ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

30 de março de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Mercado interno da eletricidade — Diretiva 2009/72/CE — Artigo 37.o — Anexo I — Obrigações e competências da entidade reguladora nacional — Proteção dos consumidores — Despesas administrativas de gestão — Competência da entidade reguladora nacional para ordenar o reembolso dos montantes pagos pelos clientes finais em aplicação de cláusulas contratuais objeto de sanção por essa entidade»

No processo C‑5/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), por Decisão de 31 de dezembro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de janeiro de 2022, no processo

Green Network SpA

contra

SF,

YB,

Autorità di Regolazione per Energia Reti e Ambiente (ARERA),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, D. Gratsias, M. Ilešič, I. Jarukaitis (relator) e Z. Csehi, juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Green Network SpA, por V. Cerulli Irelli e A. Fratini, avvocati,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. Aiello e F. Fedeli, avvocati dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por O. Beynet, G. Gattinara e T. Scharf, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 37.o, n.os 1 e 4, e do anexo I da Diretiva 2009/72/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 2003/54/CE (JO 2009, L 211, p. 55).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Green Network SpA à Autorità di Regolazione per Energia Reti e Ambiente (Entidade Reguladora da Energia, Redes e Ambiente, Itália) (ARERA) a respeito da decisão desta última, que aplicou uma sanção administrativa pecuniária de 655000 euros à Green Network e a condenou a restituir aos seus clientes finais um montante de 13987495,22 euros correspondente a determinadas despesas de gestão administrativa que lhes tinha faturado.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 37, 42, 51 e 54 da Diretiva 2009/72 tinham a seguinte redação:

«(37)

Os reguladores da energia deverão ter competência para emitir decisões vinculativas relativas a empresas de eletricidade e para aplicar ou para propor a um tribunal competente a aplicação de sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas às empresas de eletricidade que não cumprirem as suas obrigações. Os reguladores da energia deverão igualmente ter competência para, independentemente da aplicação de regras de concorrência, tomar medidas adequadas que assegurem benefícios para o consumidor através da promoção de uma concorrência efetiva necessária ao correto funcionamento do mercado interno da eletricidade. […]

[…]

(42)

Todos os setores da indústria e do comércio [da União Europeia], incluindo as pequenas e médias empresas, e todos os cidadãos da União que beneficiam das vantagens económicas do mercado interno deverão também poder usufruir de elevados padrões de proteção dos consumidores e, em particular, os clientes domésticos e, sempre que os Estados‑Membros considerem adequado, as pequenas empresas deverão igualmente poder beneficiar das garantias do serviço público, designadamente, em matéria de segurança do fornecimento e de manutenção das tarifas a preços razoáveis, por razões de equidade, competitividade e, indiretamente, para a criação de emprego. Esses clientes deverão ter acesso a várias opções, à justiça, a representação e a mecanismos de resolução de litígios.

[…]

(51)

Os interesses dos consumidores deverão estar no cerne da presente diretiva e a qualidade do serviço deverá ser uma responsabilidade central das empresas de eletricidade. É necessário reforçar e garantir os direitos atuais dos consumidores, direitos esses que deverão incluir uma maior transparência. A proteção dos consumidores deverá assegurar que todos os consumidores na [União] em geral possam retirar benefícios de um mercado competitivo. Os direitos dos consumidores deverão ser aplicados pelos Estados‑Membros, ou quando o Estado‑Membro o tiver determinado, pelas entidades reguladoras.

[…]

(54)

A garantia de uma maior proteção dos consumidores assenta em meios de resolução de litígios eficazes e acessíveis a todos os consumidores. Os Estados‑Membros deverão introduzir processos rápidos e eficazes de tratamento de reclamações.»

4

O artigo 1.o dessa diretiva, sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», dispunha:

«A presente diretiva estabelece regras comuns para a produção, transporte, distribuição e comercialização de eletricidade, bem como regras para a proteção dos consumidores, a fim de melhorar e integrar mercados da energia competitivos na [União]. […] Define ainda as obrigações de serviço universal e os direitos dos consumidores de eletricidade e clarifica as obrigações em matéria de concorrência.»

5

Nos termos do artigo 2.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Definições»:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

7.

“Cliente”, o cliente grossista ou o cliente final de eletricidade;

8.

“Cliente grossista”, a pessoa singular ou coletiva que compra eletricidade para efeitos de revenda no interior ou no exterior da rede em que está estabelecida;

9.

“Cliente final”, o cliente que compra eletricidade para consumo próprio;

[…]»

6

O artigo 3.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Obrigações de serviço público e proteção dos consumidores», previa:

«[…]

7.   Os Estados‑Membros devem aprovar medidas adequadas para proteger os clientes finais e devem, em especial, garantir a existência de salvaguardas adequadas para proteger os clientes vulneráveis. […] Os Estados‑Membros devem garantir níveis elevados de proteção dos consumidores, especialmente no que respeita à transparência dos termos e condições contratuais, às informações gerais e aos mecanismos de resolução de litígios. […]

[…]

9.   […]

A entidade reguladora ou outra autoridade nacional competente deve tomar as medidas necessárias para garantir a fiabilidade das informações prestadas pelos comercializadores aos respetivos clientes por força do presente artigo e a sua prestação, a nível nacional, de maneira claramente comparável.

[…]»

7

O artigo 36.o da Diretiva 2009/72, sob a epígrafe «Objetivos gerais das entidades reguladoras», tinha a seguinte redação:

«No exercício das funções reguladoras especificadas na presente diretiva, as entidades reguladoras aprovam todas as medidas razoáveis na prossecução dos seguintes objetivos no quadro das suas obrigações e competências estabelecidas no artigo 37.o, em estreita consulta com outras autoridades nacionais competentes, incluindo as autoridades da concorrência, conforme adequado, e sem prejuízo das competências destas últimas:

[…]

g)

Garantia de que os clientes tirem benefícios do funcionamento eficiente do respetivo mercado nacional, promoção de uma concorrência efetiva e garantia da proteção dos consumidores;

[…]»

8

O artigo 37.o dessa diretiva, sob a epígrafe «Obrigações e competências das entidades reguladoras», previa, nos seus n.os 1 e 4:

«1.   As entidades reguladoras têm as seguintes obrigações:

[…]

i)

Monitorizar o nível de transparência, incluindo dos preços grossistas, e assegurar o cumprimento das obrigações de transparência por parte das empresas de eletricidade;

j)

Monitorizar o grau e a eficácia de abertura do mercado e de concorrência aos níveis grossista e retalhista, inclusive no comércio de eletricidade, nos preços aos clientes domésticos, incluindo os sistemas de pré‑pagamento, nas taxas de mudança de comercializador, nas taxas de corte da ligação, os encargos relativos a serviços de manutenção e execução desses serviços e nas queixas dos clientes domésticos, […]

[…]

n)

Contribuir para garantir, em colaboração com outras autoridades competentes, que as medidas de proteção dos consumidores, incluindo as previstas no anexo I, são eficazes e cumpridas;

[…]

4.   Os Estados‑Membros devem assegurar que as entidades reguladoras sejam dotadas de competências que lhes permitam exercer de modo eficiente e rápido as obrigações a que se referem os n.os 1, 3 e 6. Para o efeito, a entidade reguladora deve ter as seguintes competências mínimas:

[…]

d)

Impor sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas às empresas de eletricidade que não cumpram as obrigações que lhes incumbem por força da presente diretiva ou de quaisquer decisões juridicamente vinculativas relevantes da entidade reguladora ou da Agência, ou propor a um tribunal que imponha essas sanções. Isto abrange competências para aplicar ou propor a aplicação de sanções até 10 % do volume de negócios anual do operador da rede de transporte ou até 10 % do volume de negócios anual da empresa verticalmente integrada ao operador da rede de transporte ou à empresa verticalmente integrada, consoante o caso, por incumprimento das suas obrigações ao abrigo da presente diretiva; […]

[…]»

9

O anexo I da referida diretiva, sob a epígrafe «Medidas de proteção dos consumidores», dispunha, no seu n.o 1:

«1. Sem prejuízo das regras [da União] em matéria de proteção dos consumidores, […] as medidas a que se refere o artigo 3.o destinam‑se a garantir que os clientes:

a)

Tenham direito a um contrato com o seu comercializador de serviços de eletricidade que especifique:

[…]

as eventuais indemnizações e as disposições sobre reembolsos aplicáveis caso os níveis contratados de qualidade do serviço não sejam atingidos, nomeadamente uma faturação inexata e em atraso;

[…]

[…]

c)

Recebam informações transparentes sobre os preços e tarifas aplicáveis e as condições normais de acesso e utilização dos serviços de eletricidade;

[…]

f)

Disponham de procedimentos transparentes, simples e baratos para o tratamento das suas queixas. Em particular, todos os consumidores têm direito à prestação de serviços de bom nível e ao tratamento de queixas por parte do prestador de serviços de eletricidade. Esses procedimentos extrajudiciais devem permitir que os litígios sejam resolvidos de modo justo e rápido e, de preferência, no prazo de três meses, prevendo, quando justificado, um sistema de reembolso e/ou compensação. […]

[…]»

Direito italiano

10

O artigo 2.o, n.o 12, alínea g), da legge n. 481 — Norme per la concorrenza et la regolazione dei servizi di pubblica utilità. Istituzione delle Autorità di regolazione dei servizi di pubblica utilità (Lei n.o 481, relativa às Regras da Concorrência e à Regulamentação dos Serviços de Utilidade Pública, bem como sobre a Instituição das Entidades Reguladoras dos Serviços de Utilidade Pública), de 14 de novembro de 1995 (suplemento ordinário n.o 136 da GURI n.o 270, de 18 de novembro de 1995), confia à ARERA a função de «[controlar] a execução dos serviços com competências para inspeção, acesso, aquisição de documentação e de informações úteis, determinando igualmente os casos de indemnização automática por parte do sujeito que exerce o serviço para com o utilizador quando esse mesmo sujeito não respeita as cláusulas contratuais ou presta o serviço com níveis de qualidade inferiores aos estabelecidos no regulamento de serviço».

11

Ao abrigo do artigo 2.o, n.o 20, alínea d), dessa lei, a ARERA tem competência para ordenar ao operador do serviço que cesse qualquer comportamento prejudicial aos direitos dos utilizadores e de lhe impor, em aplicação do artigo 2.o, n.o 12, alínea g), da referida lei, a obrigação de pagar uma indemnização.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

Na sequência da receção de um relatório do Sportello per il consumatore Energia e Ambiente (Gabinete de Informação dos Consumidores acerca da Energia e do Ambiente, Itália), que revelava que a Green Network, uma sociedade de distribuição de eletricidade e de gás natural, tinha mencionado nas faturas enviadas aos seus clientes uma contribuição que estes últimos contestavam por não ser clara, a ARERA iniciou um procedimento contra essa sociedade.

13

Posteriormente a esse relatório, a ARERA efetuou outros controlos através dos quais constatou que essa contribuição estava prevista numa cláusula das condições gerais aplicáveis aos contratos de fornecimento de energia propostos pela Green Network, tanto para a eletricidade como para o gás natural. Segundo essa cláusula, as despesas de gestão administrativa não estavam incluídas nas tarifas previstas para o fornecimento de energia, podendo o fornecedor faturar a esse título ao cliente uma contribuição não superior a 5 euros ou, relativamente a alguns clientes, a 10 euros por mês.

14

Tendo constatado que a definição, pela Green Network, dessa contribuição nas referidas condições gerais era ilegal por a referida contribuição não estar indicada na ficha de comparabilidade, a qual permite comparar as diferentes ofertas comerciais no mercado, nem no sistema de pesquisa das propostas, a ARERA aplicou, por Decisão de 20 de junho de 2019, uma sanção administrativa pecuniária de 655000 euros à Green Network por ter comunicado aos seus clientes finais informações contratuais que violavam disposições regulamentares adotadas pela ARERA. Nessa decisão, esta ordenou à Green Network que reembolsasse aos referidos clientes o montante de 13987495,22 euros cobrado a estes últimos a título de despesas de gestão administrativa.

15

A Green Network interpôs recurso da referida decisão no Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia (Tribunal Administrativo Regional da Lombardia, Itália), ao qual foi negado provimento.

16

A Green Network interpôs recurso da sentença que negou provimento ao recurso no Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), o órgão jurisdicional de reenvio, alegando, nomeadamente, que a competência da ARERA para impor a restituição de uma contribuição aos clientes era contrária à Diretiva 2009/72, uma vez que essa contribuição tinha sido determinada no âmbito de relações contratuais privadas.

17

O órgão jurisdicional de reenvio indica que o litígio que lhe foi submetido diz respeito à questão de saber se a competência da ARERA para ordenar o reembolso de montantes faturados aos clientes pode ser deduzida da Diretiva 2009/72. As disposições pertinentes dessa diretiva, invocadas pela Green Network e cuja correta interpretação não se afigura clara, parecem não ter sido ainda objeto de interpretação pelo Tribunal de Justiça.

18

Nestas condições, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Pode o direito da União constante da [Diretiva 2009/72] — em especial o artigo 37.o, n.os 1 e 4, que regula os poderes das entidades reguladoras, e o anexo I — ser interpretado no sentido de que também abrange o poder de intimação exercido pela [ARERA] sobre as sociedades que operam no setor da eletricidade, que exige que essas sociedades restituam aos clientes, incluindo antigos clientes e clientes insolventes, a quantia correspondente à taxa paga por estes para cobrir os custos de gestão administrativa, em cumprimento de uma cláusula contratual objeto de sanção pela mesma [ARERA]?

2)

Pode o direito da União constante da [Diretiva 2009/72] — em especial o artigo 37.o, n.os 1 e 4, que regula os poderes das entidades reguladoras, e o anexo I — ser interpretado no sentido de que [inclui], no âmbito das indemnizações e das modalidades de reembolso aplicáveis aos clientes do mercado da eletricidade se os níveis contratados de qualidade do serviço não forem alcançados pelo operador do mercado[,] a restituição de uma taxa paga por estes, prevista expressamente numa cláusula do contrato assinado e aceite, totalmente independente da qualidade do próprio serviço, mas prevista para cobrir os custos de gestão administrativa do operador económico?»

Quanto às questões prejudiciais

19

Com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 37.o, n.o 1, alíneas i) e n), e n.o 4, alínea d), da Diretiva 2009/72, bem como o anexo I da mesma, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que um Estado‑Membro confira à entidade reguladora nacional a competência para ordenar às empresas de eletricidade que reembolsem aos seus clientes finais o montante correspondente à contrapartida paga por estes a título de «despesas de gestão administrativa» em aplicação de uma cláusula contratual considerada ilegal por essa entidade, incluindo nos casos em que essa injunção de reembolso não se baseia em razões de qualidade do serviço em causa prestado por essas empresas, mas na violação de obrigações de transparência tarifária.

20

A este respeito, como o Tribunal de Justiça já salientou, decorre do artigo 1.o da Diretiva 2009/72, bem como dos considerandos 37, 42, 51 e 54 dessa diretiva, que a mesma tem por objeto: conferir aos reguladores da energia o poder de garantir a plena eficácia das medidas de proteção dos consumidores, fazer beneficiar todos os setores da indústria e do comércio, bem como todos os cidadãos da União, de níveis elevados de proteção dos consumidores e de mecanismos de resolução de litígios, pôr os interesses dos consumidores no cerne da referida diretiva, o poder de a entidade reguladora, quando os Estados‑Membros lhe confiram essa competência, fiscalizar o respeito dos direitos dos consumidores de eletricidade e implementar meios de resolução de litígios eficazes e acessíveis a todos os consumidores (Acórdão de 8 de outubro de 2020, Crown Van Gelder,C‑360/19, EU:C:2020:805, n.o 26).

21

Nos termos do artigo 3.o, n.o 7, da Diretiva 2009/72, os Estados‑Membros devem aprovar medidas adequadas para proteger os clientes finais e devem garantir, entre outros, níveis elevados de proteção dos consumidores, especialmente no que respeita à transparência dos termos e condições contratuais, às informações gerais e aos mecanismos de resolução de litígios. Segundo essa disposição, pelo menos no que respeita aos clientes domésticos, as referidas medidas devem incluir as previstas no anexo I dessa diretiva, das quais fazem parte as medidas destinadas a garantir que os clientes recebem informações transparentes sobre os preços e tarifas aplicáveis e sobre as condições normais de acesso.

22

Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que, a fim de alcançar os objetivos acima referidos, a Diretiva 2009/72 exige que os Estados‑Membros confiram às suas entidades reguladoras nacionais amplas prerrogativas em matéria de regulação e de supervisão do mercado da eletricidade (Acórdão de 11 de junho de 2020, Prezident Slovenskej republiky,C‑378/19, EU:C:2020:462, n.o 23). Como resulta do artigo 36.o, alínea g), dessa diretiva, entre os objetivos gerais, cuja realização deve ser atribuída pelos Estados‑Membros às suas entidades reguladoras nacionais no quadro do exercício das missões e competências destas, consta o da garantia da proteção dos consumidores (v., neste sentido, Acórdãos de 23 de janeiro de 2020, Energiavirasto,C‑578/18, EU:C:2020:35, n.o 35, e de 8 de outubro de 2020, Crown Van Gelder,C‑360/19, EU:C:2020:805, n.o 27).

23

Em especial, o artigo 37.o, n.o 1, alíneas i) e n), da Diretiva 2009/72 prevê que a entidade reguladora nacional tem as obrigações que consistem em assegurar o respeito das obrigações de transparência por parte das empresas de eletricidade e de contribuir para garantir, em colaboração com outras autoridades competentes, que as medidas de proteção dos consumidores, incluindo as previstas no anexo I dessa diretiva, são eficazes e cumpridas. A este respeito, o artigo 37.o, n.o 4, da referida diretiva dispõe que os Estados‑Membros devem assegurar que as entidades reguladoras sejam dotadas de competências que lhes permitam exercer de modo eficiente e rápido as obrigações a que se refere o artigo 37.o, n.os 1, 3 e 6, da mesma diretiva, e que tenham as competências mínimas que aquela disposição enumera. Ora, embora entre essas figure a competência, prevista no artigo 37.o, n.o 4, alínea d), da Diretiva 2009/72, de impor sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas às empresas de eletricidade que não cumpram as obrigações que lhes incumbem por força dessa diretiva ou de quaisquer decisões juridicamente vinculativas relevantes da entidade reguladora nacional, essa disposição não menciona a competência para exigir que essas empresas reembolsem quaisquer montantes cobrados ao abrigo de uma cláusula contratual considerada ilegal.

24

Todavia, a utilização, no artigo 37.o, n.o 4, da Diretiva 2009/72, da expressão «a entidade reguladora deve ter as seguintes competências mínimas» indica que se podem atribuir a tal entidade outras competências além das expressamente mencionadas nesse artigo 37.o, n.o 4, a fim de lhe permitir cumprir as obrigações a que se refere o artigo 37.o, n.os 1, 3 e 6, dessa diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 23 de janeiro de 2020, Energiavirasto,C‑578/18, EU:C:2020:35, n.os 37, 38 e 40).

25

Dado que entre as obrigações a que se refere o artigo 37.o, n.os 1, 3 e 6, da referida diretiva figuram as de assegurar o respeito das obrigações de transparência que incumbem às empresas de eletricidade e proteger os consumidores, cumpre constatar que um Estado‑Membro pode atribuir a tal entidade a competência para impor a esses operadores a restituição dos montantes por eles cobrados em violação das exigências relativas à proteção dos consumidores, nomeadamente as respeitantes à obrigação de transparência e à exatidão da faturação.

26

Tal interpretação não é posta em causa pelo facto de o artigo 36.o da Diretiva 2009/72 prever, em substância, que a entidade reguladora nacional aprove as medidas necessárias «em estreita consulta com outras autoridades nacionais competentes, incluindo as autoridades da concorrência, conforme adequado, e sem prejuízo das competências destas últimas», ou de o artigo 37.o dessa diretiva conter, no seu n.o 1, alínea n), a expressão «em colaboração com outras autoridades competentes». Com efeito, não resulta dessas disposições que, num caso como o do processo principal, apenas uma dessas outras autoridades nacionais pode ordenar a restituição dos montantes indevidamente cobrados aos clientes finais pelas empresas de eletricidade. Pelo contrário, a utilização dos termos «conforme adequado» implica que tal consulta só é necessária quando a medida cuja adoção está prevista for suscetível de ter implicações para outras autoridades competentes.

27

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 37.o, n.o 1, alíneas i) e n), e n.o 4, alínea d), da Diretiva 2009/72, bem como o anexo I desta, devem ser interpretados no sentido de que permitem à entidade reguladora nacional, com base numa disposição nacional que visa a compensação automática a favor dos clientes dos montantes cobrados por uma empresa de eletricidade quando os níveis de qualidade dos serviços previstos não forem alcançados, ordenar a essa empresa de eletricidade que reembolse aos seus clientes finais os montantes que lhes foram faturados, quando essa ordem de reembolso não se baseie em razões de qualidade do serviço em causa, mas na ilegalidade de uma cláusula contratual que prevê o pagamento de «despesas administrativas».

28

A este respeito, como resulta, em substância, do n.o 25 do presente acórdão, embora a Diretiva 2009/72 não exija que os Estados‑Membros prevejam que a entidade reguladora nacional tem a competência para ordenar o reembolso, por uma empresa de eletricidade, dos montantes indevidamente cobrados aos seus clientes, essa diretiva não se opõe a que um Estado‑Membro conceda tal competência a essa entidade. Na medida em que a proteção dos consumidores e o respeito das obrigações de transparência fazem parte das obrigações que devem ser atribuídas às entidades reguladoras por força do artigo 37.o, n.o 1, alíneas i) e n), da referida diretiva, o motivo exato pelo qual, a fim de cumprir uma dessas obrigações, se ordena a tal empresa que reembolse os seus clientes não é pertinente.

29

Dito isto, incumbe ao juiz nacional apreciar a questão de saber se o direito nacional confere efetivamente à entidade reguladora nacional a competência para ordenar o reembolso dos montantes indevidamente cobrados em casos como o que está em causa no processo principal, ou ainda se essa entidade aplicou esse direito nacional corretamente.

30

Tendo em conta o exposto, há que responder às questões submetidas que o artigo 37.o, n.o 1, alíneas i) e n), e n.o 4, alínea d), da Diretiva 2009/72, bem como o anexo I da mesma, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que um Estado‑Membro confira à entidade reguladora nacional a competência para ordenar às empresas de eletricidade que reembolsem aos seus clientes finais o montante correspondente à contrapartida paga por estes a título de «despesas de gestão administrativa» em aplicação de uma cláusula contratual considerada ilegal por essa entidade, incluindo nos casos em que essa injunção de reembolso não se baseia em razões de qualidade do serviço em causa prestado por essas empresas, mas na violação de obrigações de transparência tarifária.

Quanto às despesas

31

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

O artigo 37.o, n.o 1, alíneas i) e n), e o n.o 4, alínea d), da Diretiva 2009/72/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 2003/54/CE, bem como o anexo I da Diretiva 2009/72,

 

devem ser interpretados no sentido de que:

 

não se opõem a que um Estado‑Membro confira à entidade reguladora nacional a competência para ordenar às empresas de eletricidade que reembolsem aos seus clientes finais o montante correspondente à contrapartida paga por estes a título de «despesas de gestão administrativa» em aplicação de uma cláusula contratual considerada ilegal por essa entidade, incluindo nos casos em que essa injunção de reembolso não se baseia em razões de qualidade do serviço em causa prestado por essas empresas, mas na violação de obrigações de transparência tarifária.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.