ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

7 de setembro de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política agrícola comum — Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) — Medidas de apoio ao desenvolvimento rural 2006— Pagamentos relacionados com o bem‑estar dos animais — Regulamento (CE) n.o 1974/2006 — Artigo 44.o, n.o 1 e n.o 2, alínea a) — Artigo 47.o, n.o 1 — Cedência da exploração agrícola a um novo beneficiário — Cessação posterior, por esse beneficiário, das suas atividades agrícolas — “Casos de força maior ou de circunstâncias excecionais” — Obrigação de reembolso de uma parte ou da totalidade da ajuda recebida — Princípio da proporcionalidade»

No processo C‑169/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Curtea de Apel Bucureşti (Tribunal de Recurso de Bucareste, Roménia), por Decisão de 19 de novembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de março de 2022, no processo

Fractal Insolvenţă SPRL, na qualidade de administradora judicial da Groenland Poultry SRL,

contra

Agenţia de Plăţi şi Intervenţie pentru Agricultură — Centrul Judeţean Dâmboviţa,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: P. G. Xuereb, presidente de secção, T. von Danwitz (relator) e A. Kumin, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Fractal Insolvenţă SPRL, na qualidade de administradora judicial da Groenland Poultry SRL, por A. Rusu, avocat,

em representação da Agenţia de Plăţi şi Intervenţie pentru Agricultură Centrul Judeţean Dâmboviţa, por C. A. Gârleanu, na qualidade de agente,

em representação do Governo Romeno, por R. Antonie, E. Gane e O.‑C. Ichim, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Helénico, por E. E. Krompa, E. Leftheriotou e M. Tassopoulou, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por T. Isacu de Groot e A. Sauka, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 9 de março de 2023,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 44.o, n.o 2, alínea a), e do artigo 47.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1974/2006 da Comissão, de 15 de dezembro de 2006, que estabelece normas de execução do Regulamento (CE) n.o 1698/2005 do Conselho, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) (JO 2006, L 368, p. 15), conforme alterado pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 679/2011 da Comissão, de 14 de julho de 2011 (JO 2011, L 185, p. 57) (a seguir «Regulamento n.o 1974/2006»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Fractal Insolvenţă SPRL, na qualidade de administradora judicial da Groenland Poultry SRL, à Agenţia de Plăţi şi Intervenţie pentru Agricultură — Centrul Judeţean Dâmboviţa (Agência de Pagamentos e Intervenções Agrícolas — Centro Distrital de Dâmboviţa, Roménia) (a seguir «APIA»), a respeito de decisões desta última que impõem à Groenland Poultry, devido à cessação das suas atividades agrícolas, o reembolso da totalidade das ajudas concedidas durante o período de compromisso quinquenal desta sociedade relacionadas com o bem‑estar dos animais.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 1698/2005

3

O Regulamento (CE) n.o 1698/2005 do Conselho, de 20 de setembro de 2005, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) (JO 2005, L 277, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 74/2009 do Conselho, de 19 de janeiro de 2009 (JO 2009, L 30, p. 100) (a seguir «Regulamento n.o 1698/2005»), foi revogado pelo Regulamento (UE) n.o 1305/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1698/2005 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 487). No entanto, por força do artigo 88.o do Regulamento n.o 1305/2013, o Regulamento n.o 1698/2005 continua a aplicar‑se às operações executadas em aplicação dos programas aprovados pela Comissão nos termos desse regulamento antes de 1 de janeiro de 2014.

4

O artigo 36.o, alínea a), v), do Regulamento n.o 1698/2005 previa que o apoio ao abrigo da melhoria do ambiente e da paisagem rural incidia nas medidas destinadas à utilização sustentável das terras agrícolas através de pagamentos relacionados com o bem‑estar dos animais.

5

O artigo 40.o do referido regulamento dispunha:

«1.   Os pagamentos relacionados com o bem‑estar dos animais previstos na subalínea v) da alínea a) do artigo 36.o são concedidos aos agricultores que assumam, a título voluntário, compromissos em matéria de bem‑estar dos animais.

2.   Os pagamentos relacionados com o bem‑estar dos animais abrangem apenas os compromissos que ultrapassem as normas obrigatórias […], e outros requisitos obrigatórios pertinentes estabelecidos na legislação nacional e identificados no programa.

Esses compromissos são assumidos, regra geral, por um período de cinco a sete anos. […]

3.   Os pagamentos são concedidos anualmente e abrangem os custos adicionais e a perda de rendimentos resultantes do compromisso assumido. Se necessário, podem também abranger os custos resultantes da mudança.

O apoio é limitado ao montante máximo estabelecido no anexo I.»

6

Nos termos do artigo 74.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1698/2005:

«Os Estados‑Membros aprovam todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas […] a fim de garantir uma proteção eficaz dos interesses financeiros da Comunidade.»

Regulamento n.o 1974/2006

7

O Regulamento n.o 1974/2006 foi revogado pelo Regulamento Delegado (UE) n.o 807/2014 da Comissão, de 11 de março de 2014, que complementa o Regulamento (UE) n.o 1305/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) e que estabelece disposições transitórias (JO 2014, L 227, p. 1). No entanto, por força do artigo 19.o do Regulamento Delegado n.o 807/2014, o Regulamento n.o 1974/2006 mantinha‑se em vigor para as operações executadas de acordo com os programas aprovados pela Comissão ao abrigo do Regulamento n.o 1698/2005 antes de 1 de janeiro de 2014.

8

Nos termos do artigo 1.o do Regulamento n.o 1974/2006:

«O presente regulamento estabelece as normas de execução do Regulamento (CE) n.o 1698/2005 no que respeita aos princípios e regras gerais relativas ao apoio ao desenvolvimento rural, às disposições específicas e comuns relativas às medidas de desenvolvimento rural e às disposições em matéria de elegibilidade e gestão administrativa, com exclusão das disposições referentes aos controlos.»

9

O artigo 44.o do Regulamento n.o 1974/2006 dispunha:

«1.   Se, durante o período de um compromisso assumido como condição para a concessão de apoio, a totalidade ou parte da exploração do beneficiário for cedida a outra pessoa, esta pode retomar o compromisso em relação à parte desse período que falta decorrer. Se tal não acontecer, o beneficiário terá de reembolsar a ajuda recebida.

2.   Os Estados‑Membros podem optar por não exigir o reembolso referido no n.o 1 nos seguintes casos:

a)

Se, no caso de uma cessação definitiva das atividades agrícolas de um beneficiário que já tenha cumprido uma parte significativa do seu compromisso, este não puder ser retomado por um sucessor;

b)

Se a cedência de uma parte da exploração do beneficiário ocorrer durante um período de prolongamento do compromisso, em conformidade com o n.o 12, segundo parágrafo, do artigo 27.o, e não disser respeito a mais de 50 % da superfície abrangida pelo compromisso antes do prolongamento;

c)

Se a totalidade ou parte da exploração de um beneficiário for cedida a uma organização que tenha como objetivo principal a gestão da natureza com vista à conservação do ambiente, desde que a cedência vise uma utilização permanente das terras para fins de conservação da natureza e tenha como resultado um benefício significativo para o ambiente.

3.   Os Estados‑Membros podem tomar medidas específicas para evitar que, em caso de alterações de pouca importância da situação da exploração agrícola, a aplicação do n.o 1 conduza a resultados inadequados no que se refere ao compromisso assumido.

Uma redução da superfície da exploração até 10 % da superfície sujeita ao compromisso é considerada uma alteração de pouca importância para efeitos do primeiro parágrafo.»

10

O artigo 47.o do referido regulamento previa:

«1.   Os Estados‑Membros podem reconhecer, nomeadamente, as seguintes categorias de força maior ou de circunstâncias excecionais e, em consequência, não exigir o reembolso de uma parte ou da totalidade da ajuda recebida pelo beneficiário:

a)

Morte do beneficiário;

b)

Incapacidade profissional de longa duração do beneficiário;

c)

Expropriação de uma parte importante da exploração agrícola, se essa expropriação não era previsível na data em que o compromisso foi assumido;

d)

Catástrofe natural grave que afete de modo significativo as terras da exploração;

e)

Destruição acidental das instalações da exploração destinadas aos animais;

f)

Epizootia que afete a totalidade ou parte dos efetivos do agricultor.

2.   Os casos de força maior ou de circunstâncias excecionais e as respetivas provas, que devem constituir prova suficiente perante a autoridade competente, serão comunicados por escrito pelo beneficiário ou pelo seu mandatário a essa autoridade no prazo de dez dias úteis a contar da data em que o beneficiário ou o mandatário estiver em condições de o fazer.»

Regulamento (UE) n.o 65/2011

11

O Regulamento (UE) n.o 65/2011 da Comissão, de 27 de janeiro de 2011, que estabelece as regras de execução do Regulamento (CE) n.o 1698/2005 do Conselho relativas aos procedimentos de controlo e à condicionalidade no que respeita às medidas de apoio ao desenvolvimento rural (JO 2011, L 25, p. 8), foi revogado, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2015, pelo Regulamento Delegado (UE) n.o 640/2014 da Comissão, de 11 de março de 2014, que completa o Regulamento (UE) n.o 1306/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito ao sistema integrado de gestão e de controlo e às condições de recusa ou retirada de pagamentos, bem como às sanções administrativas aplicáveis aos pagamentos diretos, ao apoio ao desenvolvimento rural e à condicionalidade (JO 2014, L 181, p. 48, e retificação no JO 2015, L 209, p. 48). No entanto, por força do artigo 43.o do Regulamento Delegado n.o 640/2014, o Regulamento n.o 65/2011 continuava a ser aplicável aos pedidos de pagamento e aos pedidos de apoio relativos ao ano de 2014 e aos anos anteriores.

12

Nos termos do artigo 18.o do Regulamento n.o 65/2011:

«1.   A ajuda solicitada é reduzida ou recusada quando não estejam cumpridas as obrigações e critérios seguintes:

a)

para as medidas referidas no artigo 36.o, alíne[a] a), subalíne[a] […] v) […] do Regulamento [n.o 1698/2005], as normas obrigatórias relevantes e os requisitos mínimos relativos à utilização de adubos e produtos fitossanitários, outras normas obrigatórias mencionadas nos artigos […] 40.o, n.o 2, […] do Regulamento [n.o 1698/2005], assim como os compromissos que vão mais longe que essas normas e requisitos; ou

b)

critérios de elegibilidade diferentes dos relacionados com a dimensão da superfície ou o número de animais declarados.

No caso de compromissos plurianuais, as reduções de ajudas, as exclusões e as recuperações são também aplicáveis aos montantes já pagos nos anos anteriores por esses compromissos.

2.   O Estado‑Membro recupera e/ou recusa o apoio, ou determina o montante da redução da ajuda, nomeadamente baseando‑se [na] severidade, na extensão e na natureza permanente do incumprimento constatado.

[…]»

Regulamento de Execução (UE) n.o 809/2014

13

Nos termos do artigo 8.o do Regulamento de Execução (UE) n.o 809/2014 da Comissão, de 17 de julho de 2014, que estabelece as normas de execução do Regulamento (UE) n.o 1306/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito ao sistema integrado de gestão e de controlo, às medidas de desenvolvimento rural e à condicionalidade (JO 2014, L 227, p. 69):

«1.   Para efeitos do presente artigo, entende‑se por:

a)

“Cedência de uma exploração”, a venda, arrendamento ou qualquer outro tipo similar de operação relativamente às unidades de produção em causa;

b)

“Cedente”, o beneficiário cuja exploração é transferida para outro beneficiário;

c)

“Cessionário”, o agricultor a quem é cedida a exploração.

2.   Se, após a apresentação de um pedido de ajuda, de apoio ou de pagamento, e antes do cumprimento de todos os requisitos para a concessão da ajuda ou do apoio, uma exploração for integralmente cedida por um beneficiário a outro, não pode ser concedida qualquer ajuda ou apoio ao cedente a título da exploração cedida.

3.   As ajudas ou pagamentos pedidos pelo cedente serão concedidos ao cessionário se:

a)

Num período, a definir pelos Estados‑Membros, o cessionário informar a autoridade competente da cedência e requerer o pagamento das ajudas e dos apoios;

b)

O cessionário apresentar as provas exigidas pela autoridade competente;

c)

Forem cumpridos todos os requisitos para a concessão da ajuda e/ou do apoio a título da exploração cedida.

4.   Logo que o cessionário informe a autoridade competente e requeira o pagamento da ajuda e/ou do apoio em conformidade com o n.o 3, alínea a):

a)

Todos os direitos e obrigações do cedente, decorrentes da relação jurídica gerada pelo pedido de ajuda, de apoio ou de pagamento entre o cedente e a autoridade competente, são transferidos para o cessionário;

b)

O cessionário sub‑roga‑se ao cedente relativamente a todas as ações necessárias para a concessão da ajuda e/ou do apoio e todas as declarações feitas pelo cedente antes da cedência, para efeitos da aplicação das pertinentes normas da União;

[…]»

14

Nos termos do artigo 76.o do Regulamento de Execução n.o 809/2014, este é aplicável aos pedidos de ajuda, aos pedidos de apoio e de pagamento relativos aos exercícios ou períodos de prémio com início em 1 de janeiro de 2015.

Direito romeno

15

O artigo 17.o do ordonanță de urgență a Guvernului nr. 66/2011 privind prevenirea, constatarea și sancționarea neregulilor apărute în obținerea și utilizarea fondurilor europene și/sau a fondurilor publice naționale aferente acestora (Despacho de Urgência do Governo n.o 66/2011, relativo à Prevenção, Verificação e Sanção das Irregularidades na Obtenção e na Utilização dos Fundos Europeus e/ou dos Fundos Públicos Nacionais Conexos), de 29 de junho de 2011 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 461 de 30 de junho de 2011), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, prevê:

«Qualquer diligência destinada a verificar a existência de uma irregularidade e a determinar os créditos orçamentais dela resultantes é conduzida, em aplicação do princípio da proporcionalidade, tendo em conta a natureza e a gravidade da irregularidade verificada, bem como o seu alcance e efeitos financeiros.»

16

O artigo 30.o, n.o 1, do Ordonanța de urgență a guvernului nr. 3/2015 pentru aprobarea schemelor de plăți care se aplică în agricultură în perioada 2015 2020 și pentru modificarea art. 2 din Legea nr. 36/1991 privind societățile agricole și alte forme de asociere în agricultură (Despacho de Urgência do Governo n.o 3/2015, que aprova os Regimes de Pagamento Aplicáveis à Agricultura no Período de 2015‑2020 e que altera o Artigo 2.o da Lei n.o 36/1991, relativa às Sociedades Agrícolas e a Outras Formas de Associação no Setor Agrícola), de 18 de março de 2015 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 191 de 23 de março de 2015), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, dispõe:

«Para efeitos do financiamento, da gestão e do acompanhamento da Política Agrícola Comum, os casos de “força maior” e as “circunstâncias excecionais” são reconhecidos, nomeadamente, em caso de:

[…]

«f) expropriação de toda a exploração, ou de uma parte importante da mesma, no caso de a expropriação não ser previsível no dia da apresentação do pedido.»

17

Nos termos do artigo 31.o do mesmo despacho:

«1.   A comunicação dos casos de força maior e de circunstâncias excecionais, bem como as provas da ocorrência das situações referidas no artigo 30.o, n.o 1, deve ser dirigida por escrito à APIA no prazo de quinze dias úteis a contar da data em que o beneficiário, ou a pessoa por ele mandatada, o possa fazer.

2.   Caso o beneficiário ou a pessoa por ele mandatada exceda o prazo previsto no n.o 1, a comunicação não é tomada em consideração.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18

Mediante um pedido de apoio apresentado à APIA em 18 de janeiro de 2013, a Avicola Crevedia SA, que explora um matadouro de aves de capoeira, assumiu voluntariamente, ao abrigo do artigo 40.o do Regulamento n.o 1698/2005, um compromisso relacionado com o bem‑estar dos animais por um período de cinco anos.

19

Durante o período deste compromisso quinquenal, a exploração em causa no processo principal foi totalmente cedida pela primeira vez à sociedade Abator Avicola Crevedia SRL, que retomou o referido compromisso em 15 de novembro de 2013, e pela segunda vez à Groenland Poultry, que também retomou o mesmo compromisso e registou‑o na APIA em 2 de abril de 2015.

20

Para o efeito, a Groenland Poultry celebrou, em 30 de março de 2015, dois contratos. Por um lado, celebrou um contrato de cedência de exploração agrícola e de retoma de compromissos com a sociedade Abator Avicola Crevedia, a qual renunciava ao recebimento do pagamento do apoio que pediu à APIA em 13 de novembro de 2014, ao passo que a Groenland Poultry, à qual foi cedido o direito de pedir o pagamento deste apoio, se comprometia a cumprir os compromissos assumidos pela cedente no formulário de pedido de apoio e a provar o preenchimento dos requisitos de elegibilidade para a obtenção do apoio.

21

Por outro lado, a Groenland Poultry celebrou um contrato de arrendamento com uma duração de cinco anos com a Agroli Group SRL, sociedade que era objeto de um processo de insolvência aberto em 6 de março de 2014, relativo ao local e às instalações de produção da referida exploração pertencentes a essa sociedade, o qual continha uma condição suspensiva a favor do senhorio, segundo a qual o referido contrato devia ser aprovado pela comissão de credores da referida sociedade no âmbito desse processo.

22

Por Decisão de pagamento de 4 de dezembro de 2015, a APIA pagou à Groenland Poultry, no que respeita ao pedido de 13 de novembro de 2014, o montante de 1506915,86 leus romenos (RON) (337100 euros). Na sequência dos seus pedidos de pagamento apresentados e alterados, respetivamente, em 13 de novembro de 2015 e 15 de junho de 2016, a APIA pagou igualmente à Groenland Poultry, em 5 de outubro de 2016, o montante de 850673,62 RON (cerca de 190000 euros), bem como, em 29 de março de 2017, o montante de 375941,35 RON (cerca de 82000 euros), por decisão de pagamento antecipado.

23

Não tendo a Groenland Poultry apresentado um pedido de pagamento no que respeita ao quinto ano de compromisso (a saber, o ano de 2017), a APIA notificou‑a da falta de apresentação do pedido. Em 18 de abril de 2017, a administradora judicial da Groenland Poultry informou a APIA de que esta sociedade era objeto de um processo de insolvência.

24

Em 21 de abril de 2017, a APIA elaborou quatro atas nos termos do artigo 8.o do Regulamento de Execução n.o 809/2014, que concluíram pela existência de irregularidades e determinaram créditos orçamentais, e ordenou a recuperação à Groenland Poultry dos montantes de 6940168,72 RON (cerca de 1527000 euros), 4562717,78 RON (cerca de 1004000 euros), 1506915,86 RON e 850673,62 RON, respetivamente, a título do primeiro a quarto anos de compromisso, pelo facto de esta sociedade, por ser objeto de um processo de insolvência, já não exercer atividades e não poder demonstrar a prossecução desse compromisso quinquenal.

25

Após a APIA ter indeferido as reclamações apresentadas pela Groenland Poultry contra essas atas, esta sociedade interpôs recurso de anulação das decisões de indeferimento da APIA no Tribunalul Bucureşti (Tribunal Regional de Bucareste, Roménia), alegando que se encontrava impossibilitada de prosseguir o compromisso durante o ano de 2017 devido a uma «expropriação», na aceção do artigo 47.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 1974/2006, ou uma circunstância equiparável, designadamente, a notificação pelo senhorio, em 26 de julho de 2016, da não realização da condição suspensiva prevista no contrato de arrendamento acompanhada de um pedido de desocupação das instalações, resultante da abertura de um processo de insolvência contra o Agroli Group em 9 de maio de 2016. Além disso, a Groenland Poultry alegou que o artigo 44.o, n.o 2, alínea a), deste regulamento era aplicável e invocou uma violação do princípio da proporcionalidade.

26

Por Decisão de 26 de outubro de 2018, esse órgão jurisdicional negou provimento ao referido recurso. Antes de mais, considerou que, por força do artigo 44.o do referido regulamento e do artigo 8.o do Regulamento de Execução n.o 809/2014, a Groenland Poultry tinha adquirido os direitos e assumido as obrigações do cedente, bem como, implicitamente, as consequências do não preenchimento dos requisitos de elegibilidade para a obtenção do apoio em causa. Em seguida, o referido órgão jurisdicional considerou que o artigo 47.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 1974/2006 não era aplicável no caso em apreço, uma vez que as circunstâncias invocadas a título de isenção pela Groenland Poultry não constituíam uma expropriação, correspondente, no direito nacional, a uma apropriação dos bens pelo Estado por razões de utilidade pública, e não eram imprevisíveis à data em que o compromisso foi assumido. Por outro lado, estas circunstâncias não tinham sido notificadas no prazo fixado no artigo 47.o, n.o 2, deste regulamento. Por fim, o princípio da proporcionalidade teria sido respeitado. Referindo‑se ao artigo 44.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1974/2006, o mesmo órgão jurisdicional salientou que o facto de o requisito relativo à impossibilidade de uma retomada do compromisso estar preenchido não tinha sido provado e que a APIA tinha agido no âmbito da margem de apreciação prevista nesse artigo.

27

Chamado a conhecer de um recurso interposto pela Groenland Poultry contra essa decisão, o órgão jurisdicional de reenvio, a Curtea de Apel Bucureşti (Tribunal de Recurso de Bucareste, Roménia), pronunciando‑se em última instância, declara que resulta da interpretação literal do artigo 47.o, n.o 1, deste regulamento que a lista dos casos de «força maior ou de circunstâncias excecionais» prevista nesta disposição não é exaustiva e que os conceitos de «força maior» e de «circunstâncias excecionais», na falta de remissão para o direito nacional, não podem ser definidos por referência a esse direito. Ora, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre se, no caso em apreço, o facto de ter sido aberto um processo de insolvência contra o senhorio no momento da celebração do contrato de arrendamento se opõe à aplicação da referida disposição, observando que a APIA não considerou que esse facto constituía um obstáculo à transferência de exploração e ao pagamento da ajuda à Groenland Poultry.

28

O referido órgão jurisdicional interroga‑se, além disso, sobre a interpretação que deve ser dada ao artigo 44.o, n.o 1 e n.o 2, alínea a), do referido regulamento, à luz do princípio da proporcionalidade, num contexto em que a APIA impôs à Groenland Poultry a obrigação de reembolsar o montante total de 14236417,32 RON (cerca de 2900000 euros), quando efetivamente apenas recebeu um montante de 2658185,04 RON (cerca de 540000 euros) e a diferença entre estes dois montantes foi paga aos beneficiários anteriores a título dos dois primeiros anos do compromisso quinquenal. Além disso, este compromisso foi respeitado durante os quatro primeiros anos e a cessação da atividade da Groenland Poultry no último ano do referido compromisso parece dever‑se a causas independentes da sua vontade.

29

Por último, o órgão jurisdicional de reenvio refere que se afigura que o requisito de o «[compromisso] não [poder] ser retomado por um sucessor», previsto nesta disposição, exige a apresentação de provas em vez de uma prova abstrata da ausência de qualquer sucessor interessado. A este respeito, esse órgão jurisdicional precisa que a Groenland Poultry apresentou provas de que a Vitall SRL estava interessada em retomar esse mesmo compromisso, mas não obteve as autorizações sanitárias e veterinárias necessárias à retomada da atividade agrícola, apesar de a comissão de credores da Agroli Group aprovar o arrendamento das instalações em causa no processo principal.

30

Neste contexto, a Curtea de Apel București (Tribunal de Recurso de Bucareste) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 47.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 1974/2006] ser interpretado no sentido de que os “casos de força maior ou de circunstâncias excecionais” abrangem também a situação em que o beneficiário do apoio perde o direito de utilizar os bens arrendados, na sequência da cessação do contrato de arrendamento devido à insolvência do proprietário dos bens arrendados (senhorio)?

2)

À luz do princípio da proporcionalidade, deve o artigo 44.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1974/2006 ser interpretado no sentido de que, se durante o período de vigência de um compromisso assumido como condição para a concessão de um financiamento, a exploração de um beneficiário for transferida, total ou parcialmente, para outra pessoa e este segundo beneficiário cessar definitivamente as suas atividades agrícolas quando já tiver cumprido uma parte significativa do compromisso e o compromisso não puder ser retomado por um sucessor, o segundo beneficiário do [apoio] tem que reembolsar o apoio recebido (relativo ao período em que foi beneficiário do apoio) ou tem também que reembolsar o apoio recebido pelo primeiro beneficiário?

3)

Quais as condições a considerar pelo órgão jurisdicional nacional na interpretação do artigo 44.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1974/2006, para avaliar se “o compromisso não p[ode] ser retomado por um sucessor”?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

Quanto à admissibilidade

31

A APIA e o Governo romeno contestam a admissibilidade da primeira questão com o fundamento de que o artigo 47.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1974/2006, visado por esta questão, não é aplicável ao litígio no processo principal. Com efeito, resulta do pedido de decisão prejudicial que a Groenland Poultry não notificou à APIA a existência de circunstâncias que constituam casos de força maior ou de circunstâncias excecionais no prazo previsto no artigo 47.o, n.o 2, deste regulamento.

32

Segundo jurisprudência constante, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, cabe exclusivamente ao juiz nacional que conhece do litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as particularidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Por conseguinte, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se. Daqui decorre que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas [Acórdão de 21 de março de 2023, Mercedes‑Benz Group (Responsabilidade dos fabricantes de veículos munidos de dispositivos manipuladores), C‑100/21, EU:C:2023:229, n.os 52 e 53 e jurisprudência referida].

33

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio indicou, no seu pedido de decisão prejudicial, que a interpretação do artigo 47.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1974/2006 era necessária para se poder pronunciar sobre o recurso que lhe foi submetido, interposto da decisão do Tribunalul Bucureşti (Tribunal Regional de Bucareste) referida no n.o 26 do presente acórdão. Ora, resulta deste pedido que, embora, segundo esse tribunal, a Groenland Poultry não tivesse notificado a APIA das circunstâncias que constituem casos de força maior ou de circunstâncias excecionais no prazo previsto no artigo 47.o, n.o 2, deste regulamento, o que esta sociedade contestou, o referido tribunal considerou igualmente que o artigo 47.o, n.o 1, do referido regulamento não era aplicável ao litígio no processo principal, uma vez que as circunstâncias invocadas pela referida sociedade não constituíam uma expropriação, na aceção desta disposição.

34

Por conseguinte, não é manifesto que a interpretação da referida disposição não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal ou que o problema é hipotético.

35

Daqui decorre que a primeira questão é admissível.

Quanto ao mérito

36

A título preliminar, resulta do pedido de decisão prejudicial que a impossibilidade de a Groenland Poultry prosseguir até ao fim o seu compromisso plurianual relativo ao bem‑estar dos animais resulta do facto de o Agroli Group, na sequência da sua insolvência, ter posto termo ao contrato de arrendamento em causa no processo principal. Resulta igualmente desse pedido que, no momento da celebração desse contrato de arrendamento, o Agroli Group já era objeto de um processo de insolvência, razão pela qual o referido contrato tinha sido sujeito à condição suspensiva referida no n.o 21 do presente acórdão, que permitiu a esta sociedade pôr‑lhe termo.

37

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 47.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1974/2006 deve ser interpretado no sentido de que a perda do direito de utilizar os bens arrendados devido à rescisão do contrato de arrendamento desses bens, na sequência da insolvência do senhorio, que era objeto de um processo de insolvência no momento da celebração desse contrato, constitui um «caso de força maior ou de circunstâncias excecionais», na aceção desta disposição.

38

A este respeito, há que constatar que a referida disposição não contém uma lista exaustiva dos acontecimentos que podem constituir um caso de força maior ou de circunstâncias excecionais, como resulta dos termos «nomeadamente» que figuram na mesma disposição.

39

Além disso, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, constitui um caso de força maior qualquer acontecimento devido a circunstâncias alheias ao operador, anormais e imprevisíveis, cujas consequências não poderiam ter sido evitadas apesar de todas as diligências levadas a cabo por este último (Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, Zamestnik izpalnitelen direktor na Darzhaven fond Zemedelie,C‑343/21, EU:C:2023:111, n.o 58 e jurisprudência referida).

40

Ora, uma vez que a impossibilidade de um beneficiário continuar a respeitar um compromisso plurianual relativo ao bem‑estar dos animais decorre da rescisão de um contrato de arrendamento subsequente à insolvência do cocontratante desse beneficiário, que era objeto de um processo de insolvência quando essas partes celebraram esse contrato, essa impossibilidade não se pode dever a circunstâncias alheias, anormais e imprevisíveis na aceção dessa jurisprudência.

41

Tendo em conta o que precede, há que responder à primeira questão que o artigo 47.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1974/2006 deve ser interpretado no sentido de que a perda do direito de utilizar os bens arrendados devido à rescisão do contrato de arrendamento desses bens, na sequência da insolvência do senhorio, que era objeto de um processo de insolvência no momento da celebração desse contrato, não constitui um «caso de força maior ou de circunstâncias excecionais», na aceção desta disposição.

Quanto à segunda questão

Quanto à admissibilidade

42

A APIA e o Governo romeno contestam a admissibilidade da segunda questão, com o fundamento de que esta tem por objeto a interpretação do n.o 2 do artigo 44.o do Regulamento n.o 1974/2006, que não é aplicável ao litígio no processo principal. Alegam que o legislador romeno optou por não retomar, no direito nacional, os casos previstos nesta disposição nos quais os Estados‑Membros podem decidir não exigir o reembolso referido no n.o 1 deste artigo.

43

A este respeito, resulta desta questão e do pedido de decisão prejudicial que, com a referida questão, o órgão jurisdicional de reenvio se interroga sobre a interpretação dos n.os 1 e 2 do artigo 44.o deste regulamento, lido à luz do princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, e, particularmente, sobre a articulação entre o princípio previsto nesse n.o 1 e as exceções previstas nesse n.o 2.

44

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio precisou que a decisão do recurso que lhe foi submetido dependia, em larga medida, da interpretação do artigo 44.o, n.o 2, do referido regulamento.

45

Por conseguinte, não é manifesto que a interpretação do direito da União solicitada pelo órgão jurisdicional nacional não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, ou que o problema é hipotético.

46

Em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 32 do presente acórdão, a segunda questão é, assim, admissível.

Quanto ao mérito

47

A título preliminar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas Além disso, o Tribunal pode ser levado a tomar em consideração normas de direito da União a que o juiz nacional não fez referência no enunciado da sua questão (Acórdão de 15 de julho de 2021, Ministrstvo za obrambo, C‑742/19, EU:C:2021:597, n.o 31 e jurisprudência referida).

48

A este respeito, tendo em conta os elementos salientados pelo órgão jurisdicional de reenvio, conforme expostos no n.o 43 do presente acórdão, há que considerar que, com a sua segunda questão, esse órgão jurisdicional pergunta, em substância, se o artigo 44.o, n.o 1 e n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1974/2006, lido à luz do princípio da proporcionalidade, deve ser interpretado no sentido de que, se, durante o período de um compromisso assumido como condição para a concessão de apoio, a exploração de um beneficiário é cedida a outra pessoa que assume voluntariamente esse compromisso e que, em seguida, cessa definitivamente as suas atividades agrícolas, este último beneficiário da ajuda é obrigado a reembolsar a ajuda recebida relativa à totalidade do referido compromisso, incluindo os montantes recebidos pelos beneficiários anteriores dessa ajuda, mesmo que já tenha cumprido uma parte significativa do seu compromisso e este já não possa ser retomado.

49

Nas suas observações escritas, o Governo romeno, a APIA e o Governo grego referiram‑se igualmente ao artigo 18.o do Regulamento n.o 65/2011, que fixava, à semelhança do Regulamento n.o 1974/2006, as normas de execução do Regulamento n.o 1698/2005, mas, ao contrário deste, não no que respeita à execução, nomeadamente, das disposições comuns e específicas aplicáveis às medidas de apoio ao desenvolvimento rural, mas à aplicação de procedimentos de controlo e de condicionalidade para essas medidas. No entanto, o artigo 44.o do Regulamento n.o 1974/2006, cuja aplicação ao litígio no processo principal não é contestada, regula situações específicas que este artigo 18.o não visa, designadamente, aquelas em que a exploração de um beneficiário é cedida durante o período de execução de um compromisso assumido como condição para a concessão de um apoio. Assim, o referido artigo 18.o não se afigura pertinente no que respeita a este litígio.

50

Segundo jurisprudência constante, para interpretar uma disposição de direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte e o seu contexto (Acórdão de 14 de outubro de 2021, José Cánovas Pardo, C‑186/18, EU:C:2021:849, n.o 23 e jurisprudência referida).

51

A este respeito, o artigo 44.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1974/2006 dispõe que, se, durante o período de um compromisso assumido como condição para a concessão de apoio, a exploração do beneficiário for cedida a outra pessoa, «esta pode retomar o compromisso em relação à parte desse período que falta decorrer» e que, «[s]e tal não acontecer, o beneficiário terá de reembolsar a ajuda recebida».

52

Da redação desta disposição resulta que a mesma consagra, em termos claros e precisos, o princípio segundo o qual o beneficiário é obrigado a reembolsar a ajuda recebida em caso de cedência da exploração a outra pessoa durante o período de compromisso, salvo se esta última retomar esse compromisso.

53

Daqui resulta igualmente, como salientou o advogado‑geral no n.o 42 das suas conclusões, que a pessoa que retoma a exploração e que decide retomar também o compromisso assumido pelo beneficiário de uma ajuda sub‑roga‑se a este em todos os compromissos e obrigações respeitantes à parte desse período que falta decorrer. Assim, em conformidade com a lógica da referida disposição, essa pessoa torna‑se, por sua vez, beneficiária e é obrigada, em caso de cedência posterior dessa exploração a outra pessoa, a reembolsar a ajuda recebida, a não ser que esta última retome, por sua vez, esse compromisso no que respeita à parte desse período que falta decorrer, libertando‑o assim dos seus compromissos e obrigações.

54

Além disso, o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1974/2006 prevê que «[o]s Estados‑Membros podem optar por não exigir o reembolso referido no n.o 1 nos seguintes casos» enunciados nas alíneas a) a c) deste n.o 2. Assim, em conformidade com este artigo 44.o, n.o 2, esse reembolso pode não ser exigido, como resulta da alínea a), «[s]e, no caso de uma cessação definitiva das atividades agrícolas de um beneficiário que já tenha cumprido uma parte significativa do seu compromisso, este não puder ser retomado por um sucessor», como é indicado na alínea b), em caso de cedência parcial da exploração durante um período de prolongamento do compromisso e, como é referido na alínea c), em caso de cedência da exploração a uma organização de gestão do ambiente.

55

O artigo 44.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1974/2006 permite, por outro lado, aos Estados‑Membros tomarem medidas específicas para evitar que, no caso de alterações menores da situação da exploração, a aplicação do artigo 44.o, n.o 1, deste regulamento conduza a resultados inadequados no que se refere ao compromisso assumido.

56

Daqui resulta que o artigo 44.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 1974/2006 prevê exceções facultativas ao princípio do reembolso da ajuda pelo beneficiário em caso de cedência da exploração sem retoma do compromisso plurianual pelo cessionário, as quais devem, enquanto tais, ser objeto de uma interpretação estrita.

57

Resulta igualmente da interpretação literal e contextual do artigo 44.o, n.o 1, deste regulamento que, se, durante o período de um compromisso assumido como condição para a concessão de apoio, a exploração de um beneficiário é cedida a outra pessoa que assume voluntariamente esse compromisso e que, em seguida, cessa definitivamente as suas atividades agrícolas, este último beneficiário da ajuda é obrigado a reembolsar a ajuda recebida relativa à totalidade do referido compromisso, incluindo os montantes recebidos pelos beneficiários anteriores dessa ajuda, a menos que o Estado‑Membro em causa tenha decidido não exigir esse reembolso ao abrigo das exceções previstas no artigo 44.o, n.os 2 e 3, do referido regulamento.

58

Caso contrário, este último beneficiário da ajuda será obrigado a reembolsar a totalidade da ajuda recebida, incluindo pelos beneficiários anteriores, mesmo que já tenha cumprido uma parte importante do seu compromisso e que este não possa ser retomado.

59

Na medida em que a Groenland Poultry invocou, no âmbito do litígio no processo principal, a aplicação do artigo 44.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1974/2006, ao passo que o Governo romeno e a APIA indicaram, nas suas observações no Tribunal de Justiça, que o legislador romeno tinha decidido não retomar, no direito interno, a exceção prevista nesta disposição, há que precisar que a implementação desse artigo 44.o, n.o 2, alínea a), no direito nacional não é obrigatória. Daqui resulta que, no que respeita a esta disposição facultativa, os Estados‑Membros devem efetuar a escolha específica de implementar esta exceção no direito nacional. Embora possam escolher, para o efeito, a técnica normativa que lhes pareça mais adequada, as medidas nacionais que aplicam essa disposição devem revestir uma força vinculativa incontestável e responder às exigências de precisão e de clareza exigidas para garantir a certeza das situações jurídicas (v., por analogia, Acórdão de 4 de junho de 2009, SALIX Grundstücks‑Vermietungsgesellschaft, C‑102/08, EU:C:2009:345, n.os 52, 55 a 57 e jurisprudência referida).

60

Assim, na falta de normas nacionais que preencham esses requisitos, o beneficiário de um auxílio como a Groenland Poultry não pode invocar a referida disposição nos órgãos jurisdicionais nacionais.

61

A interpretação do artigo 44.o do Regulamento n.o 1974/2006 que figura nos n.os 57 e 58 do presente acórdão está em conformidade com os objetivos da regulamentação de que este artigo 44.o faz parte.

62

Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 46 das suas conclusões, para efeitos do objetivo para o qual a ajuda foi recebida, a saber, em conformidade com o artigo 36.o, alínea a), v), e com o artigo 40.o do Regulamento n.o 1698/2005, a promoção do bem‑estar dos animais, é essencial que o compromisso plurianual seja mantido até ao seu termo.

63

Aliás, o Tribunal de Justiça já sublinhou a importância de os compromissos plurianuais serem levados até ao seu termo, indicando que as condições para a concessão de uma ajuda devem ser respeitadas durante todo o período de compromisso. Considerou, em especial, que se uma dessas condições, como a apresentação de um pedido anual de pagamento, não fosse respeitada, nem que isso sucedesse apenas uma vez, a ajuda não podia ser concedida, sem que o princípio da proporcionalidade se oponha a que seja imposta ao beneficiário uma recuperação total (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de maio de 2012, Hehenberger, C‑188/11, EU:C:2012:312, n.os 35 a 37; de 7 de fevereiro de 2013, Pusts, C‑454/11, EU:C:2013:64, n.os 35 a 37; e de 26 de maio de 2016, Ezernieki, C‑273/15, EU:C:2016:364, n.os 41 a 46).

64

De igual modo, o objetivo de uma proteção eficaz dos interesses financeiros da União Europeia que os Estados‑Membros devem assegurar, como resulta do artigo 74.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1698/2005, milita a favor da interpretação do artigo 44.o do Regulamento n.o 1974/2006, tal como resulta dos n.os 57 e 58 do presente acórdão. Ora, seria fácil contornar o princípio do reembolso enunciado no artigo 44.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1974/2006 se o primeiro beneficiário de uma ajuda cedesse o seu compromisso a outro beneficiário e se este abandonasse imediatamente o compromisso plurianual antes do seu termo, sem consequências financeiras para nenhum deles.

65

Por último, no que respeita ao princípio da proporcionalidade, importa recordar que resulta de jurisprudência constante que este princípio exige que os atos das instituições da União sejam aptos a realizar os objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa e não vão além do necessário à realização desses objetivos, sendo que, quando existe uma escolha entre várias medidas adequadas, há que recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados não devem ser desmedidos face às finalidades prosseguidas (Acórdão de 16 de fevereiro de 2022, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑157/21, EU:C:2022:98, n.o 353 e jurisprudência referida). No caso em apreço, há que salientar que, quando a exploração de um beneficiário de uma ajuda é cedida a outra pessoa que não retoma o compromisso plurianual para o período que falta decorrer, não só os Estados‑Membros podem decidir, ao abrigo do artigo 44.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 1974/2006, não exigir o reembolso previsto no artigo 44.o, n.o 1, deste regulamento, mas a obrigação de reembolso que resulta desta última disposição é adequada e necessária para efeitos da realização do objetivo que consiste em promover o bem‑estar dos animais, para o qual a ajuda foi concedida. Com efeito, esta obrigação de reembolso destina‑se a garantir que o beneficiário faça tudo o que estiver ao seu alcance para honrar o compromisso plurianual até ao seu termo, o que contribui igualmente para uma proteção eficaz dos interesses financeiros da União.

66

A referida obrigação de reembolso também não vai além do necessário para atingir os objetivos que prossegue, conforme expostos no número anterior do presente acórdão. A este respeito, há que salientar, antes de mais, à semelhança do advogado‑geral no n.o 51 das suas conclusões, que a redação do artigo 44.o, n.o 1, do referido regulamento e a sua lógica são suficientemente claras e incondicionais para permitir ao cessionário da exploração compreender que, se decidir retomar também o compromisso plurianual do cedente, poderá ser obrigado a reembolsar integralmente a ajuda paga, incluindo a ajuda paga aos beneficiários anteriores.

67

Em seguida, o artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento de Execução n.o 809/2014, igualmente visado pelas decisões da APIA impugnadas no caso em apreço, prevê expressamente que, logo que o cessionário da exploração informe a autoridade competente e requeira o pagamento da ajuda e/ou do apoio, todos os direitos e obrigações do cedente, decorrentes da relação jurídica gerada pelo pedido de ajuda, de apoio ou de pagamento entre o cedente e a autoridade competente, são transferidos para o cessionário.

68

Dispondo assim da faculdade de optar por retomar ou não o compromisso plurianual, bem como as obrigações do cedente juntamente com a exploração, o cessionário desta é livre de ponderar as vantagens e os inconvenientes de tal compromisso, entre os quais a eventualidade de ter de reembolsar a totalidade da ajuda, incluindo os montantes recebidos pelos anteriores beneficiários. Além disso, tem a possibilidade de acordar contratualmente com o cedente, previamente, responsabilidades que possam eventualmente incumbir a cada um na hipótese de a autoridade nacional competente proceder em relação a si, enquanto último beneficiário, à recuperação da totalidade da ajuda, se não pudesse levar a cabo esse compromisso até ao seu termo devido à cessação definitiva das suas atividades agrícolas.

69

Importa acrescentar que o último beneficiário beneficia dos investimentos já realizados graças à ajuda concedida em relação ao bem‑estar dos animais, que é planeada para o período plurianual inicialmente fixado.

70

Daqui resulta que a obrigação de reembolso da totalidade da ajuda, que é imposta, em conformidade com o artigo 44.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1974/2006, na sequência de uma cedência da exploração, ao último beneficiário de uma ajuda obrigado a cessar definitivamente as suas atividades agrícolas, é proporcionada tanto ao objetivo de promover o bem‑estar dos animais como ao objetivo de assegurar uma proteção eficaz dos interesses financeiros da União.

71

Tendo em conta o que precede, há que responder à segunda questão que o artigo 44.o, n.o 1 e n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1974/2006, lido à luz do princípio da proporcionalidade, deve ser interpretado no sentido de que, se, durante o período de um compromisso assumido como condição para a concessão de apoio, a exploração de um beneficiário é cedida a outra pessoa que retoma voluntariamente esse compromisso e que, em seguida, cessa definitivamente as suas atividades agrícolas, este último beneficiário da ajuda é obrigado a reembolsar a ajuda recebida relativa à totalidade do referido compromisso, incluindo os montantes recebidos pelos beneficiários anteriores dessa ajuda, a menos que o Estado‑Membro em causa tenha decidido não exigir esse reembolso ao abrigo da exceção prevista no artigo 44.o, n.o 2, alínea a), deste regulamento e que estejam preenchidos os requisitos dessa exceção.

Quanto à terceira questão

72

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em substância, sobre as circunstâncias que permitem considerar que está preenchido o requisito de o «[compromisso] não [poder] ser retomado por um sucessor», conforme previsto no artigo 44.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1974/2006.

73

Ora, como resulta do n.o 60 do presente acórdão, na falta de normas nacionais que preencham os requisitos referidos no n.o 59 deste acórdão, o beneficiário de uma ajuda, como a Groenland Poultry, não pode invocar esta disposição nos órgãos jurisdicionais nacionais.

74

Por conseguinte e tendo em conta a resposta dada à segunda questão, não é necessário responder à terceira questão.

Quanto às despesas

75

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

 

1)

O artigo 47.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1974/2006 da Comissão, de 15 de dezembro de 2006, que estabelece normas de execução do Regulamento (CE) n.o 1698/2005 do Conselho, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), conforme alterado pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 679/2011 da Comissão, de 14 de julho de 2011,

deve ser interpretado no sentido de que:

a perda do direito de utilizar os bens arrendados devido à rescisão do contrato de arrendamento desses bens, na sequência da insolvência do senhorio, que era objeto de um processo de insolvência no momento da celebração desse contrato, não constitui um «caso de força maior ou de circunstâncias excecionais», na aceção desta disposição.

 

2)

O artigo 44.o, n.o 1 e n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1974/2006, conforme alterado pelo Regulamento de Execução n.o 679/2011, lido à luz do princípio da proporcionalidade,

deve ser interpretado no sentido de que:

se, durante o período de um compromisso assumido como condição para a concessão de apoio, a exploração de um beneficiário é cedida a outra pessoa que retoma voluntariamente esse compromisso e que, em seguida, cessa definitivamente as suas atividades agrícolas, este último beneficiário da ajuda é obrigado a reembolsar a ajuda recebida relativa à totalidade do referido compromisso, incluindo os montantes recebidos pelos beneficiários anteriores dessa ajuda, a menos que o Estado‑Membro em causa tenha decidido não exigir esse reembolso ao abrigo da exceção prevista no artigo 44.o, n.o 2, alínea a), deste regulamento e que estejam preenchidos os requisitos dessa exceção.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: romeno.