ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)
16 de novembro de 2023 ( *1 ) ( i )
«Reenvio prejudicial — Política agrícola comum — Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA), secção “Garantia” — Regime comunitário de ajudas às medidas florestais na agricultura — Regulamento (CEE) n.o 2080/92 — Artigo 4.o — Execução do regime de ajudas pelos Estados‑Membros através de programas plurianuais — Proteção dos interesses financeiros da União — Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 — Artigo 1.o — Conceito de “irregularidade” — Artigo 2.o — Caráter efetivo, proporcionado e dissuasor das medidas e das sanções administrativas — Artigo 4.o — Retirada da vantagem indevidamente obtida — Normas de execução do sistema integrado de gestão e de controlo relativo a determinados regimes de ajudas comunitárias — Regulamentação nacional que prevê a perda da ajuda e a restituição dos montantes recebidos em caso de irregularidades verificadas — Princípio da proporcionalidade»
No processo C‑196/22,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), por Decisão de 22 de fevereiro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de março de 2022, no processo
IB
contra
Regione Lombardia,
Provincia di Pavia,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),
composto por: K. Jürimäe, presidente de secção, N. Piçarra, M. Safjan, N. Jääskinen e M. Gavalec (relator), juízes,
advogado‑geral: L. Medina,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
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em representação de IB, por L. Zanuttigh, avvocata, |
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em representação da Regione Lombardia, por A. Forloni e L. Tamborino, avvocati, |
– |
em representação da Provincia di Pavia, por G. Roccioletti, avvocato, |
– |
em representação do Governo Helénico, por E. Leftheriotou, M. Tassopoulou e A.‑E. Vasilopoulou, na qualidade de agentes, |
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em representação da Comissão Europeia, por P. Rossi e A. Sauka, na qualidade de agentes, |
vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Regulamento (CEE) n.o 2080/92 do Conselho, de 30 de junho de 1992, que institui um regime comunitário de ajudas às medidas florestais na agricultura (JO 1992, L 215, p. 96), e do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias (JO 1995, L 312, p. 1). |
2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe IB à Regione Lombardia (Região da Lombardia, Itália) e à Provincia di Pavia (Província de Pavia, Itália), a respeito da legalidade de uma decisão que declara a perda total das ajudas destinadas à arborização de terrenos agrícolas e ordena o reembolso integral das mesmas. |
Quadro jurídico
Direito da União
Regulamento n.o 2080/92
3 |
O Regulamento n.o 2080/92 foi revogado pelo Regulamento (CE) n.o 1257/1999 do Conselho, de 17 de maio de 1999, relativo ao apoio do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA) ao desenvolvimento rural e que altera e revoga determinados regulamentos (JO 1999, L 160, p. 80), com efeitos a partir de 2 de julho de 1999. Todavia, tendo em conta o artigo 55.o, n.o 3, deste último regulamento, o Regulamento n.o 2080/92 continuou a aplicar‑se às ações que a Comissão Europeia aprovou ao abrigo deste regulamento antes de 1 de janeiro de 2000, pelo que o litígio no processo principal continua a ser regido pelas disposições do referido regulamento. |
4 |
O primeiro a terceiro e quinto considerandos do Regulamento n.o 2080/92 têm o seguinte teor: «Considerando que a arborização das superfícies agrícolas se reveste de particular importância quer para a utilização do solo e para o ambiente quer como contribuição para a redução do défice de produtos silvícolas na Comunidade e como complemento da política comunitária de controlo da produção agrícola; Considerando que a experiência em matéria de arborização de terras agrícolas pelos agricultores mostra que os regimes de ajuda existentes destinados a promover a arborização são insuficientes e que as atividades de arborização das superfícies agrícolas retiradas da produção agrícola nos últimos anos se revelaram pouco satisfatórias; Considerando que é, pois, oportuno substituir as medidas previstas no título VIII do Regulamento (CEE) n.o 2328/91 do Conselho, de 15 de julho de 1991, relativo à melhoria da eficácia das estruturas agrícolas [(JO 1991, L 218, p. 1)], por medidas que deem melhor resposta à necessidade de um incentivo eficaz à arborização das superfícies agrícolas; […] Considerando que a criação de um prémio degressivo para os primeiros cinco anos, destinado a ajudar a suportar os encargos de manutenção dos novos povoamentos florestais, pode constituir um importante elemento de incentivo à arborização.» |
5 |
O artigo 1.o deste regulamento, sob a epígrafe «Objetivo do regime de ajudas», prevê: «É instituído um regime comunitário de ajudas, cofinanciado pelo Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA), secção “Garantia”, a fim de:
Este regime comunitário de ajudas tem por objetivo:
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6 |
O artigo 2.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Regime de ajudas», dispõe, no seu n.o 1: «O regime de ajudas pode incluir:
[…]» |
7 |
O artigo 3.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Montante das ajudas», enuncia, no seu primeiro parágrafo, alíneas a) a c): «Os montantes máximos elegíveis das ajudas referidas no artigo 2.o são fixados:
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8 |
O artigo 4.o do Regulamento n.o 2080/92, sob a epígrafe «Programa de ajudas», dispõe, no seu n.o 1: «Os Estados‑Membros executarão o regime de ajudas previsto no artigo 2.o através de programas plurianuais, nacionais ou regionais, relativos aos objetivos referidos no artigo 1.o, e que determinem, designadamente:
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Regulamento (CEE) n.o 3887/92
9 |
O Regulamento (CEE) n.o 3887/92 da Comissão, de 23 de dezembro de 1992, que estabelece normas de execução do sistema integrado de gestão e de controlo relativo a determinados regimes de ajudas comunitárias (JO 1992, L 391, p. 36), foi revogado pelo Regulamento (CE) n.o 2419/2001 da Comissão, de 11 de dezembro de 2001, que estabelece normas de execução do sistema integrado de gestão e de controlo relativo a determinados regimes de ajudas comunitárias, estabelecido pelo Regulamento (CEE) n.o 3508/92 do Conselho (JO 2001, L 327, p. 11), com efeitos a partir de 13 de dezembro de 2001. Todavia, tendo em conta o artigo 53.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2419/2001, o Regulamento n.o 3887/92 continuou a ser aplicável aos pedidos de ajudas respeitantes a campanhas de comercialização ou períodos de prémio que terminaram antes de 1 de janeiro de 2002, como o que está em causa no processo principal. |
10 |
O artigo 9.o, n.o 2, deste regulamento prevê: «Sempre que se verificar que a área declarada num pedido de ajudas “superfícies” excede a área determinada, o montante da ajuda será calculado com base na área efetivamente determinada aquando do controlo. Todavia, salvo caso de força maior, a área efetivamente determinada será diminuída:
No caso de o excedente verificado ser superior a 20 % da área determinada, não será concedida qualquer ajuda ligada à superfície. […]» |
Regulamento n.o 2988/95
11 |
O terceiro e décimo considerandos do Regulamento n.o 2988/95 têm o seguinte teor: «Considerando que as regras [de] gestão descentralizada e dos regimes de controlo são objeto de disposições pormenorizadas que diferem consoante as políticas comunitárias em questão; que, no entanto, importa combater em todos os domínios os atos lesivos dos interesses financeiros das Comunidades; […] Considerando que, em virtude da exigência geral de equidade e do princípio da proporcionalidade, bem como à luz do princípio ne bis in idem, convém prever, na observância do acervo comunitário e das disposições previstas nas regulamentações comunitárias específicas vigentes aquando da entrada em vigor do presente regulamento, disposições adequadas para evitar a cumulação de sanções pecuniárias comunitárias e de sanções penais nacionais impostas pelos mesmos factos à mesma pessoa.» |
12 |
Nos termos do artigo 1.o deste regulamento: «1. Para efeitos da proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, é adotada uma regulamentação geral em matéria de controlos homogéneos e de medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito comunitário. 2. Constitui irregularidade qualquer violação de uma disposição de direito comunitário que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral das Comunidades ou orçamentos geridos pelas Comunidades […] por uma despesa indevida.» |
13 |
O artigo 2.o do referido regulamento tem a seguinte redação: «1. Os controlos e as medidas e sanções administrativas são instituídos na medida em que sejam necessários para assegurar a aplicação correta do direito comunitário. Devem ser efetivos, proporcionados e dissuasores, a fim de assegurar uma proteção adequada dos interesses financeiros das Comunidades. 2. Não pode ser aplicada qualquer sanção administrativa que não tenha sido prevista num ato comunitário anterior à irregularidade. Se disposições da regulamentação comunitária que estabelecem sanções administrativas forem alteradas em momento posterior, as disposições menos severas são aplicáveis retroativamente. […] 4. Sob reserva do direito comunitário aplicável, os procedimentos relativos à aplicação dos controlos e das medidas e sanções comunitários são regidos pelo direito dos Estados‑Membros.» |
14 |
O artigo 4.o do mesmo regulamento prevê: «1. Qualquer irregularidade tem como consequência, regra geral, a retirada da vantagem indevidamente obtida:
2. A aplicação das medidas referidas no n.o 1 limita‑se à retirada da vantagem obtida, acrescida, se tal se encontrar previsto, de juros que podem ser determinados de forma fixa. 3. Os atos relativamente aos quais se prove terem por fim obter uma vantagem contrária aos objetivos do direito comunitário aplicável nas circunstâncias, criando artificialmente condições necessárias à obtenção dessa vantagem, têm como consequência, consoante o caso, quer a não obtenção da vantagem quer a sua retirada. 4. As medidas previstas no presente artigo não são consideradas sanções.» |
15 |
O artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95 dispõe: «As irregularidades intencionais ou causadas por negligência podem determinar as seguintes sanções administrativas: […]
[…]» |
Direito italiano
16 |
O artigo 13.o do decreto ministeriale n.o 494 —Regolamento recante norme di attuazione del regolamento (CEE) n.o 2080/92 in materia di gestione, pagamenti, controlli e decadenze dell’erogazione di contributi per l’esecuzione di rimboschimenti o miglioramenti boschivi (Decreto Ministerial n.o 494 — Regulamento que estabelece as Regras de Execução do Regulamento (CEE) n.o 2080/92 em matéria de Gestão de Pagamentos, Controlos e Perdas das Ajudas para a Execução da Arborização e Melhoramentos das Superfícies Arborizadas), de 18 de dezembro de 1998 (GURI n.o 16, de 21 de janeiro de 1999, a seguir «Decreto n.o 494/98»), sob a epígrafe «Resultados dos controlos posteriores ao pagamento das ajudas», prevê: «1. Se, aquando dos controlos referidos no artigo 12.o, supra, forem detetadas irregularidades que impliquem a perda da ajuda, o órgão regional competente declara a perda parcial ou total, com as consequências referidas no artigo 14.o, infra, em aplicação do artigo 4.o do Regulamento [n.o 2988/95]. 2. A indicação no pedido de uma superfície inferior à verificada não constitui uma irregularidade. No entanto, para efeitos do cálculo do montante da ajuda anual, continua a ser tida em conta a superfície declarada.» |
17 |
O artigo 14.o deste decreto, sob a epígrafe «Outros casos de perda», dispõe: «1. A perda total é declarada nos casos de incumprimento referidos nos n.os 2 e 3 e/ou se deixarem de ser cumpridos os requisitos e condições necessários à adesão ao programa. […] 3. A perda total é igualmente declarada nos casos em que, após controlo final e sem prejuízo dos casos de força maior referidos no artigo 8.o, supra, a superfície arborizada ou melhorada ou os quilómetros de estradas florestais constatados sejam inferiores em 20 % aos admitidos para a ajuda e pagos. 4. As diferenças inferiores ao limiar referido no número anterior implicam a perda parcial da ajuda.» |
18 |
O artigo 15.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Efeitos da perda», enuncia, no seu n.o 1: «A perda total implica o reembolso de todas as ajudas indevidamente recebidas e a exclusão total da ajuda para as restantes anuidades do compromisso.» |
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
19 |
Em junho de 1997, IB, agricultor, apresentou à Província de Pavia um pedido para beneficiar do regime de ajudas destinadas a favorecer a conversão florestal dos terrenos afetos às culturas agrícolas ao abrigo do Regulamento n.o 2080/92. No contexto deste pedido, IB comprometeu‑se a arborizar uma superfície agrícola com uma extensão de 104 hectares até aí exclusivamente dedicada à cultura de arroz e milho e a manter essa plantação florestal por um período de 20 anos, ou seja, entre 1997 e 2017. |
20 |
Uma vez que IB foi admitido a beneficiar desse regime, recebeu, entre 1997 e 2008, um montante total de 1324246,35 euros a título destas ajudas, as quais eram compostas, em conformidade com o artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2080/92, pela ajuda inicial destinada a cobrir as despesas de arborização, por prémios anuais destinados a cobrir os custos de manutenção das superfícies arborizadas e por prémios anuais destinados a compensar a perda de rendimentos. |
21 |
Um controlo no local efetuado em setembro de 2009 pela Província de Pavia, que para este efeito recebeu delegação da Região da Lombardia, revelou que a área de plantação florestal criada com os fundos da União não tinha 104 hectares mas 70 hectares, em resultado de cortes antecipados de vegetação efetuados por IB. Tendo constatado que esta discrepância de cerca de 38 % entre a superfície declarada e a superfície real de arborização excedia o limiar de 20 % previsto no artigo 14.o, n.o 3, do Decreto n.o 494/98, a Província de Pavia retirou a IB a totalidade das ajudas que lhe haviam sido pagas, ordenando‑lhe que reembolsasse a totalidade destas ajudas, em conformidade com o artigo 15.o, n.o 1, do referido decreto, e exclui‑o da ajuda para as restantes anuidades do compromisso. |
22 |
IB contestou a decisão de perda, bem como a ordem de reembolso no Tribunale di Pavia (Tribunal de Primeira Instância de Pavia, Itália), que julgou a ação procedente. |
23 |
Em sede de recurso, a Corte d’appello di Milano (Tribunal de Recurso de Milão, Itália) revogou a sentença de primeira instância, declarando, em substância, que o incumprimento imputado a IB constituía uma irregularidade grave que era contrária às finalidades prosseguidas pelo regime de ajudas da União. Uma vez que esta irregularidade implicava um enriquecimento sem causa a favor deste beneficiário, que recebia tanto as ajudas da União como os rendimentos resultantes da venda da madeira, justificava a restituição integral das ajudas recebidas, sem prejuízo dos casos de força maior e de eventuais outras causas independentes da vontade do beneficiário. |
24 |
IB interpôs recurso de cassação desse acórdão na Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), o órgão jurisdicional de reenvio. |
25 |
Este órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se os Regulamentos n.os 2080/92 e 2988/95 se opõem ao regime de perda total da ajuda estabelecido nos artigos 14.o e 15.o do Decreto n.o 494/98. |
26 |
Mais especificamente, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas, antes de mais, quanto ao facto de se considerar que o regime de perda total constitui uma «medida» na aceção do artigo 4.o do Regulamento n.o 2988/95. Com efeito, enquanto o artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento prevê que qualquer irregularidade tem como consequência, regra geral, a retirada da vantagem indevidamente obtida através da obrigação de reembolsar os montantes indevidamente recebidos, a perda total, prevista pelos artigos 14.o e 15.o do Decreto n.o 494/98, tem como consequência não apenas a restituição de todas as ajudas indevidamente recebidas mas também a exclusão total da ajuda para as restantes anuidades do compromisso. |
27 |
Em seguida, o referido órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se esta regulamentação nacional excede os limites impostos pelo artigo 4.o do Regulamento n.o 2988/95, visto que exige a restituição integral das ajudas recebidas quando a superfície florestal é inferior em 20 % à superfície declarada para a ajuda. |
28 |
Por último, interroga‑se sobre a proporcionalidade da referida regulamentação nacional, uma vez que esta prevê, em caso de perda total, a restituição de todas as ajudas recebidas, e não apenas das relativas ao ano em que a irregularidade foi constatada. |
29 |
Nestas circunstâncias, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
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Quanto às questões prejudiciais
Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial
30 |
A Região da Lombardia sustenta, em substância, que as questões submetidas são inadmissíveis por dois motivos. Por um lado, estas questões são desprovidas de pertinência, uma vez que a regulamentação italiana se limita a aplicar o artigo 9.o do Regulamento n.o 3887/92, que é uma disposição diretamente aplicável. Por outro lado, uma resposta a estas questões não teria nenhuma incidência na resolução do litígio no processo principal, uma vez que IB procedeu ao corte da totalidade da superfície arborizada em 2011, pelo que a questão relativa ao impacto de uma redução de superfície de mais de 20 % se tornou hipotética. |
31 |
A este respeito, segundo jurisprudência constante, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 6 de outubro de 2021, Sumal, C‑882/19, EU:C:2021:800, n.o 27 e jurisprudência aí referida). |
32 |
Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 6 de outubro de 2021, Sumal, C‑882/19, EU:C:2021:800, n.o 28 e jurisprudência aí referida). |
33 |
No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que a resolução do litígio no processo principal depende da resposta que o Tribunal de Justiça der a este pedido, uma vez que a referida resposta permitirá ao órgão jurisdicional de reenvio decidir sobre o montante do reembolso das ajudas à arborização recebidas por IB, num contexto em que se verificou que a superfície florestal era inferior em mais de 20 % à superfície admitida ao abrigo de um compromisso plurianual de ajudas. |
34 |
Nestas circunstâncias, uma vez que a interpretação do direito da União solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio não é manifestamente desprovida de relação com o objeto do litígio no processo principal, o pedido de decisão prejudicial é admissível. |
Quanto ao mérito
35 |
Com as suas quatro questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 2.o e 4.o do Regulamento n.o 2988/95, os artigos 2.o e 4.o do Regulamento n.o 2080/92 e o princípio da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que prevê, no caso de se verificar, durante a execução de um compromisso plurianual, que a superfície arborizada é inferior em 20 % à superfície admitida a título deste compromisso, a perda total das ajudas à arborização e, portanto, a obrigação de proceder ao reembolso total destas ajudas, bem como a exclusão total das ajudas que deveriam ser pagas a título das restantes anuidades do compromisso. |
36 |
Em primeiro lugar, importa antes de mais observar que, como resulta do artigo 1.o do Regulamento n.o 2080/92, lido à luz dos considerandos primeiro a terceiro deste regulamento, este instituiu um regime de ajudas à arborização de terras agrícolas que visa, nomeadamente, promover uma utilização alternativa das terras agrícolas por meio de arborização, permitindo simultaneamente desenvolver atividades florestais nas explorações agrícolas, contribuir para uma gestão do espaço natural mais compatível com o equilíbrio do ambiente, lutar contra o efeito de estufa, absorver o dióxido de carbono, bem como contribuir para um melhoramento, a prazo, dos recursos silvícolas. |
37 |
Assim, o referido regulamento prossegue objetivos de política agrícola que visam apoiar o setor silvícola, bem como um objetivo de proteção do ambiente, objetivos que têm, por natureza, uma dimensão plurianual e exigem que se alcance uma arborização efetiva e duradoura das terras agrícolas. |
38 |
Em seguida, resulta do artigo 2.o, n.o 1 alíneas a) a c), do mesmo regulamento que o regime de ajudas à arborização de terras agrícolas por este instituído pode incluir ajudas destinadas a cobrir as despesas de arborização, um prémio anual destinado a cobrir os custos de manutenção das superfícies arborizadas durante os primeiros cinco anos e um prémio anual destinado a compensar perdas de rendimento decorrentes da arborização das superfícies agrícolas, sendo estes prémios pagos «por hectare arborizado». |
39 |
Além disso, o artigo 3.o, primeiro parágrafo, alíneas a) a c), do Regulamento n.o 2080/92, limita‑se a fixar os montantes máximos elegíveis das ajudas em função da superfície da arborização (por hectare), bem como o período máximo durante o qual estas ajudas podem ser pagas. A este respeito, enquanto a alínea b) do primeiro parágrafo deste artigo, lida à luz do quinto considerando deste regulamento, prevê que o pagamento dos prémios para a manutenção pode ser escalonado ao longo de um período de cinco anos, a alínea c) desse parágrafo enuncia que o prémio por perda de rendimento pode ser concedido por um período máximo de vinte anos a contar da arborização inicial. |
40 |
O artigo 4.o, n.o 1, do referido regulamento, remete para os Estados‑Membros a missão de executar este regime de ajudas através de programas plurianuais nacionais ou regionais cujas modalidades eles fixam. Neste contexto, os Estados‑Membros determinam, nomeadamente, os montantes e a duração das ajudas em função das despesas reais de arborização e de manutenção das essências ou tipos de árvores utilizados para a arborização, ou em função da perda de rendimentos, bem como as condições da concessão das ajudas relativas à arborização. |
41 |
Decorre da leitura conjugada destas disposições que, por um lado, embora o Regulamento n.o 2080/92 não fixe diretamente as condições a que está subordinado o pagamento das diferentes ajudas à arborização, o mesmo vincula a concessão destas ajudas a uma arborização efetiva das superfícies abrangidas pelo compromisso plurianual durante todo o seu período de vigência. |
42 |
Por outro lado, não pode deixar de se observar que este regulamento não fixa os procedimentos de controlo nem o regime de sanções destinados a assegurar o respeito das condições de concessão das ajudas. Por conseguinte, estes procedimentos de controlo e este regime de sanções continuam a ser regidos pelo direito dos Estados‑Membros. |
43 |
No entanto, há que recordar, em segundo lugar, que, para efeitos da proteção dos interesses financeiros da União, o Regulamento n.o 2988/95 adotou, em conformidade com o seu artigo 1.o, uma regulamentação geral em matéria de controlos homogéneos e de medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito da União, e isto, como resulta do terceiro considerando deste regulamento, para combater em todos os domínios os atos lesivos dos interesses financeiros da União (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2014, Cruz & Companhia, C‑341/13, EU:C:2014:2230, n.o 43 e jurisprudência aí referida). |
44 |
Ao adotar o referido regulamento, o legislador pretendeu instituir uma série de princípios gerais exigindo que todos os regulamentos setoriais, como o Regulamento n.o 2080/92, respeitassem estes princípios (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de outubro de 2010, SGS Belgium e o., C‑367/09, EU:C:2010:648, n.o 37, e de 18 de dezembro de 2014, Somvao, C‑599/13, EU:C:2014:2462, n.o 33 e jurisprudência aí referida). |
45 |
Assim, o artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95 precisa que os procedimentos de controlo, bem como as medidas e as sanções administrativas previstas por esta disposição devem revestir um caráter efetivo, proporcionado e dissuasor. |
46 |
O Tribunal de Justiça interpretou o conceito de «irregularidade» na aceção do artigo 1.o, n.o 2, do referido regulamento no sentido de abranger não só qualquer violação de uma disposição do direito da União que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral da União através da imputação a este de uma despesa indevida, mas também a violação de disposições de direito nacional aplicáveis às operações apoiadas por um fundo, como as disposições que fixam as condições de elegibilidade para a concessão de uma ajuda (v., por analogia, Acórdãos de 26 de maio de 2016, Județul Neamț e Județul Bacău, C‑260/14 e C‑261/14, EU:C:2016:360, n.os 36, 37 e 43, e de 1 de outubro de 2020, Elme Messer Metalurgs, C‑743/18, EU:C:2020:767, n.os 52, 53 e 63). |
47 |
Em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95, qualquer «irregularidade» na aceção do artigo 1.o, n.o 2, deste regulamento tem como consequência, regra geral, a retirada da vantagem indevidamente obtida através da obrigação de reembolsar os montantes indevidamente recebidos. |
48 |
No caso em apreço, como resulta da decisão de reenvio, o artigo 14.o, n.os 1 e 3, do Decreto n.o 494/98 estabelece a perda total das ajudas relativamente às quais, após controlo final e sem prejuízo dos casos de força maior, a superfície arborizada constatada seja inferior em 20 % à superfície admitida para a ajuda e paga, bem como das ajudas relativamente às quais as exigências e as condições necessárias à adesão ao programa deixaram de ser respeitadas. Além disso, o artigo 14.o, n.o 4, deste decreto prevê a perda parcial das ajudas relativamente às quais se verifique uma diferença inferior a 20 % entre a superfície arborizada e a superfície admitida para a ajuda. Por último, o artigo 15.o, n.o 1, do referido decreto indica que a perda total implica a restituição de todas as ajudas indevidamente recebidas, bem como a exclusão total da ajuda para as restantes anuidades do compromisso. |
49 |
Daqui resulta que uma disposição como o artigo 14.o, n.os 1 e 3, do Decreto n.o 494/98, relativa à manutenção da superfície arborizada em, pelo menos, 80 % da superfície coberta pelo compromisso plurianual subscrito, constitui uma disposição de direito nacional aplicável a uma operação apoiada por um fundo cuja violação é suscetível de constituir uma «irregularidade» na aceção do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95 e, portanto, de ter como consequência o reembolso dos montantes indevidamente recebidos, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento. |
50 |
O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, todavia, sobre a questão de saber se o princípio da proporcionalidade se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê, no caso de a superfície arborizada ser inferior em 20 % à superfície admitida para a ajuda, a perda total da ajuda da União e a sua total restituição, e não apenas o reembolso das ajudas correspondentes à superfície objeto da irregularidade ou dos montantes relativos ao ano em que foi verificada a irregularidade. |
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A este respeito, o princípio da proporcionalidade exige que os meios que uma disposição nacional põe em execução sejam aptos a realizar o objetivo visado e não vão além do necessário para o alcançar (Acórdão de 7 de abril de 2022, Avio Lucos, C‑176/20, EU:C:2022:274, n.o 42). |
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Primeiro, importa observar que o regime nacional de perda em causa no processo principal prossegue um objetivo legítimo. Com efeito, aplica o artigo 2.o, n.o 4, e o artigo 4.o do Regulamento n.o 2988/95, como resulta do artigo 13.o, n.o 1, do Decreto n.o 494/98, e visa proteger os interesses da União e, em especial, as ajudas à arborização que a União financia ao abrigo do Regulamento n.o 2080/92. |
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Segundo, no que respeita à aptidão desta regulamentação nacional para alcançar o objetivo visado, há que considerar que a perda total da ajuda da União prevista no artigo 14.o, n.os 1 e 3, do Decreto n.o 494/98 é apta para atribuir eficazmente as ajudas à arborização e, portanto, para prosseguir de forma efetiva os objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 2080/92, conforme recordados no n.o 37 do presente acórdão. Com efeito, a perda total e os efeitos que lhe estão associados em conformidade com o artigo 15.o, n.o 1, deste decreto são passíveis de evitar uma atribuição dos fundos da União a uma operação de arborização que não seja conforme com os objetivos de arborização efetiva e duradoura prosseguidos por este regulamento. |
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Por outro lado, a regulamentação nacional em causa no processo principal, ao associar esta perda total a uma exclusão total das ajudas que deveriam ser pagas a título das restantes anuidades do compromisso, também permite proteger, devido ao seu efeito dissuasor, os interesses financeiros da União. |
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Terceiro, no que respeita ao caráter necessário e proporcionado da perda total e dos efeitos a ela associados, previstos no artigo 14.o, n.os 1 e 3, e no artigo 15.o, n.o 1, do Decreto n.o 494/98, há que considerar que este regime não vai além do necessário. Com efeito, uma vez que incumbe aos Estados‑Membros, como resulta do n.o 40 do presente acórdão, fixar os requisitos de concessão das ajudas relativas à arborização, estes Estados podem considerar que a violação de um requisito de elegibilidade como o relativo ao limite de 20 % da superfície a arborizar é suscetível de causar um prejuízo grave à concretização dos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 2080/92, e deduzir daí que o compromisso inicial está viciado a ponto de ser punido com uma perda total. |
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Por outro lado, importa também sublinhar que o regime de perda em causa no processo principal se caracteriza pela sua progressividade, dado que, ao passo que uma diferença inferior a 20 % entre a superfície arborizada constatada e a admitida para a ajuda conduz a uma perda parcial, uma diferença igual ou superior a este limiar conduz a uma perda total e ao reembolso total das ajudas recebidas, bem como a uma exclusão total das ajudas para as restantes anuidades do compromisso. |
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Além disso, importa também sublinhar que este regime de perda total das ajudas respeita o princípio da proporcionalidade, uma vez que visa apenas hipóteses limitadas, a saber, aquelas em que se constata que a superfície arborizada é inferior em 20 % à superfície admitida para a ajuda, e salvaguarda a possibilidade de um beneficiário invocar um caso de força maior. |
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Por último, uma vez que prevê, no caso de se verificar que a superfície arborizada é inferior em 20 % à superfície admitida para a ajuda, a restituição da totalidade das ajudas à arborização recebidas ao abrigo do compromisso plurianual, e não apenas o reembolso dos montantes relativos ao ano em relação ao qual foi constatada a irregularidade, a legislação nacional em causa no processo principal também é proporcionada. Com efeito, só um reembolso total destas ajudas é suscetível de evitar o risco de fraudes ao orçamento da União e garantir a arborização efetiva e duradoura das terras agrícolas. |
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Tendo em conta os fundamentos precedentes, há que responder às questões submetidas que os artigos 2.o e 4.o do Regulamento n.o 2988/95, os artigos 2.o e 4.o do Regulamento n.o 2080/92 e o princípio da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que prevê, no caso de se verificar, durante a execução de um compromisso plurianual, que a superfície arborizada é inferior em 20 % à superfície admitida a título deste compromisso, a perda total das ajudas à arborização e, portanto, a obrigação de proceder ao reembolso total destas ajudas, bem como a exclusão total das ajudas que deveriam ser pagas a título das restantes anuidades do compromisso. |
Quanto às despesas
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Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara: |
Os artigos 2.o e 4.o do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, os artigos 2.o e 4.o do Regulamento (CEE) n.o 2080/92 do Conselho, de 30 de junho de 1992, que institui um regime comunitário de ajudas às medidas florestais na agricultura, e o princípio da proporcionalidade |
devem ser interpretados no sentido de que: |
não se opõem a uma regulamentação nacional que prevê, no caso de se verificar, durante a execução de um compromisso plurianual, que a superfície arborizada é inferior em 20 % à superfície admitida a título deste compromisso, a perda total das ajudas à arborização e, portanto, a obrigação de proceder ao reembolso total destas ajudas, bem como a exclusão total das ajudas que deveriam ser pagas a título das restantes anuidades do compromisso. |
Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: italiano.
( i ) Na sequência de uma verificação de texto por parte da Unidade Portuguesa, o cabeçalho foi objeto de uma alteração de ordem linguística, posteriormente à sua disponibilização em linha.