CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JEAN RICHARD DE LA TOUR

apresentadas em 26 de outubro de 2023 ( 1 )

Processo C‑752/22

EP

contra

Maahanmuuttovirasto

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo, Finlândia)]

«Reenvio prejudicial — Política de imigração — Diretiva 2003/109/CE — Estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração — Condições de residência de um residente de longa duração noutro Estado‑Membro — Artigo 22.o, n.o 3 — Proteção reforçada contra a expulsão — Nacional de um país terceiro, residente de longa duração no primeiro Estado‑Membro, em situação irregular no território de outro Estado‑Membro — Decisão de regresso acompanhada de uma proibição de entrada no território nacional por razões de ordem pública e de segurança pública — Diretiva 2008/115/CE — Normas e procedimentos comuns aplicáveis nos Estados‑Membros ao regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular — Artigo 6.o, n.o 2 — Nacional de país terceiro detentor de um título de residência válido emitido por outro Estado‑Membro»

I. Introdução

1.

Um nacional de um país terceiro que adquiriu o estatuto de residente de longa duração num Estado‑Membro, em conformidade com a Diretiva 2003/109/CE ( 2 ) beneficia, noutro Estado‑Membro em cujo território se encontra em violação de uma proibição de entrada contra ele proferida, da proteção reforçada contra a expulsão que decorre dos artigos 12.o e 22.o, n.o 3, desta diretiva?

2.

É esta, em substância, a questão que suscita o presente reenvio prejudicial.

3.

Este reenvio inscreve‑se no âmbito de um litígio entre EP, um nacional russo que adquiriu o estatuto de residente de longa duração na Estónia, e o Maahanmuuttovirasto (Serviço Nacional de Imigração, Finlândia) (a seguir «Serviço de Imigração») a respeito da legalidade da decisão de expulsão para a Federação da Rússia, adotada contra o interessado, juntamente com uma proibição de entrada no espaço Schengen (a seguir «decisão controvertida»), a qual foi posteriormente limitada ao território nacional. Ainda que o Serviço de Imigração tenha baseado a sua decisão nas disposições da Diretiva 2008/115/CE ( 3 ), o Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo, Finlândia) interroga‑se sobre se o Serviço de Imigração não estava obrigado, em contrapartida, a aplicar as medidas relativas à proteção reforçada contra a expulsão previstas a favor dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração do artigo 22.o, n.o 3, da Diretiva 2003/109.

4.

Por conseguinte, no presente processo, o Tribunal de Justiça é novamente confrontado com a questão da coexistência, relativamente a um mesmo nacional de um país terceiro, de uma proibição de entrada emitida por um Estado‑Membro e de um título de residência válido emitido por outro Estado‑Membro ( 4 ). Este caso ilustra as dificuldades relativas à apreciação dos âmbitos de aplicação respetivos das Diretivas 2003/109 e 2008/115, que, de resto, a Comissão Europeia não deixou de salientar no âmbito da sua atual proposta de reformulação da Diretiva 2003/109 ( 5 ). As propostas que hoje formula a este respeito visam assegurar uma maior coerência e uma melhor complementaridade entre os dois textos ( 6 ).

5.

Nas presentes conclusões que, em conformidade com o pedido do Tribunal de Justiça, se centrarão na primeira questão prejudicial, explicarei as razões pelas quais considero que o direito de residência derivado do estatuto de residente de longa duração de que goza um nacional de um país terceiro num primeiro Estado‑Membro e a proteção que dele decorre, noutro Estado‑Membro, só podem ser exercidos se este nacional tiver obtido uma autorização de residência neste último Estado. Concluirei da minha análise que o artigo 22.o, n.o 3, da Diretiva 2003/109 deve ser interpretado no sentido de que não regula as condições de adoção, por um Estado‑Membro, de uma decisão de afastamento desse nacional quando este tenha entrado no seu território em violação de uma proibição de entrada contra ele proferida por razões de ordem pública e de segurança pública.

II. Quadro Jurídico

A.   Direito da União

1. Diretiva 2003/109

6.

O artigo 1.o da Diretiva 2003/109, com a epígrafe «Objeto», dispõe:

«A presente diretiva estabelece:

a)

As condições de concessão e perda de estatuto de residente de longa duração conferido por um Estado‑Membro a nacionais de países terceiros legalmente residentes no seu território, bem como os direitos correspondentes; e

b)

As condições de residência de nacionais de países terceiros que beneficiem do estatuto de residente de longa duração noutros Estados‑Membros que não aquele que lhes concedeu o referido estatuto.»

7.

O artigo 2.o, alíneas b) a d), desta diretiva, com a epígrafe «Definições», tem a seguinte redação:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

b)

“Residente de longa duração”: qualquer nacional de um país terceiro que seja titular do estatuto de residente de longa duração estabelecido nos artigos 4.o a 7.o;

c)

“Primeiro Estado‑Membro”: o Estado‑Membro que concedeu pela primeira vez o estatuto de residente de longa duração a um nacional de um país terceiro;

d)

“Segundo Estado‑Membro”: qualquer Estado‑Membro que não aquele que concedeu pela primeira vez o estatuto de residente de longa duração a um nacional de um país terceiro e no qual o referido residente de longa duração exerce o seu direito de residência.»

8.

O artigo 3.o da referida diretiva, com a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe no seu n.o 1:

«A presente diretiva é aplicável aos nacionais de países terceiros que residam legalmente no território de um Estado‑Membro.»

9.

O capítulo II da Diretiva 2003/109 inclui os artigos 4.o a 13.o Estabelece as condições de concessão e de retirada do estatuto de residente de longa duração concedido por um Estado‑Membro aos nacionais de países terceiros que tenham residência legal no seu território, bem como os direitos que lhes são inerentes, com o objetivo de favorecer a integração destes nacionais a fim de promover a coesão económica e social, em conformidade com os considerandos 4 e 6 desta diretiva.

10.

Nos termos do artigo 12.o da referida diretiva, com a epígrafe «Proteção contra a expulsão»:

«1.   Os Estados‑Membros só podem tomar uma decisão de expulsão de um residente de longa duração se este representar uma ameaça real e suficientemente grave para a ordem pública ou a segurança pública.

[…]

3.   Antes de tomarem uma decisão de expulsão de um residente de longa duração, os Estados‑Membros devem ter em consideração os seguintes elementos:

a)

A duração da residência no território;

b)

A idade da pessoa em questão;

c)

As consequências para essa pessoa e para os seus familiares;

d)

Os laços com o país de residência ou a ausência de laços com o país de origem.

[…]»

11.

O capítulo III da Diretiva 2003/109, com a epígrafe «Residência nos outros Estados‑Membros», compreende os artigos 14.o a 23.o Tem por objeto estabelecer as condições de exercício do direito de residência de uma pessoa com estatuto de residente de longa duração, num Estado‑Membro que não aquele que lhe concedeu este estatuto, a fim de contribuir, em conformidade com o considerando 18 desta diretiva, para a realização efetiva do mercado interno enquanto espaço em que é garantida a livre circulação de todas as pessoas.

12.

O artigo 14.o, n.o 1, da referida da diretiva prevê:

«Um residente de longa duração adquire o direito a permanecer no território dos Estados‑Membros que não aquele que lhe concedeu o estatuto de residente de longa duração, por um período superior a três meses, caso estejam preenchidas as condições fixadas no presente capítulo.»

13.

O artigo 15.o da mesma diretiva, com a epígrafe «Condições de residência num segundo Estado‑Membro», dispõe no seu n.o 1, primeiro parágrafo:

«Logo que possível e no prazo de três meses a contar da sua entrada no território do segundo Estado‑Membro, o residente de longa duração deve apresentar um pedido de título de residência junto das autoridades competentes deste Estado‑Membro.»

14.

O artigo 22.o da Diretiva 2003/109, com a epígrafe «Retirada do título de residência e obrigação de readmissão», prevê:

«1.   Enquanto um nacional de um país terceiro não tiver obtido o estatuto de residente de longa duração, o segundo Estado‑Membro pode tomar a decisão de se recusar a renovar ou de lhe retirar o título de residência e de o obrigar, bem como aos seus familiares, de acordo com os procedimentos previstos na legislação nacional, incluindo os procedimentos de afastamento, a abandonar o seu território, nos seguintes casos:

a)

Por razões de ordem pública ou de segurança pública, tais como definidas no artigo 17.o;

b)

Quando deixarem de estar preenchidas as condições previstas nos artigos 14.o, 15.o e 16.o;

c)

Se o nacional de um país terceiro não residir legalmente nesse Estado‑Membro.

2.   Se o segundo Estado‑Membro tomar uma das medidas referidas no n.o 1, o primeiro Estado‑Membro readmitirá imediatamente e sem formalidades o residente de longa duração e os seus familiares. O segundo Estado‑Membro deve notificar a sua decisão ao primeiro Estado‑Membro.

3.   Enquanto um nacional de um país terceiro não tiver obtido o estatuto de residente de longa duração e sem prejuízo da obrigação de readmissão a que se refere o n.o 2, o segundo Estado‑Membro pode tomar a decisão de afastar a pessoa em causa do território da União [Europeia], em conformidade com o artigo 12.o, por razões graves de ordem pública ou de segurança pública.

Nesse caso, o segundo Estado‑Membro deve consultar o primeiro Estado‑Membro antes de tomar a referida decisão.

Sempre que tomar uma decisão de afastamento de um nacional de um país terceiro, o segundo Estado‑Membro deve tomar todas as medidas apropriadas para implementar efetivamente tal decisão. Nesse caso, o segundo Estado‑Membro deve prestar ao primeiro Estado‑Membro informações apropriadas relativamente à implementação da decisão de afastamento.

[…]

4.   A decisão de afastamento pode não ser acompanhada de uma proibição definitiva de residência nos casos previstos nas alíneas b) e c) do n.o 1.

5.   A obrigação de readmissão referida no n.o 2 não prejudica a possibilidade de o residente de longa duração e os seus familiares se mudarem para um terceiro Estado‑Membro.»

2. Diretiva 2008/115

15.

O artigo 3.o da Diretiva 2008/115 tem a seguinte redação:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

2)

“Situação irregular”, a presença, no território de um Estado‑Membro, de um nacional de país terceiro que não preencha ou tenha deixado de preencher as condições de entrada previstas no artigo 5.o do [Regulamento (CE) n.o 562/2006 ( 7 )], ou outras condições aplicáveis à entrada, permanência ou residência nesse Estado‑Membro;

3)

“Regresso”, o processo de retorno de nacionais de países terceiros, a título de cumprimento voluntário de um dever de regresso ou a título coercivo:

ao país de origem, ou

a um país de trânsito, ao abrigo de acordos de readmissão comunitários ou bilaterais ou de outras convenções, ou

a outro país terceiro, para o qual a pessoa em causa decida regressar voluntariamente e no qual seja aceite;

4)

“Decisão de regresso”, uma decisão ou ato administrativo ou judicial que estabeleça ou declare a situação irregular de um nacional de país terceiro e imponha ou declare o dever de regresso;

5)

“Afastamento”, a execução do dever de regresso, ou seja, o transporte físico para fora do Estado‑Membro;

6)

“Proibição de entrada”, uma decisão ou ato administrativo ou judicial que proíbe a entrada e a permanência no território dos Estados‑Membros durante um período determinado e que acompanha uma decisão de regresso;

[…]

8)

“Partida voluntária”: cumprimento do dever de regressar no prazo fixado na decisão de regresso;

[…]»

16.

O artigo 6.o desta diretiva, relativo às decisões de regresso que põem termo à situação irregular, estabelece:

«1.   Sem prejuízo das exceções previstas nos n.os 2 a 5, os Estados‑Membros devem emitir uma decisão de regresso relativamente a qualquer nacional de país terceiro que se encontre em situação irregular no seu território.

2.   Os nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro, que sejam detentores de um título de residência válido ou de outro título, emitido por outro Estado‑Membro e que lhes confira direito de permanência estão obrigados a dirigir‑se imediatamente para esse Estado‑Membro. Em caso de incumprimento desta exigência pelo nacional de país terceiro em causa ou se for necessária a partida imediata deste por razões de ordem pública ou de segurança nacional, aplica‑se o n.o 1.

[…]»

B.   Direito finlandês

17.

Para poder ser admitido no território finlandês, a ulkomaalaislaki 301/2004 (Lei Relativa aos Estrangeiros), de 30 de abril de 2004, estabelece, no seu § 11, primeiro parágrafo, que um estrangeiro não deve ser objeto de uma proibição de entrada (ponto 4) e não deve ser considerado uma ameaça para a ordem pública e a segurança públicas (ponto 5).

18.

Nos termos do § 149b desta lei, o nacional de um país terceiro em situação irregular no território ou cujo pedido de título de residência tenha sido indeferido e que seja detentor de um título de residência válido ou de outro título emitido por outro Estado‑Membro e que lhe confira o direito de residência está obrigado a deslocar‑se imediatamente para o território deste outro Estado‑Membro. Em caso de incumprimento desta obrigação pelo nacional em causa ou quando a partida imediata do nacional de um país terceiro seja exigida por razões de ordem pública ou de segurança pública, é ordenado o seu afastamento.

III. Factos do processo principal e questões prejudiciais

19.

O contexto factual caracteriza‑se por dois períodos distintos.

20.

O primeiro período é o que antecede a concessão pela República da Estónia, em 12 de julho de 2019, do estatuto de residente de longa duração ao interessado, nacional russo, que dispõe de um passaporte válido.

21.

É pacífico que, durante este período, este viajou inúmeras vezes para a Finlândia, onde foi objeto de quatro decisões de expulsão para a Estónia, datadas respetivamente de 9 de fevereiro de 2017, 16 de março de 2017, 26 de novembro de 2018 e 8 de julho de 2019. Estas decisões foram adotadas na sequência da prática de múltiplas infrações pelo interessado, a saber, condução em estado de embriaguez agravada, condução de um veículo sem carta de condução e, por último, violação de uma proibição de entrada. É ainda suspeito de furto qualificado, falsificação e roubo de identidade. Tendo em conta a natureza e a repetição das suas atividades criminosas, as autoridades nacionais competentes consideraram‑no uma ameaça para a ordem pública e a segurança pública e, por conseguinte, três destas decisões foram acompanhadas de uma proibição de entrada no território finlandês.

22.

O segundo período é o que corresponde à concessão pela República da Estónia do estatuto de residente de longa duração ao interessado e da correspondente autorização de residência, por um período de cinco anos, ou seja, de 12 de julho de 2019 a 12 de julho de 2024. Este estatuto foi, por conseguinte, concedido numa altura em que o Estado finlandês já tinha proferido contra esta pessoa uma proibição de entrada no território finlandês ( 8 ).

23.

Em 19 de novembro de 2019, depois de ter procedido a uma avaliação global da situação do interessado — cujos elementos figuram no dossiê nacional de que o Tribunal de Justiça dispõe —, o Serviço de Imigração não lhe permitiu regressar voluntariamente à Estónia e adotou a decisão controvertida ( 9 ). Resulta da decisão de reenvio que a decisão controvertida incluía a obrigação de expulsar o interessado para o seu país de origem, a saber, a Federação Russa, e era acompanhada de uma proibição de entrada em todo o espaço Schengen por um período de quatro anos, tendo em conta a ameaça que este representava para a ordem pública e a segurança pública. Esta decisão foi adotada com base na Diretiva 2008/115, uma vez que o Serviço de Imigração considerou que EP se encontrava «em situação irregular» no território nacional, na aceção do artigo 3.o, n.o 2, desta diretiva, na medida em que tinha entrado neste território em violação das proibições de entrada proferidas anteriormente contra ele. Esclareço, desde já, que uma decisão desta natureza deve, a meu ver, ser entendida como uma «decisão de regresso» na aceção do artigo 3.o, n.o 4, da referida diretiva. Com efeito, no contexto da mesma diretiva, o regresso é definido no seu artigo 3.o, n.o 3, como a operação pela qual um nacional de um país terceiro deve retornar a um país terceiro, a um país de trânsito ou ao seu país de origem, isto é, fora do território da União.

24.

Resulta igualmente do dossiê nacional que, nesta mesma data, 19 de novembro de 2019, o Serviço de Imigração iniciou o procedimento de consulta previsto no artigo 25.o, n.o 2, da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen ( 10 ) com a República da Estónia, no âmbito do qual a República da Estónia foi convidada a tomar posição sobre a eventual retirada da autorização de residência de longa duração do interessado. Em 9 de dezembro de 2019, a República da Estónia notificou que esta autorização não seria retirada. Nestas circunstâncias, o Serviço de Imigração converteu a proibição de entrada em todo o espaço Schengen numa proibição de entrada puramente nacional, em conformidade com o artigo 25.o, n.o 2, segundo parágrafo desta convenção ( 11 ).

25.

A expulsão de EP para a Federação da Rússia foi concretizada em 24 de março de 2020. EP entrou novamente na Finlândia, de onde foi expulso para a (República da) Estónia, em 8 de agosto de 2020 e 16 de novembro de 2020.

26.

Dado que o Helsingin hallinto‑oikeus (Tribunal Administrativo de Helsínquia, Finlândia) negou provimento ao recurso interposto da decisão controvertida pelo recorrente, este recorreu para o Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo) com vista a obter a anulação da referida sentença.

27.

Tendo em conta o contexto factual em que se inscreve o presente processo e, especialmente, o estatuto de residente de longa duração de que EP beneficia na (República da) Estónia, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se, para efeitos da adoção da decisão controvertida, o Serviço de Imigração não estava obrigado a aplicar as medidas relativas à proteção reforçada contra a expulsão estabelecidas pela Diretiva 2003/109.

28.

Em primeiro lugar, o referido órgão jurisdicional considera que o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2003/109 não permite determinar de forma inequívoca se uma situação como a do caso em apreço está abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva. Com efeito, se bem que a permanência de EP na República da Estónia seja regular, uma vez que se baseia no estatuto de residente de longa duração que lhe foi concedido por este Estado‑Membro, em contrapartida a sua permanência na Finlândia não é, tendo em conta o facto de que não solicitou um título de residência ao abrigo das disposições do capítulo III da referida diretiva e que foi proferida contra ele uma proibição de entrada no território deste Estado‑Membro.

29.

Em segundo lugar, o referido órgão jurisdicional considera que a Lei Relativa aos Estrangeiros não contém disposições que transponham expressamente o artigo 22.o, n.o 3, da Diretiva 2003/109 no que diz respeito ao repatriamento, a partir da Finlândia para fora do território da União, de um nacional de um país terceiro a quem foi emitida uma autorização de residência de longa duração por outro Estado‑Membro. Coloca‑se, portanto, a questão de saber se o artigo 12.o, n.os 1 e 3, e o artigo 22.o, n.o 3, daquela diretiva são, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisos, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, para que um nacional de um país terceiro os possa invocar contra um Estado‑Membro.

30.

Nestas condições, o Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

A Diretiva 2003/109 […] aplica‑se à expulsão do território da União de uma pessoa que entrou no território de um Estado‑Membro durante a vigência de uma proibição de entrada contra ela proferida, e cuja permanência nesse Estado‑Membro era portanto ilegal por força do direito nacional, e que não tenha apresentado um pedido de autorização de residência nesse Estado‑Membro, no caso de essa pessoa ter obtido uma autorização de residência de longa duração para nacionais de países terceiros noutro Estado‑Membro?

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

2)

O artigo 12.o, n.o 1 e 3, e o artigo 22.o, n.o 3, da Diretiva 2003/109 […] são, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisos para poderem ser invocados por um nacional de um país terceiro contra um Estado‑Membro?»

31.

O Governo Finlandês e a Comissão apresentaram observações escritas.

IV. Análise

32.

Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se o artigo 22.o, n.o 3, da Diretiva 2003/109, nos termos do qual o nacional de um país terceiro que beneficie do estatuto de residente de longa duração num primeiro Estado‑Membro beneficia, no segundo Estado‑Membro, da proteção reforçada contra a expulsão prevista no artigo 12.o da referida diretiva, é aplicável quando este nacional se tenha deslocado para o território deste último Estado‑Membro em violação de uma proibição de entrada proferida contra ele por razões de ordem pública e de segurança pública.

33.

Antes de iniciar a análise dos termos do artigo 22.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/109 bem como da sistemática e da finalidade do capítulo III desta diretiva, no qual este artigo está inserido, é necessário, a título preliminar, clarificar os âmbitos de aplicação respetivos das Diretivas 2008/115 e 2003/109.

A.   Os âmbitos de aplicação respetivos das Diretivas 2008/115 e 2003/109

34.

Resulta tanto do título como da redação do seu artigo 1.o que a Diretiva 2008/115 estabelece normas e procedimentos comuns a aplicar por cada Estado‑Membro ao regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular.

35.

Assim, decorre inequivocamente do artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva que ela é aplicável aos «nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro» ( 12 ).

36.

O conceito de «situação irregular» está definido no artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 como «a presença, no território de um Estado‑Membro, de um nacional de país terceiro que não preencha ou tenha deixado de preencher as condições de entrada previstas no artigo 5.o do [Regulamento n.o 562/2006 ( 13 )] ou outras condições aplicáveis à entrada, permanência ou residência nesse Estado‑Membro». Na medida em que o nacional de um país terceiro que entra no território de um Estado‑Membro em violação de uma proibição de entrada que lhe foi imposta está efetivamente presente neste território, este nacional encontra‑se, por este simples facto, em situação irregular, na aceção do artigo 3.o, n.o 2, daquela diretiva, e é abrangido pelo seu âmbito de aplicação, em conformidade com o seu artigo 2.o ( 14 ). O artigo 6.o da Diretiva 2008/115 estabelece, por conseguinte, as normas e o procedimento aplicáveis à «[d]ecisão de regresso», por força da qual o nacional é obrigado, a título de cumprimento voluntário ou coercivo, a regressar, nomeadamente, ao país de origem ( 15 ). O artigo 6.o, n.o 2, desta diretiva prevê disposições especiais aplicáveis ao nacional de um país terceiro que seja detentor de um título de residência válido ou de outro título, emitido por outro Estado‑Membro, que lhe confira direito de permanência.

37.

Não obstante, decorre do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 que esta «não prejudica a aplicação de quaisquer disposições mais favoráveis aplicáveis a nacionais de países terceiros, previstas no acervo comunitário em matéria de imigração e asilo». Com efeito, como recordou o Tribunal de Justiça, esta diretiva não tem por objeto harmonizar completamente as regras dos Estados‑Membros relativas à permanência de estrangeiros ( 16 ).

38.

A este respeito, não há dúvida de que as normas estabelecidas pela Diretiva 2003/109 fazem parte deste acervo e preveem disposições mais favoráveis para os nacionais de países terceiros residentes de longa duração, concedendo‑lhes uma proteção reforçada contra a expulsão e um procedimento de readmissão entre Estados‑Membros em certos casos de mobilidade dentro da União. Tal como a Comissão indica no seu Manual de Regresso, esta diretiva é uma lex specialis«que [deve] ser [aplicada] em primeiro lugar nos casos expressamente previstos [pela] [referida] [diretiva]» ( 17 ).

39.

O âmbito de aplicação da Diretiva 2003/109 está definido no seu artigo 3.o, n.o 1, que estabelece que ela «é aplicável aos nacionais de países terceiros que residam legalmente no território de um Estado‑Membro». Desde que o nacional de um país terceiro beneficie do estatuto de residente de longa duração num Estado‑Membro, comprovado, além disso, pelo título de residência correspondente, e que este estatuto não lhe tenha sido formalmente retirado, reside legalmente no território de um Estado‑Membro. No caso em apreço, EP está efetivamente abrangido pelo âmbito de aplicação da referida diretiva e deve, por conseguinte, beneficiar, na Estónia, dos direitos associados ao seu estatuto de residente de longa duração, que estão enumerados no capítulo II da referida diretiva, incluindo o direito a uma proteção reforçada contra a expulsão, previsto no seu artigo 12.o ( 18 ).

40.

Em contrapartida, as condições de residência desse nacional em Estados‑Membros diferentes daquele que lhe concedeu o referido estatuto são mencionadas no capítulo III da Diretiva 2003/109. Ora, nenhuma destas condições se refere a uma situação como a que está em causa, em que o nacional de um país terceiro residente de longa duração num primeiro Estado‑Membro não dispõe de um direito de residência derivado no Estado‑Membro para cujo território se deslocou em violação de uma proibição de entrada proferida contra ele por razões de ordem pública e de segurança pública.

41.

Esta apreciação assenta quer num exame literal do artigo 22.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/109 quer numa análise sistémica, contextual e teleológica desta diretiva.

B.   Os termos do artigo 22.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/109/CE

42.

O artigo 22.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/109 enuncia o princípio de que «[e]nquanto um nacional [ ( 19 )] de um país terceiro não tiver obtido o estatuto de residente de longa duração e sem prejuízo da obrigação de readmissão a que se refere o n.o 2 [ ( 20 )], o segundo Estado‑Membro pode tomar a decisão de afastar a pessoa em causa do território da União, em conformidade com o artigo 12.o, por razões graves de ordem pública ou de segurança pública».

43.

A utilização da conjunção «enquanto» na frase «[e]nquanto um nacional de um país terceiro não tiver obtido o estatuto de residente de longa duração» não permite determinar com precisão o âmbito de aplicação pessoal do artigo 22.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/109.

44.

É verdade que esta expressão reflete a intenção clara do legislador da União de excluir do âmbito de aplicação desta disposição o nacional de um país terceiro com o estatuto de residente de longa duração num primeiro Estado‑Membro, que obtém este estatuto no segundo Estado‑Membro ( 21 ). No entanto, a referida expressão não permite determinar o momento a partir do qual este nacional pode beneficiar desta proteção no território deste outro Estado‑Membro: basta que seja residente de longa duração num primeiro Estado‑Membro, independentemente da duração e das condições da sua permanência no território deste outro Estado‑Membro, ou é necessário que tenha apresentado nesse outro Estado‑Membro um pedido de título de residência ou seja beneficiário deste título?

45.

Penso que o âmbito de aplicação pessoal do artigo 22.o, n.o 3, primeiro parágrafo, desta diretiva também deve interpretar‑se neste sentido.

46.

Em primeiro lugar, no próprio texto desta disposição, o legislador da União refere‑se às obrigações do «segundo Estado‑Membro». Ora, este conceito é definido no artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 2003/109 como «qualquer Estado‑Membro que não aquele que concedeu pela primeira vez o estatuto de residente de longa duração a um nacional de um país terceiro e no qual o referido residente de longa duração exerce o seu direito de residência» ( 22 ). A utilização do presente do indicativo («exerce») em vez do condicional («exerceria») reflete o facto de que o exercício pelo nacional de um país terceiro do seu direito de residência derivado no segundo Estado‑Membro deve ser actual. Ora, tal como decorre do artigo 14.o, n.o 1, e do considerando 21 da referida diretiva, o exercício deste direito de residência pressupõe que o nacional satisfaz as condições estabelecidas no capítulo III da mesma diretiva ( 23 ).

47.

Em segundo lugar, decorre dos termos do artigo 22.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/109 que a «decisão de afastar a pessoa em causa do território da União» deve ser adotada «em conformidade com o artigo 12.o [desta diretiva] por razões graves de ordem pública ou de segurança pública». Isto significa que o nacional só pode ser afastado se representar uma ameaça real e suficientemente grave para a ordem pública ou a segurança pública, que a decisão de afastamento não pode ser justificada por motivos económicos e que as autoridades competentes do segundo Estado‑Membro são obrigadas a tomar previamente em consideração a duração da sua residência no território nacional, a sua idade, as consequências da expulsão para ele e para os membros da sua família, bem como os seus laços com o país de residência ou a inexistência de laços com o seu país de origem ( 24 ). Por conseguinte, a concessão deste nível consideravelmente reforçado de proteção contra o afastamento baseia‑se em justificações objetivas relacionadas com o nível de integração do residente de longa duração no primeiro Estado‑Membro em causa, em virtude do seu estatuto de residente de longa duração (artigo 12.o da Diretiva 2003/109), e no segundo Estado‑Membro, em virtude do exercício do direito de residência derivado que decorre do seu estatuto (artigo 22.o da referida diretiva). Esta proteção não pode, portanto, justificar‑se em relação ao nacional de um país terceiro residente de longa duração que não dispõe deste direito de residência derivado no Estado‑Membro para cujo território se desloca, devido a uma proibição de entrada que foi proferida contra ele por razões de ordem pública e de segurança pública.

48.

Esta interpretação é sustentada pela sistemática e a finalidade das disposições enunciadas no capítulo III da Diretiva 2003/109.

C.   A sistemática e a finalidade do capítulo III da Diretiva 2003/109

49.

Como o seu título indica, o capítulo III da Diretiva 2003/109 tem por objetivo estabelecer as condições de exercício do direito de residência de um nacional de um país terceiro, que beneficia do estatuto de residente de longa duração, num Estado‑Membro diferente daquele que lhe concedeu este estatuto, a fim de contribuir para a realização efetiva do mercado interno enquanto espaço em que é garantida a livre circulação de todas as pessoas ( 25 ). Este capítulo prevê um sistema gradual no que diz respeito ao direito deste nacional nos outros Estados‑Membros, o qual pode conduzir a um direito de residência permanente através da concessão do referido estatuto num destes Estados.

50.

O direito de permanecer por um período superior a três meses ( 26 ) concedido no segundo Estado‑Membro é um direito derivado do estatuto de residente de longa duração obtido no primeiro Estado‑Membro. Assim, é precisamente porque um primeiro Estado‑Membro concedeu este estatuto ao interessado, nos termos do artigo 4.o da Diretiva 2003/109, que um segundo Estado‑Membro pode concretizar este direito de residência derivado, emitindo um título de residência em conformidade com o artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva ( 27 ). Para este efeito, o residente de longa duração deve apresentar um pedido em conformidade com o artigo 15.o da referida diretiva e satisfazer as condições previstas nos artigos 16.o a 19.o da mesma diretiva. Entre estas condições figura a de não representar uma ameaça para a ordem pública ou para a segurança pública ( 28 ). Enquanto o artigo 20.o da Diretiva 2003/109 enuncia as garantias processuais que devem ser concedidas ao residente de longa duração no caso de indeferimento do seu pedido de título de residência, o artigo 21.o desta diretiva prevê o tratamento a dar ao residente de longa duração no segundo Estado‑Membro no caso de este título de residência lhe ser concedido.

51.

É na sequência lógica destas disposições que se inscreve o artigo 22.o da Diretiva 2003/109, inequivocamente intitulado «Retirada do título de residência e obrigação de readmissão». No seu relatório sobre a aplicação desta diretiva, a Comissão indica que este artigo estabelece as condições em que o segundo Estado‑Membro pode adotar uma decisão de expulsão contra um residente de longa duração que dispõe de um título de residência neste Estado‑Membro, mas que ainda não obteve o estatuto de residente de longa duração ( 29 ) a que se refere o artigo 23.o da referida diretiva.

52.

Por conseguinte, o artigo 22.o da Diretiva 2003/109 visa manifestamente o residente de longa duração que iniciou um verdadeiro processo de integração no segundo Estado‑Membro, exercendo o direito de residência derivado que decorre do seu estatuto. O n.o 3 deste artigo tem, de resto, como objetivo garantir a efetividade deste direito de residência, impondo ao segundo Estado‑Membro que conceda a este residente uma proteção reforçada contra a expulsão, no caso de o mesmo representar uma ameaça para a ordem pública e a segurança pública, à semelhança da proteção de que beneficia por força do seu estatuto no primeiro Estado‑Membro.

53.

Ora, numa situação como a que está em causa no processo principal, o nacional de um país terceiro residente de longa duração não tem o direito de entrar no Estado‑Membro em causa devido aos efeitos jurídicos de uma proibição de entrada que foi proferida contra ele. A fortiori, não pode beneficiar de um título de residência derivado neste Estado‑Membro, devido à ameaça que representa para a ordem pública e a segurança pública, em conformidade com o artigo 17.o da Diretiva 2003/109. Nestas circunstâncias, considero que não pode beneficiar do nível consideravelmente reforçado de proteção contra o afastamento, previsto no artigo 22.o, n.o 3, desta diretiva.

54.

Esta interpretação parece‑me conforme com o objetivo da Diretiva 2003/109. Com efeito, como resulta dos considerandos 4, 6 e 12 desta diretiva, o estatuto de residente de longa duração deve constituir um verdadeiro instrumento de integração na sociedade em que o nacional de um país terceiro se instalou, constituindo esta integração igualmente um elemento‑chave para promover a coesão económica e social, objetivo fundamental da União ( 30 ). Recordo igualmente que, em conformidade com o considerando 18 da referida diretiva, o direito de residência de que beneficia o residente de longa duração num Estado‑Membro diferente daquele que lhe concedeu o seu estatuto deve contribuir para a realização efetiva do mercado interno enquanto espaço em que é garantida a livre circulação de todas as pessoas.

55.

É evidente que, na situação em causa no processo principal, a concessão ao interessado do estatuto de residente de longa duração pelas autoridades estónias não pode permitir‑lhe invocar perante as autoridades finlandesas o nível de proteção consideravelmente reforçado contra o afastamento previsto no artigo 22.o, n.o 3, da referida diretiva, quando entrou no território da Finlândia em violação flagrante de uma proibição de entrada que foi proferida contra ele por razões de ordem pública e de segurança pública e não dispõe, por este motivo, de um direito de permanência neste Estado‑Membro. Se assim fosse, isso equivaleria a ignorar, por um lado, o sistema instituído pela Diretiva 2003/109, por força do qual os nacionais de países terceiros gozam de direitos e benefícios que dependem da sua integração na sociedade tanto do primeiro Estado‑Membro como do segundo, e, por outro, os efeitos jurídicos associados às decisões de proibição de entrada emitidas por um Estado‑Membro.

56.

Tendo em conta todos estes elementos, considero que o artigo 22.o, n.o 3, da Diretiva 2003/109 deve ser interpretado no sentido de que não é aplicável ao nacional de um país terceiro que, embora goze do estatuto de residente de longa duração num primeiro Estado‑Membro, não dispõe de um direito de permanência no Estado‑Membro para cujo território se deslocou em violação de uma proibição de entrada que foi proferida contra ele por razões de ordem pública e de segurança pública.

57.

O referido nacional conserva a faculdade de invocar os direitos que lhe confere o seu título de residência de longa duração ao entrar posteriormente no território do primeiro Estado‑Membro.

58.

O Estado‑Membro em cujo território se encontra o referido nacional deve então aplicar o procedimento de regresso previsto na Diretiva 2008/115, nomeadamente no seu artigo 6.o, n.o 2.

59.

Com efeito, recordo que o artigo 6.o desta diretiva tem por objetivo estabelecer as normas e o procedimento aplicáveis às decisões de regresso de nacionais de países terceiros que residam ilegalmente no território de um Estado‑Membro. O artigo 6.o, n.o 2, da diretiva diz respeito à situação especial em que o nacional de um país terceiro é detentor de um título de residência válido ou de outro título, emitido por outro Estado‑Membro e que lhe confira direito de permanência. Nos termos desta disposição, o Estado‑Membro em cujo território o nacional se encontra em situação irregular só deve adotar uma decisão de regresso na hipótese de o interessado se recusar a dirigir‑se imediatamente para o Estado‑Membro que lhe concedeu o título de residência ou quando a partida imediata deste Estado‑Membro for exigida por razões de ordem pública ou de segurança nacional ( 31 ).

V. Conclusão

60.

Tendo em conta todas as considerações anteriores, proponho que o Tribunal de Justiça responda à primeira questão submetida pelo Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo, Finlândia) do seguinte modo:

O artigo 22.o, n.o 3, da Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração, conforme alterada pela Diretiva 2011/51/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2011,

deve ser interpretado no sentido de que:

não se aplica ao nacional de um país terceiro que, embora tenha o estatuto de residente de longa duração num primeiro Estado‑Membro, não dispõe de um direito de permanência no Estado‑Membro para cujo território se deslocou em violação de uma proibição de entrada que foi proferida contra ele por razões de ordem pública e de segurança pública;

este nacional conserva a faculdade de invocar os direitos que lhe são conferidos pelo seu título de residência de longa duração ao entrar posteriormente no território do primeiro Estado‑Membro.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Diretiva do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO 2004, L 16, p. 44), conforme alterada pela Diretiva 2011/51/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2011 (JO 2011, L 132, p. 1) (a seguir «Diretiva 2003/109»).

( 3 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO 2008, L 348, p. 98).

( 4 ) O presente processo insere‑se na linha daquele que deu origem ao Acórdão de 16 de janeiro de 2018, E (C‑240/17, EU:C:2018:8), cujos factos são semelhantes, uma vez que o nacional de um país terceiro em causa era detentor de um título de residência emitido em Espanha, válido quando as autoridades finlandesas proferiram contra ele uma decisão de regresso ao seu país de origem, acompanhada de uma proibição de entrada no espaço Schengen.

( 5 ) Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, apresentada em 27 de abril de 2022, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração [COM(2022) 650 final].

( 6 ) A Comissão sublinha, nomeadamente, que a reformulação da Diretiva 2003/109 «deverá ter em conta as normas e os procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, introduzidos pela [Diretiva 2008/115]» (considerando 21), propondo assim uma referência expressa a esta última diretiva, o que permitiria distinguir mais facilmente o âmbito de aplicação de cada um destes dois textos.

( 7 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, que estabelece o código comunitário relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (JO 2006, L 105, p. 1). Este regulamento foi revogado e substituído pelo Regulamento (UE) 2016/399 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, que estabelece o código da União relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (JO 2016, L 77, p. 1).

( 8 ) Em aplicação do artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115, as autoridades estónias deviam consultar as autoridades finlandesas a fim de ter em conta os seus interesses antes de emitir o estatuto em causa.

( 9 ) No Acórdão de 16 de janeiro de 2018, E (C‑240/17, EU:C:2018:8, n.o 46), o Tribunal de Justiça declarou que, numa situação em que um nacional de país terceiro, titular de um título de residência emitido por um Estado‑Membro, se encontra em situação irregular no território de outro Estado‑Membro, deve ser‑lhe permitido partir para o Estado‑Membro que lhe emitiu o título de residência, em vez de o obrigar a regressar imediatamente ao seu país de origem, a menos que, nomeadamente, a ordem pública ou a segurança nacional o exijam.

( 10 ) Convenção, de 14 de junho de 1985, entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa relativo] à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns, assinada em Schengen em 19 de junho de 1990 e que entrou em vigor em 26 de março de 1995 (JO 2000, L 239, p. 19).

( 11 ) V., igualmente, Acórdão de 16 de janeiro de 2018, E (C‑240/17, EU:C:2018:8, n.o 58).

( 12 ) Embora o artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 enumere os motivos pelos quais os Estados‑Membros podem decidir afastar um nacional de um país terceiro em situação irregular do âmbito de aplicação da diretiva, cabe referir que a posse de uma autorização de residência válida noutro Estado‑Membro não figura entre estes motivos.

( 13 ) V. nota 7 das presentes conclusões.

( 14 ) V. Acórdão de 7 de junho de 2016, Affum (C‑47/15, EU:C:2016:408, n.o 48).

( 15 ) V. artigo 3.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2008/115.

( 16 ) V. Acórdão de 8 de maio de 2018, K. A. e o. (Reagrupamento familiar na Bélgica) (C‑82/16, EU:C:2018:308, n.o 44 e jurisprudência aí referida).

( 17 ) V. ponto 5.8 desse Manual de Regresso, que figura em anexo à Recomendação (UE) 2017/2338 da Comissão, de 16 de novembro de 2017, que estabelece um Manual de Regresso comum a utilizar pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros no exercício de atividades relacionadas com o regresso (JO 2017, L 339, p. 83). Tal como referido no ponto 2 desta recomendação, este manual constitui um instrumento de referência para as autoridades dos Estados‑Membros competentes para a execução de tarefas relacionadas com o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular.

( 18 ) V., também, considerando 16 da Diretiva 2003/109.

( 19 ) O sublinhado é meu. A versão francesa desta disposição utiliza a expressão «résident de pays tiers», ao passo que se refere a «ressortissant d'un pays tiers» no artigo 22.o, n.o 1, da referida diretiva. Outras versões linguísticas utilizam a mesma expressão em ambos os números, como, por exemplo, a versão espanhola («el nacional de un tercer país»), a alemã («Drittstaatsangehörige»), a inglesa («the third‑country national»), italiana («il cittadino di un paese terzo») e a eslovena («državljan tretje države»).

( 20 ) No seu relatório ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a aplicação da [Diretiva 2003/109], de 28 de setembro de 2011 [COM(2011) 585 final], a Comissão realçou que «a Diretiva [2008/115] teve um impacto no artigo 22.o, n.os 2 e 3, uma vez que, em conformidade com o artigo 6.o dessa diretiva, os nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro e detentores de um título de residência válido emitido por outro Estado‑Membro estão obrigados a dirigir‑se imediatamente para esse Estado‑Membro. Só em caso de inobservância dessa condição por parte do nacional de país terceiro em causa é que os Estados‑Membros podem emitir uma decisão de regresso» (ponto 3.9).

( 21 ) Este último beneficia da proteção associada ao estatuto de residente de longa duração, tal como previsto no artigo 12.o da Diretiva 2003/109.

( 22 ) O sublinhado é meu.

( 23 ) V. minhas conclusões nos processos apensos Stadt Frankfurt am Main e Stadt Offenbach am Main (Renovação de uma autorização de residência no segundo Estado‑Membro) (C‑829/21 e C‑129/22, EU:C:2023:244, n.os 40 e 41), bem como Acórdão de 29 de junho de 2023, Stadt Frankfurt am Main e Stadt Offenbach am Main (Renovação de uma autorização de residência no segundo Estado‑Membro) (C‑829/21 e C‑129/22, EU:C:2023:525, n.o 57 e jurisprudência aí referida).

( 24 ) V. Acórdão de 9 de fevereiro de 2023, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid e o. (Revogação do direito de residência de um trabalhador turco) (C‑402/21, EU:C:2023:77, n.o 71 e jurisprudência aí referida).

( 25 ) V. considerando 18 desta diretiva.

( 26 ) V. artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2003/109.

( 27 ) V. minhas conclusões nos processos apensos C‑829/21 e C‑129/22, Stadt Frankfurt am Main e Stadt Offenbach am Main (Renovação de uma autorização de residência no segundo Estado‑Membro) (C‑829/21 e C‑129/22, EU:C:2023:244, n.os 40 e 41), bem como Acórdão de 29 de junho de 2023, Stadt Frankfurt am Main e Stadt Offenbach am Main (Renovação de uma autorização de residência no segundo Estado‑Membro) (C‑829/21 e C‑129/22, EU:C:2023:525, n.o 57 e jurisprudência aí referida).

( 28 ) Como sublinha o legislador da União no considerando 21 da Diretiva 2003/109, o Estado‑Membro onde o residente de longa duração pretende exercer o seu direito de residência deverá poder verificar que a pessoa em questão preenche as condições previstas para residir no seu território e que não representa uma ameaça para a ordem, a segurança ou a saúde pública.

( 29 ) V. relatório citado na nota [20] das presentes conclusões, ponto 3.9.

( 30 ) Decorre do considerando 22 da Diretiva 2003/109 que é para garantir a efetividade deste direito de residência derivado que o legislador da União exige ao segundo Estado‑Membro que garanta ao residente de longa duração o mesmo tratamento que lhe é concedido no primeiro Estado‑Membro. V., também, Acórdão de 4 de junho de 2015, P e S (C‑579/13, EU:C:2015:369, n.o 46 e jurisprudência aí referida).

( 31 ) V., a este respeito, Acórdão de 16 de janeiro de 2018, E (C‑240/17, EU:C:2018:8, n.o 45), e Despacho de 26 de abril de 2023, Migrationsverket (C‑629/22, EU:C:2023:365, n.os 20, 22 e 33 e jurisprudência aí referida).