ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

21 de setembro de 2023 ( *1 )

Índice

 

I. Quadro jurídico

 

A. Direito da União

 

B. Direito alemão

 

II. Procedimento pré‑contencioso

 

III. Quanto à ação

 

A. Quanto à primeira acusação, relativa à falta de designação das zonas especiais de conservação

 

1. Argumentos das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

 

B. Quanto à segunda acusação, relativa à falta de determinação dos objetivos de conservação

 

1. Argumentos das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

 

a) Quanto ao argumento relativo à falta de adoção de objetivos de conservação detalhados para 88 dos 4606 sítios de importância comunitária em causa

 

b) Quanto ao argumento relativo à prática geral e estrutural de fixar os objetivos de conservação de modo contrário às exigências previstas no artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats

 

C. Quanto à terceira acusação, relativa à falta de fixação das medidas de conservação necessárias

 

1. Argumentos das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

 

Quanto às despesas

«Incumprimento de Estado — Ambiente — Diretiva 92/43/CEE — Preservação dos habitats naturais, bem como da fauna e da flora selvagens — Artigo 4.o, n.o 4, e artigo 6.o, n.o 1 — Falta de designação das zonas especiais de conservação — Falta de determinação dos objetivos de conservação — Falta ou insuficiência de medidas de conservação — Prática administrativa»

No processo C‑116/22,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, que deu entrada em 18 de fevereiro de 2022,

Comissão Europeia, representada por C. Hermes e M. Noll‑Ehlers, na qualidade de agentes,

demandante,

contra

República Federal da Alemanha, representada por J. Möller e A. Hoesch, na qualidade de agentes,

demandada

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal, presidente de secção, L. Arastey Sahún (relatora), F. Biltgen, N. Wahl e J. Passer, juízes,

advogado‑geral: T. Ćapeta,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 20 de abril de 2023,

profere o presente

Acórdão

1

Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força:

do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7), conforme alterada pela Diretiva 2013/17/UE do Conselho, de 13 de maio de 2013 (JO 2013, L 158, p.193) (a seguir «Diretiva Habitats», ao não ter designado, como zonas especiais de conservação, 88 dos 4606 sítios de importância comunitária situados nas regiões biogeográficas alpina, continental e atlântica, que foram inscritos nas listas estabelecidas pela Decisão 2004/69/CE da Comissão, de 22 de dezembro de 2003, que estabelece, em aplicação da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, a lista dos sítios de importância comunitária para a região biogeográfica alpina (JO 2004, L 14, p. 21), pela Decisão 2004/798/CE da Comissão, de 7 de dezembro de 2004, que adota, em aplicação da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, a lista dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica continental (JO 2004, L 382, p. 1), e pela Decisão 2004/813/CE, da Comissão, que adota, em aplicação da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, a lista dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica atlântica (JO 2004, L 387, p. 1), atualizadas, respetivamente, pela Decisão 2008/218/CE da Comissão, de 25 de janeiro de 2008, que adota, em aplicação da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, a primeira lista atualizada dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica alpina (JO 2008, L 77, p. 106), pela Decisão 2008/25/CE da Comissão, de 13 de novembro de 2007, que adota, em aplicação da [Diretiva Habitats], a primeira lista atualizada dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica continental (JO 2008, L 12, p. 383), e pela Decisão 2008/23/CE da Comissão, de 12 de novembro de 2007, que adota, em aplicação da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, a primeira lista atualizada dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica atlântica (JO 2008, L 12, p. 1) (a seguir «sítios de importância comunitária em causa»);

do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats, na medida em que, em relação a 88 dos 4606 sítios de importância comunitária em causa, não fixou nenhuma espécie de objetivos de conservação e que prossegue, além disso, quanto à fixação dos objetivos de conservação, uma prática geral e estruturada que não respeita as exigências jurídicas desta disposição, e

do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva Habitats, na medida em que, em relação a 737 dos 4606 sítios de importância comunitária em causa, não fixou nenhuma espécie de objetivos de conservação e que prossegue, além disso, quanto à fixação dos objetivos de conservação, uma prática geral e estruturada que não respeita às exigências jurídicas desta disposição.

I. Quadro jurídico

A.   Direito da União

2

Os terceiro, oitavo e décimo considerandos da Diretiva Habitats enunciam:

«[c]onsiderando que, consistindo o objetivo principal da presente diretiva em favorecer a manutenção da biodiversidade, tomando simultaneamente em consideração as exigências económicas, sociais, culturais e regionais, contribui para o objetivo geral de desenvolvimento sustentável; que a manutenção dessa biodiversidade pode, em certos casos, requerer a manutenção e até mesmo o encorajamento de atividades humanas;

[…]

Considerando que, em cada zona designada, devem ser aplicadas as medidas necessárias para concretizar os objetivos de conservação prosseguidos;

[…]

Considerando que qualquer plano ou programa suscetível de afetar de modo significativo os objetivos de conservação de um sítio designado ou a designar no futuro deve ser objeto de avaliação adequada;»

3

Nos termos do artigo 1.o dessa diretiva:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

1)

Zona especial de conservação: um sítio de importância comunitária designado pelos Estados‑Membros por um ato regulamentar, administrativo e/ou contratual em que são aplicadas as medidas necessárias para a manutenção ou o restabelecimento do estado de conservação favorável, dos habitats naturais e/ou das populações das espécies para as quais o sítio é designado;

[…]»

4

O artigo 3.o, n.os 1 e 2, da referida diretiva prevê:

«1.   É criada uma rede ecológica europeia coerente de zonas especiais de preservação denominada “Natura 2000”. Esta rede, formada por sítios que alojam tipos de habitats naturais constantes do anexo I e habitats das espécies constantes do anexo II, deve assegurar a manutenção ou, se necessário, o restabelecimento dos tipos de habitats naturais e dos das espécies em causa num estado de conservação favorável, na sua área de repartição natural.

A rede Natura 2000 compreende também as zonas de proteção especial designadas pelos Estados‑Membros nos termos da Diretiva 79/409/CEE [do Conselho, de 2 de abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (JO 1979, L 103, p. 1; EE 15 F2 p. 125)].

2.   Cada Estado‑Membro contribuirá para a constituição da rede Natura 2000 em função da representação no seu território dos tipos de habitats naturais e dos habitats das espécies a que se refere o n.o 1. Cada Estado‑Membro designará para o efeito, nos termos do disposto no artigo 4.o, sítios como zonas especiais de conservação, tendo em conta os objetivos que constam do n.o 1.»

5

O artigo 4.o da mesma diretiva dispõe:

«1.   Com base nos critérios estabelecidos no anexo III (fase 1) e nas informações científicas pertinentes, cada Estado‑Membro proporá uma lista dos sítios, indicando os tipos de habitats naturais do anexo I e as espécies do anexo II (nativas do seu território) que tais sítios alojam. No caso das espécies animais que ocupam vastas zonas, esses sítios corresponderão a locais dentro da área de repartição natural das referidas espécies que representem os elementos físicos ou biológicos essenciais à sua vida ou reprodução. No caso das espécies aquáticas que ocupam vastas zonas, esses sítios apenas serão propostos quando for possível identificar com clareza uma zona que apresente os elementos físicos e biológicos essenciais à sua vida ou reprodução. Os Estados‑Membros proporão, se necessário, adaptações à referida lista em função dos resultados da vigilância a que se refere o artigo 11.o

A lista será enviada à Comissão nos três anos subsequentes à notificação da diretiva, ao mesmo tempo que as informações relativas a cada sítio. Tais informações compreenderão um mapa do sítio, a sua denominação, localização e extensão, bem como os dados resultantes da aplicação dos critérios especificados no anexo III (fase 1), e serão fornecidas com base num formulário elaborado pela Comissão segundo o procedimento a que se refere o artigo 21.o

2.   Com base nos critérios constantes do anexo III (fase 2) e no âmbito de cada uma das nove regiões biogeográficas a que se refere a alínea c), subalínea iii), do artigo 1.o e do conjunto do território a que se refere o n.o 1 do artigo 2.o, a Comissão elaborará, em concertação com cada Estado‑Membro, e a partir das listas dos Estados‑Membros, um projeto de lista dos sítios de importância comunitária do qual constarão os que integrem um ou mais tipos de habitats naturais prioritários ou uma ou mais espécies prioritárias.

Os Estados‑Membros cujos sítios que integrem tipos de habitats naturais e espécies prioritários representem mais de 5 % do território nacional podem, mediante acordo da Comissão, solicitar que os critérios referidos no anexo III (fase 2) sejam aplicados com mais flexibilidade na seleção do conjunto dos sítios de importância comunitária existentes no seu território.

A lista dos sítios selecionados como de importância comunitária, que indique os que integram um ou mais tipos de habitats naturais prioritários ou uma ou mais espécies prioritárias, será elaborada pela Comissão segundo o procedimento a que se refere o artigo 21.o

3.   A lista referida no número anterior será elaborada num prazo máximo de seis anos a contar da notificação da presente diretiva.

4.   A partir do momento em que um sítio de importância comunitária tenha sido reconhecido nos termos do procedimento previsto no n.o 2, o Estado‑Membro em causa designará esse sítio como zona especial de conservação, o mais rapidamente possível e num prazo de seis anos, estabelecendo prioridades em função da importância dos sítios para a manutenção ou o restabelecimento do estado de conservação favorável de um tipo ou mais de habitats naturais a que se refere o anexo I ou de uma ou mais espécies a que se refere o anexo II e para a coerência da rede Natura 2000, por um lado, e em função das ameaças de degradação e de destruição que pesam sobre esses sítios, por outro.

5.   Logo que um sítio seja inscrito na lista prevista no terceiro parágrafo do n.o 2 ficará sujeito ao disposto nos n.os 2, 3 e 4 do artigo 6.o»

6

Nos termos do artigo 6.o, n.os 1 a 3, da Diretiva Habitats:

«1.   Em relação às zonas especiais de conservação, os Estados‑Membros fixarão as medidas de conservação necessárias, que poderão eventualmente implicar planos de gestão adequados, específicos ou integrados noutros planos de ordenação, e as medidas regulamentares, administrativas ou contratuais adequadas que respondam às exigências ecológicas dos tipos de habitats naturais do anexo I e das espécies do anexo II presentes nos sítios.

2.   Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que essas perturbações possam vir a ter um efeito significativo, atendendo aos objetivos de presente diretiva.

3.   Os planos ou projetos não diretamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas suscetíveis de afetar esse sítio de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outros planos e projetos, serão objeto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio no que se refere aos objetivos de conservação do mesmo. Tendo em conta as conclusões da avaliação das incidências sobre o sítio e sem prejuízo do disposto no n.o 4, as autoridades nacionais competentes só autorizarão esses planos ou projetos depois de se terem assegurado de que não afetarão a integridade do sítio em causa e de terem auscultado, se necessário, a opinião pública.»

B.   Direito alemão

7

Nos termos do § 22 da Gesetz über Naturschutz und Landschaftspflege (Bundesnaturschutzgesetz) (Lei Federal sobre a Conservação da Natureza e a Gestão da Paisagem), de 29 de julho de 2009 (BGBl. 2009 I, p. 2542, a seguir «(Lei Federal sobre a Conservação da Natureza»):

«(1)   a proteção de partes da natureza e da paisagem é feita através de declaração. A declaração determinará o objeto da proteção, o objetivo da proteção, as obrigações e proibições necessárias para alcançar esse objetivo da proteção e, se necessário, as medidas de manutenção, de desenvolvimento e de restabelecimento, ou deverá conter as autorizações necessárias para esse efeito. As zonas de proteção podem ser subdivididas em zonas que beneficiam de proteção graduada em função do objetivo de proteção prosseguido; essas zonas podem igualmente incluir o ambiente necessário à proteção.

(2)   Salvo indicação em contrário nas subsecções 2a e 2b, a forma e o procedimento de colocação sob proteção, a tomada em conta dos vícios formais e processuais e a possibilidade de os sanar, bem como a manutenção em vigor das declarações existentes relativas à parte protegida da natureza e da paisagem são regidos pelo direito do Land. A colocação sob proteção pode ter igualmente lugar à escala transregional.

[…]»

8

O § 33 desta Lei prevê:

«(1)   Quaisquer alterações e perturbações que possam causar uma deterioração significativa de um sítio Natura 2000 nos seus elementos essenciais, no que respeita aos objetivos de conservação ou de proteção, são proibidas. A autoridade competente em matéria de proteção da natureza e de preservação da paisagem pode, nas condições previstas no § 34, n.os 3 a 5, conceder derrogações à proibição referida no primeiro período bem como às proibições previstas no § 32, n.o 3.

(1a)   Nos sítios Natura 2000, é proibida a construção de instalações para os seguintes fins:

1. para a fraturação de rochas xistosas, argilosas ou margosas ou de rochas sedimentares carboníferas sob pressão hidráulica com vista à prospeção ou à extração de gás natural,

2. para o armazenamento subterrâneo das águas residuais abrangido pelas medidas previstas no n.o 1.

O § 34 não é aplicável a este respeito.

[…]»

9

O § 34 da referida lei prevê:

«(1)   Antes da autorização ou da execução de um projeto, deve ser feita uma avaliação das suas incidências nos objetivos de conservação de um sítio Natura 2000 sempre que esse projeto, individualmente ou conjuntamente com outros planos e projetos, for suscetível de afetar significativamente o sítio e não servir diretamente para gestão do sítio […]

(2)   Se resultar da avaliação da incidência que o projeto pode causar danos graves ao sítio nos seus elementos essenciais para os objetivos de conservação ou para o objetivo de proteção, o projeto não será autorizado.

(3)   Em derrogação ao disposto no n.o 2, esse projeto poderá ser autorizado ou realizado unicamente se

1. for necessário por razões imperativas de interesse público maior, incluindo de natureza social ou económica, e

2. não existir outra alternativa razoável que permita alcançar o resultado prosseguido pelo projeto noutro sítio sem provocar danos ou provocando danos de menor importância.

[…]»

10

O § 65, n.o 1, da mesma lei tem a seguinte redação:

«Os proprietários e outros titulares de direitos de gozo de bens fundiários devem tolerar as medidas de proteção da natureza e de preservação da paisagem baseadas nas disposições da presente lei, nas disposições legais que tenham sido adotadas ou aplicáveis com base na presente lei, ou baseadas na legislação dos Länder relativa à proteção da natureza, desde que não seja afetado de modo inaceitável o gozo do bem fundiário. Isto, sem prejuízo de regulamentação mais estrita prevista ao nível dos Länder

II. Procedimento pré‑contencioso

11

Através das Decisões 2004/69, 2004/798 e 2004/813, a Comissão estabeleceu as listas dos sítios de importância comunitária presentes respetivamente nas regiões biogeográficas alpina, continental e atlântica. Essas listas foram atualizadas respetivamente pelas Decisões 2008/218, 2008/25 e 2008/23.

12

O prazo de seis anos para a designação destes sítios como zonas especiais de conservação, previsto no artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats, terminou, o mais tardar, em 25 de janeiro de 2014.

13

Por cartas de 13 de junho de 2012 e 17 de fevereiro de 2014, a Comissão pediu à República Federal da Alemanha informações sobre o estado da designação das zonas especiais de conservação, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats, bem como sobre a adoção das medidas de conservação necessárias, em conformidade com artigo 6.o dessa diretiva.

14

Atenta a resposta da República Federal da Alemanha de 26 de junho de 2014, a Comissão considerou que esse Estado‑Membro não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbiam por força das disposições referidas no número anterior e dirigiu‑lhe, em 27 de fevereiro de 2015, uma notificação para cumprir.

15

Em 26 de janeiro de 2019, a Comissão enviou à República Federal da Alemanha uma notificação para cumprir complementar.

16

Depois de ter examinado a resposta fornecida por esse Estado‑Membro através das cartas de 26 de abril e 11 de junho de 2019, a Comissão emitiu, em 13 de fevereiro de 2020, um parecer fundamentado em aplicação do artigo 258.o, primeiro parágrafo, TFUE, imputando a esse Estado‑Membro o incumprimento, designadamente, das obrigações que lhe incumbiam por força do artigo 4.o, n.o 4, e do artigo 6.o da Diretiva Habitats:

por não ter designado 129 dos 4606 sítios de importância comunitária em causa como zonas especiais de conservação, e

por não ter estabelecido, de modo geral e estrutural, objetivos de conservação e medidas de conservação suficientemente detalhadas, específicas para os sítios de importância comunitária em causa e necessárias.

17

A pedido da República Federal da Alemanha, a Comissão, por carta de 12 de março de 2020, prorrogou até 13 de junho de 2020 o prazo de resposta ao parecer fundamentado.

18

Por carta de 12 de junho de 2020, a República Federal da Alemanha informou a Comissão de que todas as zonas especiais de conservação foram designadas, com exceção das que se encontram no Land da Baixa Saxónia, de que o procedimento seria concluído até ao final de 2022 para os 88 sítios em falta que se encontram nesse Land e de que as medidas de conservação em falta para 737 sítios seriam completadas até ao ano de 2023. No que diz respeito às exigências jurídicas em matéria de objetivos de conservação e de medidas de conservação, esse Estado‑Membro confirmou o seu desacordo com a apreciação da Comissão.

19

Entendendo que a República Federal da Alemanha não tinha, assim, adotado as medidas requeridas para dar cumprimento às obrigações que lhe incumbiam por força do artigo 4.o, n.o 4, e do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva Habitats, a Comissão, em 18 de fevereiro de 2022, intentou a presente ação.

III. Quanto à ação

20

Em apoio da sua ação, a Comissão formula três acusações relativas, as duas primeiras, à violação do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats, e a terceira, relativa à violação do artigo 6.o, n.o 1, dessa diretiva. Alega, primeiro, que 88 dos 4606 sítios de importância comunitária em causa não foram designados como zonas especiais de conservação, segundo, que os objetivos de conservação não foram fixados no que respeita a esses 88 sítios e que, quanto à fixação dos objetivos de conservação, a República Federal da Alemanha prossegue uma prática geral e estrutural que não respeita as exigências do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats e, terceiro, que, por um lado, não foram fixadas medidas de conservação suficientes para 737 sítios dos 4606 sítios de importância comunitária em causa, e que, por outro, quanto à fixação das medidas de conservação, a República Federal da Alemanha prossegue uma prática geral e estrutural que não respeita as exigências do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva Habitats.

21

A República Federal da Alemanha conclui pela improcedência da ação.

A.   Quanto à primeira acusação, relativa à falta de designação das zonas especiais de conservação

1. Argumentos das partes

22

Com a sua segunda acusação, a Comissão acusa a República Federal da Alemanha de ter violado as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats ao não ter designado como zonas especiais de conservação, no Land da Baixa Saxónia, 88 dos 4606 sítios de importância comunitária em causa.

23

Esta instituição considera que a jurisprudência do Tribunal de Justiça, especialmente os Acórdãos de 27 de fevereiro de 2003, Comissão/Bélgica (C‑415/01, EU:C:2003:118, n.os 22 e 23), bem como de 14 de outubro de 2010, Comissão/Áustria (C‑535/07, ECLI:EU:C:2010:602, n.o 64), que diz respeito às zonas de proteção especial previstas na Diretiva 2009/147/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativa à conservação das aves selvagens (JO 2010, L 20, p. 7), conforme alterada pela Diretiva 2013/17/UE (a seguir Diretiva Aves), de 13 de maio de 2013 (JO 2013, L 158, p. 193), é transponível para o caso em apreço tendo em conta os objetivos de conservação prosseguidos pelas diretivas Habitats e Aves. Em aplicação desta jurisprudência, as zonas especiais de proteção devem ser designadas como tendo força vinculativa incontestável, bem como tendo a especificidade, a precisão e a clareza requeridas para que a exigência da segurança jurídica seja respeitada.

24

Na sua contestação, a República Federal da Alemanha sustenta que, entre a data do envio do parecer fundamentado pela Comissão e a data de 31 de março de 2022, designou como zonas especiais de conservação os últimos sítios de importância comunitária em causa. Apenas cinco dos referidos sítios continuam por designar como zonas especiais de conservação e devem, portanto, ser retirados das listas dos sítios no âmbito das atualizações seguintes dessas listas, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva Habitats.

25

A título complementar, a República Federal da Alemanha indica que, em todas as suas versões em vigor desde 4 de abril de 2002, o § 33 da Lei Federal sobre a Conservação da Natureza prevê uma proteção legal de todos os sítios de importância comunitária que são notificados à Comissão e inscritos numa lista em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva Habitats, antes de serem concretamente designados como zonas especiais de conservação. Esse Estado‑Membro sustenta que, por conseguinte, nos 88 sítios visados pela Comissão como não estando designados como zonas especiais de conservação, era proibido, em conformidade com o referido § 33, proceder a qualquer modificação ou a qualquer perturbação suscetíveis de provocar uma deterioração importante desses sítios e que, em conformidade com § 34 da referida Lei, havia que examinar os planos ou projetos, na aceção do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats, tendo em conta as suas incidências no meio ambiente.

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

26

A título preliminar, importa recordar que o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva Habitats impõe aos Estados‑Membros a obrigação de contribuir para a constituição da rede Natura 2000 em função da representação, nos seus territórios respetivos, dos tipos de habitats naturais que figuram no anexo I dessa diretiva e dos habitats das espécies que figuram no anexo II da referida diretiva, bem como de designar, para esse efeito, em conformidade com o artigo 4.o da mesma diretiva e no termo do procedimento estabelecido por esta, sítios como zonas especiais de conservação.

27

O procedimento de designação dos sítios como zonas especiais de conservação, conforme previsto no artigo 4.o da Diretiva Habitats, decorre em quatro fases. Segundo este artigo 4.o, n.o 1, cada Estado‑Membro propõe uma lista de sítios indicando os tipos de habitats naturais e as espécies indígenas que estes abrigam, lista que transmitem à Comissão (primeira fase). Em conformidade com o n.o 2 do referido artigo 4.o, a Comissão elabora, em concertação com cada Estado‑Membro, um projeto de lista dos sítios de importância comunitária, a partir das listas dos Estados‑Membros (segunda fase). Com base nesse projeto de lista, a Comissão fixa a lista dos sítios selecionados (terceira fase). Em aplicação do n.o 4 do mesmo artigo 4.o, a partir do momento em que um sítio de importância comunitária tenha sido reconhecido, o Estado‑Membro em causa designará esse sítio como zona especial de conservação, o mais rapidamente possível e num prazo máximo de seis anos, estabelecendo prioridades em função da importância dos sítios para a manutenção ou para o restabelecimento do estado de conservação favorável, de um tipo de habitat natural ou de uma espécie, bem como para a coerência da rede Natura 2000 (quarta fase) [Acórdão de 29 de junho de 2023, Comissão/Irlanda (Proteção das zonas especiais de conservação), C‑444/21, EU:C:2023:524, n.o 45 e jurisprudência referida].

28

Por um lado, a República Federal da Alemanha não nega que, à data em que expirou o prazo de resposta ao fundamentado, a saber, 13 de junho de 2020, nenhum dos 88 sítios de entre os 4606 sítios de importância comunitária em causa tinha sido objeto de uma designação formal como zona especial de conservação. Porém, alega que, entre a data do envio do parecer fundamentado pela Comissão, e a data de 31 de março de 2022, designou como zonas especiais de conservação os últimos sítios de importância comunitária em causa pelo que apenas cinco dos referidos sítios continuam por designar como zonas especiais de conservação.

29

A este respeito, importa recordar, como resulta de jurisprudência constante, que a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado e que as alterações que tenha havido posteriormente não podem ser tomadas em conta pelo Tribunal de Justiça [Acórdão de 5 de junho de 2023, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes), C‑204/21, EU:C:2023:442, n.o 82 e jurisprudência referida].

30

Por outro lado, a República Federal da Alemanha invoca o facto de os §§ 33 e 34 da Lei Federal sobre a Conservação da Natureza preverem, desde o ano de 2002, uma proteção legal de todos os sítios de importância comunitária notificados à Comissão e inscritos numa lista em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva Habitats, antes de serem concretamente designados como zonas especiais de conservação.

31

Ora, ao indicar que a proteção é concedida pela regulamentação alemã a todos os sítios de importância comunitária notificados à Comissão e inscritos numa lista em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva Habitats, antes de serem concretamente designados como zonas especiais de conservação, a República Federal da Alemanha admite que, terminado o prazo fixado no parecer fundamentado, ainda não tinha designado esses sítios como zonas especiais de conservação.

32

Além disso, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, as disposições de uma diretiva devem ser aplicadas com foça vinculativa incontestável, com a especificidade, a precisão e a clareza requeridas, a fim de respeitar a exigência de segurança jurídica [Acórdão de 29 de junho de 2023, Comissão/Irlanda (Proteção das zonas especiais de conservação), C‑444/21, EU:C:2023:524, n.o 48 e jurisprudência referida].

33

No caso em apreço, há que constatar que a regulamentação nacional invocada pela República Federal da Alemanha não é de molde a dar cumprimento à obrigação específica, prevista no artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats, de designação formal dos sítios de importância comunitária como zonas especiais de conservação.

34

Com efeito, tal designação constitui uma etapa indispensável no âmbito do regime de proteção dos habitats e das espécies previsto por esta diretiva.

35

A esta obrigação acrescem as obrigações de determinar os objetivos de conservação, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats, e de estabelecer as medidas de conservação, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva [Acórdão de 29 de junho de 2023, Comissão/Irlanda (Proteção das zonas especiais de conservação), C‑444/21, EU:C:2023:524, n.o 53 e jurisprudência referida].

36

A obrigação, que incumbe aos Estados‑Membros, de adotarem medidas de conservação necessárias a fim de proteger as zonas especiais de conservação, que está prevista no artigo 6.o da Diretiva Habitats, é distinta da obrigação formal, que incumbe a esses Estados, prevista no artigo 4.o, n.o 4, desta diretiva, de designarem os sítios de importância comunitária como zonas especiais de conservação, [Acórdão de 29 de junho de 2023, Comissão/Irlanda (Proteção das zonas especiais de conservação), C‑444/21, EU:C:2023:524, n.o 54].

37

Nestas condições, impõe‑se declarar que, ao não ter designado como zonas de especiais de conservação 88 dos 4606 sítios de importância comunitária em causa, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats.

38

Por conseguinte, a primeira acusação deve ser julgada procedente.

B.   Quanto à segunda acusação, relativa à falta de determinação dos objetivos de conservação

1. Argumentos das partes

39

Com a sua segunda acusação, a Comissão acusa a República Federal da Alemanha, por um lado, de não ter publicado os objetivos detalhados de conservação em relação a 88 dos 4606 sítios de importância comunitária em causa, em violação do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats. Por outro lado, esta instituição sustenta que, de uma maneira geral e estrutural, a prática das autoridades alemãs de fixar os objetivos de conservação é contrária às exigências previstas nesta disposição n medida em que, primeiro, esses objetivos não contêm elementos quantitativos e mensuráveis, segundo, a República Federal da Alemanha não prevê qualquer distinção entre o objetivo de «restabelecimento» e o objetivo de «manutenção» dos objetos a proteger e, terceiro, os objetivos de conservação fixados por este Estado‑Membro não são juridicamente vinculativos em relação a terceiros.

40

Em primeiro lugar, a Comissão deduz a existência de uma obrigação de fixar objetivos detalhados de conservação para cada sítio de importância comunitária no prazo máximo de seis anos da interpretação pelo Tribunal de Justiça do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats no Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Grécia (C‑849/19, EU:C:2020:1047, n.os 46 a 52).

41

A Comissão sustenta que, porquanto a República Federal da Alemanha não fixa esses objetivos de conservação antes da designação de um sítio enquanto zona especial de conservação, este Estado‑Membro não fixou os referidos objetivos para todos os sítios de importância comunitária em causa que não foram designados enquanto zonas especiais de conservação. Com efeito, em sua opinião, esse Estado‑Membro confirmou que, em relação aos sítios do Land da Baixa Saxónia, os objetivos gerais de conservação são definidos no âmbito da proteção dos sítios através da sua designação como zonas especiais de conservação e são, se for caso disso, concretizados no âmbito da planificação da gestão dos referidos sítios.

42

Em segundo lugar, no que respeita ao incumprimento geral e estrutural das obrigações relativas à fixação dos objetivos de conservação, a Comissão alega, primeiro, que os objetivos de conservação fixados pela República Federal da Alemanha não contêm elementos quantitativos e mensuráveis que apresentem em números a contribuição específica que o sítio protegido deve fornecer a fim de alcançar um estado de conservação favorável ao nível nacional para o habitat ou a espécie em causa. O mesmo é válido no que diz respeito aos objetivos de conservação que figuram nos planos de gestão referidos pela República Federal da Alemanha no decurso da fase pré‑contenciosa do processo.

43

A este propósito, a Comissão salienta, a título de exemplo, que, em relação aos numerosos sítios do Land da Baviera, onde está presente o tipo de habitat 6510 «Prados de feno pobre de baixa altitude (Alopecurus pratensis, Sanguisorba officinalis)», ao sítio DE 5630‑371 que inclui o tipo de habitat«Rodachaue mit Bischofsaue westlich Bad Rodach», bem como ao sítio DE 8020‑341, «Ablach, Baggerseen und Waltere Moor», que abriga a espécie 1032 «Mexilhão‑de‑rio pequeno (Unio crassus)», a regulamentação interna determinou os objetivos de conservação para os habitats e as espécies em questão em termos muito gerais e sem indicar nenhum elemento quantitativo ou mensurável.

44

Ora, a Diretiva Habitats prevê a definição do estado de conservação favorável das espécies e dos tipos de habitats com base em características a determinar quantitativamente como «a superfície» que um habitat natural cobre, em conformidade com o artigo 1.o, alínea e), primeiro parágrafo, da Diretiva Habitats ou a «dinâmica da população» da espécie, em conformidade com o artigo 1.o, alínea i), primeiro travessão desta diretiva.

45

Os Estados‑Membros acordaram, assim, com a Comissão, no âmbito do comité referido no artigo 20.o da Diretiva Habitats, em fixar valores de referência indicando o limiar a partir do qual um estado de conservação favorável de um tipo de habitat ou de uma espécie é alcançado a nível nacional.

46

É em relação a esses valores de referência que incumbiria, em seguida, aos objetivos de conservação definir a contribuição específica que um dado sítio deve dar a fim de chegar ao valor de referência nacional.

47

A título ilustrativo, no seu relatório anual para o ano de 2012, elaborado ao abrigo do artigo 17.o da Diretiva Habitats, a República Federal da Alemanha fixou o estado de conservação favorável da espécie vegetal «Cicuta (Oenanthe conioides)», no que respeita à dimensão da população ao nível nacional, com um valor de referência de, pelo menos, 5025 indivíduos. Porém, este Estado‑Membro não previu objetivos quantificados de conservação para cada um dos nove sítios onde essa espécie está presente. Consequentemente, um estado de conservação favorável da referida espécie não está assegurado, em violação do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats.

48

Esta conclusão é corroborada pelo facto de os dados para o período compreendido entre o ano de 2013 e o ano de 2018 transmitidos pela República Federal da Alemanha à Comissão em conformidade com o artigo 17.o da Diretiva Habitats demonstrarem que cerca de 80 % dos tipos de habitats e das espécies protegidas na Alemanha continuarem num estado de conservação desfavorável, ainda que se encontrem em grande parte das zonas protegidas. No que diz respeito às espécies protegidas, a proporção de espécies num estado de conservação desfavorável teria mesmo aumentado de modo contínuo desde o ano de 2001.

49

Além disso, as medidas de conservação adotadas em conformidade como artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva Habitats devem corresponder a objetivos quantificados e mensuráveis.

50

A avaliação das incidências de um projeto no ambiente, na aceção do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats, deveria igualmente ser efetuada em relação com objetivos de conservação quantificados. Efetivamente, os efeitos negativos sobre esses objetivos só podem ser excluídos com certeza se estes últimos estiverem suficientemente especificados através de elementos quantitativos.

51

Além disso, os objetivos de conservação fixados pela República Federal da Alemanha, que se limitam a prever a melhoria da qualidade do estado de conservação de um objeto protegido no sítio em causa, não permitem ter em conta o facto de que, para chegar ao valor de referência nacional, esse sítio deve fornecer contribuições concretas, a saber, por exemplo, certos ganhos quantificados de superfície.

52

A este respeito, além do exemplo sobre a espécie vegetal «Cicuta (Oenanthe conioides)», a Comissão evoca o habitat 6510 «Prados de feno pobre de baixa altitude (Alopecurus pratensis, Sanguisorba officinalis)» que se encontra num estado de conservação desfavorável. O valor de referência alemão para esse habitat prevê a necessidade de assegurar mais superfície de proteção, a saber, o seu aumento de, pelo menos, 10 %. Porém, o quadro de avaliação alemão não menciona a superfície como critério de avaliação, ao fazer unicamente referência aos critérios qualitativos, o que não é suficiente para assegurar o referido aumento da superfície de proteção.

53

No que respeita à avaliação das incidências de um projeto no ambiente, na aceção do artigo 6.o, n.o 3, da diretiva habitats, a Comissão evoca dois exemplos, a saber, o da espécie «Sapatinho‑de‑dama (Cypripedium calceolus)», presente no sítio DE 5232‑301 «Edelmannsberg» e o do tipo de habitat 6110 «Prados rupícolas calcários ou basófilos», presente no sítio DE 5231‑301.

54

A este respeito, uma avaliação das incidências de um projeto no ambiente, baseada num estado eventualmente desfavorável de conservação da espécie ou do habitat em questão sobre o sítio em causa, levaria à conclusão de que esse projeto, que não agrava esse estado desfavorável, pudesse ser aceite. Porém, isso seria contrário ao objetivo da Diretiva Habitats se o estado de conservação for globalmente desfavorável ao nível nacional e se o sítio em causa dever dar uma contribuição positiva específica para chegar a um estado desfavorável ao nível nacional, uma vez que essa contribuição seria posta em causa pelo projeto em questão. Nesse caso, só um objetivo de conservação quantificado poderia garantir o estabelecimento de um estado de conservação globalmente favorável ao nível nacional.

55

Segundo a Comissão, esta exigência de fixar os objetivos de conservação de uma maneira quantificada e mensurável não é desproporcionada. Com efeito, os Estados‑Membros procederiam deste modo. Concretamente, a Região da Flandres (Bélgica) fixou um valor de referência de 2150 hectares suplementares para o tipo de habitat1130«Estuários» a fim de alcançar um estado de conservação favorável par a este. No que respeita aos sítios em causa, esses valores de referência quantificados traduzir‑se‑iam em objetivos de conservação quantificados.

56

Em segundo lugar, a Comissão sustenta que os objetivos de conservação fixados na Alemanha não distinguem entre o objetivo de «restabelecimento» e o objetivo de «manutenção» dos objetos a proteger e ilustra essa falta de distinção mencionando certos sítios, a saber, o sítio DE 7537‑301 «Isarauen von Unterföhring bis Landshut», o sítio DE 2751‑302 «Große Hölle» e o sítio DE 2710‑331 «Wolfmeer» para o tipo de habitat 91D0 «Turfeiras arborizadas».

57

Ora, tendo em conta o Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Grécia (C‑849/19, EU:C:2020:1047, n.o 57), essa distinção é necessária para assegurar o caráter suficientemente específico dos objetivos de conservação.

58

A este respeito, a Comissão indica que as medidas de conservação que visam preservar o estado do objeto protegido se distinguem fundamentalmente daquelas que visam restabelecê‑lo. As primeiras asseguram o statu quo quanto ao objeto protegido, ao passo que as segundas necessitam efeitos consideravelmente mais intensivos para restabelecer o objeto protegido, a saber, por exemplo, a criação de novas superfícies do tipo de habitat em causa. Por conseguinte, os objetivos de conservação, com base nos quais as medidas de conservação devem ser elaboradas, deveriam indicar claramente se o objetivo prosseguido é o restabelecimento ou a manutenção do objeto a proteger.

59

A distinção entre o objetivo do «restabelecimento» e o objetivo da «manutenção» do objeto a proteger é igualmente determinante para a avaliação das incidências dos projetos sobre o ambiente, na aceção do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats. A questão de saber se uma diretiva é suscetível de afetar um sítio de maneira significativa depende designadamente da questão de saber se os objetivos de conservação do sítio visam o seu restabelecimento ou a sua manutenção.

60

Além disso, a exigência de tal distinção não é desproporcionada, uma vez que alguns Estados‑Membros, designadamente o Reino da Bélgica, procederam a essa distinção na sua regulamentação nacional.

61

Em terceiro lugar, a Comissão alega que os objetivos de conservação que são especificados apenas ao nível dos planos de gestão não são juridicamente vinculativos em relação a terceiros. A título de exemplo, o artigo 4.o, n.o 2, do Bayerische Natura 2000‑Verordnung (Regulamento Natura 2000 do Land da Baviera), de 12 de julho 2006 (GVBl. p. 524), prevê que os planos de gestão não criam obrigações para os proprietários de terras e para os detentores privados de autorizações de pastoreio. Assim, resulta do plano de gestão integrada para o estuário do Elba (Alemanha) que não há efeito jurídico vinculativo em relação aos proprietários de terrenos e que não impõe nenhuma obrigação direta aos particulares. Do mesmo modo, as autoridades dos Länder da Saxónia e de Brandeburgo confirmaram que os planos de gestão adotados nos territórios não são vinculativos para os particulares.

62

Ora, a Comissão recorda a exigência geral de aplicar as disposições de uma diretiva com força vinculativa incontestável e com a especificidade, a precisão e clareza requeridas a fim de que seja respeitada a exigência de segurança jurídica (Acórdão de 27 de fevereiro de 2003, Comissão/Bélgica,C‑415/01, EU:C:2003:118, n.o 21).

63

Dispondo os Estados‑Membros de uma margem de apreciação considerável a este respeito, nada se opõe a que os objetivos sejam fixados, num primeiro momento, de uma maneira geral num ato nacional que procede à designação de uma zona especial de conservação e que sejam, num segundo momento, concretizados no âmbito de um plano de gestão. Porém, para responder à exigência de segurança jurídica, os instrumentos jurídicos que precisam os objetivos de conservação a cada uma dessas etapas deveriam ser vinculativos em relação a terceiros.

64

A força vinculativa dos instrumentos jurídicos que determina os objetivos de conservação é igualmente necessária a fim de assegurar a aplicação efetiva da avaliação das incidências de um projeto no ambiente, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats. Se tais instrumentos não tiverem força vinculativa, as autoridades nacionais não podem justificar o indeferimento de um pedido de autorização de um projeto com fundamento no risco de pôr em causa os objetivos de conservação.

65

Na sua contestação, a República Federal da Alemanha responde, em primeiro lugar, que, entre a data do envio pela Comissão do parecer fundamentado e a data de 31 de março de 2022, designou os sítios de importância comunitária em causa como zonas especiais de conservação para esses sítios, com exceção de alguns sítios para os quais estava prevista uma retirada das listas dos sítios. Nestas condições, a transposição da Diretiva Habitats está, em seu entender, doravante, concluída.

66

Em segundo lugar, as diligências efetuadas pela República Federal da Alemanha no âmbito da transposição desta diretiva ao nível nacional não são constitutivas de um incumprimento geral e estrutural.

67

A este respeito, primeiro, o artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats, ao qual a Comissão se refere, não contém nenhuma referência aos objetivos de conservação. Estes últimos são visados apenas pelos considerandos 8 e 10 da referida diretiva. O referido artigo limita‑se a impor aos Estados‑Membros que estabeleçam as prioridades em função, por um lado, da importância dos sítios para a manutenção ou o restabelecimento, num estado de conservação favorável, de um tipo de habitat natural ou de uma espécie em questão bem como para a coerência de Natura 2000 e, por outro, das ameaças de degradação ou de destruição que sobre eles pesam.

68

Porquanto a Diretiva Habitats se dirige a todos os Estados‑Membros, deve, em seu entender, prevalecer a sua interpretação menos vinculativa se for suficiente para assegurar os seus objetivos (v., neste sentido, Acórdão de 12 de novembro de 1969, Stauder,29/69, EU:C:1969:57, n.os 3 e 4).

69

No que diz respeito aos objetos de conservação, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o estatuto jurídico de proteção de que beneficiam as zonas de proteção especial, visadas pela Diretiva 79/409, não implica que esses objetivos devam ser especificados para cada espécie considerada separadamente (Acórdão de14 de outubro de 2010, Comissão/Áustria, C‑535/07, EU:C:2010:602, n.o 65 e jurisprudência referida).

70

A República Federal da Alemanha não contesta que, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats, deve ser estabelecido um vínculo entre, por um lado, os objetivos de conservação e, por outro, as espécies e os tipos de habitats presentes na zona especial de conservação que apresentem interesse. Ora, a regulamentação alemã estabelece esse vínculo.

71

Em contrapartida, embora, no seu Acórdão de 17 dezembro de 2020, Comissão/Grécia (C‑849/19, EU:C:2020:1047, n.o 55), o Tribunal de Justiça tenha declarado, no que respeita à exigência de segurança jurídica, que os objetivos de conservação devem ser suficientemente específicos, daí não decorre, porém, que devam ser quantificados e mensuráveis.

72

Embora fosse possível proceder a uma determinação quantitativa e mensurável dos objetivos de conservação no que respeita a certas espécies e a certos tipos de habitats, em seu entender, essa determinação não é, porém, adequada enquanto exigência geral.

73

Primeiro, uma abordagem puramente quantitativa, baseada na superfície dos tipos de habitats, não pode refletir o estado das superfícies em causa e deveria, portanto, acompanhar a utilização de critérios quantitativos.

74

Em seguida, uma abordagem quantitativa não é adaptada, especialmente, aos tipos de habitats complexos ou às zonas de conservação de caráter dinâmico, quando certos elementos dos habitats complexos ou diferentes tipos de habitats presentes numa zona de conservação mudam constantemente de natureza e interagem uns com os outros.

75

Por fim, objetivos de conservação quantitativos que se refiram respetivamente a zonas especiais de conservação individuais não são conformes com a exigência de coerência de Natura 2000 e não têm em conta a exigência de vínculos ecológicos no interior dessa rede.

76

Isso resulta precisamente dos valores de referência nacionais fixados para a espécie vegetal «Cicuta (Oenanthe conioides)», que é uma espécie endémica do estuário do Elba que tem um habitat complexo altamente dinâmico. Os sítios de crescimento desta espécie poderiam ser adaptados em permanência e a população da mesma espécie conhece flutuações importantes na sua evolução natural, sem pôr, no entanto, em perigo o seu estado de conservação. Além disso, a área de repartição desta espécie é abrangida por uma pluralidade de zonas especiais de conservação, que estão ligadas entre elas e cujas populações interagem. A contribuição quantitativa de cada zona especial de conservação para a conservação da referida espécie no seu conjunto está igualmente sujeita a variações consideráveis, sem que o estado de conservação varie globalmente.

77

Valores de referência quantificados para a espécie «Cicuta (Oenanthe conioides)» só poderiam ser fixados para a região biogeográfica no seu conjunto e não para zonas especiais de conservação individuais.

78

No que respeita aos relatórios visados pelo artigo 17.o da Diretiva Habitats bem como ao comité previsto no artigo 20.o desta diretiva, a República Federal da Alemanha sustenta que a fixação, pelos Estados‑Membros, dos valores de referência para efeitos de determinar um estado de conservação favorável não tem efeito vinculativo em relação a estes Estados.

79

Com efeito, esta diretiva não prevê a obrigação de fixar esses valores de referência.

80

Além disso, o relatório elaborado por um Estado‑Membro em conformidade com o artigo 17.o da Diretiva Habitats diz respeito, não especificamente à situação nas diferentes zonas especiais de conservação, mas à situação para todo o território do Estado‑Membro em questão.

81

A República Federal da Alemanha acrescenta que o estado de conservação a alcançar em conformidade com o artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats refere‑se, não às diferentes zonas especiais de conservação presentes no território dos Estados‑Membros, mas ao conjunto do território europeu onde o direito da União se aplica.

82

No que diz respeito ao artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva Habitats, esta disposição, diversamente do artigo 2.o, n.o 1, e do artigo 4.o desta diretiva, assenta, não no objetivo geral de manutenção ou de restabelecimento num estado de conservação favorável das espécies ou dos tipos de habitats em questão, mas de maneira concreta nas exigências ecológicas dos tipos de habitats naturais que figuram no anexo I da dita diretiva e das espécies que figuram no anexo II desta. As referidas exigências deveriam ser determinadas principalmente de maneira qualitativa e, somente em casos individuais, igualmente de maneira quantitativa.

83

O argumento da Comissão segundo o qual a avaliação das incidências de um projeto no ambiente, na aceção do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats, que diz respeito unicamente aos objetivos de conservação gerais, ou mesmo as informações contidas no formulário padrão dos dados, não é conforme com o objetivo da Diretiva Habitats está em contradição com a jurisprudência do Tribunal de Justiça que emergiu dos Acórdãos de 29 de janeiro de 2004, Comissão/Áustria (C‑209/02, EU:C:2004:61, n.o 24), bem como de 10 de novembro de 2016, Comissão/Grécia (C‑504/14, EU:C:2016:847, n.os 9 e 10).

84

Assim, no Acórdão de 17 de abril de 2018, Comissão/Polónia (Floresta de Białowieża) (C‑441/17, EU:C:2018:255, n.o 116), o Tribunal de Justiça determinou os critérios da referida avaliação de maneira abstrata, e não em função de objetivos individuais quantificados.

85

Em segundo lugar, a questão de saber se os objetivos de conservação são alcançados através da manutenção ou do restabelecimento num estado de conservação favorável de um tipo de habitat natural ou de uma espécie depende do estado respetivo de uma zona de conservação, o qual está sujeito a flutuações naturais bem como a influências humanas externas e depende particularmente das medidas de manutenção ou de restabelecimento anteriores.

86

Se, como salienta a Comissão, os próprios objetivos de conservação devessem ser diferenciados consoante estes devam ser alcançados através da manutenção ou do restabelecimento dos objetivos a proteger, haveria, por ocasião de cada modificação efetiva do grau de conservação das espécies e dos habitats naturais presentes numa zona especial de conservação, que modificar o objetivo de conservação correspondente, e isso para cada espécie e para cada tipo de habitat.

87

Concretamente, nos habitats dinâmicos como o estuário do Elba, onde a espécie vegetal «Cicuta (Oenanthe conioides)» está presente, os objetivos de conservação correriam o risco de dever ser adaptados repetidamente ante a evolução das condições ambientais.

88

Por conseguinte, a prática alemã de transposição da Diretiva Habitats, que consiste em fixar um estado‑alvo e obriga as autoridades a alcançar esse estado, caso a caso, através de medidas de manutenção ou de restabelecimento, satisfaz plenamente o efeito útil desta diretiva, designadamente, o objetivo previsto no seu artigo 2.o n.o 2, que visa garantir a manutenção ou o restabelecimento, num estado de conservação favorável, dos habitats e das espécies de fauna e de flora selvagens de importância comunitária.

89

A questão de saber se um projeto é suscetível de afetar um sítio de modo significativo, na aceção do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats, depende, não de uma escolha formal feita no passado, que atribua aos objetivos de conservação do sítio uma finalidade de restabelecimento ou de manutenção, mas das condições concretas que prevalecem no sítio no momento em que se coloca a questão da avaliação das incidências desse projeto no ambiente.

90

Em terceiro lugar, em resposta ao argumento da Comissão segundo o qual os objetivos de conservação devem ser incorporados em atos jurídicos vinculativos em relação a terceiros, a República Federal da Alemanha sustenta que esses objetivos são, devido à sua natureza, dirigidos às autoridades nacionais competentes.

91

De qualquer modo, na Alemanha, os objetivos de conservação na aceção estrita estão contidos nos regulamentos relativos às zonas de conservação e, portanto, nas leis materiais que são juridicamente vinculativas erga omnes. Além disso, esses objetivos estão igualmente especificados nos planos de gestão e de organização, e impostos de modo suficientemente vinculativos em relação a terceiros. Com efeito, em conformidade com o § 34 da Lei Federal sobre a Conservação da Natureza, que transpõe para o direito alemão o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats, os terceiros não podem pôr em prática nenhum plano ou projeto nem levar a cabo uma ação suscetível de pôr em causa os objetivos de conservação, e os terceiros proprietários de superfícies situadas numa zona especial de conservação devem tolerar medidas de manutenção ou de restabelecimento, na aceção do artigo 6.o, n.os 1 e 2, da Diretiva Habitats, quando organismos públicos implementam essas medidas.

92

Uma vez que uma zona especial de conservação exige, não só medidas de proibição para alcançar o objetivo de conservação visado quando da sua designação, mas também medidas efetivas de manutenção ou de restabelecimento do estado de conservação do elemento protegido, os regulamentos relativos às zonas de conservação contêm, em conformidade com o artigo 22.o, n.o 1, segunda frase, da Lei Federal sobre a Conservação da Natureza, a habilitação correspondente das autoridades competentes, autoriza a implementação dessas medidas, obrigando o § 65 desta lei os terceiros privados a tolerar tais medidas.

93

Por conseguinte, mesmo que um plano de gestão ou de organização não seja, em si, vinculativo para terceiros, os objetivos de conservação nele contidos detalhados com maior precisão são, em razão desta situação jurídica, indiretamente vinculativos também para os terceiros e são a estes oponíveis.

94

Na sua réplica, a Comissão alega que a República Federal da Alemanha limitou indevidamente as suas medidas de conservação, em larga medida, à manutenção do statu quo e não explorou plenamente o potencial das zonas de conservação para estabelecer um estado de conservação favorável. Com efeito, 67 dos 82 tipos de habitats que figuram no anexo I da Diretiva Habitats, presentes na Alemanha na região biogeográfica continental, encontram‑se num estado de conservação «desfavorável‑inadequado» ou «desfavorável‑mau». Uma das razões desta evolução contrária ao objetivo desta diretiva reside no facto de a República Federal da Alemanha omitir sistematicamente fixar objetivos de conservação quantificados. Com efeito, uma vez que são necessários ganhos de superfície ou aumentos de população, apenas objetivos de conservação que quantifiquem claramente as contribuições de uma zona a este respeito garantem que as medidas tomadas em cada zona deem uma contribuição fiável para o estabelecimento de um estado de conservação favorável.

95

A Comissão sustenta que não afirma de modo nenhum que as características a quantificar, como a superfície ou a estrutura da população, são os únicos critérios que permitem estabelecer objetivos de conservação. Com efeito, os objetivos qualitativos, como certos parâmetros relativos ao valor das novas superfícies a criar, deveriam ser tomados em conta a título complementar. No que diz respeito à coerência da rede de proteção, são precisamente os objetivos de conservação quantificados que garantem de modo fiável a contribuição de cada sítio para toda a rede.

96

Quanto aos Estados‑Membros que previram objetivos de conservação quantificados, a Comissão apresenta um exemplo da prática na Bulgária, na Lituânia e na Roménia.

97

A Comissão sublinha que objetivos de conservação tão vagos como os fixados pela Alemanha, que nem sequer determinam se visam o restabelecimento ou a manutenção do estado de conservação favorável de um elemento protegido, não garantem o efeito útil da Diretiva Habitats. De qualquer modo, seria necessário exigir, pelo menos, que os objetivos de conservação fixem a finalidade procurada, a saber, o restabelecimento ou a manutenção do estado de conservação dos objetos a proteger, e indiquem parâmetros precisos a este respeito.

98

No que diz respeito à obrigação de tolerar, pelos terceiros, medidas de gestão, em conformidade com o § 65 da Lei Federal sobre a Conservação da Natureza, essa obrigação diz unicamente respeito à execução de medidas de conservação previstas em disposições legislativas. Ora, como reconhece a República Federal da Alemanha, os planos de gestão não constituem precisamente disposições legislativas, na aceção do referido artigo. Além disso, a execução dessas medidas está sujeita, em conformidade com a referida Lei, à condição de a utilização do terreno não ser desrazoavelmente obstruída. Esta restrição não permite garantir que os objetivos de conservação fixados nos planos de gestão sejam implementados.

99

Quanto à proteção da natureza por via contratual, a celebração de contratos não pode ser imposta a terceiros, pelo que a realização dos objetivos de conservação depende unicamente da vontade dos proprietários de terras de celebrar tais contratos.

100

Na sua tréplica, a República Federal da Alemanha responde que devem ser postos em prática procedimentos a longo prazo a fim de alcançar um estado de conservação favorável de um habitat natural ou de uma espécie e de aplicar as medidas de conservação necessárias para esse efeito, podendo, portanto decorrer algum tempo antes de que possam ser constatadas melhorias claramente visíveis. Mesmo que, como salienta a Comissão, o estado dos sítios de importância comunitária e das zonas especiais de conservação se tenha deteriorado na Alemanha, nenhuma conclusão podia ser deduzida quanto às exigências jurídicas relativas aos objetivos de conservação.

101

Além disso, o pretenso forte aumento da proporção de espécies em estado desfavorável de conservação na Alemanha é uma consequência de uma modificação do número de bens a proteger avaliados no quadro da relação estabelecida por esse Estado‑Membro.

102

A República Federal da Alemanha sustenta que os objetivos de conservação previstos nos planos de gestão e os instrumentos de proteção contratual da natureza servem para detalhar e precisar melhor os objetivos de conservação já vinculativos, visados pelos regulamentos relativos às zonas protegidas. Esses objetivos são vinculativos ao nível administrativo e precisam os critérios previstos para fins dos objetivos de conservação nos regulamentos relativos às zonas protegidas aplicáveis no âmbito das avaliações das incidências no ambiente de projetos apresentados por terceiros. Além disso, no âmbito da proteção da Natureza pela via contratual, os referidos objetivos são igualmente vinculativos para as partes contratantes.

103

No que diz respeito ao § 65 da Lei Federal sobre a Conservação da Natureza, contrariamente ao que sustenta a Comissão, este artigo não visa unicamente a aplicação de medidas definidas nas disposições legislativas, mas refere‑se, em seu entender, à aplicação de medidas «baseadas em disposições [dessa] lei, em disposições jurídicas adotadas ou aplicáveis com fundamento [nessa] lei ou ainda na legislação dos Länder em matéria de proteção da natureza». O referido artigo prevê uma obrigação, de alcance vasto, de respeitar as medidas que decorrem de disposições legais, sem que seja necessário que essas medidas sejam elas próprias diretamente previstas por disposições legais.

104

Os regulamentos nacionais relativos às zonas protegidas não preveem unicamente medidas de proibição a fim de alcançar o objetivo de proteção prosseguido pela designação dessas zonas enquanto zonas protegidas, mas habilitam igualmente as autoridades competentes a tomar medidas efetivas de conservação ou de restabelecimento necessárias. Esses regulamentos relativos às zonas protegidas constituem, por sua vez, «a legislação dos Länder em matéria de proteção da Natureza» na aceção do artigo 65.o, n.o 1, primeiro período, da Lei Federal sobre a Conservação da Natureza, ou, desde que se trate de regulamentos relativos às zonas protegidas, de disposições jurídicas consagradas exclusivamente à zona económica alemã, adotadas com fundamento na referida lei. Por conseguinte, esses objetivos de conservação e as medidas de conservação tomadas pelas autoridades competentes têm incontestavelmente caráter vinculativo.

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

a) Quanto ao argumento relativo à falta de adoção de objetivos de conservação detalhados para 88 dos 4606 sítios de importância comunitária em causa

105

Embora a redação do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats não mencione expressamente a obrigação de fixar objetivos de conservação, esta disposição exige, porém, que as autoridades competentes do Estado‑Membro em questão, ao designarem a zona especial de conservação, estabeleçam as prioridades em função da importância dos sítios para a manutenção ou o restabelecimento, num estado de conservação favorável, de um tipo de habitat. Ora, estabelecer essas prioridades implica que esses objetivos de conservação já tenham sido fixados [Acórdão de 29 de junho de 2023, Comissão/Irlanda (Proteção das zonas especiais de conservação), C‑444/21, EU:C:2023:524, n.o 64 e jurisprudência referida].

106

Assim, e tendo igualmente em conta o contexto e a finalidade do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats, o Tribunal de Justiça considerou que, embora resulte desta disposição que a designação das zonas especiais de conservação e a determinação das prioridades em matéria de conservação devem ser efetuadas o mais rapidamente possível e, de qualquer modo, no prazo máximo de seis anos a contar do momento em que um sítio de importância comunitária foi designado, no âmbito do procedimento previsto no n.o 2 desse artigo, o estabelecimento dos objetivos de conservação também não pode ultrapassar esse prazo, dado que estes são necessários para a fixação dessas prioridades e devem, portanto, preceder a fixação destas [Acórdão de 29 de junho de 2023, Comissão/Irlanda (Proteção das zonas especiais de conservação), C‑444/21, EU:C:2023:524, n.o 65 jurisprudência referida].

107

Importa acrescentar que, para ser considerados «objetivos de conservação», na aceção da Diretiva Habitats, os objetivos fixados devem ser específicos e precisos [Acórdãos de 29 de junho de 2023Comissão/Irlanda (Proteção das zonas especiais de conservação), C‑444/21, EU:C:2023:524, n.o 66 e jurisprudência referida].

108

No caso vertente, a República Federal da Alemanha reconhece que, terminado o prazo de resposta ao parecer fundamentado, a saber, em 13 de junho de 2020, não tinha fixado no direito interno os objetivos detalhados de conservação relativos a 88 dos 4606 sítios de importância comunitária em causa, visados pela segunda acusação formulada pela Comissão.

109

Nestas condições, há que declarar que, ao não definir objetivos detalhados de conservação específicos para todos esses 88 sítios, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats.

b) Quanto ao argumento relativo à prática geral e estrutural de fixar os objetivos de conservação de modo contrário às exigências previstas no artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats

110

No que respeita ao argumento da Comissão, segundo o qual a República Federal da Alemanha adotou uma prática geral e estrutural que consiste em fixar os objetivos de conservação de modo contrário às exigências do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats, importa recordar que, sem prejuízo da obrigação da Comissão de satisfazer o ónus da prova que lhe incumbe, nada impede a priori esta última de declarar concomitantemente incumprimentos de disposições da Diretiva Habitats devido à atitude adotada pelas autoridades de um Estado‑Membro a respeito de situações concretas, que são identificadas de modo específico, e incumprimentos das referidas disposições em razão de uma prática geral contrária a estas, adotada por essas autoridades, de que, sendo caso disso, as referidas situações específicas são o exemplo [Acórdãos de 26 de abril de 2005, Comissão/Irlanda,C‑494/01, EU:C:2005:250, n.o 27, e de 29 de junho de 2023, Comissão/Irlanda (Proteção das zonas especiais de conservação), C‑444/21, EU:C:2023:524, n.o 165].

111

Quando a Comissão tenha fornecido elementos suficientes que revelem que as autoridades de um Estado‑Membro desenvolveram uma prática reiterada e persistente que é contrária às disposições de uma diretiva, incumbe a esse Estado‑Membro contestar de modo substancial e detalhado os dados apresentados e as consequências que daí decorrem [Acórdãos de 26 de abril de 2005, Comissão/Irlanda,C‑494/01, EU:C:2005:250, n.o 47, e de 29 de junho de 2023, Comissão/Irlanda (Proteção das zonas especiais de conservação), C‑444/21, EU:C:2023:524, n.o 166].

112

Ao mesmo tempo, tendo em conta a obrigação que lhe incumbe de provar o incumprimento alegado, a Comissão não pode, sob o pretexto de imputar ao Estado‑Membro em causa um incumprimento geral e persistente das obrigações que impendem sobre este último por força do direito da União, eximir‑se de respeitar esta obrigação de fazer prova do incumprimento imputado com base em elementos concretos que caracterizam a violação das disposições específicas que aquela invoca e basear‑se em simples presunções ou causalidades esquemáticas [Acórdãos de 5 de setembro de 2019, Comissão/Itália (Bactéria Xylella fastidiosa), C‑443/18, EU:C:2019:676, n.o 80, e de 29 de junho de 2023, Comissão/Irlanda (Proteção das zonas especiais de conservação), C‑444/21, EU:C:2023:524, n.o 167].

113

No caso vertente, a Comissão alega, em primeiro lugar, que a República Federal da Alemanha adotou uma prática geral que consiste em fixar os objetivos de conservação sem especificar os elementos quantitativos e mensuráveis que permitem estabelecer a contribuição específica que o sítio protegido deve fornecer para alcançar um estado de conservação favorável ao nível nacional para o habitat ou a espécie em causa.

114

Importa, a este respeito, observar que, é certo que, como resulta da jurisprudência mencionada no n.o 107 do presente acórdão, os objetivos de conservação não devem ser enunciados de modo geral, antes devendo ser específicos e precisos.

115

Os objetivos de conservação devem, por conseguinte, ser estabelecidos tendo em conta informações baseadas num exame científico da situação das espécies e dos seus habitats num sítio em causa. Com efeito, uma vez que, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva Habitats, quando do procedimento de designação dos sítios como zonas especiais de conservação, os sítios propostos pelos Estados‑Membros devem ser a base dos critérios estabelecidos no anexo III desta diretiva e das informações específicas pertinentes, tais informações são igualmente aptas a garantir a especificidade e a precisão dos objetivos de conservação.

116

Ao mesmo tempo, como a advogada‑geral salientou no n.o 53 das suas conclusões, embora os objetivos de conservação fixados por um Estado‑Membro devam permitir verificar se as medidas de conservação assentes nesses objetivos sejam aptas a alcançar o estado de conservação desejado do sítio em causa, não é menos verdade que a necessidade de formular esses objetivos de modo quantitativo e mensurável deve ser examinada em cada caso concreto e não pode ser reconhecida como sendo uma obrigação geral para os Estados‑Membros.

117

Como efeito, como em substância a República Federal da Alemanha salientou no seu articulado de defesa, a abordagem quantitativa e mensurável da determinação dos objetivos de conservação pode revelar‑se mal-adaptada a certos habitats complexos e a certas zonas de conservação de caráter dinâmico, cujos elementos variam de modo considerável em função dos fatores externos o ambiente ou interagem de modo importante com outros habitats e zonas de conservação.

118

Por conseguinte, incumbe, em princípio, à Comissão, provar que, em cada caso concreto, o Estado‑Membro em questão deve formular os objetivos de conservação de maneira quantitativa e mensurável a fim de assegurar o estado de conservação desejado do sítio em causa.

119

No caso vertente, é certo que a Comissão apresentou exemplos concretos de sítios para os quais os objetivos de conservação dos habitats e das espécies em causa não são formulados de modo quantitativo e mensurável.

120

No entanto, por um lado, esses exemplos foram apresentados pela Comissão a fim de ilustrar a prática geral e estrutural da República Federal da Alemanha, que é, segundo essa instituição, contrária ao artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats.

121

Assim, nos pedidos que formula na sua petição, a Comissão não pediu ao Tribunal de Justiça que declarasse que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da referida disposição devido à falta de fixação dos objetivos de conservação de modo quantitativo e mensurável no que respeita aos habitats e às espécies presentes nos sítios mencionados por essa instituição a título de exemplo na petição.

122

Por outro lado, o presente recurso diz respeito a 4606 sítios de importância comunitária em causa situados nas regiões biogeográficas alpina, continental e atlântica.

123

As referidas regiões comportam um grande número de sítios visados pela segunda acusação formulada pela Comissão e, como resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, caracterizam‑se por uma importante diversidade das espécies e dos habitats.

124

Nestas condições, tendo em conta a jurisprudência mencionada no n.o 112 do presente acórdão, incumbia à Comissão demonstrar que os exemplos de espécies e de habitats apresentados por essa instituição, em apoio da acusação destinada à declaração de um incumprimento geral e estrutural das obrigações que decorrem da Diretiva Habitats são representativos em relação a todos os sítios de importância comunitária em causa [v., por analogia, Acórdão de 29 de junho de 2023, Comissão/Irlanda (Proteção das zonas especiais de conservação),C‑444/21, EU:C:2023:524, n.o 170].

125

Porém, mesmo admitindo que a Comissão tenha efetivamente demonstrado que os objetivos de conservação dos sítios que invocou a título de exemplo devem ser formulados do modo quantitativo e mensurável a fim de assegurar o estado de conservação desejado desses sítios, basta constatar que, nem na petição nem na sua réplica esta instituição demonstrou suficientemente, através de argumentos suficientemente precisos, claros e detalhados, que os exemplos dos referidos sítios por ela mencionados são representativos do conjunto dos sítios de importância comunitária em causa no que diz respeito à inexistência indevida de medidas quantitativas.

126

Nestas condições, há que concluir que o argumento da Comissão de que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats ao adotar uma prática que consistem em fixar objetivos de conservação sem especificar elementos quantitativos e mensuráveis deve ser rejeitado.

127

Em segundo lugar, a Comissão sustenta que a prática da República Federal da Alemanha que consiste em fixar os objetivos de conservação sem fazer uma distinção entre, por um lado, o restabelecimento dos objetos a proteger e, por outro, a manutenção desses objetos, é contrária ao artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats.

128

A este propósito, como foi recordado no n.o 106 do presente acórdão, o artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats exige que as autoridades competentes do Estado‑Membro em questão, quando da designação da zona especial de conservação, fixem os objetivos de conservação e estabeleçam as prioridades em função da importância dos sítios para a manutenção ou o restabelecimento, num estado de conservação favorável, de um tipo de habitat.

129

Embora, como foi recordado no n.o 107 do presente acórdão, os objetivos de conservação devam ser específicos e precisos, não é menos verdade que nada na Diretiva Habitats permite concluir que os Estados‑Membros devem, em todos os casos, proceder a uma distinção entre, por um lado, o restabelecimento dos objetos a proteger e, por outro, a manutenção desses objetos já na fase de formulação desses objetivos.

130

Com efeito, como salienta a advogada‑geral nos n.os 94 e 95 das suas conclusões, esta distinção pode revelar‑se pertinente na fase da fixação das medidas concretas de conservação, sem que seja necessário estabelecê‑la no âmbito da determinação dos objetivos de conservação.

131

Atentas as considerações que precedem, há que rejeitar o argumento da Comissão de que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats ao adotar uma prática geral que consiste em fixar os objetivos de conservação sem distinguir entre, por um lado, o restabelecimento dos objetos a proteger e, por outro, a manutenção desses objetos.

132

Em terceiro lugar, a Comissão acusa a República Federal da Alemanha de fixar objetivos de conservação que não são juridicamente vinculativos em relação a terceiros, em violação do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats.

133

A este respeito, constate‑se que, como referiu a advogada‑geral no n.o 105 das suas conclusões, os objetivos de conservação são, por natureza, destinados a ser postos em prática através de medidas concretas de conservação.

134

Com efeito, para assegurar de maneira efetiva a proteção do ambiente e, mais concretamente, conforme enunciado no artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva Habitats, a fim de garantir a manutenção ou, sendo caso disso, o restabelecimento, num estado de conservação favorável, dos habitats naturais e das espécies de fauna e de flora selvagens de interesse para a União Europeia, as referidas medidas concretas de conservação devem ser adotadas pelos Estados‑Membros enquanto instrumentos jurídicos com força vinculativa, se necessário, designadamente em relação a terceiros.

135

Em contrapartida, nada, na Diretiva Habitats permite concluir que, para assegurar a eficácia das medidas de conservação, os objetivos nos quais essas medidas assentam devem, também eles, ser juridicamente vinculativos em relação a terceiros. Importa acrescentar que a falta desse caráter vinculativo não obsta de modo nenhum a que esses objetivos possam indiretamente produzir efeitos vinculativos sobre terceiros, designadamente porque servem de critério de apreciação, por força do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats, para avaliar as incidências que um plano ou projeto é suscetível de ter num sítio protegido, podendo essa avaliação com efeito conduzir à proibição de concretizar esse plano ou projeto (v., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, Grace e Sweetman, C‑164/17, EU:C:2018:593, n.o 32).

136

Por conseguinte, importa rejeitar o argumento da Comissão visado no n.o 132 do presente acórdão.

137

Em consequência, a segunda acusação carece de fundamento uma vez que a República Federal da Alemanha não adotou objetivos detalhados para todos os 88 dos 4606 sítios de importância comunitária em causa, em violação do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats.

C.   Quanto à terceira acusação, relativa à falta de fixação das medidas de conservação necessárias

1. Argumentos das partes

138

A Comissão sustenta, na sua petição, que a República Federal da Alemanha infringiu o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva Habitats na medida em que, em relação a 737 sítios dos 4606 sítios de importância comunitária em causa, não fixou nenhuma espécie de medida de conservação e uma vez que prossegue, no que respeita à fixação de medidas de conservação, uma prática geral que não respeita as exigências desta disposição.

139

A prática deste Estado‑Membro, que consiste em basear as medidas de conservação em objetivos de conservação que não respondem eles próprios às exigências da Diretiva Habitats, deveria ser sancionada através da declaração de um incumprimento geral e estrutural ao artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva.

140

Esta exigência, segundo a qual as medidas de conservação devem assentar em objetivos de conservação suficientemente específicos, é confirmada pelo Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Grécia (C‑849/19, EU:C:2020:1047, n.os 48 a 52) e é justificada tanto pela sistemática como pela finalidade da Diretiva Habitats.

141

No seu articulado de defesa, a República Federal da Alemanha responde que, a contar da data da notificação do parecer fundamentado, fez progressos consideráveis e que, à data de 31 de março de 2022, fixou as medidas de conservação necessárias para 99 % das zonas especiais de conservação. No que diz respeito às 45 zonas que faltam nos Länder da Baixa‑Saxónia, Brandenburgo, e Renânia‑Palatinato, as medidas de conservação foram, com algumas exceções, definidas ao longo do ano de 2022.

142

Além disso, o incumprimento geral e estrutural pretensamente cometido pela República Federal da Alemanha ao artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva Habitats não teria, desde logo, por objeto nenhuma medida de conservação precisa tomada na Alemanha, antes sendo uma acusação subsequente á segunda acusação invocada. Consequentemente, dado que a segunda acusação não tem, em seu entender, fundamento, também a terceira acusação dele carece.

2. Apreciação do Tribunal de Justiça

143

Por força do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva Habitats, os Estados‑Membros devem fixar, para cada zona especial de conservação, as medidas de conservação necessárias que respeitem exigências ecológicas dos tipos de habitats naturais que figuram no anexo I dessa diretiva bem como às espécies que figuram no anexo II dessa diretiva, presentes no sítio em questão [Acórdão de 29 de junho de 2023, Comissão/Irlanda (Proteção das zonas especiais de conservação), C‑444/21, EU:C:2023:524, n.o 137 e jurisprudência referida]

144

As obrigações que incumbem aos Estados‑Membros por força do artigo 6.o da Diretiva Habitats, incluindo a obrigação de adotar medidas de conservação necessárias, prevista no n.o 1 desse artigo, devem ser aplicadas de maneira efetiva e através de medidas completas, claras e precisas [Acórdão de 29 de junho de 2023, Comissão/Irlanda (Proteção das zonas especiais de conservação), C‑444/21, EU:C:2023:524, n.o 138 e jurisprudência referida].

145

No caso em apreço, importa observar que a República Federal da Alemanha não nega que não adotou formalmente, à data de 13 de junho de 2020, que corresponde à data limite fixada para responder ao parecer fundamentado da Comissão, as medidas de conservação para os 737 sítios em causa.

146

No que respeita ao argumento suscitado pela Comissão, segundo o qual a República Federal da Alemanha viola o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva Habitats, ao adotar de maneira geral e estrutural, as medidas de conservação assentes em objetivos de conservação que não respeitam eles próprios as exigências desta diretiva, importa observar que este argumento se enxerta, assim, no objeto da segunda acusação relativa aos objetivos de conservação, como salientou este Estado‑Membro, e deve, por conseguinte, comungar do seu destino.

147

Ora, como resulta do n.o 137 do presente acórdão, a segunda acusação apenas é procedente porquanto a República Federal da Alemanha não adotou objetivos detalhados para 88 dos 4606 sítios de importância comunitária em causa, em violação do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats, uma vez que os restantes argumentos da Comissão apresentados no âmbito da segunda acusação e referentes às características dos objetivos de conservação adotados por esse Estado‑Membro foram rejeitados.

148

Por conseguinte, importa concluir que a terceira acusação só é procedente uma vez que a República Federal da Alemanha não adotou medidas de conservação para os 737 dos 4606 sítios de importância comunitária em causa, em violação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva Habitats.

149

Atendendo a todas as considerações que precedem, há que declarar que:

por não ter designado como zonas especiais de conservação 88 dos 4606 sítios de importância comunitária em causa, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats;

por não ter fixado objetivos detalhados de conservação específicos para 88 dos 4606 sítios de importância comunitária em causa, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva Habitats, e

por não ter adotado medidas de conservação necessárias para os 737 dos 4606 sítios de importância comunitária em causa, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o, n.o 1, dessa diretiva.

150

A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

Quanto às despesas

151

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Federal da Alemanha e tendo esta sido vencida, há que a condenar nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

 

1)

Por não ter designado como zonas especiais de conservação 88 dos 4606 sítios de importância comunitária que foram inscritos na lista estabelecida pela Decisão 2004/69/CE da Comissão, de 22 de dezembro de 2003, que adota, nos termos da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, a lista dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica alpina, pela Decisão 2004/789/CE da Comissão, de 7 de dezembro de 2004, que adota, nos termos da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, a lista dos sítios de importância comunitária para a região biogeográfica continental, e pela Decisão 2004/813/CE da Comissão, de 7 de dezembro de 2004, que adota, nos termos da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, a lista dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica atlântica, atualizadas respetivamente pela Decisão 2008/218/CE da Comissão, de 25 de janeiro de 2008, que adota, nos termos da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, a primeira lista atualizada dos sítios de importância comunitária para a região biogeográfica alpina, pela Decisão 2008/25/CE da Comissão, de 13 de novembro de 2007, que adota, nos termos da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, a primeira lista atualizada dos sítios de importância comunitária para a região biogeográfica continental, e pela Decisão 2008/23/CE da Comissão, de 12 de novembro de 2007, que adota, nos termos da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, uma primeira lista atualizada dos sítios de importância comunitária para a região biogeográfica atlântica, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, conforme alterada pela Diretiva 2013/17/UE do Conselho, de 13 de maio de 2013.

 

2)

Por não ter adotado os objetivos detalhados de conservação para o conjunto dos 88 dos 4606 sítios de importância comunitária referidos no n.o 1 do dispositivo, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 92/43, conforme alterada pela Diretiva 2013/17.

 

3)

Por não ter adotado as medidas de conservação necessárias para o conjunto dos 737 dos 4606 sítios de importância comunitária referidos no n.o 1 do dispositivo, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 92/43, conforme alterada pela Diretiva 2013/17.

 

4)

A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

 

5)

A República Federal da Alemanha suporta, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.