ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

5 de dezembro de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2004/38/CE — Artigos 27.o e 29.o — Medidas restritivas da livre circulação dos cidadãos da União por razões de saúde pública — Medidas de alcance geral — Regulamentação nacional a prever a proibição de sair do território nacional para efetuar viagens não essenciais para Estados‑Membros classificados de zonas de alto risco no contexto da pandemia de COVID‑19, bem como a obrigação de todos os viajantes que entrassem no território nacional a partir desses Estados‑Membros de se submeterem a testes de despistagem e de observarem uma quarentena — Código das Fronteiras Schengen — Artigo 23.o — Exercício das competências de polícia em matéria de saúde pública — Equivalência com o exercício dos controlos de fronteira — Artigo 25.o — Possibilidade de reintrodução de controlos nas fronteiras internas no contexto da pandemia de COVID‑19 — Controlos efetuados num Estado‑Membro no âmbito de medidas de proibição de passagem de fronteiras para efetuar viagens não essenciais a partir de ou com destino a Estados do Espaço Schengen classificados de zonas de alto risco no contexto da pandemia de COVID‑19»

No processo C‑128/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Nederlandstalige rechtbank van eerste aanleg Brussel (Tribunal de Primeira Instância de Língua Neerlandesa de Bruxelas, Bélgica), por Decisão de 7 de fevereiro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 23 de fevereiro de 2022, no processo

Nordic Info BV

contra

Belgische Staat,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, C. Lycourgos, E. Regan, F. Biltgen e Z. Csehi, presidentes de secção, J.‑C. Bonichot, M. Safjan (relator), S. Rodin, P. G. Xuereb, J. Passer, D. Gratsias, M. L. Arastey Sahún e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: N. Emiliou,

secretário: A. Lamote, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 10 de janeiro de 2023,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Nordic Info BV, por F. Emmerechts e R. Pockelé‑Dilles, advocaten,

em representação do Governo Belga, por M. Jacobs, C. Pochet e M. Van Regemorter, na qualidade de agentes, assistidas por L. de Brucker, E. Jacubowitz e P. de Maeyer, advocaten,

em representação do Governo Romeno, por M. Chicu e E. Gane, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Norueguês, por V. Hauan, A. Hjetland, T. B. Leming, I. Thue e P. Wennerås, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Suíço, por L. Lanzrein e N. Marville‑Dosen, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por E. Montaguti, J. Tomkin e F. Wilman, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de setembro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77; retificação no JO 2004, L 229, p. 35), e do Regulamento (UE) 2016/399 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, que estabelece o código da União relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (JO 2016, L 77, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2017/2225 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2017 (JO 2017, L 327, p. 1) (a seguir «Código das Fronteiras Schengen»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Nordic Info BV, uma sociedade com sede na Bélgica, ao Belgische Staat (Estado Belga), a respeito da indemnização do prejuízo alegadamente sofrido por esta sociedade devido a medidas nacionais restritivas da livre circulação adotadas durante a crise sanitária ligada à pandemia de COVID‑19.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2004/38

3

Os considerandos 22, 25 a 27 e 31 da Diretiva 2004/38 referem:

«(22)

O Tratado permite restrições ao exercício do direito de livre circulação e residência por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública. A fim de assegurar uma definição mais precisa das condições e das garantias processuais sob as quais pode ser recusada a entrada ou decidido o afastamento dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias, a presente diretiva deverá substituir a Diretiva 64/221/CEE do Conselho, de 25 de fevereiro de 1964, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública [JO 1964, L 56, p. 850; EE 05 F1 p. 36].

[…]

(25)

Deverá igualmente precisar‑se as garantias processuais por forma a assegurar, por um lado, um elevado nível de proteção dos direitos dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias em caso de recusa de entrada ou de residência noutro Estado‑Membro e, por outro, o respeito do princípio de que as medidas tomadas pelas autoridades devem ser devidamente justificadas.

(26)

De qualquer forma, os cidadãos da União e os membros das suas famílias deverão ter a possibilidade de interpor recurso judicial, em caso de recusa de entrada ou de residência noutro Estado‑Membro.

(27)

Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que proíbe os Estados‑Membros de tomarem medidas de proibição de entrada no território, a título definitivo, contra pessoas abrangidas pela presente diretiva, deverá confirmar‑se o direito que assiste aos cidadãos da União e membros das suas famílias que estejam proibidos de entrarem no território de um Estado‑Membro de formularem um novo pedido, após um prazo razoável, e em todo o caso após um período de três anos a contar da execução da decisão definitiva de proibição de entrada no território.

[…]

(31)

A presente diretiva respeita os direitos e liberdades fundamentais e cumpre os princípios reconhecidos, nomeadamente, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A proibição de discriminação contida na Carta implica que os Estados‑Membros darão execução ao disposto na presente diretiva sem discriminação dos seus beneficiários em razão designadamente do sexo, raça, cor, origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, haveres, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual».

4

O artigo 1.o da Diretiva 2004/38, com a epígrafe «Objeto», tem a seguinte redação:

«A presente diretiva estabelece:

a)

As condições que regem o exercício do direito de livre circulação e residência no território dos Estados‑Membros pelos cidadãos da União e membros das suas famílias;

b)

O direito de residência permanente no território dos Estados‑Membros para os cidadãos da União e membros das suas famílias;

c)

As restrições aos direitos a que se referem as alíneas a) e b), por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública.»

5

O artigo 2.o dessa diretiva, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)

“cidadão da União”: qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro;

[…]

3)

“Estado‑Membro de acolhimento”: o Estado‑Membro para onde se desloca o cidadão da União a fim de aí exercer o seu direito de livre circulação e residência.»

6

O artigo 3.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Titulares», dispõe, no seu n.o 1:

«A presente diretiva aplica‑se a todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, bem como aos membros das suas famílias, na aceção do ponto 2 do artigo 2.o, que os acompanhem ou que a eles se reúnam.»

7

O artigo 4.o da Diretiva 2004/38, intitulado «Direito de saída», tem a seguinte redação:

«1.   Sem prejuízo das disposições em matéria de documentos de viagem aplicáveis aos controlos nas fronteiras nacionais, têm direito a sair do território de um Estado‑Membro a fim de se deslocar a outro Estado‑Membro todos os cidadãos da União, munidos de um bilhete de identidade ou passaporte válido, e os membros das suas famílias que, não tendo a nacionalidade de um Estado‑Membro, estejam munidos de um passaporte válido.

2.   Não pode ser exigido às pessoas referidas no n.o 1 um visto de saída ou formalidade equivalente.

3.   Os Estados‑Membros, agindo nos termos do respetivo direito, devem emitir ou renovar aos seus nacionais um bilhete de identidade ou passaporte que indique a nacionalidade do seu titular.

4.   O passaporte deve ser válido, pelo menos, para todos os Estados‑Membros e para os países pelos quais o titular deva transitar quando viajar entre Estados‑Membros. Se o direito de um Estado‑Membro não determinar a emissão de bilhete de identidade, a validade do passaporte, aquando da sua emissão ou renovação, não pode ser inferior a cinco anos.»

8

Nos termos do artigo 5.o desta diretiva, sob a epígrafe «Direito de entrada»:

«1.   Sem prejuízo das disposições em matéria de documentos de viagem aplicáveis aos controlos nas fronteiras nacionais, os Estados‑Membros devem admitir no seu território os cidadãos da União, munidos de um bilhete de identidade ou passaporte válido, e os membros das suas famílias que, não tendo a nacionalidade de um Estado‑Membro, estejam munidos de um passaporte válido.

Não pode ser exigido ao cidadão da União um visto de entrada ou formalidade equivalente.

[…]

5.   O Estado‑Membro pode exigir à pessoa em questão que comunique a sua presença no seu território num prazo razoável e não discriminatório. O incumprimento desta obrigação pode ser passível de sanções proporcionadas e não discriminatórias.»

9

Os artigos 6.o e 7.o da referida diretiva, incluídos no seu capítulo III, relativo ao direito de residência, dizem respeito, respetivamente, ao direito de residência até três meses e ao direito de residência por mais de três meses.

10

O capítulo VI da Diretiva 2004/38 regula as «[r]estrições ao direito de entrada e ao direito de residência por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública» e compreende os artigos 27.o a 33.o desta diretiva.

11

O artigo 27.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Princípios gerais», tem a seguinte redação:

«1.   Sob reserva do disposto no presente capítulo, os Estados‑Membros podem restringir a livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias, independentemente da nacionalidade, por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública. Tais razões não podem ser invocadas para fins económicos.

2.   As medidas tomadas por razões de ordem pública ou de segurança pública devem ser conformes com o princípio da proporcionalidade e devem basear‑se exclusivamente no comportamento da pessoa em questão. A existência de condenações penais anteriores não pode, por si só, servir de fundamento para tais medidas.

O comportamento da pessoa em questão deve constituir uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afete um interesse fundamental da sociedade. Não podem ser utilizadas justificações não relacionadas com o caso individual ou baseadas em motivos de prevenção geral.

3.   A fim de determinar se a pessoa em causa constitui um perigo para a ordem pública ou para a segurança pública, ao emitir o certificado de registo ou, no caso de não haver sistema de registo, no prazo de três meses a contar da data de entrada da pessoa em questão no seu território ou da data de comunicação da sua presença no território, conforme estabelecido no n.o 5 do artigo 5.o, ou ao emitir o cartão de residência, o Estado‑Membro de acolhimento pode, sempre que o considerar indispensável, solicitar ao Estado‑Membro de origem e, eventualmente, a outros Estados‑Membros informações sobre os antecedentes penais da pessoa em questão. Esta consulta não pode ter caráter de rotina. O Estado‑Membro consultado deve dar a sua resposta no prazo de dois meses.

4.   O Estado‑Membro que tiver emitido o passaporte ou bilhete de identidade deve permitir a reentrada no seu território, sem quaisquer formalidades, do titular do documento que tiver sido afastado por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública, mesmo que esse documento tenha caducado ou a nacionalidade do titular seja contestada.»

12

O artigo 29.o da Diretiva 2004/38, sob a epígrafe «Saúde pública», prevê:

«1.   As únicas doenças suscetíveis de justificar medidas restritivas da livre circulação são as doenças com potencial epidémico definidas pelos instrumentos pertinentes da Organização Mundial da Saúde [(OMS)], bem como outras doenças infecciosas ou parasitárias contagiosas, desde que sejam objeto de disposições de proteção aplicáveis aos nacionais do Estado‑Membro de acolhimento.

2.   A ocorrência de doenças três meses depois da data de entrada no território não constitui justificação para o afastamento do território.

3.   Se indícios graves o justificarem, os Estados‑Membros podem, no prazo de três meses a contar da data de entrada no seu território, exigir que os titulares do direito de residência se submetam a exame médico gratuito para se certificar que não sofrem das doenças mencionadas no n.o 1. Estes exames médicos não podem ter caráter de rotina.»

13

O artigo 30.o desta diretiva, intitulado «Notificação das decisões», dispõe:

«1.   Qualquer decisão nos termos do n.o 1 do artigo 27.o deve ser notificada por escrito às pessoas em questão, de uma forma que lhe permita compreender o conteúdo e os efeitos que têm para si.

2.   As pessoas em questão são informadas, de forma clara e completa, das razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública em que se baseia a decisão, a menos que isso seja contrário aos interesses de segurança do Estado.

3.   A notificação deve especificar o tribunal ou autoridade administrativa perante o qual a pessoa em questão pode impugnar a decisão, o prazo de que dispõe para o efeito e, se for caso disso, o prazo concedido para abandonar o território do Estado‑Membro. Salvo motivo de urgência devidamente justificado, o prazo para abandonar o território não pode ser inferior a um mês a contar da data da notificação.»

14

Nos termos do artigo 31.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Garantias processuais»:

«1.   As pessoas em questão devem ter acesso às vias judicial e, quando for caso disso, administrativa no Estado‑Membro de acolhimento para impugnar qualquer decisão a seu respeito por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública.

[…]

3.   A impugnação deve permitir o exame da legalidade da decisão, bem como dos factos e circunstâncias que fundamentam a medida prevista. Deve certificar que a decisão não é desproporcionada, em especial no que respeita às condições estabelecidas no artigo 28.o

4.   Os Estados‑Membros podem recusar a presença da pessoa em questão no seu território durante a impugnação, mas não podem impedir que apresente pessoalmente a sua defesa, a não ser que a sua presença seja suscetível de provocar grave perturbação da ordem pública ou da segurança pública ou quando a impugnação disser respeito à recusa de entrada no território.»

15

O artigo 32.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Duração da proibição de entrada no território», prevê:

«1.   As pessoa[s] proibidas de entrar no território por razões de ordem pública ou de segurança pública podem apresentar um pedido de levantamento da proibição de entrada no território após um prazo razoável, em função das circunstâncias, e, em todo o caso, três anos após a execução da decisão definitiva de proibição que tenha sido legalmente tomada nos termos do direito comunitário, invocando meios suscetíveis de provar que houve uma alteração material das circunstâncias que haviam justificado a proibição de entrada no território.

O Estado‑Membro em causa deve tomar uma decisão sobre este pedido no prazo de seis meses a contar da sua apresentação.

2.   As pessoas referidas no n.o 1 não têm direito de entrada no território do Estado‑Membro em causa durante o período de apreciação do seu pedido.»

Código das Fronteiras Schengen

16

Os considerandos 2 e 6 do Código das Fronteiras Schengen enunciam:

«(2)

A adoção, nos termos do artigo 77.o, n.o 2, alínea e), [TFUE], de medidas destinadas a assegurar a ausência de controlos de pessoas na passagem das fronteiras internas faz parte do objetivo, enunciado no artigo 26.o, n.o 2, TFUE, que consiste em criar um Espaço sem fronteiras internas no qual é assegurada a livre circulação das pessoas.

[…]

(6)

O controlo fronteiriço não é efetuado exclusivamente no interesse do Estado‑Membro em cujas fronteiras externas se exerce, mas no interesse de todos os Estados‑Membros que suprimiram o controlo nas suas fronteiras internas. O controlo fronteiriço deverá contribuir para a luta contra a imigração clandestina e o tráfico de seres humanos, bem como para a prevenção de qualquer ameaça para a segurança interna, a ordem pública, a saúde pública e as relações internacionais dos Estados‑Membros.»

17

O artigo 1.o deste código, sob a epígrafe «Objeto e princípios», dispõe:

«O presente regulamento prevê a ausência de controlo de pessoas na passagem das fronteiras internas entre os Estados‑Membros da União.

O presente regulamento estabelece as normas aplicáveis ao controlo de pessoas na passagem das fronteiras externas dos Estados‑Membros da União.»

18

O artigo 2.o, pontos 1, 8, 10 a 12 e 21, do referido código define os conceitos seguintes:

«Para os efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

1)

“Fronteiras internas”:

a)

As fronteiras comuns terrestres, incluindo as fronteiras fluviais e lacustres, dos Estados‑Membros;

b)

Os aeroportos dos Estados‑Membros, no que respeita aos voos internos;

c)

Os portos marítimos, fluviais e lacustres dos Estados‑Membros no que diz respeito às ligações regulares internas por ferry;

[…]

8)

“Ponto de passagem de fronteira”, qualquer ponto de passagem autorizado pelas autoridades competentes para a passagem das fronteiras externas;

[…]

10)

“Controlo fronteiriço”, a atividade que é exercida numa fronteira, nos termos e para efeitos do presente regulamento, unicamente com base na intenção ou no ato de passar essa fronteira, independentemente de qualquer outro motivo, e que consiste nos controlos de fronteira e a vigilância de fronteiras;

11)

“Controlos de fronteira”, os controlos efetuados nos pontos de passagem de fronteira, a fim de assegurar que as pessoas, incluindo os seus meios de transporte e objetos na sua posse, podem ser autorizadas a entrar no território dos Estados‑Membros ou autorizadas a abandoná‑lo;

12)

“Vigilância de fronteiras”, a vigilância das fronteiras entre os pontos de passagem de fronteira e a vigilância dos pontos de passagem de fronteira fora dos horários de abertura fixados, de modo a impedir as pessoas de iludir os controlos de fronteira;

[…]

21)

“Ameaça para a saúde pública”, qualquer doença de caráter potencialmente epidémico na aceção do Regulamento Sanitário Internacional da Organização Mundial da Saúde, e outras doenças infecciosas ou parasíticas contagiosas, se estiverem sujeitas a disposições de proteção aplicáveis a nacionais dos Estados‑Membros.»

19

Nos termos do artigo 3.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação»:

«O presente regulamento é aplicável a todas as pessoas que atravessem as fronteiras internas ou externas de um Estado‑Membro, sem prejuízo:

a)

Dos direitos dos beneficiários do direito à livre circulação ao abrigo do direito da União;

b)

Dos direitos dos refugiados e dos requerentes de proteção internacional, nomeadamente no que diz respeito à não repulsão.»

20

O artigo 6.o, n.o 1, alínea e), do Código das Fronteiras Schengen prevê, nomeadamente, que os nacionais de países terceiros que pretendam entrar no território de um Estado‑Membro atravessando uma fronteira externa não devem ser considerados suscetíveis de perturbar a saúde pública.

21

No âmbito dos controlos nas fronteiras externas, o artigo 8.o, n.os 2 e 3, deste código impõe, em substância, que se verifique se as pessoas que beneficiam do direito de livre circulação ao abrigo do direito da União, bem como os nacionais de países terceiros, não são nomeadamente considerados uma ameaça para a ordem pública, a segurança interna ou a saúde pública.

22

Nos termos do artigo 22.o do referido código, sob a epígrafe «Passagem das fronteiras internas»:

«As fronteiras internas podem ser transpostas em qualquer local sem que se proceda ao controlo das pessoas, independentemente da sua nacionalidade.»

23

O artigo 23.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Controlos no interior do território», dispõe:

«A ausência do controlo nas fronteiras internas não prejudica:

a)

O exercício das competências de polícia pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros, ao abrigo do direito nacional, na medida em que o exercício dessas competências não tenha efeito equivalente a um controlo de fronteira, o mesmo se aplicando nas zonas fronteiriças. Na aceção do primeiro período, o exercício das competências de polícia não pode considerar‑se equivalente ao exercício de controlos de fronteira, nomeadamente nos casos em que essas medidas policiais:

i)

não tiverem como objetivo o controlo fronteiriço,

ii)

se basearem em informações policiais de caráter geral e na experiência em matéria de possíveis ameaças à ordem pública e se destinarem particularmente a combater o crime transfronteiras,

iii)

forem concebidas e executadas de forma claramente distinta dos controlos sistemáticos de pessoas nas fronteiras externas,

iv)

forem aplicadas com base em controlos por amostragem;

[…]»

24

O artigo 25.o do Código das Fronteiras Schengen, sob a epígrafe «Quadro geral para a reintrodução temporária do controlo nas fronteiras internas», prevê:

«1.   Em caso de ameaça grave à ordem pública ou à segurança interna de um Estado‑Membro no espaço sem controlos nas fronteiras internas, esse Estado‑Membro pode reintroduzir, a título excecional, o controlo em todas ou algumas partes específicas das suas fronteiras internas, por um período limitado não superior a 30 dias, ou pelo período de duração previsível da ameaça grave se a duração desta exceder 30 dias. O alcance e a duração da reintrodução temporária do controlo nas fronteiras internas não devem exceder o estritamente necessário para dar resposta à ameaça grave.

2.   O controlo nas fronteiras internas só pode ser reintroduzido em último recurso e de acordo com os artigos 27.o, 28.o e 29.o Os critérios enumerados, respetivamente, nos artigos 26.o e 30.o devem ser tidos em conta caso seja prevista uma decisão sobre a reintrodução do controlo nas fronteiras internas ao abrigo, respetivamente, dos artigos 27.o, 28.o ou 29.o

3.   Se a ameaça grave à ordem pública ou à segurança interna no Estado‑Membro em causa persistir para além do período previsto no n.o 1 do presente artigo, esse Estado‑Membro pode prolongar o controlo nas suas fronteiras internas, no respeito pelos critérios a que se refere o artigo 26.o e de acordo com o artigo 27.o, com base nas mesmas razões que as previstas no n.o 1 do presente artigo e, tendo em conta eventuais novos elementos, por períodos renováveis não superiores a 30 dias.

4.   A duração total da reintrodução do controlo nas fronteiras internas, incluindo quaisquer prorrogações previstas no n.o 3 do presente artigo, não pode exceder seis meses. Em circunstâncias excecionais, como referido no artigo 29.o, esse período total pode ser prorrogado pelo prazo máximo de dois anos nos termos do n.o 1 desse artigo.»

25

Os artigos 26.o a 28.o deste código, sob a epígrafe, respetivamente, «Critérios para a reintrodução temporária do controlo nas fronteiras internas», «Procedimento para a reintrodução temporária do controlo nas fronteiras internas ao abrigo do artigo 25.o» e «Procedimento específico nos casos que exijam ação imediata», preveem as condições materiais e processuais que os Estados‑Membros devem respeitar para poderem reintroduzir temporariamente o controlo nas fronteiras internas ao abrigo do artigo 25.o do referido código.

Recomendação (UE) 2020/912

26

A Recomendação (UE) 2020/912 do Conselho, de 30 de junho de 2020, relativa à restrição temporária das viagens não indispensáveis para a [União Europeia] e ao eventual levantamento de tal restrição (JO 2020, L 208I, p. 1), contém um anexo II com o seguinte conteúdo:

«Categorias específicas de viajantes com uma função ou necessidade de caráter essencial:

i.

Profissionais da saúde, investigadores no domínio da saúde e profissionais de cuidados a idosos;

ii.

Trabalhadores fronteiriços;

iii.

Trabalhadores sazonais no setor da agricultura;

iv.

Pessoal dos transportes;

v.

Diplomatas, pessoal de organizações internacionais e convidados de organizações internacionais cuja presença física seja necessária para o bom funcionamento de tais organizações, pessoal militar e trabalhadores da ajuda humanitária e pessoal da proteção civil no exercício das suas funções;

vi.

Passageiros em trânsito;

vii.

Passageiros que viajem por motivos familiares imperativos;

viii.

Marítimos;

ix.

Pessoas que tenham necessidade de proteção internacional ou apresentem outros motivos humanitários;

x.

Nacionais de países terceiros que viajem para efeito de estudos;

xi.

Trabalhadores altamente qualificados de países terceiros, se o seu trabalho for necessário do ponto de vista económico e não puder ser adiado nem executado no estrangeiro.»

Direito belga

27

O artigo 18.o do Ministerieel besluit houdende dringende maatregelen om de verspreiding van het coronavirus COVID‑19 te beperken (Decreto Ministerial que adota Medidas Urgentes para Limitar a Propagação do Coronavírus COVID‑19), de 30 de junho de 2020 (Belgisch Staatsblad, 30 de junho de 2020, p. 48715), conforme alterado pelo artigo 3.o do Ministerieel besluit houdende wijziging van het Ministerieel besluit van 30 juni 2020 houdende dringende maatregelen om de verspreiding van het coronavirus COVID‑19 te beperken (Decreto Ministerial de 10 de julho de 2020, que altera o Decreto Ministerial de 30 de junho de 2020 que adota Medidas Urgentes para Limitar a Propagação do Coronavírus COVID‑19), de 10 de julho de 2020 (Belgisch Staatsblad, 10 de julho de 2020, p. 51609) (a seguir «decreto ministerial alterado»), dispunha:

«§ 1. São proibidas as viagens não essenciais de e para a Bélgica.

§ 2. Em derrogação do disposto no § 1, e sem prejuízo do artigo 20.o, são autorizadas:

1.o

as viagens da Bélgica para todos os países da União Europeia, do Espaço Schengen e do Reino Unido, e as viagens para a Bélgica a partir destes países, com exceção dos territórios designados como zonas vermelhas, cuja lista é publicada no sítio Web do Service public fédéral Affaires étrangères (Serviço Público Federal dos Negócios Estrangeiros);

[…]»

28

O artigo 22.o do decreto ministerial alterado enunciava:

«São puníveis com as penas previstas no artigo 187.o da Lei de 15 de maio de 2007 relativa à Segurança Civil as infrações às disposições dos artigos seguintes:

[…]

artigos 11.o, 16.o, 18.o, 19.o e 21.o‑A.»

29

O artigo 187.o da Lei de 15 de maio de 2007 relativa à Segurança Civil (Belgisch Staatsblad, 31 de julho de 2007) prevê:

«A recusa ou a negligência no cumprimento das medidas ordenadas em aplicação do artigo 181.o, § 1 e 182.o será punida, em tempo de paz, com pena de prisão de oito dias a três meses e uma coima de vinte e seis a quinhentos euros, ou com apenas uma dessas penas.

O ministro ou, se for caso disso, o presidente da câmara ou o comandante da polícia poderão, além disso, mandar proceder oficiosamente à execução das referidas medidas, a expensas dos refratárias ou dos infratores.»

30

Por outro lado, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que as viagens não essenciais referidas no artigo 18.o do decreto ministerial alterado eram definidas como sendo aquelas que não eram viagens essenciais, as quais eram identificadas nas perguntas frequentes disponíveis no sítio Internet info‑coronavirus.be e correspondiam à lista das viagens essenciais contida na Recomendação 2020/912.

31

Resulta igualmente desses autos que qualquer viajante proveniente de uma zona vermelha como a referida no artigo 18.o do decreto ministerial alterado devia submeter‑se a testes e observar uma quarentena. Esta obrigação estava prevista em disposições adotadas pela Região Flamenga, a Região da Valónia, a Região de Bruxelas‑Capital e a Comunidade Germanófona.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

32

Em 11 de março de 2020, a OMS qualificou a epidemia de coronavírus COVID‑19 de pandemia antes de aumentar para o seu nível máximo, em 16 de março de 2020, o nível da ameaça associada a esta pandemia.

33

Neste contexto, o Reino da Bélgica adotou, em 10 de julho de 2020, o artigo 18.o do decreto ministerial alterado para proibir as viagens não essenciais de e para a Bélgica, por um lado, e os países da União e da zona Schengen, bem como o Reino Unido, por outro, desde que esses países fossem designados de «zonas vermelhas» à luz da sua situação epidemiológica ou do nível de medidas sanitárias restritivas tomadas pelas suas autoridades. Por outro lado, qualquer viajante proveniente de um país classificado de zona vermelha devia, na Bélgica, submeter‑se a testes de despistagem e observar uma quarentena. A lista dos países designados de zonas vermelhas pôde ser consultada pela primeira vez em 12 de julho de 2020 no sítio Internet do Service public fédéral Affaires étrangères (Serviço Público Federal dos Negócios Estrangeiros). A Suécia figurava entre os países classificados de zonas vermelhas.

34

Segundo as suas próprias declarações, para dar cumprimento à regulamentação belga, a Nordic Info, uma agência de viagens especializada em viagens de e para a Escandinávia, cancelou todas as viagens previstas da Bélgica para a Suécia durante a época de verão. Afirma ainda ter tomado medidas para informar e ajudar os viajantes que se encontravam na Suécia a regressar à Bélgica.

35

Em 15 de julho de 2020, a lista referida no n.o 33 do presente acórdão foi atualizada e a Suécia foi classificada de zona laranja, o que significava que as viagens de e para esse país já não eram proibidas, mas apenas desaconselhadas, e que se aplicavam outras regras à entrada dos viajantes provenientes do referido país no território belga.

36

Considerando que o Estado Belga tinha cometido faltas na elaboração do decreto ministerial alterado, a Nordic Info intentou uma ação no Nederlandstalige rechtbank van eerste aanleg Brussel (Tribunal de Primeira Instância de Língua Neerlandesa de Bruxelas, Bélgica), o órgão jurisdicional de reenvio, pedindo a indemnização dos danos que afirma ter sofrido devido à introdução, e posteriormente à alteração dos códigos de cores previstos nesse decreto ministerial. O Estado Belga, por seu turno, pediu que a ação fosse julgada improcedente.

37

Em particular, a Nordic Info alega, nomeadamente, que o Estado Belga violou, por um lado, a Diretiva 2004/38 e as disposições nacionais que asseguram a transposição dos artigos 27.o a 31.o desta diretiva e, por outro, o Código das Fronteiras Schengen.

38

No que respeita à acusação relativa à violação da Diretiva 2004/38, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, embora na descrição do seu prejuízo e na sua argumentação, a Nordic Info vise, de um modo geral, a proibição de saída do território belga imposta aos nacionais belgas e aos cidadãos da União não belgas residentes na Bélgica, bem como aos membros da família dessas pessoas, e a proibição de entrada nesse território imposta a todos os cidadãos da União, belgas ou não, bem como aos membros da sua família, esta sociedade contesta, todavia, apenas a legalidade, por um lado, da proibição de saída já referida e, por outro, das restrições ao direito de entrada no referido território impostas aos cidadãos da União não belgas e aos membros da sua família, tal como foram concretizadas pela obrigação de estes se submeterem, quando da sua entrada no mesmo território, a testes de despistagem e de observarem uma quarentena.

39

Neste contexto, há que esclarecer se o artigo 27.o, n.o 1, e o artigo 29.o, n.o 1, desta diretiva devem ser objeto de uma leitura conjugada que só permita justificar, por razões de saúde pública, restrições ao direito de entrada ou se, pelo contrário, estas duas disposições enunciam justificações independentes, de modo que a primeira das referidas disposições é suficiente, por si só, para justificar restrições tanto ao direito de entrada como ao direito de saída por essas razões.

40

Independentemente da interpretação acolhida do artigo 27.o, n.o 1, e do artigo 29.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, o órgão jurisdicional de reenvio pretende igualmente saber se um Estado‑Membro pode, com fundamento nestas disposições, adotar, sob a forma de um ato de alcance geral, uma medida não discriminatória como a introduzida pelo artigo 18.o do decreto ministerial alterado. Tal possibilidade poderá ser deduzida da constatação de que o motivo relativo à saúde pública não é retomado no artigo 27.o, n.o 2, desta diretiva, mas sim tratado separadamente no artigo 29.o da referida diretiva.

41

Se a resposta a esta última questão for negativa, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se essa restrição geral não discriminatória poderá basear‑se nos artigos 20.o e 21.o TFUE e/ou num princípio geral do direito da União, no respeito do princípio da proporcionalidade, para efeitos da realização do objetivo legítimo de luta contra uma pandemia.

42

No âmbito da sua acusação relativa à violação do Código das Fronteiras Schengen, a Nordic Info alega que, ao prever que as restrições ao direito de saída e ao direito de entrada podiam ser controladas e executadas oficiosamente pelas autoridades belgas competentes e o seu incumprimento punido por essas autoridades, o decreto ministerial alterado equivalia a introduzir um controlo nas fronteiras internas em violação dos artigos 25.o e seguintes deste código. Com efeito, estas disposições só permitem reintroduzir temporariamente o controlo nas fronteiras internas em caso de ameaça grave à ordem pública e à segurança interna, e não em caso de ameaça grave para a saúde pública.

43

Além disso, a Nordic Info sustenta que não se pode considerar que as medidas decorrentes do decreto ministerial alterado estão abrangidas pelo artigo 23.o, alínea a), do Código das Fronteiras Schengen, uma vez que o exercício das competências de polícia pelas autoridades competentes belgas teve, no caso em apreço, um efeito equivalente aos controlos de fronteira e que, em todo o caso, esta competência só podia ser exercida em matéria de segurança pública e não em matéria de saúde pública.

44

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, todavia, sobre se, à luz dos argumentos que lhe foram apresentados pelo Estado Belga, uma doença contagiosa pode, em tempo de crise, ser equiparada a uma ameaça para a ordem pública ou a segurança pública/interna na aceção dos artigos 23.o e 25.o do Código das Fronteiras Schengen, de modo que, nessa situação, o exercício dos poderes de polícia e a reintrodução do controlo nas fronteiras internas seriam possíveis com fundamento, respetivamente, em cada uma dessas disposições.

45

Nestas condições, o Nederlandstalige rechtbank van eerste aanleg Brussel (Tribunal de Primeira Instância de Língua Neerlandesa de Bruxelas) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem os artigos 2.o, 4.o, 5.o, 27.o e 29.o da Diretiva 2004/38, que aplicam os artigos 20.o e 21.o [TFUE], ser interpretados no sentido de que não se opõem à regulamentação de um Estado‑Membro [neste caso, a resultante dos artigos 18.o e 22.o do decreto ministerial alterado] que, como medida de caráter geral [algemene maatregel]:

impõe aos cidadãos belgas e seus familiares, bem como aos cidadãos da União residentes na Bélgica e seus familiares, a proibição de princípio de saída do território para viagens não essenciais da Bélgica para países da [União Europeia] e do Espaço Schengen aos quais é atribuída a cor vermelha, de acordo com um código de cores definido com base em dados epidemiológicos;

impõe aos cidadãos da União não belgas e seus familiares (com ou sem autorização de residência no território belga) restrições de entrada (como quarentenas e testes) em relação a viagens não essenciais para a Bélgica desde países da União Europeia e do Espaço Schengen, aos quais é atribuída a cor vermelha, de acordo com um código de cores definido com base em dados epidemiológicos?

2)

Devem os artigos 1.o, 3.o e 22.o do Código das Fronteiras Schengen ser interpretados no sentido de que não se opõem à regulamentação de um Estado‑Membro (neste caso, os artigos 18.o e 22.o do [decreto ministerial alterado]) que impõe a proibição de saída da Bélgica em relação a viagens não essenciais para países da União Europeia e do Espaço Schengen e a proibição de entrada na Bélgica a partir desses países, as quais não só podem ser controladas e sujeitas a sanções por incumprimento, como podem ser aplicadas oficiosamente pelo ministro, pelo presidente da câmara e pelo comandante da polícia?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

46

Segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas (Acórdão de 15 de julho de 2021, Ministrstvo za obrambo, C‑742/19, EU:C:2021:597, n.o 31).

47

No caso em apreço, há que observar, primeiro, que, tendo em conta o facto, por um lado, de a Nordic Info basear, segundo as explicações do órgão jurisdicional de reenvio, a sua ação de indemnização no dano que alegadamente sofreu no que respeita a viagens organizadas entre a Bélgica e a Suécia e, por outro, de a primeira questão só visar a regulamentação belga em causa no processo principal na parte em que dizia respeito aos cidadãos da União e aos membros das suas famílias, não há que ter em conta, para efeitos da resposta a esta questão, a circunstância de essa regulamentação visar, além dos Estados‑Membros da União, os países do Espaço Schengen não membros desta.

48

Segundo, embora o órgão jurisdicional de reenvio mencione, na primeira questão, o artigo 2.o da Diretiva 2004/38, há, todavia, que salientar que a interpretação desta disposição, que se limita a definir conceitos utilizados nessa diretiva, não é necessária enquanto tal para responder a esta questão.

49

Nestas condições, há que considerar que, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os artigos 27.o e 29.o da Diretiva 2004/38, lidos em conjugação com os seus artigos 4.o e 5.o, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à regulamentação de alcance geral de um Estado‑Membro que, por razões de saúde pública relacionadas com a luta contra a pandemia de COVID‑19, proíbe, por um lado, os cidadãos da União e os membros das suas famílias, independentemente da sua nacionalidade, de efetuar viagens não essenciais a partir desse Estado‑Membro e com destino a outros Estados‑Membros por ele classificados de zonas de alto risco com base nas medidas sanitárias restritivas ou na situação epidemiológica existente nesses outros Estados‑Membros e impõe, por outro, aos cidadãos da União não nacionais do referido Estado‑Membro a obrigação de se submeterem a testes de despistagem e de observarem uma quarentena ao entrar no território do mesmo Estado‑Membro a partir de um dos referidos outros Estados‑Membros.

50

A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 27.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, que faz parte do capítulo VI desta diretiva, intitulado «Restrições ao direito de entrada e ao direito de residência por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública», e concretiza o artigo 1.o, alínea c), da mesma, os Estados‑Membros podem, sob reserva do disposto neste capítulo, restringir a livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias, independentemente da nacionalidade, por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública, desde que essas razões não sejam invocadas para fins económicos.

51

O artigo 29.o, n.o 1, da referida diretiva, consagrado mais especificamente às medidas restritivas da livre circulação por razões de saúde pública, precisa que só certas doenças, a saber, as doenças com potencial epidémico definidas pelos instrumentos pertinentes da OMS, bem como outras doenças infecciosas ou parasitárias contagiosas, são suscetíveis de justificar tais medidas, desde que essas doenças sejam objeto de disposições de proteção aplicáveis aos nacionais do Estado‑Membro de acolhimento, ou seja, em conformidade com o artigo 2.o, ponto 3, da mesma diretiva, o Estado‑Membro para onde se desloca o cidadão da União a fim de aí exercer o seu direito de livre circulação e residência.

52

No que respeita, em primeiro lugar, às doenças suscetíveis de justificar, com fundamento no artigo 27.o, n.o 1, e no artigo 29.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, medidas restritivas da livre circulação por razões de saúde pública, resulta da redação destas duas disposições que um Estado‑Membro pode, para fins não económicos e no respeito das condições previstas no capítulo VI desta diretiva, adotar tais medidas apenas em razão de certas doenças que são objeto de disposições de proteção em relação aos seus próprios nacionais, a saber, doenças com potencial epidémico definidas pelos instrumentos pertinentes da OMS ou outras doenças infecciosas ou parasitárias contagiosas.

53

Neste contexto, um Estado‑Membro pode, a fortiori, adotar, com fundamento nas referidas disposições, medidas restritivas da livre circulação para responder a uma ameaça ligada a uma doença infecciosa contagiosa que apresente um caráter pandémico reconhecido pela OMS.

54

No processo principal, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que as medidas contidas no artigo 18.o do decreto ministerial alterado e as referidas no n.o 31 do presente acórdão não foram adotadas para fins económicos, mas para evitar a propagação, no território do Estado‑Membro em causa, da doença infecciosa contagiosa da COVID‑19, que tinha sido qualificada de pandemia pela OMS em 11 de março de 2020 e que ainda o era durante o período em causa no processo principal. Sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, afigura‑se igualmente que essas medidas se inscreveram num conjunto de medidas destinadas, à data dos factos no processo principal, a proteger a população desse Estado‑Membro contra a propagação dessa doença no território nacional. Essa doença parece assim, com esta reserva, preencher os requisitos enunciados no artigo 29.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 para justificar medidas restritivas da livre circulação por razões de saúde pública.

55

No que respeita, em segundo lugar, aos direitos suscetíveis de ser afetados por medidas restritivas da livre circulação abrangidas pelos artigos 27.o a 32.o da Diretiva 2004/38, resulta, por um lado, de uma leitura conjugada do artigo 1.o, alínea a), e dos artigos 4.o e 5.o da Diretiva 2004/38, bem como dos artigos 20.o e 21.o TFUE, a que esta diretiva dá execução, que a «livre circulação» compreende o direito de sair do território de um Estado‑Membro a fim de se deslocar a outro Estado‑Membro («direito de saída»), bem como o direito de ser admitido no território de um Estado‑Membro («direito de entrada»).

56

A este respeito, importa precisar, como expôs o advogado‑geral no n.o 61 das suas conclusões, que, em virtude da sua redação clara que menciona expressamente a «livre circulação», o artigo 27.o, n.o 1, e o artigo 29.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 abrangem as duas componentes desta liberdade, a saber, o direito de entrada e o direito de saída, na aceção dos artigos 4.o e 5.o desta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 2012, Byankov, C‑249/11, EU:C:2012:608, n.os 30 a 36 e jurisprudência referida). Por conseguinte, nem o facto de estes artigos 27.o e 29.o estarem abrangidos pelo capítulo VI da referida diretiva, intitulado «Restrições ao direito de entrada e ao direito de residência por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública», nem o facto de o artigo 29.o, n.os 2 e 3, da mesma diretiva ser consagrado mais especificamente às restrições ao direito de entrada podem levar a restringir o âmbito de aplicação do artigo 27.o, n.o 1, e do artigo 29.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 apenas à componente da livre circulação relativa ao direito de entrada.

57

Tanto mais que as restrições ao direito de entrada e ao direito de residência por razões de saúde pública poderiam revelar‑se ineficazes se não pudessem ser introduzidas restrições correspondentes ao direito de saída. Nesse caso, o objetivo prosseguido pelo artigo 27.o, n.o 1, e pelo artigo 29.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, que consiste em permitir aos Estados‑Membros restringir, dentro dos limites e das condições previstas nesta diretiva, a livre circulação para prevenir, conter ou limitar a propagação ou o risco de propagação de uma doença abrangida pela segunda dessas disposições, seria suscetível, consoante as circunstâncias, de ficar comprometido.

58

Por outro lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que devem ser consideradas «restrições» à livre circulação dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias todas as medidas que proíbam, perturbem ou tornem menos atrativo o exercício dessa liberdade. (v., por analogia, Acórdãos de 12 de julho de 2012, Comissão/Espanha, C‑269/09, EU:C:2012:439, n.o 54 e jurisprudência referida, e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Portugal, C‑503/14, EU:C:2016:979, n.o 40).

59

Nestas condições, as medidas restritivas da livre circulação, que um Estado‑Membro pode adotar por razões de saúde pública nos termos do artigo 27.o, n.o 1, e do artigo 29.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, não englobam apenas proibições absolutas ou parciais de entrada ou de saída do território nacional, como uma proibição de saída desse território para efetuar viagens não essenciais. Podem igualmente estar em causa, a fortiori, medidas que tenham por efeito perturbar ou tornar menos atrativo o direito de as pessoas em causa entrarem ou saírem do referido território, como uma obrigação de os viajantes que nele entram se submeterem a testes de despistagem e observarem uma quarentena.

60

No que respeita, em terceiro lugar, às pessoas relativamente às quais podem ser adotadas medidas restritivas da livre circulação com fundamento na Diretiva 2004/38, importa recordar que esta diretiva regula as condições de saída do território de um Estado‑Membro, não só dos nacionais de outros Estados‑Membros mas também dos nacionais desse Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 2012, Byankov, C‑249/11, EU:C:2012:608, n.os 30 e 32). Em contrapartida, regula apenas as condições de entrada no território de um Estado‑Membro dos nacionais de outros Estados‑Membros [v., nomeadamente, Acórdão de 6 de outubro de 2021, A (Passagem de fronteiras num navio de recreio), C‑35/20, EU:C:2021:813, n.os 67 a 69].

61

No caso em apreço, as categorias de pessoas mencionadas pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua primeira questão no que respeita, respetivamente, à proibição de saída do território do Estado‑Membro em causa e as restrições à entrada nesse mesmo território estão abrangidas pelo âmbito de aplicação pessoal da Diretiva 2004/38.

62

No que respeita, em quarto lugar, à forma das medidas restritivas da livre circulação suscetíveis de ser adotadas com fundamento na Diretiva 2004/38 por razões de saúde pública, há que observar que nem o artigo 27.o, n.o 1, nem o artigo 29.o, n.o 1, desta diretiva se opõem a que tais medidas sejam adotadas sob a forma de um ato de alcance geral.

63

Com efeito, uma vez que nenhuma destas duas disposições menciona, diferentemente do artigo 27.o, n.o 2, da referida diretiva, que as restrições a essa liberdade devem «basear‑se exclusivamente no comportamento da pessoa em questão» e que qualquer justificação dessas restrições deve estar «[relacionada] com o caso individual», há que concluir que restrições à referida liberdade justificadas por razões de saúde pública podem, em função das circunstâncias e nomeadamente da situação sanitária, ser adotadas sob a forma de um ato de alcance geral que diga indistintamente respeito a qualquer pessoa abrangida por uma situação visada por esse ato.

64

Esta interpretação é corroborada pelo facto de as doenças abrangidas pelo artigo 29.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 que podem, por si só, justificar medidas restritivas da livre circulação adotadas com fundamento nesta diretiva serem suscetíveis de afetar, devido às suas próprias características, populações inteiras independentemente de comportamentos individuais.

65

No que respeita, em quinto lugar, às condições e às garantias que devem acompanhar as medidas restritivas da livre circulação adotadas com fundamento na Diretiva 2004/38, importa, primeiro, salientar que, nos termos do artigo 27.o, n.o 1, desta diretiva, o Estado‑Membro que adota essas medidas por razões de saúde pública é obrigado a respeitar as disposições do capítulo VI da referida diretiva, a saber, nomeadamente, os seus artigos 30.o a 32.o

66

É verdade que os termos e as expressões utilizados nesses artigos 30.o a 32.o evocam medidas restritivas adotadas sob a forma de uma decisão individual.

67

Todavia, como indicou o advogado‑geral nos n.os 73 e 115 das suas conclusões, as condições e as garantias previstas nos referidos artigos 30.o a 32.o devem igualmente ser aplicadas no caso de medidas restritivas adotadas sob a forma de um ato de alcance geral.

68

A este respeito, há que salientar que os considerandos 25 a 27 da Diretiva 2004/38, que refletem os seus artigos 30.o a 32.o, expõem os princípios e os motivos subjacentes às condições e às garantias visadas por essas disposições. Assim, indica‑se, no considerando 25 desta diretiva, que essas condições e garantias visam assegurar, por um lado, um elevado nível de proteção dos direitos do cidadão da União e dos membros das suas famílias em caso de recusa de entrada ou de residência noutro Estado‑Membro e, por outro, o respeito do princípio da fundamentação suficiente dos atos da administração. Os considerandos 26 e 27 da referida diretiva precisam, neste contexto, que «de qualquer forma» deve ser possível interpor recurso judicial e que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, deve ser sempre possível reapreciar as medidas de proibição de entrada no território de um Estado‑Membro com vista ao seu levantamento.

69

Estes considerandos confirmam assim que, quando um Estado‑Membro adota medidas restritivas da livre circulação por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública, executando um ato da União como a Diretiva 2004/38, deve, designadamente, respeitar, primeiro, o princípio da segurança jurídica que exige que as normas jurídicas sejam claras e precisas e que a sua aplicação seja previsível para os sujeitos jurídicos, a fim de permitir aos interessados conhecer com exatidão a extensão das obrigações que a regulamentação em causa lhes impõe e conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e agir em conformidade. (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de março de 2019, Unareti, C‑702/17, EU:C:2019:233, n.o 34 e jurisprudência referida, e de 17 de novembro de 2022, Avicarvil Farms, C‑443/21, EU:C:2022:899, n.o 46 e jurisprudência referida). Segundo, esse Estado‑Membro deve respeitar o princípio geral do direito da União relativo a uma boa administração, que prevê, entre outros, o dever de fundamentação dos atos e das decisões adotados pelas autoridades nacionais (Acórdão de 7 de setembro de 2021, Klaipėdos regiono atliekų tvarkymo centras, C‑927/19, EU:C:2021:700, n.o 120 e jurisprudência referida). Terceiro, e em conformidade com o artigo 51.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais (a seguir «Carta»), deve respeitar o direito a um recurso jurisdicional efetivo consagrado no seu artigo 47.o, primeiro parágrafo, que prevê, entre outros, o direito de aceder a um tribunal competente para assegurar o respeito dos direitos garantidos pelo direito da União e, para esse efeito, para examinar todas as questões de direito e de facto pertinentes para a resolução do litígio [Acórdão de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito de recurso de pedidos de informações em matéria fiscal), C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.o 66 e jurisprudência referida].

70

O conjunto das condições e das garantias previstas nos artigos 30.o a 32.o da Diretiva 2004/38 constituem, assim, uma aplicação do princípio da segurança jurídica, do princípio da boa administração e do direito a um recurso jurisdicional efetivo, que valem para medidas restritivas adotadas tanto sob a forma de decisões individuais como sob a forma de atos de alcance geral. Neste contexto, e uma vez que, como resulta do n.o 62 do presente acórdão, o artigo 27.o, n.o 1, e o artigo 29.o, n.o 1, desta diretiva permitem aos Estados‑Membros adotar medidas restritivas da livre circulação por razões de saúde pública sob a forma de um ato de alcance geral, o facto de esses artigos 30.o a 32.o conterem termos e expressões que evocam tais medidas restritivas adotadas sob a forma de uma decisão individual não pode pôr em causa o âmbito de aplicação do artigo 27.o, n.o 1, e do artigo 29.o, n.o 1, da referida diretiva nem implicar que não se possam aplicar a medidas restritivas tomadas sob a forma de um ato de alcance geral.

71

Nestas condições, importa, antes de mais, considerar que, em aplicação do artigo 30.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2004/38, qualquer ato de alcance geral que estabeleça medidas restritivas da livre circulação por razões de saúde pública deve ser levado ao conhecimento do público no âmbito de uma publicação oficial do Estado‑Membro que o adota e através de uma divulgação oficial suficiente, de modo que o conteúdo e os efeitos desse ato possam ser entendidos, tal como os motivos precisos e completos de saúde pública invocados em apoio do referido ato, e que sejam especificadas as vias e os prazos de recurso para o impugnar.

72

Em seguida, o ato de alcance geral deve, para respeitar as garantias processuais mencionadas no artigo 31.o desta diretiva, poder ser impugnado no âmbito de um recurso jurisdicional e, sendo caso disso, administrativo. A este respeito, importa notar que quando o direito nacional não permita às pessoas abrangidas por uma situação definida de maneira geral por esse ato impugnar diretamente a validade desse ato no âmbito de um recurso autónomo, deve, pelo menos, prever, como parece ser o caso em apreço, a possibilidade de impugnar essa validade de forma incidental no âmbito de um recurso cujo desfecho dela depende.

73

Por outro lado, resulta do artigo 30.o, n.o 3, da referida diretiva que o público deve ser informado, quer no próprio ato, quer através de publicações ou sítios Internet oficiais gratuitos, facilmente acessíveis, do órgão jurisdicional ou da autoridade administrativa perante a qual o ato de alcance geral pode, se for caso disso, ser impugnado, bem como dos respetivos prazos de recurso.

74

Segundo, como indicado no considerando 31 da Diretiva 2004/38, os Estados‑Membros devem dar execução a esta diretiva no respeito do princípio da proibição das discriminações enunciado na Carta. No processo principal, não resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, e não foi sustentado por nenhuma das partes durante o processo nele pendente, que as medidas restritivas em causa no processo principal foram adotadas ou aplicadas em violação deste princípio.

75

Em sexto e último lugar, o artigo 31.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2004/38 prevê que as pessoas em causa devem ter acesso às vias judicial e, quando for caso disso, administrativa no Estado‑Membro de acolhimento para impugnar, nomeadamente, a proporcionalidade de uma decisão tomada a seu respeito por razões de saúde pública.

76

Resulta assim destas disposições que qualquer medida restritiva da livre circulação adotada por razões de saúde pública ao abrigo do artigo 27.o, n.o 1, e do artigo 29.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 deve ser proporcionada. Este requisito resulta igualmente de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, segundo a qual o respeito do princípio da proporcionalidade, que constitui um princípio geral do direito da União, se impõe aos Estados‑Membros quando estes aplicam um ato da União como a Diretiva 2004/38. [v., neste sentido, Acórdão de 8 de março de 2022, Bezirkshauptmannschaft Hartberg‑Fürstenfeld (Efeito direto), C‑205/20, EU:C:2022:168, n.o 31].

77

O requisito da proporcionalidade impõe, concretamente, que se verifique se medidas como as que estão em causa no processo principal, primeiro, são adequadas para realizar o objetivo de interesse geral prosseguido, no caso em apreço a proteção da saúde pública, segundo, se se limitam ao estritamente necessário, no sentido de que esse objetivo não podia ser razoavelmente alcançado de maneira tão eficaz através de outros meios menos atentatórios dos direitos e das liberdades garantidos às pessoas em causa, e, terceiro, não são desproporcionadas em relação ao referido objetivo, o que implica, nomeadamente, uma ponderação da sua importância e da gravidade da ingerência nesses direitos e liberdades (v., neste sentido, Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Orde van Vlaamse Balies e o., C‑694/20, EU:C:2022:963, n.o 42 e jurisprudência referida).

78

Para apreciar o respeito por um Estado‑Membro do princípio da proporcionalidade no domínio da saúde pública, há que ter em conta que a saúde e a vida das pessoas ocupam o primeiro lugar entre os bens e os interesses protegidos pelo Tratado FUE e que cabe aos Estados‑Membros decidir o nível a que pretendem assegurar a proteção da saúde pública e de que modo esse nível deve ser alcançado. Dado que esse nível pode variar de um Estado‑Membro para outro, há que reconhecer aos Estados‑Membros uma margem de apreciação. Assim, o facto de um Estado‑Membro impor regras menos rigorosas que as regras impostas por outro Estado‑Membro não significa que estas últimas sejam desproporcionadas (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de outubro de 2018, Roche Lietuva, C‑413/17, EU:C:2018:865, n.o 42 e jurisprudência referida, e de 10 de março de 2021, Ordine Nazionale dei Biologi e o., C‑96/20, EU:C:2021:191, n.o 36 e jurisprudência referida).

79

Resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, quando subsistam incertezas quanto à existência ou ao alcance de riscos para a saúde das pessoas, os Estados‑Membros devem poder tomar medidas de proteção sem terem de aguardar que seja plenamente demonstrada a realidade de tais riscos. Em particular, os Estados‑Membros devem poder tomar medidas que reduzam, tanto quanto possível, um risco para a saúde (v., neste sentido, Acórdãos de 1 de março de 2018, CMVRO, C‑297/16, EU:C:2018:141, n.o 65 e jurisprudência referida, e de 19 de novembro de 2020, B S e C A [Comercialização do canabidiol (CBD)], C‑663/18, EU:C:2020:938, n.o 90).

80

Por outro lado, os Estados‑Membros, quando adotam medidas restritivas por razões de saúde pública, devem estar em condições de apresentar provas adequadas, de informar que efetuaram uma análise da adequação, da necessidade e da proporcionalidade das medidas em causa e de apresentar qualquer outro elemento que permita sustentar a sua argumentação. Esse ónus da prova não pode ir ao ponto de exigir que as autoridades nacionais competentes demonstrem, de forma positiva, que nenhuma outra medida imaginável permitia realizar o objetivo legítimo prosseguido nas mesmas condições (v., neste sentido, Acórdão de 23 de dezembro de 2015, Scotch Whisky Association e o., C‑333/14, EU:C:2015:845, n.os 54 e 55 e jurisprudência referida).

81

Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, que é o único competente para apreciar os factos do litígio no processo principal e para interpretar a legislação nacional, verificar se as medidas restritivas referidas na primeira questão prejudicial respeitavam o requisito da proporcionalidade recordado no n.o 77 do presente acórdão. No entanto, o Tribunal de Justiça, chamado a dar uma resposta útil a este órgão jurisdicional, tem competência para lhe fornecer indicações baseadas nos autos do processo principal e nas observações escritas que lhe foram apresentadas, suscetíveis de permitir que o referido órgão jurisdicional se pronuncie (v., neste sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2022, Cilevičs e o., C‑391/20, EU:C:2022:638 , n.os 72, 73 e jurisprudência referida).

82

Primeiro, no que toca à adequação dessas medidas para alcançar o objetivo de proteção da saúde pública no contexto de uma doença qualificada de pandemia pela OMS, o órgão jurisdicional de reenvio deverá verificar se, à luz dos dados científicos comummente aceites à época dos factos no processo principal, a saber, em julho de 2020, a respeito do vírus da COVID‑19, da evolução das contaminações e dos casos de mortalidade devidos a esse vírus e tendo em conta o grau de incerteza que podia reinar a esse título, a adoção destas medidas, bem como os seus critérios de execução, eram adequados, atendendo à saturação ou ao risco de saturação do sistema nacional de saúde, bem como ao período estival caracterizado por uma intensificação das viagens de lazer e de turismo, propícias a um aumento das contaminações, para limitar, ou mesmo conter, a propagação do referido vírus na população do Estado‑Membro em causa, como pareciam admitir tanto a comunidade científica como as instituições da União e a OMS.

83

Este órgão jurisdicional deverá igualmente ter em conta o facto de as medidas restritivas em causa no processo principal se terem inscrito no âmbito de medidas análogas adotadas pelos outros Estados‑Membros, acompanhadas e coordenadas pela União ao abrigo das competências de apoio que detém, por força do artigo 168.o TFUE, em matéria de vigilância, de alerta e de combate às ameaças com dimensão transfronteiriça graves e aos grandes flagelos.

84

Por outro lado, há que recordar que medidas restritivas como as que estão em causa no processo principal só podem ser consideradas suscetíveis de garantir o objetivo de saúde pública prosseguido se responderem verdadeiramente à intenção de o alcançar e se forem aplicadas de maneira coerente e sistemática (Acórdão de 7 de setembro de 2022, Cilevičs e o., C‑391/20, EU:C:2022:638, n.o 75 e jurisprudência referida).

85

A este respeito, como salientou o advogado‑geral nos n.os 103 a 105 das suas conclusões, há que observar, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que, por um lado, as medidas restritivas visadas na primeira questão prejudicial parecem ter respondido à preocupação de alcançar esse objetivo, na medida em que se inscreviam numa estratégia mais ampla destinada a limitar a propagação da COVID‑19 na população do Estado‑Membro em causa e que continha outras medidas como, conforme resulta da decisão de reenvio e das observações escritas do Governo Belga, medidas de isolamento das pessoas contaminadas e de rastreio dos seus contactos, medidas destinadas a limitar as deslocações no território desse Estado‑Membro, bem como o encerramento dos locais de espetáculo e de lazer assim como de certos estabelecimentos comerciais.

86

Por outro lado, as medidas restritivas acima referidas parecem ter sido aplicadas de forma coerente e sistemática, dado que não é contestado que todas as viagens não essenciais eram, em princípio, proibidas entre a Bélgica e qualquer outro Estado‑Membro classificado de zona de alto risco segundo critérios indistintamente aplicáveis a esses Estados e em que qualquer viajante que entrasse no território belga a partir desse Estado‑Membro era obrigado a submeter‑se a testes de despistagem e a observar uma quarentena.

87

Segundo, no que respeita à necessidade de medidas restritivas como as que estão em causa no processo principal à luz do objetivo de saúde pública prosseguido, o órgão jurisdicional de reenvio deverá verificar se essas medidas se limitaram ao estritamente necessário e se não existiam meios menos atentatórios da livre circulação das pessoas mas igualmente eficazes para realizar esse objetivo.

88

A este título, quanto à questão da limitação das referidas medidas ao estritamente necessário, há que observar que a medida de proibição de saída do território nacional não visava todas as deslocações das pessoas em causa, mas apenas as viagens não essenciais dessas pessoas, e unicamente com destino a Estados‑Membros considerados zonas de alto risco, sendo a lista desses países, como resulta da decisão de reenvio, frequentemente atualizada à luz dos últimos dados então disponíveis. Assim, qualquer pessoa que se encontrasse nesse território podia ainda efetuar livremente, por um lado, viagens não essenciais com destino a Estados‑Membros que não estavam classificados de zonas de alto risco e, por outro, viagens essenciais, na aceção da lista reproduzida no n.o 26 do presente acórdão, destinadas aos Estados‑Membros classificados de zonas de alto risco. Na audiência, o Governo Belga indicou que eram igualmente consideradas viagens essenciais outras deslocações, incluindo transfronteiriças, não abrangidas por essa lista, como as deslocações destinadas a efetuar compras de bens alimentares, o que cabe, no entanto, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

89

Além disso, as medidas de despistagem e de quarentena impostas a qualquer viajante que entrasse no território nacional a partir de um Estado‑Membro classificado de zona de alto risco parecem ter sido limitadas ao estritamente necessário, na medida em que visavam, de maneira preventiva e temporária, viajantes provenientes de Estados‑Membros onde tivessem estado expostos a um risco acrescido de contaminação, a fim de detetar, quando da sua entrada no território nacional, as pessoas infetadas e prevenir a propagação do vírus por pessoas potencialmente contagiosas.

90

No que respeita, por outro lado, à questão da existência de medidas menos restritivas mas igualmente eficazes, há que recordar a margem de apreciação de que dispõem os Estados‑Membros, em matéria de proteção da saúde pública, em razão do princípio da precaução recordado no n.o 79 do presente acórdão. Nestas condições, o órgão jurisdicional de reenvio deverá limitar‑se a verificar se é evidente que, tendo em conta, nomeadamente, as informações existentes sobre o vírus da Covid‑19 à época dos factos no processo principal, medidas como a obrigação de distanciamento social e/ou de uso da máscara, bem como a obrigação de qualquer pessoa efetuar regularmente testes de despistagem teriam bastado para assegurar o mesmo resultado que as medidas restritivas visadas na primeira questão prejudicial (v., por analogia, Acórdão de 1 de março de 2018, CMVRO, C‑297/16, EU:C:2018:141, n.o 70).

91

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio deverá ter em conta a situação epidemiológica existente na Bélgica à data dos factos no processo principal, o nível de sobrecarga ou de saturação do sistema de saúde belga, o risco de retoma incontrolável ou drástica das contaminações na falta das medidas restritivas referidas na primeira questão prejudicial, o facto de certas pessoas, portadoras da doença, poderem ser assintomáticas, estarem em período de incubação ou poderem revelar‑se negativas nos testes de despistagem, a necessidade de visar o máximo de pessoas para conter a propagação da doença na população e de isolar as pessoas infetadas, bem como os efeitos conjugados, em termos de proteção da população, das medidas restritivas em causa no processo principal e das medidas referidas no número anterior.

92

Terceiro, no que respeita à questão da proporcionalidade, em sentido estrito, de medidas restritivas como as referidas na primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio deverá verificar se estas não eram desproporcionadas em relação ao objetivo de saúde pública prosseguido, tendo em conta o impacto que essas medidas tiveram na livre circulação dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias, no direito ao respeito pela sua vida privada e familiar garantido pelo artigo 7.o da Carta, bem como na liberdade de empresa, consagrada no artigo 16.o desta, de pessoas coletivas como a Nordic Info.

93

Com efeito, importa recordar que um objetivo de interesse geral, como o objetivo de proteção da saúde pública previsto no artigo 27.o, n.o 1, e no artigo 29.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, não pode ser prosseguido por uma medida nacional sem se ter em conta o facto de que deve ser conciliado com os direitos fundamentais e os princípios abrangidos por essa medida, conforme consagrados nos Tratados e na Carta, e isto mediante uma ponderação equilibrada entre, por um lado, esse objetivo de interesse geral e, por outro, os direitos e princípios em causa, a fim de assegurar que os inconvenientes causados pela referida medida não sejam desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos. Assim, a possibilidade de justificar uma restrição aos direitos garantidos nos artigos 7.o e 16.o da Carta e ao princípio da livre circulação consagrado no artigo 3.o, n.o 2, TUE, nos artigos 20.o e 21.o TFUE, conforme aplicados pela Diretiva 2004/38, bem como ao artigo 45.o da Carta, deve ser apreciada medindo a gravidade da ingerência que tal restrição implica e verificando se a importância do objetivo de interesse geral prosseguido por essa restrição está em consonância com essa gravidade (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de novembro de 2022, Luxembourg Business Registers, C‑37/20 e C‑601/20, EU:C:2022:912, n.o 64 e jurisprudência referida, e de 26 de abril de 2022, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑401/19, EU:C:2022:297, n.o 66 e jurisprudência referida).

94

No processo principal, no que respeita ao caráter proporcionado da medida de proibição de saída do território belga para efetuar viagens não essenciais, o órgão jurisdicional de reenvio deverá ter em conta o facto de que a restrição assim introduzida à livre circulação e ao direito ao respeito pela vida privada e familiar não impedia toda e qualquer saída desse território, na medida em que se limitava apenas às viagens não essenciais, como, no caso em apreço, viagens de lazer ou viagens turísticas, que não proibia, como resulta da lista de viagens essenciais reproduzida no n.o 26 do presente acórdão, as viagens justificadas por razões imperativas familiares e que as proibições de saída eram levantadas a partir do momento em que o Estado‑Membro de destino em causa deixasse de ser classificado de zona de alto risco com base numa reavaliação regular da sua situação.

95

Por outro lado, no que respeita a pessoas coletivas como a Nordic Info que viram limitada a sua liberdade de empresa, nomeadamente, a sua liberdade de propor viagens de lazer e viagens turísticas entre a Bélgica e Estados‑Membros classificados de zonas de alto risco, há que considerar, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que uma medida a proibir qualquer saída do território belga para efetuar viagens não essenciais parece proporcionada à luz do objetivo de proteção da saúde pública prosseguido, na medida em que, tendo em conta o contexto sanitário grave decorrente da pandemia de COVID‑19, não se afigurava desrazoável proibir temporariamente as viagens não essenciais com destino a esses Estados‑Membros até que a sua situação sanitária melhorasse de forma a evitar a saída do território nacional e, se fosse caso disso, o regresso de pessoas doentes a esse território e, por conseguinte, a propagação incontrolada desta pandemia entre os diferentes Estados‑Membros e no referido território.

96

Quanto ao caráter proporcionado das medidas de despistagem e de quarentena obrigatórias para os viajantes que entravam no território belga a partir de um Estado‑Membro classificado de zona vermelha, há que observar, por um lado, que, devido à rapidez dos testes, medidas de despistagem como as que estão em causa no processo principal só eram suscetíveis de prejudicar de forma limitada o direito ao respeito pela vida privada e familiar desses viajantes e o direito à livre circulação, ao passo que contribuíam para identificar pessoas portadoras do vírus da COVID‑19 e, portanto, para realizar o objetivo que consistia em limitar e conter a propagação desse vírus.

97

Por outro lado, é verdade que uma quarentena obrigatória imposta a qualquer viajante que entrasse no território belga a partir de um Estado‑Membro classificado de zona de alto risco, quer esse viajante tivesse, ou não, sido contaminada pelo referido vírus, restringia de forma drástica o direito ao respeito pela vida privada e familiar, bem como a liberdade de movimento de que dispõe, em princípio, o referido viajante na sequência do exercício do seu direito à livre circulação. Todavia, essa quarentena parece, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, ser também proporcionada à luz do princípio da precaução, na medida em que, por um lado, existia uma probabilidade não negligenciável de esse viajante ser portador do mesmo vírus e, nomeadamente quando estivesse em período de incubação ou fosse assintomático, de contaminar outras pessoas fora da sua casa na falta dessa quarentena e, por outro, os testes de despistagem podiam revelar‑se falsamente negativos.

98

Tendo em conta os motivos que precedem, há que responder à primeira questão que os artigos 27.o e 29.o da Diretiva 2004/38, lidos em conjugação com os seus artigos 4.o e 5.o, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem à regulamentação de alcance geral de um Estado‑Membro que, por razões de saúde pública relacionadas com a luta contra a pandemia de COVID‑19, proíbe, por um lado, os cidadãos da União e os membros das suas famílias, independentemente da sua nacionalidade, de efetuar viagens não essenciais a partir desse Estado‑Membro e com destino a outros Estados‑Membros por ele classificados de zonas de alto risco com base nas medidas sanitárias restritivas ou na situação epidemiológica existente nesses outros Estados‑Membros e impõe, por outro, aos cidadãos da União não nacionais do referido Estado‑Membro a obrigação de se submeterem a testes de despistagem e de observarem uma quarentena ao entrar no território do mesmo Estado‑Membro a partir de um dos referidos outros Estados‑Membros, desde que essa regulamentação nacional respeite todas as condições e as garantias previstas nos artigos 30.o a 32.o desta diretiva, os direitos e os princípios fundamentais consagrados na Carta, nomeadamente o princípio da proibição de discriminações, bem como o princípio da proporcionalidade.

Quanto à segunda questão

99

Segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, o Tribunal pode ser levado a tomar em consideração normas de direito da União a que o juiz nacional não fez referência no enunciado da sua questão. Com efeito, a circunstância de um órgão jurisdicional nacional ter, num plano formal, formulado uma questão prejudicial com base em certas disposições do direito da União não obsta a que o Tribunal de Justiça forneça a esse órgão jurisdicional todos os elementos de interpretação que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado das suas questões. A este respeito, cabe ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio [Acórdão de 20 de abril de 2023, BVAEB (Adaptação das pensões de reforma)C‑52/22, EU:C:2023:309, n.o 38 e jurisprudência referida].

100

Resulta das explicações do órgão jurisdicional de reenvio que a segunda questão é submetida no contexto de dois argumentos apresentados pela Nordic Info, nos termos dos quais o controlo das restrições ao direito de entrada e de saída impostas pela regulamentação belga relativamente às pessoas que efetuavam viagens não essenciais de e para outros Estados do Espaço Schengen classificados de zonas de alto risco, por um lado, equivalia a um controlo de fronteira e foi efetuado por razões de saúde pública em violação do artigo 23.o do Código das Fronteiras Schengen e, por outro, equivalia a reintroduzir um controlo nas fronteiras internas no Espaço Schengen, em violação do artigo 25.o deste código.

101

Nestas condições, há que considerar que, com esta segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 22.o, 23.o e 25.o do Código das Fronteiras Schengen devem ser interpretados no sentido de que se opõem à regulamentação de um Estado‑Membro que, por razões de saúde pública relacionadas com a luta contra a pandemia de COVID‑19, proíbe, sob o controlo das autoridades competentes e sob pena de sanção, a passagem das fronteiras internas desse Estado‑Membro para efetuar viagens não essenciais de ou para Estados do Espaço Schengen classificados de zonas de alto risco.

102

A este respeito, há que recordar que o artigo 67.o, n.o 2, TFUE, que faz parte do título V do Tratado FUE, relativo ao espaço de liberdade, segurança e justiça, prevê que a União assegura a ausência de controlos de pessoas nas fronteiras internas. O artigo 77.o, n.o 1, alínea a), TFUE enuncia que a União desenvolve uma política que visa assegurar a ausência de quaisquer controlos de pessoas, independentemente da sua nacionalidade, na passagem dessas fronteiras. A supressão do controlo nas fronteiras internas é, como resulta do considerando 2 do Código das Fronteiras Schengen, um elemento constitutivo do objetivo da União, enunciado no artigo 26.o TFUE, que consiste em criar um espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das pessoas é assegurada por atos da União adotados com base no artigo 77.o, n.o 2, alínea e), TFUE, como o Código das Fronteiras Schengen (v., por analogia, Acórdãos de 19 de julho de 2012, Adil, C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.os 48 e 49, e de 21 de junho de 2017, A, C‑9/16, EU:C:2017:483, n.os 30 e 31).

103

Neste contexto, o artigo 22.o do Código das Fronteiras Schengen recorda o princípio segundo o qual as fronteiras internas, na aceção definida no artigo 2.o, ponto 1, deste código, podem ser transpostas em qualquer local sem que se proceda ao controlo das pessoas, independentemente da sua nacionalidade.

104

Por seu lado, sob a epígrafe «Controlos no interior do território», o artigo 23.o, alínea a), do Código das Fronteiras Schengen dispõe que a ausência do controlo nas fronteiras internas não prejudica o exercício das competências de polícia pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros, ao abrigo do direito nacional, na medida em que o exercício dessas competências não tenha efeito equivalente a um controlo de fronteira, o mesmo se aplicando nas zonas fronteiriças. Assim, embora esta disposição, lida em conjugação com o artigo 2.o, ponto 11, e o artigo 22.o deste código, proíba as autoridades competentes dos Estados‑Membros de exercerem as suas competências de polícia para efetuar controlos nos pontos de passagem de fronteira, na aceção do artigo 2.o, ponto 8, do referido código, a fim de verificar se as pessoas, incluindo os seus meios de transporte e objetos na sua posse, estão autorizadas a entrar no território nacional ou a abandoná‑lo, preserva, todavia, o direito de os Estados‑Membros efetuarem, no interior do território nacional, incluindo nas zonas fronteiriças, controlos justificados pelo exercício de competências de polícia, desde que esse exercício não tenha um efeito equivalente a esse controlo.

105

Por outro lado, há que salientar que o artigo 25.o do Código das Fronteiras Schengen prevê a possibilidade de reintroduzir um controlo nas fronteiras internas da União enquanto exceção ao princípio previsto no artigo 22.o deste código, conforme recordado no n.o 103 do presente acórdão. Com fundamento neste artigo 25.o, os Estados‑Membros podem assim reintroduzir temporariamente controlos, durante determinados períodos máximos, em todas ou algumas partes específicas das suas fronteiras internas, conforme definidas no artigo 2.o, ponto 1, do referido código, em caso de ameaça grave à sua ordem pública ou à sua segurança interna, só podendo essa reintrodução ter lugar em último recurso. Em todo o caso, a duração dessa reintrodução temporária não deve exceder o estritamente necessário para dar resposta à referida ameaça e deve ser proporcionada em relação a esta, precisando‑se que o tipo de avaliação que deve ser efetuado para esse efeito e o procedimento que deve ser seguido são, nomeadamente, enquadrados de forma detalhada nos artigos 26.o a 28.o do mesmo código. [v., neste sentido, Acórdão de 26 de abril de 2022, Landespolizeidirektion Steiermark (Duração máxima do controlo nas fronteiras internas), C‑368/20 e C‑369/20, EU:C:2022:298, n.os 54, 63, 67 e 68].

106

No caso em apreço, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, bem como das declarações efetuadas pelo Governo Belga nas suas observações escritas e durante a audiência, que, à época dos factos no processo principal, foram efetuados controlos pelas autoridades nacionais para verificar o respeito da proibição de passagem das fronteiras internas estabelecida no artigo 18.o do decreto ministerial alterado.

107

Por outro lado, o Governo Belga precisou, em resposta a uma questão do Tribunal de Justiça, que os controlos das proibições de entrada e de saída do território belga eram efetuados, à época dos factos no processo principal, do seguinte modo: nos aeroportos e nas estações ferroviárias, os passageiros que utilizavam voos e trajetos que ligavam a Bélgica a Estados do Espaço Schengen classificados de zonas de alto risco eram controlados aleatoriamente, ao passo que, nas estradas, foram efetuados controlos fronteiriços aleatórios por equipas móveis durante o horário normal de trabalho, tendo o transporte de passageiros por autocarro sido objeto de especial atenção.

108

Por seu turno, a Comissão Europeia, no processo no Tribunal de Justiça, indicou ter recebido, em 4 de junho de 2020, uma notificação por parte do Reino da Bélgica da qual resultava que este Estado‑Membro tinha deixado de proceder a controlos nas fronteiras internas durante o período em causa no processo principal.

109

Nestas condições, o órgão jurisdicional de reenvio deverá verificar, por um lado, se, quando os controlos da proibição de passagem das fronteiras referida no n.o 33 do presente acórdão foram efetuados no interior do território belga, incluindo nas zonas fronteiriças, o exercício das competências de polícia ao abrigo das quais esses controlos foram efetuados não teve um efeito equivalente aos controlos de fronteira, na aceção do artigo 23.o, alínea a), do Código das Fronteiras Schengen, e, por outro, se, quando os referidos controlos foram efetuados nas fronteiras internas, o Reino da Bélgica respeitou todas as condições previstas nos artigos 25.o a 28.o desse código para a reintrodução temporária dos controlos nas fronteiras internas.

110

A este respeito, o Tribunal de Justiça, decidindo a título prejudicial, pode fornecer esclarecimentos que permitam guiar o órgão jurisdicional nacional na sua decisão (v., neste sentido, Acórdão de 5 de maio de 2022, Victorinox, C‑179/21, EU:C:2022:353, n.o 49 e jurisprudência referida).

111

No que respeita, em primeiro lugar, ao artigo 23.o, alínea a), do Código das Fronteiras Schengen, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o respeito do direito da União, nomeadamente dos artigos 22.o e 23.o deste código, deve ser assegurado pela instituição e pela observância de um enquadramento regulamentar que garanta que o exercício prático das competências de polícia referido nesse artigo 23.o, alínea a), não possa ter um efeito equivalente ao dos controlos de fronteira (v., por analogia, Acórdãos de 19 de julho de 2012, Adil, C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.o 68 e jurisprudência referida, e de 21 de junho de 2017, A, C‑9/16, EU:C:2017:483, n.o 37).

112

O artigo 23.o, alínea a), segundo período, i) a iv), do referido código fornece, devido à expressão «nomeadamente» que figura no início deste período, indícios que permitem guiar os Estados‑Membros na execução das suas competências de polícia e do enquadramento regulamentar referido no número anterior, de modo que o seu exercício não tenha um efeito equivalente aos controlos de fronteira.

113

Primeiro, no que respeita ao indício que figura no artigo 23.o, alínea a), segundo período, i), do Código das Fronteiras Schengen, relativo ao facto de as medidas policiais não deverem ter «como objetivo o controlo fronteiriço», o Tribunal de Justiça já declarou que resulta do artigo 2.o, pontos 10 a 12, deste código que este objetivo visa, por um lado, garantir que as pessoas possam ser autorizadas a entrar no território do Estado‑Membro ou a abandoná‑lo e, por outro, impedir as pessoas de se subtraírem aos controlos de fronteira. Trata‑se de controlos que podem ser efetuados de modo sistemático (v., por analogia, Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Touring Tours und Travel e Sociedad de transportes, C‑412/17 e C‑474/17, EU:C:2018:1005, n.o 55 e jurisprudência referida).

114

Ora, no caso em apreço, os objetivos prosseguidos pelos controlos efetuados para assegurar o respeito do artigo 18.o do decreto ministerial alterado parecem distinguir‑se, em certos aspetos essenciais, dos objetivos prosseguidos pelos controlos de fronteira. Com efeito, é certo que esses controlos tinham por objeto, como foi indicado no n.o 106 do presente acórdão, verificar se as pessoas que tinham a intenção de passar as fronteiras ou que as passavam estavam autorizadas a deixar o território belga ou a nele entrar. Todavia, segundo a própria redação do decreto ministerial alterado, o objetivo principal dos referidos controlos era limitar, com urgência, a propagação da COVID‑19 nesse território e, tendo em conta a obrigação aliás prevista para todo qualquer viajante que entrasse no referido território a partir de um Estado do Espaço Schengen classificado de zona vermelha, de se submeter a testes de despistagem e de observar uma quarentena, assegurar a identificação e o acompanhamento desses viajantes.

115

Tendo em conta este objetivo principal, não se pode considerar que os controlos efetuados para assegurar o respeito do artigo 18.o do decreto ministerial alterado tenham tido um efeito equivalente aos controlos de fronteira, proibido pelo artigo 23.o, alínea a), do Código das Fronteiras Schengen (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2017, A, C‑9/16, EU:C:2017:483, n.os 46 e 51).

116

Além disso, embora se afigure que, no caso em apreço, os controlos rodoviários foram principalmente efetuados em zonas fronteiriças, tal não basta, por si só, para concluir que o exercício das competências de polícia tinha um efeito equivalente aos controlos de fronteira. De facto, o primeiro período do artigo 23.o, alínea a), do Código das Fronteiras Schengen refere‑se expressamente ao exercício das competências de polícia pelas autoridades competentes do Estado‑Membro, ao abrigo do direito nacional, também nas zonas fronteiriças (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2017, A, C‑9/16, EU:C:2017:483, n.o 52 e jurisprudência referida).

117

Segundo, no que respeita ao indício que figura no artigo 23.o, alínea a), segundo período, ii), do Código das Fronteiras Schengen, relativo ao facto de as medidas policiais se deverem «[basear] em informações policiais de caráter geral e na experiência em matéria de possíveis ameaças à ordem pública», há que recordar que, embora esta disposição mencione unicamente as «ameaças à ordem pública», não deixa de ser verdade que o artigo 23.o, alínea a), deste código não prevê, em razão da expressão «particularmente» que figura no início do seu segundo período, nem uma lista exaustiva dos requisitos que as medidas policiais devem preencher para se considerar que não têm um efeito equivalente aos controlos de fronteira, nem uma lista exaustiva dos objetivos que essas medidas policiais podem prosseguir ou ainda o objeto sobre o qual podem incidir (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2017, A, C‑9/16, EU:C:2017:483, n.o 48). Tanto mais que as competências de polícia são definidas, nos termos do artigo 23.o, alínea a), do referido código, «ao abrigo do direito nacional» e podem, por conseguinte, abranger domínios diferentes do da segurança pública prevista no segundo período, alínea ii), desta disposição.

118

Por conseguinte, o facto de as ameaças para a saúde pública não serem expressamente mencionadas no artigo 23.o, alínea a), segundo período, ii), do Código das Fronteiras Schengen não pode implicar, por si só, que, uma vez que questões de saúde pública podem estar abrangidas pelas competências policiais ao abrigo do direito nacional e que as medidas adotadas ao abrigo dessas competências se podem basear em informações de caráter geral e na experiência dos serviços de polícia em matéria de possíveis ameaças ou de ameaças comprovadas para a saúde pública, tais como uma pandemia ou um risco de pandemia, o domínio da saúde pública não possa ser invocado por um Estado‑Membro ao abrigo do artigo 23.o, alínea a), deste código.

119

Quanto ao facto de as medidas policiais deverem, nos termos do artigo 23.o, alínea a), segundo período, ii), do Código das Fronteiras Schengen, basear‑se em «informações […] de caráter geral e na experiência» dos serviços policiais no domínio em causa, a saber, no caso em apreço, uma ameaça para a saúde pública, importa recordar que este requisito não é cumprido quando os controlos são impostos com base numa proibição de caráter geral, independentemente do comportamento das pessoas em causa e de circunstâncias que demonstrem um risco de violação desse domínio (v., por analogia, Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Touring Tours und Travel e Sociedad de transportes, C‑412/17 e C‑474/17, EU:C:2018:1005, n.o 61 e jurisprudência referida).

120

Embora resulte dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, à época dos factos no processo principal, os controlos em causa foram efetuados com base numa proibição com esse caráter geral e independentemente do comportamento dos viajantes, há todavia que salientar que a regulamentação nacional em causa no processo principal se inscrevia no contexto de uma ameaça grave para a saúde pública, a saber, uma pandemia caracterizada por um vírus suscetível de provocar a morte em diferentes categorias da população e de sobrecarregar, ou mesmo saturar, o sistema de saúde nacional. Há igualmente que ter em conta, por um lado, o objetivo principal prosseguido tanto por essa proibição como pelas medidas de controlo que a acompanhavam, a saber, limitar ou conter a propagação ou o risco de propagação do vírus de maneira a preservar o maior número de vidas humanas possível, e, por outro, a dificuldade extrema, ou mesmo a impossibilidade, de determinar antecipadamente que pessoas que utilizavam diversos meios de locomoção provinham de Estados‑Membros classificados de zonas de alto risco ou se deslocavam a esses Estados‑Membros. Nestas condições, basta, para efeitos do artigo 23.o, alínea a), segundo período, ii), do Código das Fronteiras Schengen, que os controlos tenham sido decididos e executados à luz de circunstâncias que demonstrem objetivamente um risco de prejuízo grave e sério para a saúde pública e com base nos conhecimentos gerais que as autoridades tinham quanto às zonas de entrada e de saída do território nacional através das quais um grande número de viajantes visados pela referida proibição eram suscetíveis de transitar.

121

Terceiro, no que respeita aos indícios que figuram no artigo 23.o, alínea a), segundo período, iii) e iv), do Código das Fronteiras Schengen, relativo ao facto de as medidas policiais deverem ser «concebidas e executadas de forma claramente distinta dos controlos sistemáticos de pessoas nas fronteiras externas [da União]» e «com base em controlos por amostragem», resulta das explicações do Governo Belga em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal de Justiça que todos os controlos em causa no processo principal foram realizados de forma aleatória e, portanto, «por amostragem», o que incumbe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. No entanto, esse mesmo órgão jurisdicional deverá ainda examinar se esses controlos foram concebidos e executados de uma forma claramente distinta dos controlos sistemáticos efetuados sobre as pessoas nas fronteiras externas da União, o que implica examinar em pormenor as precisões e as limitações previstas pela regulamentação nacional em causa no processo principal relativamente à intensidade, à frequência e à seletividade dos referidos controlos (v., por analogia, Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Touring Tours und Travel e Sociedad de transportes, C‑412/17 e C‑474/17, EU:C:2018:1005, n.o 64 e jurisprudência referida).

122

Embora o Tribunal de Justiça não disponha de elementos de informação a este respeito, há pelo menos que observar que, no contexto de uma pandemia como a descrita n.o 120 do presente acórdão e tendo em conta o facto, já salientado nesse mesmo número, de poder ser extremamente difícil, ou até impossível, determinar antecipadamente que pessoas que utilizam diversos meios de locomoção provêm de Estados‑Membros classificados de zonas de alto risco ou se deslocam a esses Estados‑Membros, uma certa margem de apreciação, justificada igualmente pelo princípio da precaução, deve ser reconhecida ao Estado‑Membro em causa na conceção e na execução dos controlos em relação à intensidade, à frequência e à seletividade destes. Essa margem de apreciação não pode, contudo, ir ao ponto de os controlos assim concebidos e executados não se poderem distinguir «claramente»» dos controlos sistemáticos de pessoas nas fronteiras externas da União e que revestem esse caráter sistemático.

123

No que respeita, em segundo lugar, à questão relativa à reintrodução temporária dos controlos nas fronteiras internas, na aceção dos artigos 25.o e seguintes do Código das Fronteiras Schengen, há que constatar que, enquanto a redação do artigo 23.o, alínea a), deste código é, como foi indicado no n.o 117 do presente acórdão, aberta na medida em que preserva o direito de os Estados‑Membros exercerem competências de polícia igualmente no domínio da saúde pública, o artigo 25.o, n.o 1, do referido código refere‑se expressamente à possibilidade de os Estados‑Membros reintroduzirem temporariamente controlos nas fronteiras em caso de ameaça grave à ordem pública ou à segurança interna.

124

Uma vez que a exceção introduzida por esta última disposição no artigo 22.o do Código das Fronteiras Schengen deve ser objeto de interpretação estrita [v., neste sentido, Acórdão de 26 de abril de 2022, Landespolizeidirektion Steiermark (Duração máxima do controlo nas fronteiras internas), C‑368/20 e C‑369/20, EU:C:2022:298, n.os 64 e 66 e jurisprudência referida], uma ameaça para a saúde pública não pode, enquanto tal, justificar a reintrodução de controlos nas fronteiras internas.

125

No entanto, há que considerar, à semelhança do advogado‑geral no n.o 154 das suas conclusões, que, se uma ameaça sanitária constituir uma ameaça grave para a ordem pública e/ou a segurança interna, um Estado‑Membro pode reintroduzir temporariamente controlos nas suas fronteiras internas para responder a essa ameaça grave, desde que os outros requisitos previstos nos artigos 25.o e seguintes do Código das Fronteiras Schengen sejam respeitados.

126

Com efeito, resulta dos conceitos de «ordem pública» e de «segurança interna», conforme precisados na jurisprudência do Tribunal de Justiça, que uma ameaça sanitária pode, em certos casos, constituir uma ameaça grave para a ordem pública e/ou a segurança interna (v., neste sentido, Acórdão de 16 de dezembro de 2010, Josemans, C‑137/09, EU:C:2010:774, n.o 65). Assim, por um lado, o conceito de «ordem pública» pressupõe, além da perturbação da ordem social que qualquer infração à lei constitui, a existência de uma ameaça real, atual e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade. Por outro lado, o conceito de «segurança interna» corresponde à vertente interna da segurança pública de um Estado‑Membro e abrange, nomeadamente, a ameaça ao funcionamento das instituições e dos serviços públicos essenciais, bem como a sobrevivência da população, ou ainda uma ameaça aos interesses militares ou ameaças diretas à tranquilidade e à segurança física da população [v., neste sentido, Acórdãos de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.os 65 e 66 e jurisprudência referida, e de 2 de maio de 2018, K. e H. F. (Direito de residência e alegações de crimes de guerra), C‑331/16 e C‑366/16, EU:C:2018:296, n.o 42 e jurisprudência referida].

127

Ora, uma pandemia com a dimensão da COVID‑19, caracterizada por uma doença contagiosa capaz de provocar a morte em diferentes categorias da população e de sobrecarregar ou mesmo saturar os sistemas de saúde nacionais, é suscetível de afetar um interesse fundamental da sociedade, a saber, o de assegurar a vida dos cidadãos, preservando simultaneamente o bom funcionamento do sistema de saúde e a prestação de cuidados adequados à população, e afeta, além disso, a própria sobrevivência de uma parte da população, nomeadamente as pessoas mais vulneráveis. Nestas condições, tal situação pode ser qualificada de ameaça grave para a ordem pública e/ou para a segurança interna, na aceção do artigo 25.o, n.o 1, do Código das Fronteiras Schengen.

128

No caso em apreço, na eventualidade de o órgão jurisdicional de reenvio constatar que as autoridades belgas procederam a verificações ou a controlos nas fronteiras internas durante o período em causa no processo principal, caberá a esse órgão jurisdicional verificar, tendo em conta que essas verificações ou controlos visavam, como indicado no n.o 127 do presente acórdão, responder a uma ameaça grave para a ordem pública ou a segurança interna, se os outros requisitos previstos nos artigos 25.o a 28.o do Código das Fronteiras Schengen e resumidos em substância no n.o 105 deste acórdão estavam preenchidos.

129

Tendo em conta os motivos que precedem, há que responder à segunda questão que os artigos 22.o, 23.o e 25.o do Código das Fronteiras Schengen devem ser interpretados no sentido de que não se opõem à regulamentação de um Estado‑Membro que, por razões de saúde pública relacionadas com a luta contra a pandemia de COVID‑19, proíbe, sob o controlo das autoridades competentes e sob pena de sanção, a passagem das fronteiras internas desse Estado‑Membro para efetuar viagens não essenciais de ou para Estados do Espaço Schengen classificados de zonas de alto risco, desde que essas medidas de controlo se enquadrem no exercício de competências de polícia que não deve ter um efeito equivalente aos controlos de fronteira, na aceção do artigo 23.o, alínea a), deste código, ou que, no caso de as referidas medidas constituírem controlos nas fronteiras internas, o referido Estado‑Membro tenha respeitado os requisitos previstos nos artigos 25.o a 28.o do referido código para a reintrodução temporária desses controlos, com a precisão de que a ameaça causada por essa pandemia corresponde a uma ameaça grave para a ordem pública ou a segurança interna, na aceção do artigo 25.o, n.o 1, do mesmo código.

Quanto às despesas

130

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

Os artigos 27.o e 29.o da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, lidos em conjugação com os seus artigos 4.o e 5.o,

devem ser interpretados no sentido de que:

não se opõem à regulamentação de alcance geral de um Estado‑Membro que, por razões de saúde pública relacionadas com a luta contra a pandemia de COVID‑19, proíbe, por um lado, os cidadãos da União e os membros das suas famílias, independentemente da sua nacionalidade, de efetuar viagens não essenciais a partir desse Estado‑Membro e com destino a outros Estados‑Membros por ele classificados de zonas de alto risco com base nas medidas sanitárias restritivas ou na situação epidemiológica existente nesses outros Estados‑Membros e impõe, por outro, aos cidadãos da União não nacionais do referido Estado‑Membro a obrigação de se submeterem a testes de despistagem e de observarem uma quarentena ao entrar no território do mesmo Estado‑Membro a partir de um dos referidos outros Estados‑Membros, desde que essa regulamentação nacional respeite todas as condições e as garantias previstas nos artigos 30.o a 32.o desta diretiva, os direitos e os princípios fundamentais consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, nomeadamente o princípio da proibição de discriminações, bem como o princípio da proporcionalidade.

 

2)

Os artigos 22.o, 23.o e 25.o do Regulamento (UE) 2016/399 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, que estabelece o código da União relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen), conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2017/2225 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2017,

devem ser interpretados no sentido de que:

não se opõem à regulamentação de um Estado‑Membro que, por razões de saúde pública relacionadas com a luta contra a pandemia de COVID‑19, proíbe, sob o controlo das autoridades competentes e sob pena de sanção, a passagem das fronteiras internas desse Estado‑Membro para efetuar viagens não essenciais de ou para Estados do Espaço Schengen classificados de zonas de alto risco, desde que essas medidas de controlo se enquadrem no exercício de competências de polícia que não deve ter um efeito equivalente aos controlos de fronteira, na aceção do artigo 23.o, alínea a), deste código, ou que, no caso de as referidas medidas constituírem controlos nas fronteiras internas, o referido Estado‑Membro tenha respeitado os requisitos previstos nos artigos 25.o a 28.o do referido código para a reintrodução temporária desses controlos, sendo especificado que a ameaça causada por essa pandemia corresponde a uma ameaça grave para a ordem pública ou a segurança interna, na aceção do artigo 25.o, n.o 1, do mesmo código.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.