ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

21 de setembro de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Produtos farmacêuticos e cosméticos — Medicamentos para uso humano — Diretiva 2001/83/CE — Artigo 77.o, n.o 6 — Artigo 79.o, alínea b) — Artigo 80.o, alínea b) — Diretrizes relativas às boas práticas de distribuição por grosso de medicamentos para uso humano (BPD) — Cadeia de distribuição de produtos farmacêuticos — Titular de uma autorização de distribuição por grosso que adquire medicamentos a pessoas autorizadas a fornecer medicamentos ao público que não são titulares de uma autorização de distribuição nem estão dispensadas da obrigação de possuir essa autorização — Conceitos de “pessoal competente em número suficiente” e de “pessoa responsável” — Suspensão ou revogação da autorização de distribuição por grosso»

No processo C‑47/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Áustria), por Decisão de 20 de janeiro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 21 de janeiro de 2022, no processo

Apotheke B.

contra

Bundesamt für Sicherheit im Gesundheitswesen (BASG),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, D. Gratsias, M. Ilešič (relator), I. Jarukaitis e Z. Csehi, juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Apotheke B., por G. Dilger, Rechtsanwalt,

em representação da Bundesamt für Sicherheit im Gesundheitswesen (BASG), por T. Reichhart, na qualidade de agente,

em representação do Governo Austríaco, por A. Posch, J. Schmoll e A. Kögl, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Checo, por M. Smolek, J. Vláčil e T. Machovičová, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por M. Noll‑Ehlers e A. Sipos, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de março de 2023,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 77.o, n.o 6, do artigo 79.o, alínea b), e do artigo 80.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO 2001, L 311, p. 67), conforme alterada pela Diretiva 2011/62/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011 (JO 2011, L 174, p. 74) (a seguir «Diretiva 2001/83»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Apotheke B., sociedade em comandita que explora uma farmácia na Áustria, ao Bundesamt für Sicherheit im Gesundheitswesen (BASG) (Serviço Federal para a Segurança no Setor da Saúde, Áustria) (a seguir «Serviço Federal»), a respeito da revogação da autorização para o exercício da atividade de distribuição por grosso de medicamentos.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2001/83

3

O título VII da Diretiva 2001/83, sob a epígrafe «Distribuição por grosso e intermediação de medicamentos», dispõe, no artigo 77.o, n.os 1, 3, 5 e 6:

«1.   Os Estados‑Membros devem adotar todas as disposições necessárias para garantir que a distribuição por grosso de medicamentos esteja condicionada à posse de uma autorização de exercício da atividade de distribuição por grosso de medicamentos, que especifique as instalações no respetivo território para as quais é válida.

[…]

3.   A posse da autorização de fabrico sobrepõe‑se à da distribuição por grosso dos medicamentos em causa nessa autorização. A posse de uma autorização para o exercício da atividade de grossista de medicamentos não dispensa da obrigação de possuir a autorização de fabrico e de preencher as condições estatuídas para o efeito, mesmo que a atividade de fabrico ou importação seja exercida acessoriamente.

[…]

5.   O controlo das pessoas autorizadas a exercer a atividade de distribuição por grosso de medicamentos e a inspeção das respetivas instalações devem ser efetuados sob a responsabilidade do Estado‑Membro que tenha concedido a autorização para as instalações situadas no respetivo território.

6.   O Estado‑Membro que tenha concedido a autorização referida no n.o 1 suspenderá ou revogará essa autorização se deixarem de se verificar as condições de autorização. […]»

4

O artigo 79.o desta diretiva prevê:

«Para obter a autorização de distribuição, o requerente deve satisfazer, no mínimo, as seguintes condições:

[…]

b)

Dispor de pessoal, nomeadamente de uma pessoa responsável, como tal designada e qualificada, que preencha as condições previstas na legislação do Estado‑Membro em causa;

c)

Comprometer‑se a cumprir as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 80.o»

5

O artigo 80.o, primeiro parágrafo, da referida diretiva tem a seguinte redação:

«O titular da autorização de distribuição deve satisfazer, no mínimo, as seguintes condições:

[…]

b)

Aprovisionar‑se de medicamentos apenas junto de pessoas que possuam a autorização de distribuição ou estejam dispensadas dessa autorização por força do n.o 3 do artigo 77.o;

[…]

g)

Observar os princípios e diretrizes relativos às boas práticas de distribuição previstas no artigo 84.o;

h)

Manter um sistema de qualidade, que estabeleça responsabilidades, procedimentos e medidas de gestão dos riscos em relação às suas atividades;

[…]»

6

O artigo 84.o da mesma diretiva enuncia:

«A Comissão deve publicar diretrizes relativas às boas práticas de distribuição. Para o efeito, consultará o Comité dos Medicamentos para Uso Humano e o Comité Farmacêutico instituído pela Decisão 75/320/CEE do Conselho[, de 20 de maio de 1975, que institui um comité farmacêutico (JO 1975, L 147, p. 23; EE 13 F4 p. 102)].»

Diretrizes BPD

7

O capítulo 2 das Diretrizes de 5 de novembro de 2013 relativas às boas práticas de distribuição de medicamentos para uso humano (JO 2013, C 343, p. 1; a seguir «Diretrizes BPD»), com o título «Pessoal», enuncia, no ponto 2.2, segundo parágrafo:

«A pessoa responsável deve cumprir as suas responsabilidades pessoalmente e deve ser possível contactá‑la em permanência. A pessoa responsável pode delegar tarefas, mas não responsabilidades.»

8

O capítulo 4 das Diretrizes BPD, com o título «Documentação», prevê, no ponto 4.2, primeiro e sétimo parágrafos:

«A documentação inclui todos os procedimentos, instruções, contratos, registos e dados escritos, em papel ou em formato eletrónico. A documentação deve estar disponível/acessível prontamente.

[…]

Cada empregado deve ter acesso imediato a toda a documentação necessária para as tarefas executadas.»

Direito austríaco

9

A Arzneimittelgesetz (Lei relativa aos Medicamentos), de 2 de março de 1983 (BGBl. 185/1983), conforme alterada pela Lei de 15 de dezembro de 2020 (BGBl. I, 135/2020) (a seguir «AMG»), dispõe, no § 2, n.o 2:

«Entende‑se por “distribuidor por grosso de medicamentos” um profissional que, nos termos da Gewerbeordnung 1994 [(Lei da Regulamentação das Atividades Profissionais de 1994) (BGBl. 194/1994)], está habilitado a efetuar a distribuição por grosso de medicamentos e dispõe da autorização correspondente referida no § 63, n.o 1, bem como um empresário farmacêutico de outra parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu que está habilitado a exercer atividades de distribuição por grosso de medicamentos.»

10

O § 57 desta lei, sob a epígrafe «Fornecimento de medicamentos», prevê, no n.o 1:

«Os medicamentos só podem ser fornecidos pelo fabricante, pelo depositário ou pelo distribuidor por grosso de medicamentos a:

1. farmácias, farmácias hospitalares e farmácias veterinárias,

[…]

4. distribuidores por grosso de medicamentos,

[…]»

11

O § 62 da referida lei, sob a epígrafe «Regulação da exploração», dispõe, no n.o 1:

«Na medida em que tal se imponha para garantir a qualidade dos medicamentos ou das substâncias ativas necessários para a saúde e para a vida das pessoas ou dos animais, bem como o fornecimento de medicamentos ou de substâncias ativas, o ministro federal da Saúde deverá adotar, por via de regulamento, regras de exploração para os estabelecimentos que produzam, fiscalizem ou comercializem medicamentos ou substâncias ativas.»

12

O § 63 da AMG, sob a epígrafe «Autorização», prevê, no n.o 1:

«Nos estabelecimentos referidos no § 62, n.o 1, o fabrico, a comercialização e a fiscalização de medicamentos ou de medicamentos e substâncias ativas estão sujeitos a autorização do [Serviço Federal].»

13

Nos termos do § 66a, da AMG:

«A autorização referida no § 63, n.o 1 ou no § 65, n.o 1 deverá ser retirada se se vier posteriormente a verificar que os requisitos não estavam preenchidos. A mesma deverá ser revogada se os requisitos deixarem de estar preenchidos. A revogação poderá ser substituída pela suspensão total ou parcial da autorização, se o titular da autorização de exploração tiver capacidade para sanar a causa da revogação num prazo razoável. O [Serviço Federal] deve informar imediatamente as restantes partes no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, a Suíça e a Comissão.

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14

A Apotheke B é uma sociedade em comandita, sediada na Áustria, que explora uma farmácia e que era titular de uma autorização para o exercício da atividade de distribuição por grosso de medicamentos concedida em conformidade com a AMG.

15

Na sequência de uma inspeção realizada ao estabelecimento da Apotheke B., em 30 de julho de 2020, e de um inquérito subsequente, o Serviço Federal adotou, em 8 de março de 2021, uma decisão de revogação dessa autorização.

16

O Serviço Federal proferiu essa decisão de revogação depois de ter constatado que a recorrente no processo principal tinha adquirido, em diversas ocasiões, medicamentos a outras farmácias que não possuíam autorização de distribuição por grosso e os tinha revendido em seguida a grossistas que possuíam tal autorização.

17

O Serviço Federal sublinhou igualmente que a Apotheke B não dispunha de pessoal especializado e qualificado em número suficiente, uma vez que a única pessoa presente no momento da inspeção não foi capaz de apresentar os documentos pertinentes exigidos pela legislação nacional.

18

Durante a inspeção realizada em 30 de julho de 2020 pelo Serviço Federal, verificou‑se que a «pessoa responsável» não estava presente no estabelecimento, mas estava contactável por telefone. Essa pessoa estava de férias nesse dia e foi informada da inspeção pelos agentes do Serviço Federal cerca de quinze minutos antes da sua chegada ao estabelecimento.

19

Por outro lado, resulta da decisão de reenvio que, entre 2019 e 2020, a recorrente no processo principal confiou a uma sociedade terceira determinados serviços de logística, como a preparação das encomendas de medicamentos, a embalagem dos produtos ou a fiscalização dos prazos de validade.

20

A Apotheke B. interpôs recurso no Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Áustria) da Decisão do Serviço Federal, de 8 de março de 2021, que lhe revogou a autorização para o exercício da atividade de distribuição por grosso de medicamentos.

21

Em apoio do seu recurso, alega, por um lado, que o facto de ter adquirido medicamentos a pessoas que não dispunham de autorização de distribuição por grosso não comprometia o objetivo de segurança desses medicamentos. Por outro, considera que a legislação nacional apenas exige a presença no estabelecimento de uma pessoa competente, a qual não está obrigada a estar em permanência nesse estabelecimento.

22

Nestas circunstâncias, o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

a)

Deve o artigo 80.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2001/83 ser interpretado no sentido de que o requisito constante desta disposição também é satisfeito se, como no processo principal, o titular de uma autorização de distribuição adquirir medicamentos a outras pessoas que, ao abrigo das disposições nacionais, também estão autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público, mas não são, elas próprias, titulares da referida autorização nem estão dispensadas da obrigação de possuir essa autorização, por força do artigo 77.o, n.o 3, desta diretiva, e a aquisição só se realiza em pequena quantidade?

b)

Em caso de resposta negativa à [primeira questão, alínea] a), é relevante para o preenchimento do requisito estabelecido no artigo 80.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2001/83 que os medicamentos adquiridos do modo descrito no processo principal e na [primeira questão, alínea] a), só sejam fornecidos a pessoas que, por força do artigo 77.o, n.o 2, desta diretiva, estão autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público, ou também às pessoas que são, elas próprias, titulares de uma autorização de distribuição?

2)

a)

Devem os artigos 79.o, alínea b), e 80.o, [primeiro parágrafo], alínea g), [da Diretiva 2001/83,] em conjugação com o ponto 2.2 das Diretrizes [BPD], ser interpretados no sentido de que os requisitos relativos à dotação de pessoal também são satisfeitos se, como no processo principal, a pessoa responsável estiver (fisicamente) ausente do estabelecimento por um período de quatro horas, mas, durante esse período, estiver contactável por telefone?

b)

Deve a Diretiva 2001/83, em especial os seus artigos 79.o e 80.o [primeiro parágrafo], alínea g), em conjugação com o ponto 2.3, primeiro parágrafo, das Diretrizes [BPD], ser interpretada no sentido de que os requisitos previstos nestas disposições ou nestas diretrizes, relativos à dotação de pessoal, são satisfeitos se, como sucede no processo principal, em caso de ausência da pessoa responsável, conforme descrita na [segunda questão, alínea] a), os trabalhadores presentes no estabelecimento, em especial durante uma inspeção da autoridade competente do Estado‑Membro, não estiverem em condições de prestar, eles próprios, informações sobre os processos escritos da respetiva esfera de competência[?]

c)

Deve a Diretiva 2001/83, em especial os seus artigos 79.o e 80.o, [primeiro parágrafo], alínea g), em conjugação com o ponto 2.3 das Diretrizes [BPD], ser interpretada no sentido de que, para apreciar se se dispõe de um número adequado de trabalhadores competentes em todas as fases da atividade de distribuição, também devem ser tidas em conta, como sucede no processo principal, as atividades subcontratadas a terceiros (ou as atividades realizadas por terceiros por conta da empresa), e opõe‑se a referida diretiva à obtenção de um parecer técnico para esta apreciação ou, pelo contrário, permite a referida obtenção?

3)

Deve a Diretiva 2001/83, em especial os seus artigos 77.o, n.o 6, e 79.o, ser interpretada no sentido de que a autorização para o exercício da atividade de um distribuidor de medicamentos também deve ser revogada quando se verifica que não é satisfeito um requisito estabelecido no artigo 80.o desta diretiva, como sucede, por exemplo, no processo principal, no âmbito da aquisição de medicamentos, contrariando o artigo 80.o, primeiro parágrafo, alínea b), da referida diretiva, mas este requisito passa a ser respeitado, pelo menos, na data da decisão da autoridade competente do Estado‑Membro ou do órgão jurisdicional chamado a conhecer do processo? Caso assim não se entenda[,] que outros requisitos são impostos pelo direito da União para tal apreciação, em especial quando deve a autorização ser (apenas) suspensa em vez de ser revogada?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

23

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 80.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2001/83 deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa titular de uma autorização de distribuição por grosso de medicamentos pode adquirir medicamentos a outras pessoas que, ao abrigo das disposições nacionais, estão autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público, mas não são, elas próprias, titulares dessa autorização de distribuição nem estão dispensadas da obrigação de possuir a referida autorização, por força do artigo 77.o, n.o 3, desta diretiva, quando a aquisição só se realiza em pequena quantidade, e se o facto de os medicamentos adquiridos por um grossista a essas pessoas apenas serem revendidos às pessoas autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público ou às pessoas que são, elas próprias, titulares de uma autorização de distribuição por grosso é suscetível de justificar uma resposta diferente a esta questão.

24

A título preliminar, há que recordar que o legislador da União Europeia optou por harmonizar, através dos artigos 79.o a 82.o da Diretiva 2001/83, as exigências mínimas que devem ser cumpridas pelos requerentes e pelos titulares da autorização de distribuição por grosso de medicamentos (Acórdão de 28 de junho de 2012, Caronna, C‑7/11, EU:C:2012:396, n.o 44).

25

O artigo 79.o desta diretiva prevê que a concessão da autorização de grossista de medicamentos depende da existência de locais, instalações e equipamentos adaptados e de pessoal qualificado, por forma a assegurar uma boa conservação e distribuição dos medicamentos. Além disso, há outras exigências, especificadas nos artigos 80.o a 82.o da referida diretiva, que o titular da autorização deve respeitar, nomeadamente as que se referem à documentação das transações, ao fornecimento de medicamentos e ao respeito dos princípios e diretrizes relativos às boas práticas de distribuição. O cumprimento dos requisitos exigidos para a concessão desta autorização está sujeito a controlo durante o período em que a mesma é detida (Acórdão de 28 de junho de 2012, Caronna, C‑7/11, EU:C:2012:396, n.os 45 e 46).

26

No que respeita, mais especificamente, ao fornecimento de medicamentos pelo grossista, decorre da própria redação do artigo 80.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2001/83 que o titular da autorização de distribuição só pode adquirir medicamentos junto de pessoas que possuam elas próprias autorização de distribuição por grosso ou estejam dispensadas dessa autorização por força do artigo 77.o, n.o 3, desta diretiva, devido à posse de uma autorização de fabrico.

27

Os termos desta disposição excluem, portanto, qualquer possibilidade de fornecimento a outras pessoas, como as pessoas autorizadas ou habilitadas, ao abrigo das disposições nacionais, a fornecer medicamentos ao público.

28

Ora, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma interpretação de uma disposição do direito da União não pode ter por resultado privar de qualquer efeito útil a letra clara e precisa dessa disposição. Assim, quando o sentido de uma disposição do direito da União resulta inequivocamente da sua própria redação, o Tribunal de Justiça não se pode afastar desta interpretação (Acórdão de 20 de setembro de 2022, VD e SR, C‑339/20 e C‑397/20, EU:C:2022:703, n.o 71 e jurisprudência referida).

29

A interpretação que decorre dos n.os 26 e 27 do presente acórdão é corroborada pelos objetivos da Diretiva 2001/83, nomeadamente os de proteção da saúde pública, de eliminação dos entraves ao comércio de medicamentos na União e do exercício do controlo de toda a cadeia de distribuição de medicamentos, para a realização dos quais o Tribunal de Justiça considerou que as exigências mínimas para a distribuição por grosso de medicamentos devem ser preenchidas de forma efetiva e uniforme por todas as pessoas que exercem esta atividade em todos os Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2012, Caronna, C‑7/11, EU:C:2012:396, n.o 48).

30

Por outro lado, a venda de medicamentos a retalho tem características diferentes da distribuição por grosso dos mesmos. Por conseguinte, o facto de os farmacêuticos satisfazerem as condições a que está subordinada a venda a retalho nos respetivos Estados‑Membros não permite presumir que cumprem igualmente as condições previstas pelas regras harmonizadas ao nível da União no que respeita à distribuição por grosso (Acórdão de 28 de junho de 2012, Caronna, C‑7/11, EU:C:2012:396, n.o 47).

31

Não é pertinente que o fornecimento do titular de uma autorização de distribuição por grosso a uma pessoa não abrangida pelo artigo 80.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2001/83 se realize apenas para uma quantidade extremamente reduzida de medicamentos, uma vez que esta disposição não prevê nenhuma exceção, nem sequer para pequenas quantidades, à obrigação de se abastecer junto de pessoas que possuam essa autorização ou que estejam dispensadas de tal autorização devido à posse de uma autorização de fabrico de medicamentos.

32

Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a adoção, pela Diretiva 2001/83, de exigências mínimas para a distribuição por grosso de medicamentos que devem ser preenchidas de forma efetiva e uniforme por todas as pessoas que exercem esta atividade em todos os Estados‑Membros visa garantir a realização dos objetivos desta diretiva, nomeadamente o de proteção da saúde pública (v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2012, Caronna, C‑7/11, EU:C:2012:396, n.o 48).

33

Ora, o incumprimento das exigências mínimas para a distribuição por grosso de uma pequena quantidade de medicamentos é suscetível de pôr em perigo a saúde de pelo menos uma pessoa e, nesse sentido, não pode ser conciliado com os objetivos prosseguidos pela Diretiva 2001/83.

34

Por último, também não é pertinente o facto de os medicamentos adquiridos por um grossista a uma pessoa distinta das mencionadas no artigo 80.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2001/83 se destinarem a ser revendidos a pessoas que estão autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público ou que são, elas próprias, titulares de uma autorização de distribuição por grosso. Com efeito, esta disposição não prevê nenhuma exceção em função da qualidade das pessoas a quem o grossista pretende revender os medicamentos que adquire. Além disso, as pessoas autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público e as pessoas titulares de uma autorização de distribuição por grosso podem constituir a maior parte da clientela de um grossista, pelo que, se se devesse considerar que a referida disposição não se aplica aos medicamentos adquiridos por um grossista para serem revendidos a essas pessoas, tal disposição ficaria desprovida de grande parte do seu sentido.

35

Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o artigo 80.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2001/83 deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa titular de uma autorização de distribuição por grosso de medicamentos não pode adquirir medicamentos junto de outras pessoas que, ao abrigo das disposições nacionais, estão autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público, mas não são, elas próprias, titulares dessa autorização de distribuição nem estão dispensadas da obrigação de possuir a referida autorização, por força do disposto no artigo 77.o, n.o 3, desta diretiva, ainda que a aquisição só se realize em pequena quantidade ou ainda que os medicamentos assim adquiridos se destinem a ser revendidos apenas às pessoas autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público ou às pessoas que são, elas próprias, titulares de uma autorização de distribuição por grosso.

Quanto à segunda questão

36

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 79.o, alínea b), da Diretiva 2001/83 deve ser interpretado no sentido de que os requisitos relativos à dotação de pessoal previstos nesta disposição são satisfeitos se, durante uma inspeção, a pessoa responsável designada pelo grossista não estiver presente no estabelecimento, mas estiver contactável por telefone, e os trabalhadores presentes no estabelecimento não estiverem em condições de prestar ao serviço de inspeção as informações solicitadas sobre os processos da sua esfera de competência. Pergunta igualmente se esta disposição deve ser interpretada no sentido de que, para apreciar se um grossista dispõe de pessoal competente suficiente, devem ser tidas em conta as atividades que esse grossista tenha, eventualmente, subcontratado.

37

Importa recordar que, nos termos do artigo 79.o, alínea b), da Diretiva 2001/83, o distribuidor por grosso tem de dispor de pessoal, nomeadamente de uma pessoa responsável, como tal designada e qualificada, que preencha as condições previstas na legislação do Estado‑Membro em causa.

38

No que respeita, em primeiro lugar, à ausência da pessoa responsável, designada pelo grossista, no estabelecimento, no momento da inspeção, há que salientar que a referência, na redação desta disposição, a «uma» pessoa responsável, na medida em que implica a designação de uma única pessoa e não de várias, uma das quais poderia substituir a outra em caso de ausência, é dificilmente conciliável com uma interpretação da referida disposição segundo a qual a pessoa responsável deve estar sempre presente no estabelecimento durante uma inspeção. Com efeito, na medida em que essas inspeções podem ter lugar sem serem previamente anunciadas, ou em que podem ser anunciadas pouco tempo antes da sua realização, exigir que a pessoa responsável esteja sempre presente durante uma inspeção significaria, na prática, que essa pessoa nunca se poderia ausentar do seu local de trabalho independentemente do motivo.

39

Assim, nada impede que as questões urgentes relativas à implementação e à manutenção de um sistema de qualidade sejam resolvidas por telefone com a pessoa responsável, em caso de ausência temporária da mesma.

40

Aliás, esta interpretação é corroborada pelas Diretrizes BPD, que o artigo 84.o da Diretiva 2001/83 habilita a Comissão a publicar, e que o titular da autorização de distribuição deve observar, como previsto no artigo 80.o, alínea g), desta diretiva.

41

Com efeito, decorre do ponto 2.2, segundo parágrafo, dessas diretrizes que a pessoa responsável deve cumprir as suas responsabilidades pessoalmente e deve ser possível contactá‑la em permanência, podendo delegar tarefas, mas não as suas responsabilidades.

42

Em contrapartida, o facto de a pessoa responsável não ter necessariamente de estar presente no estabelecimento no momento de uma inspeção não pode justificar que os trabalhadores presentes nesse estabelecimento durante essa inspeção não estejam em condições de prestar ao serviço de inspeção as informações solicitadas por este último sobre os processos da sua esfera de competência.

43

Com efeito, o artigo 79.o, alínea c), da Diretiva 2001/83 exige que o requerente de uma autorização de distribuição se comprometa a cumprir as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 80.o desta diretiva, entre as quais figura a obrigação, prevista no primeiro parágrafo, alínea h) deste artigo, de manter um sistema de qualidade que estabeleça responsabilidades, procedimentos e medidas de gestão dos riscos em relação às atividades dos titulares dessa autorização.

44

Incumbe, portanto, a todos os titulares de uma autorização de distribuição instituir os procedimentos necessários para assegurar que, em caso de ausência da pessoa responsável no estabelecimento durante uma inspeção, outro trabalhador esteja em condições de prestar ao serviço de inspeção as informações solicitadas por este, garantindo assim a eficácia do controlo exercido nessa inspeção.

45

Esta interpretação é, aliás, corroborada pelo ponto 4.2, primeiro e sétimo parágrafos, das Diretrizes BPD, do qual decorre que a documentação que deve manter o titular de uma autorização de distribuição deverá estar disponível e acessível prontamente e que cada empregado deve ter acesso imediato a toda a documentação necessária à execução das suas tarefas.

46

Daqui resulta que os requisitos relativos à dotação de pessoal, previstos no artigo 79.o, alínea b), da Diretiva 2001/83, são satisfeitos mesmo que, numa inspeção, a pessoa responsável designada pelo grossista não esteja presente no estabelecimento, desde que esteja contactável por telefone e que um trabalhador presente no estabelecimento esteja em condições de prestar diretamente ao serviço de inspeção as informações solicitadas por este último.

47

No que respeita, em segundo lugar, à questão de saber se há que ter em conta as atividades que esse grossista, eventualmente, subcontratou para determinar se dispõe de pessoal competente suficiente, saliente‑se que, para que um grossista possa efetuar todas as tarefas pelas quais é responsável em todas as fases das atividades de distribuição por grosso, deve necessariamente dispor de pessoal competente em número suficiente em função do volume e âmbito das suas atividades.

48

Ora, a Diretiva 2001/83 não proíbe o distribuidor por grosso de subcontratar determinadas tarefas. Por outro lado, nem esta diretiva nem as Diretrizes BPD preveem um método para apreciar se um distribuidor por grosso dispõe de pessoal suficiente.

49

Por conseguinte, para apreciar se dispõe de pessoal competente em número suficiente, há que ter em conta todas as atividades do grossista, incluindo as que, eventualmente, tenham sido subcontratadas.

50

Por conseguinte, há que responder à segunda questão que o artigo 79.o, alínea b), da Diretiva 2001/83 deve ser interpretado no sentido de que os requisitos relativos à dotação de pessoal, previstos nesta disposição, são satisfeitos quando, durante uma inspeção, a pessoa responsável designada pelo grossista não estiver presente no estabelecimento, desde que esteja contactável por telefone e que os trabalhadores presentes no estabelecimento estejam em condições de prestar diretamente ao serviço de inspeção as informações solicitadas por este último sobre os processos da sua esfera de competência. Para apreciar se um grossista dispõe de pessoal competente suficiente, há que ter em conta as atividades que esse grossista, eventualmente, tenha subcontratado e o número de efetivos que intervêm nessas atividades.

Quanto à terceira questão

51

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 77.o, n.o 6, da Diretiva 2001/83 deve ser interpretado no sentido de que a autorização de distribuição por grosso de medicamentos deve obrigatoriamente ser revogada, em caso de violação de um requisito estabelecido no artigo 80.o desta diretiva, que o titular da autorização sanou na data da adoção da decisão pela autoridade competente do Estado‑Membro em causa ou, se for caso disso, pelo órgão jurisdicional chamado a conhecer do recurso da decisão dessa autoridade.

52

Nos termos do artigo 77.o, n.o 6, da referida diretiva, os Estados‑Membros são obrigados a suspender ou a revogar a autorização para o exercício da atividade de distribuição por grosso de medicamentos quando o titular dessa autorização deixar de preencher as condições enunciadas nos artigos 79.o e 80.o da mesma diretiva.

53

Através desta disposição, o legislador da União procedeu apenas a uma harmonização mínima limitada à determinação das medidas suscetíveis de serem tomadas quando deixarem de estar preenchidas as condições previstas nos artigos 79.o e 80.o da Diretiva 2001/83.

54

Com efeito, não resulta de modo nenhum da redação do artigo 77.o, n.o 6, da Diretiva 2001/83 que o legislador da União entendeu definir os critérios que regem a aplicação destas medidas ou precisar a maneira como esses critérios devem ser aplicados pelas autoridades nacionais.

55

Dito isto, importa recordar que o respeito do princípio da proporcionalidade, que constitui um princípio geral do direito da União, se impõe aos Estados‑Membros quando aplicam esse direito (Acórdão de 8 de março de 2022, Bezirkshauptmannschaft Hartberg‑Fürstenfeld (Efeito direto), C‑205/20, EU:C:2022:168, n.o 31 e jurisprudência referida).

56

Por conseguinte, para determinar se a violação pelo titular das condições a que está sujeita a autorização para o exercício da atividade de distribuição por grosso de medicamentos deve dar lugar à revogação dessa autorização ou à suspensão da mesma, os Estados‑Membros são obrigados a respeitar o princípio da proporcionalidade e, para esse efeito, a tomar em consideração a natureza e a gravidade da violação constatada, prestando especial atenção ao elevado nível de segurança em matéria de fornecimento de medicamentos consagrado na Diretiva 2001/83, bem como à possibilidade de o titular sanar o incumprimento num prazo razoável.

57

Assim, se o incumprimento constatado antes da adoção da decisão da autoridade competente já tiver sido sanado, esta não tem necessariamente de revogar ou suspender a autorização para o exercício da atividade de distribuição por grosso de medicamentos. Por outro lado, o artigo 77.o, n.o 6, da Diretiva 2001/83 não se opõe a que um órgão jurisdicional nacional, chamado a conhecer do recurso de uma decisão da autoridade nacional competente relativo à revogação ou à suspensão dessa autorização, tome em consideração, se as regras processuais nacionais lho permitirem, o facto de o titular dessa autorização ter, entretanto, sanado os incumprimentos constatados após a adoção da decisão da autoridade competente, a fim de anular ou reformar a decisão impugnada.

58

As considerações precedentes não prejudicam a possibilidade de a autoridade nacional competente aplicar, se for caso disso, as sanções previstas no direito nacional para os incumprimentos detetados.

59

Consequentemente, há que responder à terceira questão que o artigo 77.o, n.o 6, da Diretiva 2001/83 deve ser interpretado no sentido de que a autoridade competente de um Estado‑Membro chamada a decidir se a autorização de distribuição por grosso de medicamentos deve ser suspensa ou revogada na sequência de violações constatadas das obrigações que figuram nos artigos 79.o e 80.o da Diretiva 2001/83 baseia a sua análise na natureza e na gravidade dessas violações, prestando especial atenção ao elevado nível de segurança em matéria de fornecimento de medicamentos que esta diretiva consagra. Para que a medida eventualmente tomada seja proporcionada, aquela autoridade deve ainda tomar em consideração, se for caso disso, se os incumprimentos foram sanados o mais rapidamente possível e se são repetitivos ou sistemáticos.

Quanto às despesas

60

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

1)

O artigo 80.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, conforme alterada pela Diretiva 2011/62/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011,

deve ser interpretado no sentido de que:

uma pessoa titular de uma autorização de distribuição por grosso de medicamentos não pode adquirir medicamentos junto de outras pessoas que, ao abrigo das disposições nacionais, estão autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público, mas não são, elas próprias, titulares dessa autorização de distribuição nem estão dispensadas da obrigação de possuir a referida autorização, por força do disposto no artigo 77.o, n.o 3, desta diretiva, ainda que a aquisição só se realize em pequena quantidade ou ainda que os medicamentos assim adquiridos se destinem a ser revendidos apenas às pessoas autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público ou às pessoas que são, elas próprias, titulares de uma autorização de distribuição por grosso.

 

2)

O artigo 79.o, alínea b), da Diretiva 2001/83, conforme alterada pela Diretiva 2011/62,

deve ser interpretado no sentido de que:

os requisitos relativos à dotação de pessoal, previstos nesta disposição, são satisfeitos quando, durante uma inspeção, a pessoa responsável designada pelo grossista não estiver presente no estabelecimento, desde que esteja contactável por telefone e que os trabalhadores presentes no estabelecimento estejam em condições de prestar diretamente ao serviço de inspeção as informações solicitadas por este último sobre os processos da sua esfera de competência. Para apreciar se um grossista dispõe de pessoal competente suficiente, há que ter em conta as atividades que esse grossista, eventualmente, tenha subcontratado e o número de efetivos que intervêm nessas atividades.

 

3)

O artigo 77.o, n.o 6, da Diretiva 2001/83, conforme alterada pela Diretiva 2011/62,

deve ser interpretado no sentido de que:

a autoridade competente de um Estado‑Membro chamada a decidir se a autorização de distribuição por grosso de medicamentos deve ser suspensa ou revogada na sequência de violações constatadas das obrigações que figuram nos artigos 79.o e 80.o da Diretiva 2001/83, conforme alterada, baseia a sua análise na natureza e na gravidade dessas violações, prestando especial atenção ao elevado nível de segurança em matéria de fornecimento de medicamentos que esta diretiva consagra. Para que a medida eventualmente tomada seja proporcionada, aquela autoridade deve ainda tomar em consideração, se for caso disso, se os incumprimentos foram sanados o mais rapidamente possível e se são repetitivos ou sistemáticos.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.