neste sentido, Acórdão de 18 de julho de 2013, Vodafone Omnitel e o., C‑228/12 a C‑232/12 e C‑254/12 a C‑258/12, EU:C:2013:495, n.o 43, e Despacho de 17 de outubro de 2013, Sky Italia, C‑376/12, EU:C:2013:701, n.o 34 e jurisprudência referida).

34

Ora, por um lado, impõe‑se constatar que, contrariamente às disposições mencionadas nos dois números precedentes, que enumeram precisamente os custos que podem ser abrangidos pelos encargos impostos às empresas que operam nos setores em causa, o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, da Diretiva 97/67 está redigido em termos gerais e não faz uma distinção segundo a origem ou a natureza dos custos gerados pelo funcionamento das ARN.

35

Por outro lado, esta interpretação literal é conforme ao objetivo prosseguido pela Diretiva 2008/6, de onde resulta a atual redação do artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, da Diretiva 97/67, de garantir que as ARN sejam dotadas «de todos os recursos necessários em termos de pessoal, de competências e de meios financeiros para o desempenho das suas funções».

36

Por conseguinte, tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, da Diretiva 97/67, em conjugação com o artigo 22.o desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «custos de funcionamento», que figura na primeira destas disposições, engloba, em primeiro lugar, os custos incorridos pelas ARN do setor postal com a sua atividade reguladora dos serviços postais não abrangidos pelo serviço universal e, em segundo lugar, os custos gerados pelas atividades dessas ARN que, embora não estando diretamente ligadas à função de regulação destas, se destinam ao exercício da sua função de regulação do setor postal.

Quanto à primeira questão

37

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, e n.o 3, da Diretiva 97/67, em conjugação com o artigo 22.o desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um sistema de financiamento das ARN do setor postal baseado apenas nas contribuições impostas aos operadores deste setor por força do artigo 9.o, com exclusão de qualquer tipo de financiamento público.

38

A este respeito, em primeiro lugar, não se pode deduzir apenas do emprego do verbo «contribuir» que figura no artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, da Diretiva 97/67, que esta disposição não preveja a possibilidade de impor aos operadores do setor postal uma simples participação no financiamento dos custos de funcionamento das ARN deste setor. Com efeito, apesar de o verbo «contribuir» poder ser entendido no sentido de que se refere à ação de participar num projeto comum, isto não implica, no entanto, a intervenção de financiamento proveniente do orçamento de Estado. Pelo contrário, tendo em conta a formulação muito genérica da mesma disposição, há que deduzir dela que é reconhecida aos Estados‑Membros uma ampla margem de apreciação no que se refere à definição das fontes do sistema de financiamento das ARN do setor postal.

39

Com efeito, como destaca, em substância, o advogado‑geral no n.o 53 das conclusões, o artigo 9.o da Diretiva 97/67 deixa aos Estados‑Membros a possibilidade de escolher entre um sistema de financiamento exclusivamente baseado nos encargos impostos aos operadores postais, um sistema de financiamento a cargo dos orçamentos nacionais ou, por último, um sistema misto de cofinanciamento das ARN do setor postal, quer através das contribuições dos operadores desse setor, quer do orçamento do Estado‑Membro em causa. O n.o 3 deste artigo limita‑se, a este respeito, a precisar que as obrigações previstas no n.o 2 do referido artigo devem ser transparentes, acessíveis, não discriminatórias, proporcionadas, exatas e inequívocas, publicadas com a devida antecedência e baseadas em critérios objetivos.

40

Em segundo lugar, no que respeita ao contexto em que se insere a disposição referida no número anterior, impõe‑se constatar que o artigo 1.o da Diretiva 97/67, ao mesmo tempo de precisa que esta estabelece regras comuns relativas, nomeadamente, à criação de ARN do setor em causa, não fornece nenhuma indicação suplementar quanto às regras que regem o seu modo de financiamento.

41

Nenhuma outra disposição desta diretiva permite pôr em causa a conclusão tirada no n.o 39 do presente acórdão nem, mais concretamente, a compatibilidade com a Diretiva 97/67 de um sistema de financiamento das ARN do setor postal alimentado exclusivamente por contribuições dos operadores deste setor.

42

É certo que o artigo 22.o da referida diretiva encarrega os Estados‑Membros de designar ARN funcionalmente independentes dos operadores postais. No entanto, constata‑se, à semelhança do advogado‑geral no n.o 58 das conclusões, que, na medida em que uma ARN disponha efetivamente de recursos financeiros que lhe permitam cumprir as suas funções e escapar à influência indevida tanto dos operadores do mercado como das autoridades públicas, o modo e as fontes do seu financiamento não são, enquanto tais, determinantes.

43

Por último, em terceiro lugar, a finalidade do artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, da Diretiva 97/67, conforme referida no n.o 35 do presente acórdão, não se opõe a que este artigo seja interpretado no sentido de que permite aos Estados‑Membros optar por um modo de financiamento das ARN do setor postal exclusivamente alimentado pelas contribuições dos operadores deste setor, desde que seja garantido que essas ARN dispõem dos recursos indispensáveis para o seu bom funcionamento e, portanto, dos meios legais que lhes permitam exigir o seu pagamento por parte desses operadores.

44

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, e n.o 3, da Diretiva 97/67, em conjugação com o artigo 22.o desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro opte por um mecanismo de financiamento da ARN do setor postal exclusivamente alimentado pelas contribuições impostas aos operadores deste setor por força do artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, desta diretiva, com exclusão de qualquer tipo de financiamento pelo orçamento de Estado, desde que esse sistema garanta à ARN em causa que irá dispor efetivamente dos recursos indispensáveis para o seu bom funcionamento e o cumprimento, com total independência, das suas funções de regulação do setor postal ou dos meios legais que lhe permitem adquirir esses recursos.

Quanto à terceira questão

45

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União, em especial os princípios da proporcionalidade e da não discriminação, bem como o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, da Diretiva 97/67, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que uma obrigação de contribuição financeira seja imposta a todos os operadores do setor postal, incluindo aos prestadores de serviços de correio expresso, e de modo uniforme, sem que seja tido em conta o grau de intensidade alegadamente variável da atividade de regulação da ARN a que estão sujeitos, consoante as prestações que efetuam estejam ou não abrangidas pelo serviço universal.

46

A este respeito, há que declarar que a Diretiva 97/67 não prevê um modo de cálculo específico do montante da contribuição em causa. Todavia, conforme foi recordado no n.o 39 do presente acórdão, essa obrigação de contribuição, imposta por força do artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, desta diretiva deve, em conformidade com o n.o 3 deste artigo, além de ser transparente, acessível, exata e inequívoca, publicada com a devida antecedência e baseada em critérios objetivos, respeitar os princípios da não discriminação e da proporcionalidade.

47

Em primeiro lugar, quanto à proporcionalidade de uma obrigação de contribuição imposta pelo artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, da referida diretiva, de modo uniforme a todos os operadores do setor postal, há que recordar que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, ao proceder à apreciação global de todas as circunstâncias de facto e de direito pertinentes, se tal regulamentação é apta a garantir a realização dos objetivos prosseguidos e não excede o que é necessário para os alcançar. Todavia, cabe ao Tribunal de Justiça fornecer, para o efeito, todos os elementos de interpretação do direito da União que lhe permitirão pronunciar‑se (Acórdão de 31 de maio de 2018, Confetra e o., C‑259/16 e C‑260/16, EU:C:2018:370, n.o 49 e jurisprudência referida).

48

Por um lado, no que diz respeito à aptidão da referida obrigação para garantir a realização do objetivo que prossegue, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma legislação nacional só é apta a garantir a realização do objetivo invocado se responder verdadeiramente à intenção de o alcançar de maneira coerente e sistemática (Acórdão de 31 de maio de 2018, Confetra e o., C‑259/16 e C‑260/16, EU:C:2018:370, n.o 50 e jurisprudência referida).

49

No entanto, no presente processo, é pacífico que a medida em causa, que consiste em impor de modo uniforme, a todos os operadores do setor postal, a mesma obrigação de financiamento e, em especial, a mesma taxa de contribuição, sem ter em conta o grau de intensidade da atividade reguladora da ARN relativamente às prestações de serviço realizadas por cada operador, é apta a garantir a realização do objetivo prosseguido ou que a legislação nacional prossegue esse objetivo de modo coerente. De resto, sendo o objetivo dessa medida nacional, em substância, o de garantir à ARN em causa um financiamento tão amplo quanto possível, suscetível de lhe permitir o exercício das suas atribuições com total independência, a referida medida deve, em princípio ser considerada adequada a garantir a realização de tal objetivo.

50

Por outro lado, não se pode considerar que essa medida excede o necessário para atingir o objetivo prosseguido apenas porque, para efeitos do cálculo da contribuição controvertida, não é tido em conta o grau de intensidade, se for o caso, mais elevado da atividade dessa ARN no domínio das prestações abrangidas pelo serviço universal.

51

Com efeito, é certo, como indica a Comissão Europeia nas suas observações, que a regulação do serviço universal implica a tomada de medidas específicas e, em certos contextos, um acompanhamento intenso por parte da ARN em causa. Não é menos verdade que essa atividade não se distingue das outras atividades dessa ARN que visam a regulação do mercado em causa no seu conjunto e deve, assim, ser considerada no contexto global da liberalização do setor postal. A este respeito e tendo em conta a evolução deste setor, não se pode excluir que os diversos operadores são suscetíveis de exercer atividades cada vez mais semelhantes e que existe, como salienta o Governo português nas suas observações escritas, uma permutabilidade dos serviços postais.

52

Assim, tendo em conta a margem de apreciação mencionada no n.o 38 do presente acórdão, o princípio da proporcionalidade e o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, e n.o 3 da Diretiva 97/67, não podem ser interpretados no sentido de que deve haver uma correlação precisa entre o montante da contribuição imposta a um operador e os custos efetivamente incorridos pela ARN em causa em razão da sua atividade reguladora relativamente a esse operador.

53

Em segundo lugar, no que se refere à proibição de discriminação, é jurisprudência constante que o princípio da igualdade de tratamento exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que essa diferenciação seja objetivamente justificada (Acórdão de 7 de março de 2017, RPO, C‑390/15, EU:C:2017:174, n.o 41 e jurisprudência referida).

54

Ora, conforme recordado no n.o 28 do presente acórdão, apesar de os serviços de correio expresso se distinguirem do serviço postal universal pelo valor acrescentado para os clientes, não se pode deduzir desse facto que os prestadores de tais serviços se encontrem, do ponto de vista da sua eventual obrigação de contribuir para o financiamento dos custos de financiamento das ARN do setor postal por força do artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, da Diretiva 97/67, numa situação que justifique um tratamento diferente daquele que é reservado aos demais operadores desse setor.

55

Assim sucede, em geral, tendo em conta as considerações expostas no n.o 51 do presente acórdão, com os operadores que prestam serviços não abrangidos pelo serviço universal, cuja situação não justifica, por si só, um tratamento diferente em relação ao que é reservado aos que prestam tais serviços. Com efeito, tendo em conta as vantagens que o conjunto dos operadores do setor postal retiram da atividade global dessa ARN, deve considerar‑se que estes se encontram, em princípio, em situações comparáveis, independentemente da natureza dos serviços que presta cada um dos operadores.

56

Em todo o caso, importa sublinhar que o carácter comparável das duas situações deve ser apreciado à luz, nomeadamente, da finalidade da medida que institui a distinção entre elas ou, inversamente, as trata de forma igual (v., por analogia, Acórdão de 1 de março de 2011, Association belge des Consommateurs Test‑Achats e o., C‑236/09, EU:C:2011:100, n.o 29).

57

Ora, tendo em conta o objetivo prosseguido pela medida em causa no processo principal, conforme identificada no n.o 49 do presente acórdão, deve considerar‑se que os operadores que não prestam serviços abrangidos pelo serviço universal e os que prestam esses serviços se encontram numa situação comparável.

58

Por conseguinte e sem prejuízo da apreciação global de todas as circunstâncias de facto e de direito pertinentes, que compete ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, uma legislação como a que está em causa no processo principal não pode ser considerada contrária ao princípio da não discriminação.

59

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à terceira questão que o direito da União, e em especial os princípios da proporcionalidade e da não discriminação, bem como o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, da Diretiva 97/67, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que, para garantir à ARN do setor postal um financiamento suscetível de lhe permitir exercer as suas funções de regulação deste setor com total independência, impõe, de modo uniforme, a todos os operadores do referido setor uma obrigação de contribuição para o financiamento dos custos de funcionamento dessa ARN sem ter em conta a intensidade da atividade de regulação e de acompanhamento exercida em função dos diferentes tipos de serviço postal e sem fazer distinção, para o efeito, entre os prestadores do serviço postal universal e os operadores de correio expresso, desde que a obrigação imposta por essa legislação a esses operadores seja, por outro lado, transparente, acessível, exata e inequívoca, publicada com a devida antecedência e baseada em critérios objetivos.

Quanto às despesas

60

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

1)

O artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, e n.o 3, da Diretiva 97/67/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço, conforme alterada pela Diretiva 2008/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de fevereiro de 2008, em conjugação com o artigo 22.o da Diretiva 97/67, conforme alterada,

deve ser interpretado no sentido de que:

não se opõe a que um Estado‑Membro opte por um mecanismo de financiamento da autoridade reguladora nacional do setor postal exclusivamente alimentado pelas contribuições impostas aos operadores deste setor por força do artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, desta diretiva, conforme alterada, com exclusão de qualquer tipo de financiamento pelo orçamento de Estado, desde que esse sistema garanta à autoridade reguladora nacional em causa que irá dispor efetivamente dos recursos indispensáveis para o seu bom funcionamento e o cumprimento, com total independência, das suas funções de regulação do setor postal ou dos meios legais que lhe permitem adquirir esses recursos.

 

2)

O artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, da Diretiva 97/67, conforme alterado pela Diretiva 2008/6, em conjugação com o artigo 22.o da Diretiva 97/67, conforme alterada,

deve ser interpretado no sentido de que:

o conceito de «custos de funcionamento», que figura na primeira destas disposições, engloba, em primeiro lugar, os custos incorridos pelas autoridades reguladoras nacionais do setor postal com a sua atividade reguladora dos serviços postais não abrangidos pelo serviço universal e, em segundo lugar, os custos gerados pelas atividades dessas autoridades que, embora não estando diretamente ligadas à função de regulação destas, se destinam ao exercício da sua função de regulação do setor postal.

 

3)

O direito da União, e em especial os princípios da proporcionalidade e da não discriminação, bem como o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, quarto travessão, da Diretiva 97/67, conforme alterada pela Diretiva 2008/6,

devem ser interpretados no sentido de que:

não se opõem a uma legislação nacional que, para garantir à autoridade reguladora nacional do setor postal um financiamento suscetível de lhe permitir exercer as suas funções de regulação deste setor com total independência, impõe, de modo uniforme, a todos os operadores do referido setor uma obrigação de contribuição para o financiamento dos custos de funcionamento dessa autoridade sem ter em conta a intensidade da atividade de regulação e de acompanhamento exercida em função dos diferentes tipos de serviço postal e sem fazer distinção, para o efeito, entre os prestadores do serviço postal universal e os operadores de correio expresso, desde que a obrigação imposta por essa legislação a esses operadores seja, por outro lado, transparente, acessível, exata e inequívoca, publicada com a devida antecedência e baseada em critérios objetivos.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.