CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 30 de abril de 2024 ( 1 )

Processo C‑683/22

Adusbef — Associazione difesa utenti servizi bancari e finanziari

contra

Presidenza del Consiglio dei ministri,

Ministero dell’Economia e delle Finanze,

Ministero delle Infrastrutture e della Mobilità sostenibili,

DIPE — Dipartimento programmazione e coordinamento della politica economica,

Autorità di regolazione dei trasporti,

Corte dei Conti,

Avvocatura dello Stato,

sendo intervenientes:

Mundys S.p.A., antigua Atlantia S.p.A.,

Autostrade per l’Italia S.p.A.,

Holding Reti Autostradali S.p.A.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale Amministrativo Regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio, Itália)]

«Reenvio prejudicial — Concessão da gestão de autoestradas — Incumprimento grave dos deveres de manutenção e conservação — Diretiva 2014/23/UE — Artigo 43.o — Modificação da concessão — Continuidade do concessionário anterior — Avaliação da necessidade de abertura de novo concurso — Fundamentação da decisão — Natureza substancial das modificações — Apreciação da fiabilidade do concessionário no processo de modificação da concessão — Artigo 44.o — Rescisão da concessão — Inexistência de concurso — Falta de fiabilidade do concessionário»

1.

Em 14 de agosto de 2018, verificou‑se a queda da designada «ponte Morandi», viaduto de Polcevera da autoestrada A10, nos arredores de Génova, Itália. A empresa concessionária da autoestrada era, àquela data, a Autostrade per l’Italia S.p.A. (a seguir, «ASPI»).

2.

As autoridades nacionais abriram um processo de inquérito para apurar a responsabilidade da ASPI pelo incumprimento grave das suas obrigações de conservação e manutenção da rede de autoestradas a seu cargo.

3.

Esse processo terminou com um accordo transattivo (a seguir, «acordo de transação») entre a ASPI e as autoridades italianas, a que se seguiu um III atto aggiuntivo (a seguir, «III Ato Adicional») subscrito pelas mesmas partes e incorporado na convenção de concessão inicial. Ao abrigo destes foram alteradas as cláusulas da concessão sem abrir novo concurso.

4.

Esses acordos, bem como outros atos conexos, foram impugnados por uma associação de consumidores junto de um órgão jurisdicional italiano, que submete ao Tribunal de Justiça as questões que se lhe suscitaram quanto à interpretação do direito da União relativo à modificação (e eventual rescisão) dos contratos de concessão, regidos pela Diretiva 2014/23/UE ( 2 ).

I. Quadro jurídico

A.   Direito da União. Diretiva 2014/23

5.

O artigo 3.o («Princípio da igualdade de tratamento, não discriminação e transparência») estabelece:

«1.   As autoridades e entidades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e atuam de forma transparente e proporcionada.

[…]

2.   As autoridades adjudicantes e as entidades adjudicantes garantem a transparência do procedimento de adjudicação e da execução do contrato […]».

6.

De acordo com o artigo 38.o («Seleção e avaliação qualitativa dos candidatos»):

«[…]

7.   As autoridades ou entidades adjudicantes podem excluir ou podem ser solicitadas pelo Estado‑Membro a excluir qualquer operador económico da participação num procedimento de adjudicação de concessão numa das seguintes situações:

[…]

c)

Caso a autoridade adjudicante possa demonstrar, por qualquer meio adequado, que o operador económico cometeu uma falta profissional grave que põe em causa a sua idoneidade;

[…]

f)

Caso o operador económico tenha revelado deficiências significativas ou persistentes na execução de um requisito essencial no âmbito de uma concessão anterior ou de um contrato anterior com uma autoridade ou entidade adjudicante tal como definida na presente diretiva ou na Diretiva 2014/25/UE, tendo tal facto conduzido à rescisão antecipada desse contrato, à condenação em danos ou a outras sanções comparáveis;

[…].»

7.

Nos termos do artigo 43.o («Modificação de contratos durante o seu período de vigência»):

«1.   As concessões podem ser modificadas sem novo procedimento de concessão, nos termos da presente diretiva, em qualquer dos seguintes casos:

a)

Se as modificações, independentemente do seu valor monetário, estiverem previstas nos documentos iniciais da concessão em cláusulas de revisão, que podem incluir cláusulas de revisão dos valores, ou opções claras, precisas e inequívocas. Essas cláusulas devem indicar o âmbito e a natureza das eventuais modificações ou opções, bem como as condições em que podem ser aplicadas. Não podem prever modificações ou opções que alterem a natureza global da concessão;

[…]

c)

Se se verificarem todas as seguintes condições:

i)

a necessidade de modificação decorre de circunstâncias que uma autoridade adjudicante ou entidade adjudicante diligente não podia prever,

ii)

a modificação não altera o caráter global da concessão,

iii)

no caso de concessões adjudicadas pela autoridade adjudicante, para efeitos de prosseguir uma atividade diferente das referidas no anexo II, o aumento dos valores não pode ultrapassar 50 % do valor da concessão original. Caso sejam realizadas diversas modificações, esta limitação aplica‑se ao valor de cada modificação. Tais modificações não podem ter por objetivo contornar a aplicação das disposições da presente diretiva;

d)

Se o concessionário ao qual a autoridade adjudicante ou a entidade adjudicante atribui inicialmente a concessão for substituído por um novo adjudicatário, por um dos seguintes motivos:

i)

uma cláusula de revisão ou opção inequívoca, nos termos da com a alínea a),

ii)

transmissão universal ou parcial da posição do concessionário inicial, na sequência de operações de reestruturação, incluindo OPA, fusão e aquisição, ou de uma insolvência, para outro operador económico que satisfaça os critérios em matéria de seleção qualitativa inicialmente estabelecidos, desde que daí não advenham outras modificações substanciais ao contrato e que a operação não se destine a contornar a aplicação da presente diretiva, ou

iii)

assunção pela própria autoridade adjudicante ou pela entidade adjudicante das obrigações do concessionário principal para com os seus subcontratantes, se tal possibilidade estiver prevista na legislação nacional;

e)

Se as modificações, independentemente do seu valor, não forem substanciais na aceção do n.o 4.

Depois de modificarem um contrato nos casos previstos nas alíneas b) e c) do presente número, as autoridades adjudicantes ou as entidades adjudicantes publicam um anúncio para o efeito no Jornal Oficial da União Europeia. Este anúncio inclui as informações previstas no anexo XI e é publicado nos termos do artigo 33.o

2.   Além disso, e sem que seja necessário verificar se se encontram preenchidas as condições previstas no n.o 4, alíneas a) a d), as concessões podem igualmente ser modificadas sem necessidade de novo procedimento de concessão, nos termos da presente diretiva, caso o valor da modificação seja inferior a ambos os seguintes valores:

i)

o limiar estabelecido no artigo 8.o, e

ii)

10 % do valor da concessão inicial.

Todavia, a modificação não pode alterar a natureza global da concessão. No caso de várias modificações, esse valor é avaliado com base no valor líquido acumulado das várias modificações.

[…]

4.   A modificação de uma concessão durante o seu período de vigência é considerada substancial na aceção do n.o 1, alínea e), caso torne a concessão materialmente diferente da celebrada inicialmente. Em qualquer caso, sem prejuízo dos n.os 1 e 2, uma modificação é considerada substancial se se verificar uma das seguintes condições:

a)

A modificação introduz condições que, se tivessem feito parte do procedimento inicial de adjudicação da concessão, teriam permitido a admissão de outros candidatos que não os inicialmente selecionados, a aceitação de uma proposta que não a inicialmente aceite, ou teriam atraído mais participantes ao procedimento de adjudicação da concessão;

b)

A modificação altera o equilíbrio económico da concessão a favor do concessionário de uma forma que não estava prevista na concessão inicial;

c)

A modificação alarga consideravelmente o âmbito da concessão;

d)

Um concessionário ao qual a autoridade adjudicante ou a entidade adjudicante atribuiu inicialmente a concessão é substituído por um novo concessionário, em casos não previstos no n.o 1, alínea d).

5.   As modificações das disposições de uma concessão durante a sua vigência que sejam diferentes das modificações previstas nos n.os 1 e 2 obrigam a novo procedimento de concessão nos termos da presente diretiva.»

8.

O artigo 44.o («Rescisão de concessões») estabelece:

«Os Estados‑Membros devem assegurar que as autoridades adjudicantes e as entidades adjudicantes tenham a possibilidade, nas condições determinadas pelas normas de direito nacional aplicáveis, de rescindir uma concessão durante a sua vigência, caso se verifique uma ou mais das seguintes condições:

a)

A concessão foi objeto de uma modificação que exigiria um novo processo de adjudicação da concessão nos termos do artigo 43.o;

b)

O concessionário [que], à data da adjudicação do contrato, se encontre numa das situações referidas no artigo 38.o, n.o 4, pelo que deveria ter sido excluído do processo de adjudicação da concessão;

c)

O Tribunal de Justiça da União Europeia considera, no quadro de um procedimento nos termos do artigo 258.o [TFUE], que um Estado‑Membro não cumpriu as obrigações que lhe são impostas pelos Tratados devido ao facto de a autoridade adjudicante ou a entidade adjudicante pertencente a esse Estado‑Membro ter adjudicado a concessão em causa sem cumprir as obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados e da presente diretiva».

B.   Direito italiano

1. Decreto‑legge 6 dicembre 2011, n. 201. Disposizioni urgenti per la crescita, l’equità e il consolidamento dei conti pubblici ( 3 )

9.

Nos termos do artigo 43.o, n.o 1, se as atualizações ou revisões das convenções de concessão de autoestradas vigentes à data da sua entrada em vigor implicarem mudanças ou modificações do plano de investimento ou aspetos de natureza normativa destinados à proteção das finanças públicas, ficam subordinadas ao parecer de determinados órgãos e são aprovadas pelas autoridades especificadas na referida disposição.

2. Decreto legislativo 18 aprile 2016, n. 50. Codice dei contratti pubblici ( 4 )

10.

Do artigo 80.o, n.o 5, constam como motivos facultativos de exclusão de um proponente, nas suas alíneas c) e c‑B), respetivamente, a falta profissional grave e o incumprimento na execução de uma concessão anterior.

11.

Na terceira parte do Decreto Legislativo, dedicada aos contratos de concessão, encontram‑se:

O artigo 175.o, relativo às modificações dos contratos durante o seu período de vigência. Reproduz, com poucas diferenças, o artigo 43.o da Diretiva 2014/23.

O artigo 176.o, relativo à cessação, à revogação oficiosa, à rescisão por incumprimento e à substituição do concessionário.

II. Matéria de facto, litígio e questões prejudiciais

12.

Em 12 de outubro de 2007, a ASPI e a Azienda Nazionale Autonoma delle Strade (Junta Nacional Autónoma de Estradas, Itália] ( 5 ) celebraram uma «Convenzione unica» (a seguir, «Convenção Única») ( 6 ) em que era outorgada à ASPI a concessão de um conjunto de troços de autoestradas italianas superior a 2800 quilómetros ( 7 ).

13.

A concessão expira em 31 de dezembro de 2038.

14.

Em 14 de agosto de 2018, nos arredores de Génova, uma parte do viaduto de Polcevera da autoestrada A10 (a «ponte Morandi») incluída na concessão da ASPI desabou, provocando a morte de 43 pessoas.

15.

Em 16 de agosto de 2018, a Direção‑Geral da Supervisão dos Concessionários de Autoestradas instaurou um processo de inquérito contra a ASPI, por incumprimento grave das obrigações de manutenção e conservação da rede de autoestradas.

16.

A partir de 10 de julho de 2019, foram realizadas várias reuniões entre o concessionário e as autoridades, que levaram à apresentação de uma proposta da ASPI, em 11 de julho de 2020 ( 8 ).

17.

Com base nesta proposta de «solução negociada», foi redigido um acordo de transação, comunicado à ASPI por ofício conjunto de vários Ministérios italianos e da Presidência do Conselho de Ministros, datada de 23 de setembro de 2020.

18.

O acordo de transação definia as medidas a cargo do concessionário e as restantes obrigações assumidas por este para a solução negociada do processo de incumprimento. O mesmo acordo propunha a «renegociação da Convenção Única» de 12 de outubro de 2007.

19.

Em 15 de julho de 2021, a ASPI comunicou um projeto de ato adicional à Convenção Única e seus anexos.

20.

Em 14 de outubro de 2021, o Ministério das Infraestruturas e a ASPI assinaram o acordo de transação, que seria confirmado pelo Decreto n.o 37, de 22 de fevereiro de 2022, do Ministério das Infraestruturas de comum acordo com o Ministero dell’economia e delle Finanze (Ministério da Economia e Finanças, Itália) ( 9 ).

21.

Em 21 de março de 2022, o Ministério das Infraestruturas e a ASPI subscreveram o III Ato Adicional à Convenção Única, inserindo nesta determinadas modificações das cláusulas do contrato de concessão.

22.

Por recurso registado sob o número 6020 de 2022, várias associações [das quais só a Associazione difesa utenti servizi bancari e finanziari (a seguir «Adusbef») acabaria por ver reconhecida a sua legitimidade ativa] impugnaram no órgão jurisdicional de reenvio os seguintes atos, pedindo que os mesmos fossem declarados nulos:

Decisão n.o 75/21 do Comité Interministerial de Planeamento Económico e Desenvolvimento Sustentável, de 22 de dezembro de 2021, denominada «Autostrade per l’Italia S.p.A. — Parecer sobre o Terceiro Ato Adicional à Convenção Única de 12 de outubro de 2007 e sobre o Plano Económico Financeiro na aceção do artigo 43.o do Decreto‑lei n.o 201 de 2011 (Decisão n.o 75/2021)».

Decreto n.o 37, de 22 de fevereiro de 2022, conjunto do Ministério das Infraestruturas e do Ministério da Economia e Finanças, pelo qual é aprovado o acordo de transação, subscrito em 14 de outubro de 2021, entre o Ministério das Infraestruturas e a ASPI.

Decisão da Corte dei Conti (Tribunal de Contas, Itália) n.o SCCLEG/2/2022/PREV, de 29 de março de 2022.

Parecer favorável da Avvocatura Generale dello Stato (Procuradoria‑Geral, Itália), comunicado mediante nota de 24 de setembro de 2021, relativa ao projeto do acordo anteriormente referido.

Acordo de transação de 14 de outubro de 2021, celebrado entre o Ministério das Infraestruturas e a ASPI.

Nota n.o 19135, de 5 de novembro de 2021, pela qual a ASPI comunicou ao Ministério das Infraestruturas a proposta atualizada do plano económico‑financeiro.

Parecer, de 22 de dezembro de 2021, do Nucleo di consulenza per l’attuazione delle linee guida per la regolazione dei servizi di pubblica utilità (Grupo Consultivo para a Aplicação das Orientações para a Regulação dos Serviços de Utilidade Pública), relativo ao projeto do III Ato Adicional à Convenção Única e ao correspondente plano económico‑financeiro.

Parecer, de 14 de outubro de 2020, e Nota de 16 de dezembro de 2021 da Autorità di regolazione dei trasporti (Autoridade Reguladora dos Transportes, Itália).

Atas das reuniões do Consiglio dei Ministri (Conselho de Ministros, Itália), de 14 e 15 de julho de 2020.

Qualquer outro ato preliminar, conexo ou subsequente.

23.

Os fundamentos da impugnação alegados pela Adusbef ( 10 ) referiam‑se tanto à violação de normas nacionais como dos artigos 38.o, 43.o e 44.o da Diretiva 2014/23.

24.

A esta impugnação foi deduzida oposição pela ASPI, pelas instituições e administrações públicas autoras dos atos impugnadas, com representação conjunta, bem como pela Atlantia S.p.A ( 11 ). e, na qualidade de interveniente ad opponendum, pela Holding Reti Autostradali.

25.

Neste contexto, o Tribunale Amministrativo Regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio, Itália) submete ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais «relativas ao regime previsto nos artigos 38.o, 43.o e 44.o da Diretiva 2014/23»:

«1)

É ou não contrário ao direito [da União] a interpretação da legislação nacional no sentido de que a Administração concedente pode iniciar um procedimento de alteração subjetiva e objetiva ou de renegociação de uma concessão de autoestrada em vigor, sem avaliar nem se pronunciar sobre a obrigação de abrir um procedimento de concurso público?

2)

É ou não contrário ao direito [da União] a interpretação da legislação nacional no sentido de que a Administração concedente pode iniciar um procedimento de alteração subjetiva e objetiva ou de renegociação de uma concessão de autoestrada em vigor, sem avaliar a fiabilidade de um concessionário que incorreu em incumprimento grave?

3)

Em caso de constatação de violação do princípio da publicidade e/ou de constatação de falta de fiabilidade do titular de uma concessão de autoestrada, a legislação [da União] impõe a obrigação de rescisão da relação contratual?»

III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça

26.

O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de novembro de 2022.

27.

Foram apresentadas observações escritas pela Adusbef, pela ASPI, pela Holding Reti Autostradali, pela Mundys, pelos Governos Alemão, Estónio e Italiano, bem como pela Comissão Europeia. Todos, com exceção dos Governos Alemão e Estónio, participaram na audiência realizada em 28 de fevereiro de 2024.

IV. Apreciação

A.   Observações preliminares

1. Diretiva aplicável

28.

Segundo a Mundys, a Diretiva 2014/23 não é pertinente para a decisão do litígio, pois, nos termos do seu artigo 54.o, segundo parágrafo, «não se aplica às concessões objeto de proposta ou adjudicadas antes de 17 de abril de 2014». Neste processo, a concessão controvertida foi adjudicada em 12 de outubro de 2007.

29.

Embora a concessão inicial tenha sido outorgada antes da adoção da Diretiva 2014/23, a data relevante para determinar a norma aplicável é a data das modificações cuja validade se impugna ( 12 ) Essa data é posterior a 17 de abril de 2014, o que determina a aplicabilidade da Diretiva 2014/23.

30.

O mesmo raciocínio é aplicável, mutatis mutandis, para recusar as objeções respeitantes à falta superveniente de fiabilidade do concessionário e à existência de um fundamento de rescisão contratual. Ambas se referem a factos, que decorrem ou se relacionam com as modificações controvertidas, posteriores a 17 de abril de 2014.

2. Admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

31.

A ASPI, a Holding Reti Autostradali, a Mundys e o Governo Italiano defendem, com argumentos parcialmente comuns e parcialmente divergentes, que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível. Resumindo, acusam o órgão jurisdicional de reenvio de não ter apresentado os elementos de facto e de direito suficientes para obter uma resposta útil às suas questões, e de que estas são hipotéticas.

32.

Os pedidos de decisão prejudicial relativos à interpretação do direito da União gozam de uma presunção de pertinência. Além disso, compete ao juiz nacional definir, sob sua responsabilidade, o quadro regulamentar e factual, cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar. Este só pode recusar pronunciar‑se sobre um desses pedidos em casos excecionais definidos pelo Tribunal de Justiça ( 13 ).

33.

Na minha opinião, sem prejuízo do que irei precisar quanto à terceira questão prejudicial e de certas ambiguidades nas restantes, as duas primeiras têm uma conexão com o objeto do litígio a quo. Embora a descrição dos factos não seja tão precisa como deveria ser ( 14 ), essa descrição e as considerações jurídicas da decisão de reenvio ( 15 ) fornecem ao Tribunal de Justiça os elementos mínimos para responder às duas primeiras questões.

B.   Primeira questão prejudicial

34.

O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o direito da União permite «a interpretação da legislação nacional no sentido de que a Administração concedente pode iniciar um procedimento de alteração subjetiva e objetiva ou de renegociação de uma concessão de autoestrada em vigor, sem avaliar nem se pronunciar sobre a obrigação de abrir um procedimento de concurso público».

35.

Há que considerar que a questão assim formulada se reporta ao artigo 43.o da Diretiva 2014/23, que regula a modificação de contratos de concessão durante o seu período de vigência. Abordá‑la‑ei analisando esta disposição e os aspetos formais e substanciais das modificações adotadas no processo dos autos.

1. Modificações dos contratos de concessão na Diretiva 2014/23

36.

O artigo 43.o da Diretiva 2014/23 permite modificar as concessões sem novo procedimento de concessão nos casos enumerados no seu n.o 1. Destes salienta, no que aqui interessa, o de «as modificações, independentemente do seu valor, não [serem] substanciais na aceção do n.o 4» [alínea e) do n.o 1].

37.

O n.o 4 deste mesmo artigo estabelece as condições em que a modificação de uma concessão durante o seu período de vigência é considerada substancial. Neste contexto, nos termos do seu n.o 5, «obrigam a novo procedimento de concessão».

38.

O considerando 75 da Diretiva 2014/23 afirma que «[…] é obrigatório um novo procedimento de concessão em caso de alterações materiais à concessão inicial, em particular do âmbito de aplicação e do teor dos direitos e obrigações recíprocos das partes […]».

39.

Antes da entrada em vigor da Diretiva 2014/23, o Tribunal de Justiça já tinha declarado que as alterações substanciais introduzidas nas disposições essenciais de um contrato de concessão de serviços podiam exigir a adjudicação de um novo contrato ( 16 ).

40.

Em 2011 foi aberto um debate ( 17 ) sobre a necessidade de reformar as diretivas relativas à adjudicação de contratos públicos. Uma das questões submetidas a consulta era a de saber «se é necessária uma clarificação jurídica ao nível da UE para estabelecer as condições em que as modificações de um contrato exigem um novo procedimento de adjudicação», à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça. O resultado plasmado nas três diretivas relativas à adjudicação de contratos de 2014 é semelhante no que se refere às modificações contratuais.

41.

A jurisprudência posterior relativa ao artigo 43.o da Diretiva 2014/23 interpreta‑o na linha das suas decisões anteriores. Assim, no Acórdão de 2 de setembro de 2021, o Tribunal de Justiça declarou que com esse artigo «[…] se procedeu a uma harmonização exaustiva das situações em que, por um lado, as concessões podem ser modificadas sem que seja necessário organizar para o efeito um novo procedimento de concessão […] e aquelas em que, por outro, tal procedimento de concessão é necessário no caso de modificação das condições da concessão» ( 18 ).

42.

Como acabo de indicar, o artigo 43.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2014/23 enumera as modificações que não exigem a abertura de um novo concurso. O n.o 4 do mesmo artigo prevê as condições em que uma modificação é considerada substancial, com a consequência (n.o 5) de obrigar a um novo procedimento de concessão.

43.

Há que responder ao órgão jurisdicional de reenvio à luz destas premissas no que respeita à primeira questão prejudicial. Ora, a questão tem uma formulação ambígua: tal como está redigida, parece destinar‑se apenas a que se esclareça se existe uma obrigação formal de a Administração concedente se pronunciar, por decisão fundamentada, sendo, assim, relegado para segundo plano o seu conteúdo material.

44.

No entanto, a abordagem formal contrasta com a atenção que o tribunal a quo dedica na sua decisão de reenvio a uma das (alegadas) alterações substanciais da concessão, a que se refere à estrutura acionista do concessionário.

45.

Por uma questão de exaustividade, abordarei as duas perspetivas, formal e material, da questão. Antes de mais, devo sublinhar que, com exceção do que diz respeito à mudança de acionistas, a decisão de reenvio não identifica com precisão a origem nem o conteúdo das cláusulas dos contratos de concessão modificadas.

46.

Como já referi, a modificação ocorreu por força de dois atos que, embora interligados, têm uma natureza jurídica diferente:

Por um lado, a celebração, em 14 de outubro de 2021, do acordo de transação entre o Ministério das Infraestruturas e a ASPI, que pôs termo ao inquérito por incumprimento do concessionário ( 19 ).

Por outro lado, a subscrição pelas mesmas partes, em 21 de março de 2022, do III Ato Adicional à Convenção Única. Foi este ato que, na realidade, procedeu às modificações na concessão. No entanto, a decisão de reenvio não se detém muito sobre o mesmo.

2. Obrigação de a autoridade adjudicante fundamentar a sua decisão

47.

O artigo 43.o, n.os 1, 2 e 4, da Diretiva 2014/23, ao regular a forma como as concessões podem ser modificadas (com ou sem necessidade de novo concurso), não exige que a autoridade adjudicante exponha as razões que a levam a considerar a existência de algum dos casos previstos naquelas disposições.

48.

Em princípio, e perante o silêncio, quanto a este pormenor, do artigo 43.o da Diretiva 2014/23 caberia aos Estados‑Membros impor, ou não, às autoridades adjudicantes o dever de fundamentar as suas decisões relativas à modificação da concessão.

49.

Ora, o Tribunal de Justiça já declarou que, em determinadas circunstâncias, a autoridade adjudicante está sujeita a esse dever, para que os interessados possam «defender os seus direitos e decidir com pleno conhecimento de causa se devem interpor recurso jurisdicional contra [as decisões adotadas contra as autoridades nacionais]», e para «permitir aos tribunais exercerem a fiscalização da legalidade dessas decisões» ( 20 ).

50.

O órgão jurisdicional de reenvio tem de determinar se, dado o objeto do litígio, os atos impugnados devem ser fundamentados e, se assim for, se a fundamentação deles constante é suficiente para permitir a defesa dos direitos dos seus destinatários ou a respetiva fiscalização jurisdicional ( 21 ).

51.

Sob esta perspetiva, a decisão de reenvio transcreve elementos suficientes para inferir que a decisão da autoridade adjudicante foi precedida de avaliações que poderiam satisfazer a exigência de fundamentação. Concretamente, as autoridades competentes explicaram (acertada ou erradamente, mas essa é outra questão) por que motivo era a solução mais adequada a modificação da concessão.

52.

Com efeito, pode ler‑se no n.o 2.2 da decisão de reenvio de que forma a autoridade adjudicante ponderou as consequências negativas e positivas das duas alternativas apresentadas (a modificação da concessão sem novo concurso ou a rescisão do contrato) ( 22 ). As razões que levaram as autoridades italianas a optar pela primeira destas soluções constam, de forma clara e completa, dos diversos documentos que fazem parte do processo ( 23 ).

53.

Assim sendo, a fundamentação da autoridade adjudicante poderia ser inferida do conteúdo do conjunto de documentos que engloba os atos impugnados pela Adusbef. Estes incluem os pareceres dos organismos e instituições nacionais que salientam a conveniência de adotar o acordo de transação e o III Ato Adicional, na sequência dos quais a autoridade adjudicante considerou que era oportuno modificar, sem concurso prévio, a concessão original.

54.

No processo instaurado pela Adusbef no órgão jurisdicional de reenvio, esta associação reconhece que «os fundamentos adotados no Acordo [transacional] no sentido de não proceder à rescisão, mas sim à prossecução do contrato […]» constam do mesmo e reproduzem parte do seu conteúdo ( 24 ). Na mesma petição ( 25 ) critica, com os seus próprios argumentos, os contidos no acordo de transação a favor da continuidade do contrato e os expostos pela Corte dei conti (Tribunal de Contas) para «integrar a fundamentação».

55.

A Adusbef pôde, assim, conhecer e impugnar o conteúdo dos atos modificativos da concessão, que submete à fiscalização jurisdicional do tribunal de reenvio ( 26 ).

3. Qualificação das modificações do contrato de concessão

56.

A decisão de reenvio centra‑se, preferencialmente, na (alegada) modificação do contrato de concessão devida à alteração da estrutura acionista da ASPI. O que se discute é saber se existiu uma «mudança de concessionário», na aceção do artigo 43.o, n.o 4, alínea d), da Diretiva 2014/23, conjugado com o seu n.o 1, alínea d).

57.

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber:

Se a queda da ponte Morandi configurou uma «circunstância imprevisível» na aceção do n.o 1, primeiro parágrafo, alínea c), i), do artigo 43.o da Diretiva 2014/23.

Se o compromisso da ASPI de proporcionar uma compensação financeira de 3400 milhões de euros e de garantir um reforço das normas de segurança da rede de autoestradas e a sua aplicação efetiva implica uma modificação substancial da concessão.

58.

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se, nos termos do artigo 43.o, n.o 5, da Diretiva 2014/23, era necessária a abertura de um procedimento de adjudicação. O Tribunal de Justiça pode, todavia, fornecer‑lhe algumas orientações que o ajudem a proferir a sua decisão.

a) Alteração da estrutura acionista: modificação substancial do contrato de concessão?

59.

Nos termos do artigo 43.o, n.o 1, alínea d), ii), da Diretiva 2014/23, «[a]s concessões podem ser modificadas sem novo procedimento de concessão […] Se o concessionário ao qual a autoridade adjudicante ou a entidade adjudicante atribuiu inicialmente a concessão for substituído por um novo adjudicatário, por um dos seguintes motivos […] transmissão universal ou parcial da posição do concessionário inicial, na sequência de operações de reestruturação, incluindo OPA, fusão e aquisição, ou de uma insolvência, para outro operador económico […]».

60.

Para interpretar esta disposição há que recorrer ao considerando 77 da Diretiva 2014/23, que refere as alterações estruturais durante a execução, nomeadamente reorganizações puramente internas, ofertas públicas de aquisição ou fusões. Estas alterações estruturais, acrescenta, «não deverão exigir automaticamente novos procedimentos de adjudicação para a concessão […]».

61.

Das observações escritas e das apresentadas na audiência pelas partes no litígio, bem como dos dados consignados na decisão de reenvio ( 27 ), infere‑se que não houve uma substituição, total ou parcial, do concessionário (a ASPI era e continua a ser o titular da concessão), mas sim uma reestruturação acionista interna ( 28 ), em que alguns novos acionistas substituem outros no âmbito de uma operação notificada à Comissão ( 29 ).

62.

Na audiência, foi debatido se a entrada, com uma participação maioritária, da Cassa Depositi e Prestiti ( 30 ) no capital social da ASPI implicava, pelas suas características ( 31 ), uma transformação do concessionário, que exigiria um concurso.

63.

Ora, em princípio, a mera substituição de alguns acionistas por outros, no âmbito de uma reestruturação acionista que não implica a mudança do titular da concessão, não constitui uma novação subjetiva substancial, que exija novo concurso, na aceção do artigo 43.o, n.o 1, alínea d), ii), da Diretiva 2014/23. Assim o confirmou o Tribunal de Justiça ao declarar que «[…] as reorganizações internas do adjudicatário inicial são suscetíveis de constituir alterações não substanciais dos termos do contrato público em causa que não impõem a abertura de um novo procedimento de adjudicação de um contrato público» ( 32 ).

64.

Sob outra perspetiva, o órgão jurisdicional de reenvio deve ter em conta se essa modificação subjetiva era permitida no artigo 10‑A da Convenção Única. Nessa hipótese, há que verificar se os atos impugnados respeitaram as advertências do artigo 43.o, n.o 1, alínea d), i), da Diretiva 2014/23 ( 33 ), isto é, se a modificação estava prevista como uma cláusula de revisão ou opção inequívoca no título inicial da concessão ( 34 ).

b) Outras modificações (de natureza objetiva)

65.

Segundo o tribunal a quo ( 35 ), as modificações da Convenção Única não decorrem de «circunstâncias que uma autoridade adjudicante ou entidade adjudicante diligente não pudessem prever».

66.

Em seu entender, não constitui uma circunstância imprevisível um incumprimento que possa afetar a segurança rodoviária ou dar lugar, por si só ou conjuntamente com outros, a um acontecimento trágico como a queda da ponte Morandi.

67.

Considero que o acento tónico deve ser posto não tanto na questão de saber se o acontecimento foi imprevisível, mas sim na «necessidade» de a modificação contratual dele decorrer. O n.o 1, primeiro parágrafo, alínea c), i), do artigo 43.o da Diretiva 2014/23 alude, justamente, à necessidade de modificação que decorra de circunstâncias que uma autoridade ou uma entidade adjudicante diligente não podia prever.

68.

Seja qual for a causa das modificações adotadas, o relevante neste litígio é a sua qualificação como substanciais, para decidir se, independentemente da sua origem, teria sido necessário abrir concurso porque essas modificações alteravam o objeto ou a natureza global da concessão.

69.

Na audiência foi discutida a questão de saber quais as modificações objetivas que, designadamente, decorriam do acordo de transação e do ato adicional quanto à Convenção Única. Das mesmas, o órgão jurisdicional de reenvio menciona os compromissos da ASPI de proporcionar uma compensação financeira de 3400 milhões de euros e garantir um reforço das normas de segurança da rede de autoestradas. Não se refere, todavia, à modificação tarifária nem a outras de diferente natureza que constam desses dois acordos.

70.

Mais uma vez, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se os compromissos assumidos pela ASPI implicam uma modificação substancial do contrato, na aceção dos n.os 1, 2 e 4 do artigo 43.o da Diretiva 2014/23. Na sua apreciação pode ter em conta, como se debateu na audiência sem resultados concludentes, a questão de saber se as alterações introduzidas agravam, na realidade, a posição do concessionário, sujeitando‑o a condições mais gravosas ( 36 ), ou se, pelo contrário, favorecem os seus interesses ao permitir‑lhe que mantenha a concessão. Pode igualmente avaliar se essas mudanças correspondem à aplicação de novas medidas legislativas de caráter geral ( 37 ) ou, em vez disso, a decisões ad hoc da autoridade adjudicante, livremente adotadas por esta em benefício do concessionário.

71.

Na minha opinião, cingindo‑me às alterações a que alude o órgão jurisdicional de reenvio, não parecem revestir natureza substancial as duas modificações objetivas que esse tribunal especifica: por um lado, a contribuição financeira da ASPI (gravosa, enquanto tal, para o concessionário) destina‑se a compensar as repercussões económicas do ocorrido, no âmbito de uma transação; por outro lado, o compromisso de reforço da segurança da rede de autoestradas não é significativamente diferente das obrigações assumidas na Convenção Única.

C.   Segunda questão prejudicial

72.

O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se é «contrário ao direito [da União] a interpretação da legislação nacional no sentido de que a Administração concedente pode iniciar um procedimento de alteração subjetiva e objetiva ou de renegociação de uma concessão de autoestrada em vigor, sem avaliar a fiabilidade de um concessionário que incorreu em incumprimento grave» ( 38 ).

73.

A premissa de que parte a questão é a de que o concessionário violou gravemente as suas obrigações de manter e conservar a infraestrutura da autoestrada. No entanto, a autoridade adjudicante não declarou formalmente esse incumprimento, dado que o processo instaurado para esse efeito foi objeto do acordo de transação várias vezes referido.

74.

O órgão jurisdicional de reenvio chama a atenção para o parecer emitido em 28 de junho de 2019 por um grupo de trabalho interinstitucional ( 39 ), no qual foi considerado que o concessionário tinha violado gravemente as suas obrigações de manutenção e de conservação. Esse parecer, todavia, já previa a exclusão da declaração de incumprimento em contrapartida da renegociação da Convenção Única ( 40 ), como efetivamente aconteceu.

75.

A questão dever entender‑se referida ao artigo 38.o da Diretiva 2014/23, que é uma das disposições da mesma diretiva alegadas no cabeçalho comum às três questões.

76.

O artigo 38.o da Diretiva 2014/23 regula a seleção e avaliação qualitativa dos candidatos. Está inserido num título (o III) relativo à adjudicação das concessões. Neste contexto, a Diretiva 2014/23 prevê a fiabilidade como componente chave da seleção inicial. Segundo o seu considerando 70, as autoridades adjudicantes podem excluir os «operadores económicos que se tenham revelado pouco fiáveis».

77.

A componente da fiabilidade acompanha os motivos de exclusão relativos às condições subjetivas tanto do candidato selecionado como dos restantes operadores económicos ( 41 ). Tem de existir uma conexão entre a (falta de) fiabilidade e os concretos motivos de exclusão consignados no artigo 38.o da Diretiva 2014/23.

78.

Os motivos de exclusão são especificamente aplicáveis na fase de seleção do adjudicatário, mas não quando a relação contratual já foi encetada e, como aqui acontece, a concessão produziu, durante anos, os seus próprios efeitos. Embora um dos números do artigo 38.o preveja que a autoridade adjudicante pode decidir a exclusão a qualquer momento do procedimento (de adjudicação da concessão), trata‑se do procedimento de seleção e avaliação das candidaturas.

79.

O problema que agora se suscita é o de saber se a fiabilidade deve ser igualmente um elemento relevante na modificação das cláusulas de um contrato em vigor. Ou seja, se a Diretiva 2014/23 exige que seja posta em causa a fiabilidade do concessionário na sequência de uma modificação do contrato.

80.

A resposta a este problema depende da natureza das alterações propostas:

Se a modificação for substancial, nos termos já analisados, a autoridade adjudicante deve abrir um novo procedimento de adjudicação no decurso do qual lhe compete apreciar a fiabilidade de todos os candidatos, bem como do anterior concessionário (caso opte por participar) ( 42 ). A avaliação da fiabilidade terá lugar, assim, no processo de concurso aberto para outorgar a nova concessão.

Pelo contrário, se as modificações não forem substanciais, nada na Diretiva 2014/23 exige que se proceda a uma nova avaliação da fiabilidade do concessionário. Nessa eventualidade, não será obrigatório verificar os motivos de exclusão do artigo 38.o

81.

A diferença entre ambas as situações verifica‑se mais claramente ao observar o tratamento das modificações subjetivas na Diretiva 2014/23. O seu artigo 43.o, n.o 1, alínea d), ii), prevê, para a transmissão universal ou parcial do concessionário inicial para outro operador económico, que este último «satisfaça os critérios em matéria de seleção qualitativa inicialmente estabelecidos». Ao avaliar o cumprimento desses critérios, é lógico que a autoridade adjudicante deva ter em consideração a fiabilidade do novo operador, que substitui o anterior.

82.

No entanto, quando não há uma modificação subjetiva dessa natureza, mas uma mera reestruturação empresarial interna, devida a mudanças na estrutura acionista de quem é e continua a ser concessionário, a autoridade adjudicante não é obrigada a avaliar novamente a fiabilidade deste, já demonstrada no procedimento de adjudicação inicial.

83.

Quanto às modificações objetivas não substanciais, o seu tratamento é análogo ao das subjetivas, à luz do regime das modificações contratuais na Diretiva 2014/23.

84.

Diferente do exposto até agora é o facto de, durante a vigência do contrato, se verificar um incumprimento grave por parte do concessionário das suas obrigações contratuais Este fator poderia, em determinadas condições, afetar a sua relação contratual com a autoridade adjudicante na medida em que implique uma falta (superveniente) de idoneidade ou de fiabilidade. Sob esta perspetiva, limitada, há que defender que a fiabilidade do concessionário tem de subsistir enquanto a concessão estiver em vigor.

85.

Com efeito, a falta de fiabilidade do concessionário, por ter violado gravemente as cláusulas de um contrato de concessão em vigor, é um fator suscetível de dar origem à rescisão desse contrato, como exporei em seguida. Neste sentido, a reação face ao incumprimento grave, uma vez demonstrado e declarado como tal pela autoridade adjudicante, pode consistir na rescisão da concessão, que não é regulada pelo artigo 38.o da Diretiva 2014/23.

86.

No entanto, essa reação não tem de se verificar necessariamente se a autoridade adjudicante, no âmbito da sua margem de apreciação, considera preferíveis, por razões de interesse público, as oportunas modificações contratuais (desde que não sejam substanciais).

D.   Terceira questão prejudicial

1. Admissibilidade

87.

O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, em caso «de violação do princípio da publicidade e/ou […] de falta de fiabilidade do titular de uma concessão de autoestrada», o direito da União impõe a obrigação «de rescisão da relação contratual».

88.

A questão deve considerar‑se referida ao artigo 44.o da Diretiva 2014/23, cujo objeto é a rescisão ( 43 ) das concessões e cuja transposição para o direito italiano foi efetuada pelo artigo 176.o do Código dos Contratos Públicos.

89.

Suscitada nestes termos, considero que a questão é inadmissível por ser desnecessária para a decisão do litígio de origem. Neste foi interposto um recurso de anulação dos atos já referidos (aprovação de modificações contratuais), mas não é pedido que seja posto termo à concessão ( 44 ).

90.

Cingindo‑se o debate, no tribunal a quo, à legalidade das modificações contratuais, não se vê qual o interesse que podia ter, no presente processo, uma resposta sobre a aplicação do mecanismo de rescisão do artigo 44.o da Diretiva 2014/23 ( 45 ).

2. Quanto ao mérito

91.

Na hipótese de o Tribunal de Justiça admitir a questão, analisarei sumariamente a incidência do referido artigo 44.o no litígio.

92.

Por força desta disposição, «os Estados‑Membros devem assegurar que as autoridades adjudicantes e as entidades adjudicantes tenham a possibilidade, nas condições determinadas pelas normas de direito nacional aplicáveis, de rescindir uma concessão durante a sua vigência […]» em três casos precisos ( 46 ).

93.

A enumeração destes três casos não é exaustiva. Os Estados‑Membros podem prever no seu direito interno a rescisão de uma concessão com base no incumprimento grave das cláusulas contratuais, que seja imputável a uma das partes ( 47 ).

94.

Com efeito, os ordenamentos jurídicos nacionais contam habitualmente com disposições por força das quais a faculdade de resolução das obrigações considera‑se implícita nas obrigações sinalagmáticas, no caso de um dos contratantes não cumprir as suas obrigações. É o que acontece com o artigo 1453.o do Código Civil italiano: nos contratos com prestações sinalagmáticas, quando um dos contratantes não cumpre as suas obrigações, o outro pode optar entre exigir o cumprimento ou a resolução do contrato, sem prejuízo, em qualquer dos casos, do direito a ser ressarcido do dano.

95.

Através do artigo 176.o do Código dos Contratos Públicos, o legislador italiano transpôs para o seu direito interno o artigo 44.o da Diretiva 2014/23 ( 48 ), mas também previu a rescisão da concessão por incumprimento do concessionário. Nesta hipótese, o artigo 176.o, n.o 7, do Código dos Contratos Públicos remete para o artigo 1453.o do Código Civil italiano.

96.

Daqui se infere (sem prejuízo da interpretação das normas de direito nacional pelo órgão jurisdicional de reenvio) que, independentemente do artigo 44.o da Diretiva 2014/23, o incumprimento das obrigações contratuais poderia ser um motivo legítimo para rescindir um contrato de concessão. Efetivamente, os documentos juntos aos autos refletem como o processo instaurado contra a ASPI, por incumprimento dos seus deveres de manutenção e conservação da autoestrada, previa entre as medidas possíveis a rescisão da concessão.

97.

Todavia, o que o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber é se, em caso de «violação do princípio da publicidade e/ou […] de falta de fiabilidade do titular de uma concessão de autoestrada», o direito da União impõe a obrigação «de rescisão da relação contratual».

98.

Como alegam o Governo Italiano, a Comissão e uma das partes no litígio ( 49 ), a resposta a esta terceira questão deduz‑se da resposta à segunda. Desta última pode inferir‑se que nenhum dos dois fatores a que alude o tribunal a quo determina, no caso dos autos, a rescisão da concessão:

Quanto ao primeiro (inexistência de concurso), só é exigido um novo procedimento perante modificações substanciais da concessão. Segundo o artigo 44.o, alínea a), da Diretiva 2014/23, há lugar à rescisão quando «a concessão foi objeto de uma modificação que exigiria um novo processo de adjudicação da concessão nos termos do artigo 43.o», o que aqui não parece acontecer, pelas razões já indicadas.

Quanto ao segundo (falta de fiabilidade do concessionário), já expliquei que a mesma poderia ser verificada na fase de seleção e avaliação do adjudicatário, mas não no caso de modificações não substanciais da concessão. Se a falta de fiabilidade estiver ligada ao incumprimento grave das condições contratuais, é esse incumprimento que permite à autoridade adjudicante rescindir o contrato, por um motivo diferente dos do artigo 44.o da Diretiva 2014/23.

V. Conclusão

99.

Atendendo ao anteriormente exposto, proponho que o Tribunal de Justiça declare inadmissível a terceira questão prejudicial submetida pelo Tribunale Amministrativo Regionale per il Lazio, Itália (Tribunal Administrativo Regional do Lácio, Itália) e responda à primeira e à segunda nestes termos:

«Os artigos 38.o e 43.o, n.os 1, 4 e 5, da Diretiva 2014/23/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa à adjudicação de contratos de concessão,

devem ser interpretados no sentido de que:

1)

Nos termos do artigo 43.o da Diretiva 2014/23, um contrato de concessão pode ser modificado sem nova abertura de concurso público, se as modificações introduzidas nas suas cláusulas, sem alterar a natureza global da concessão, não forem substanciais, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar.

As autoridades adjudicantes ou as entidades adjudicantes devem avaliar se é necessário abrir um novo concurso público, depois de verificarem a natureza, substancial ou não, das modificações das cláusulas do contrato de concessão. A decisão correspondente deve permitir aos interessados a defesa dos seus direitos e, eventualmente, a fiscalização jurisdicional.

2)

O artigo 38.o da Diretiva 2014/23 obriga as autoridades adjudicantes ou as entidades adjudicantes a verificar a fiabilidade dos candidatos, em relação aos motivos de exclusão pertinentes, no âmbito do processo de seleção e avaliação qualitativa desses candidatos. Esta apreciação é necessária tanto para outorgar a concessão inicial como para introduzir no contrato de concessão modificações substanciais que exijam um novo concurso público.»


( 1 ) Língua original: espanhol.

( 2 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa à adjudicação de contratos de concessão (JO 2014, L 94, p. 1).

( 3 ) Decreto‑Lei n.o 201, de 6 de dezembro de 2011 – Disposições Urgentes para o Crescimento, a Equidade e a Consolidação das Contas Públicas (GURI Serie Generale n.o 284 de 06 de dezembro de 2011 – Supplemento Ordinario n.o 251).

( 4 ) Decreto Legislativo n.o 50, de 18 de abril de 2016 – Código de Contratos Públicos (GURI Serie Generale n.o 91 de 19 de abril de 2016 – Supplemento Ordinario n.o 10). Aplicável ratione temporis.

( 5 ) O Ministerio de Infraestructuras y Movilidad Sostenible (Ministério das Infraestruturas e Mobilidade Sustentável; a seguir «Ministério das Infraestruturas») sucedeu ex lege à Junta Nacional em 1 de outubro de 2012.

( 6 ) A concessão das autoestradas geridas pela ASPI tem origem na adjudicação, de 1968, à sociedade Autostrade‑Concessioni e Costruzioni Autostrade S.p.A. Esta última entidade foi privatizada em 1999 e, em 2003, transferiu as suas atividades de concessão de autoestradas para a ASPI.

( 7 ) A Convenção Única foi formalmente aprovada pelo artigo 8.o‑K do decreto‑legge 8 aprile 2008, n. 59 – Disposizioni urgenti per l’attuazione di obblighi comunitari e l’esecuzione di sentenze della Corte di giustizia delle Comunità europee (Decreto‑lei n.o 59, de 8 de abril de 2008 – Disposições Urgentes para o Cumprimento de Obrigações Comunitárias e Execução de Acórdãos do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias), conforme alterado pela Lei 101/2008.

( 8 ) Nesta, a ASPI propôs, em resumo, uma compensação financeira no montante de 3400 milhões de euros, o aumento dos níveis de segurança e uma reestruturação da sociedade com o envolvimento da Cassa Depositi e Prestiti S.p.A. e de outros investidores por ela aceites, para os quais seria transferido o controlo acionista da ASPI.

( 9 ) A aprovação do acordo de transação foi precedida do parecer favorável (Decisão n.o 75) do Comitato interministeriale per la programmazione economica e lo sviluppo sostenibile (Comité Interministerial de Planeamento Económico e Desenvolvimento Sustentável, Itália), de 22 de dezembro de 2021, que se pronunciou sobre o III 3l.

( 10 ) Páginas 12 a 15 da decisão de reenvio, na versão italiana.

( 11 ) A Atlantia era acionista da ASPI até à data em que vendeu a sua participação social à Holding Reti Autostradali S.p.A. no âmbito da reestruturação do capital da ASPI. Em 14 de março de 2023, a Atlantia alterou a sua denominação para Mundys S.p.A.

( 12 ) Acórdão de 2 de setembro de 2021, Sisal e o. (C‑721/19 e C‑722/19, EU:C:2021:672; a seguir, «Acórdão Sisal e o.», n.o 28): «[…] em caso de modificação substancial de um contrato de concessão, a legislação da União à luz da qual essa modificação deve ser apreciada é a que está em vigor à data dessa modificação. O Tribunal de Justiça precisou, neste contexto, que o facto de a celebração do contrato de concessão inicial ser anterior à adoção das regras de direito da União na matéria não traz consequências a este respeito […]». No mesmo sentido, Acórdão de 11 de julho de 2013, Comissão/Países Baixos (C‑576/10, EU:C:2013:510, n.o 54) e de 18 de setembro de 2019, Comissão/Itália (C‑526/17, EU:C:2019:756, n.o 60).

( 13 ) Assim, se for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio. V., por todos, Acórdão de 14 de setembro de 2023, TGSS (Recusa do complemento de maternidade) (C‑113/22, EU:C:2023:665, n.os 30 e 31).

( 14 ) Na decisão de reenvio (ponto 2.1.), o tribunal a quo afirma que, quanto ao objeto do litígio e à descrição dos factos pertinentes, «esta Secção considera integralmente procedente “a matéria de facto” da presente decisão». No entanto, desta não consta uma descrição dos factos que o próprio tribunal considera provados, mas apenas os alegados pelas partes.

( 15 ) A decisão de reenvio adota a forma, pouco habitual, de «acórdão interlocutório julgado».

( 16 ) Acórdão de 13 de abril de 2010, Wall (C‑91/08, EU:C:2010:182, n.o 37). No mesmo sentido, v., quanto à regulamentação anterior à Diretiva 2014/23, Acórdão de 18 de setembro de 2019, Comissão/Itália (C‑526/17, EU:C:2019:756, n.o 59) e de 11 de julho de 2013, Comissão/Países Baixos, (C‑576/10, EU:C:2013:510, n.o 54).

( 17 ) Livro Verde «sobre a modernização da política de contratos públicos da UE. Para um mercado dos contratos públicos mais eficiente na Europa» [Bruxelas, 27 de janeiro de 2011, COM(2011) 15, final]. Na sua página 27, é indicado que «a jurisprudência não parece ser suficientemente clara relativamente a determinados tipos de alterações, quando se trata de determinar a necessidade de um novo processo de concurso».

( 18 ) Acórdão Sisal e o., n.o 31.

( 19 ) O acordo de transação é, na realidade, um ato administrativo adotado em conformidade com o artigo 11.o da Lei 241/1990, de 7 de agosto, relativo a «Novas Regras em Matéria de Procedimento Administrativo e do Direito de Acesso a Documentos Administrativos». É o que se encontra refletido no artigo 5.o do próprio acordo de transação. Enquanto tal, esse ato administrativo (adotado sob a forma de um «acordo com o interessado», previsto pelo artigo 11.o, n.o 1, da referida lei), está sujeito ao dever geral de fundamentação e à mesma fiscalização que os demais atos da Administração.

( 20 ) Acórdãos de 7 de setembro de 2021, Klaipėdos regiono atliekų tvarkymo centras (C‑927/19, EU:C:2021:700, n.o 120, e jurisprudência referida) e de 21 de dezembro de 2023, Infraestruturas de Portugal e Futrifer Indústrias Ferroviárias (C‑66/22, EU:C:2023:1016, n.o 87).

( 21 ) Na audiência foi discutida a questão de saber se a autoridade adjudicante, por ter modificado a concessão ao abrigo da alínea c) do artigo 43.o, n.o 1, da Diretiva 2014/23, devia ter publicado um anúncio no Jornal Oficial da União Europeia, com a informação prevista no anexo XI. O tribunal a quo não questiona sobre esta omissão, limitando a sua questão à falta de fundamentação dos atos. De qualquer modo, considero que não estaria preenchida, neste processo uma das três condições exigidas pela referida disposição: a alteração da natureza global da concessão.

( 22 ) O órgão jurisdicional de reenvio transcreve, para estes efeitos, as consequências negativas de pôr termo à concessão, tal como constavam do acordo de transação. Entre elas, a descontinuidade das atividades contratuais, que poderia implicar o risco de crise financeira dos contratantes e fornecedores da ASPI, com os custos adicionais para a administração decorrentes do reconhecimento de penalizações, o risco, dissuasivo, de a administração se sujeitar a litígios nos quais se reconhecesse a eficácia de uma cláusula da Convenção Única cujos resultados implicariam consideráveis custos económicos para o Estado, bem como a obrigação de este pagar uma indemnização ao concessionário.

( 23 ) O tribunal a quo salienta como aspetos positivos do acordo de transação, neste mencionados: i) prossecução ininterrupta da gestão do serviço, o que evitaria a interrupção de uma prestação essencial à coletividade e a rescisão de eventuais situações que obstem ao seu funcionamento regular; ii) início imediato da execução do programa de investimentos e de manutenção da rede de autoestradas, bem como promoção dos planos de investimento relativos à transição ecológica e à mobilidade sustentável; iii) manutenção e desenvolvimento do atual nível de emprego e adoção de iniciativas a favor da coletividade a cargo da ASPI, segundo as prioridades definidas diretamente pela administração; iv) garantia dos pagamentos das obras de reconstrução da ponte em substituição do viaduto de Polcevera; v) termo dos litígios pendentes entre o concessionário e as administrações; vi) adaptação das cláusulas contratuais da concessão, através da eliminação de cláusulas consideradas injustamente favoráveis ao concessionário; vii) introdução de um sistema de sanções reforçado em relação ao previsto na Convenção Única; viii) vontade de ambas as partes de evitar qualquer litígio futuro.

( 24 ) Páginas 10 e 11 do recurso.

( 25 ) N.o 8 do título «diritto», página 29 do recurso.

( 26 ) Na audiência, a Adusbef pôs a tónica na falta de fundamentação do Decreto n.o 37, de 22 de fevereiro de 2022, do Ministério das Infraestruturas. Este Decreto, que a Adusbef apresentou como documento anexo, contém dois artigos, precedidos de numerosos considerandos: o primeiro artigo limita‑se a aprovar o acordo de transação e o segundo, a dispor que «a eficácia do acordo está dependente do cumprimento das condições indicadas no artigo 10.o do mesmo acordo». Assim, considero o Decreto suficientemente fundamentado, em si mesmo e por remissão, na medida em que adota a (extensa) fundamentação constante do acordo de transação. Ambos os atos devem ser lidos em conjunto.

( 27 ) N.o 2.5. da decisão de reenvio.

( 28 ) Segundo o n.o 2.5, primeiro parágrafo, da decisão de reenvio, a Atlantia vendeu 88 % da ASPI a uma sociedade holding (Holding Reti Autostradali) cujo acionista maioritário (51 %) era a Cassa Depositi e a Prestiti Equity S.p.A. e na qual dois fundos estrangeiros, Macquarie Group Ltd e Blackstone Group Inc., possuíam 24,5 % cada um. Do capital remanescente, segundo a nota 2 das observações da Holding Reti Autostradali, 6,94 % pertenceria à Appia Investment Srl e 5 % à Silk Road Fund Co. (a decisão de reenvio refere‑se a estas percentagens no n.o 2.5, segundo parágrafo).

( 29 ) A Comissão, na Decisão C(2021) 8274 final, decidiu não se opôr à operação notificada, que declarou ser compatível com o mercado interno. Segundo a notificação do projeto de concentração [em conformidade com o artigo 4.o do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2004, L 24, p. 1)], várias empresas (Cassa Depositi e Prestiti Equity, pertencente ao grupo Cassa Depositi e Prestiti, Macquarie Group e Blackstone Group) propunham‑se tomar o controlo conjunto da totalidade da ASPI através da aquisição de ações.

( 30 ) Segundo os dados disponíveis, sem prejuízo de posterior verificação, a ASPI é participada em 88,06 % pela Holding Reti Autostradali, que, por sua vez, é controlada em 51 % pela Cassa Depositi e Prestiti Equity, cujo capital social pertence, por último, em 100 % à Cassa Depositi e Prestiti.

( 31 ) Um dos argumentos alegados referia‑se à transformação da natureza (pública ou privada) do concessionário, na sequência da participação do Ministério da Economia e das Finanças no capital da Cassa Depositi e Prestiti. O órgão jurisdicional de reenvio afirma, no entanto, que esta não é uma empresa pública. Foi igualmente debatida a questão de saber se a entrada na ASPI de novos acionistas constituía uma medida de self cleaning do concessionário, em maior ou menor medida proposta por este ou imposta pelas autoridades italianas, o que evidenciaria a natureza substancial da modificação subjetiva. Considero que esta última alegação é inadmissível, uma vez que as medidas de autorreabilitação são, precisamente, as adotadas pelo próprio concessionário (isto é, aquele cuja identidade se mantém) para participar num posterior procedimento de adjudicação ao abrigo do artigo 38.o, n.o 9, da Diretiva 2014/23.

( 32 ) Acórdão de 3 de fevereiro de 2022, Advania Sverige e Kammarkollegiet (C‑461/20, EU:C:2022:72, n.o 34, com referência ao Acórdão de 19 de junho de 2008, pressetext Nachrichtenagentur (C‑454/06, EU:C:2008:351).

( 33 ) Sobre a aplicação desta regra, v. Acórdão Sisa e o., n.os 39 a 43.

( 34 ) Assim é afirmado pela Holding Reti Autostradali nos n.os 10 e 40 das suas observações escritas, ao aludir ao artigo 10‑B da Convenção única, que prevê os critérios de autorização das mudanças de concessionários de autoestradas que resultem de concentrações ao nível da União.

( 35 ) N.o 2.6, terceiro e quarto parágrafos da decisão de reenvio.

( 36 ) O representante da Holding Reti Autostradali evocou o Acórdão Sisa e o. para salientar que, nesse processo, foram impostas ao concessionário condições mais onerosas do que as fixadas inicialmente, pelo facto de não se ter verificado a modificação substancial a favor do mesmo. O n.o 53 deste acórdão indica «que, visto que esse pagamento antecipado poderia aumentar o montante a pagar, tal modificação não parece alterar o equilíbrio económico da concessão a favor do concessionário, na aceção [do artigo 43.o, n.o 4, da Diretiva 2014/23]»).

( 37 ) Assim foi defendido na audiência pelo representante da ASPI, alegando que as modificações do acordo de transação e do acordo adicional decorriam, pelo menos parcialmente, da entrada en vigor do Decreto‑legge 28 settembre 2018, n. 109 (Decreto‑Lei n.o 109, de 28 de setembro de 2018) (GURI n. 226 de 28‑09‑2018), que seria aplicável a todas as concessões de autoestradas. No entanto, é duvidoso que o conteúdo desse Decreto‑Lei, no que diz respeito à ASPI, possa ser desligado da sua conduta enquanto concessionário, como se infere do Acórdão n.o 168/2020 de 8 de julho de 2020, da Corte Costituzionale (Tribunal Constitucional, Itália), pontos «in diritto» 1.1 a 1.6.

( 38 ) Como observou um dos intervenientes, a segunda questão prejudicial é, de certo modo, contraditória com a primeira: se a introdução de novos acionistas constitui uma modificação subjetiva substancial, na medida em que, efetivamente, implica mudar de concessionário (primeira questão), já não tem sentido avaliar se o «antigo» concessionário era, ou não, fiável.

( 39 ) Décimo primeiro parágrafo da descrição da matéria de facto e primeiro parágrafo do n.o 2.7 da decisão de reenvio, que transcreve parte do preâmbulo do acordo de transação. O órgão jurisdicional de reenvio apoia‑se igualmente no Acórdão da Corte Costituzionale (Tribunal Constitucional, Itália) n.o 168/2020, de 8 de julho de 2020.

( 40 ) Segundo o tribunal a quo, o preâmbulo do acordo de transação transcrevia, desse parecer, a parte na qual, em alternativa à rescisão, era proposto confiar às Administrações competentes «a apreciação de uma eventual renegociação da referida convenção única, se tal permitisse uma melhor proteção dos interesses do Estado, com vista a reequilibrar a concessão e restabelecer a segurança plena da rede de autoestradas, recordando no ponto 11 os riscos potenciais de litígios e de repercussões operacionais de uma medida de rescisão contratual».

( 41 ) Assim o indiquei nas minhas Conclusões no processo Tim (C‑395/18, EU:C:2019:595, n.o 44, no que respeita à Diretiva 2014/24/UE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos público e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65)], cujo conteúdo apresenta um paralelismo com o da Diretiva 2014/23. V. Acórdãos de 3 de outubro de 2019, Delta Antrepriză de Construcţii şi Montaj 93 (C‑267/18, EU:C:2019:826, n.o 26) e de 19 de junho de 2019, Meca (C‑41/18, EU:C:2019:507, n.os 29 e 30).

( 42 ) Nesta hipótese, em conformidade com o artigo 38.o, n.o 9, da Diretiva 2014/23, o operador económico que se encontre numa das situações referidas nos n.os 4 e 7 do mesmo artigo pode fornecer provas de que as medidas por si tomadas (medidas de autorreabilitação) são suficientes para demonstrar que é fiável, não obstante a existência de uma importante causa de exclusão. Se essas provas forem consideradas suficientes, não é excluído do procedimento.

( 43 ) O termo utilizado nas diferentes versões linguísticas para este conceito nem sempre corresponde ao significado do que se utiliza nos diferentes Estados‑Membros. Foi traduzido por «résiliation» (em francês); «termination» (em inglês); «risoluzione» (em italiano); «Kündigung» (em alemão); «rescisão» (em português); «beëindiging» (em neerlandês) ou «încetarea» (em romeno). A versão espanhola utiliza «resolución», mas no considerando 80 da diretiva adota, como se fosse sinónimo, o termo «rescisión».

( 44 ) A Adusbef alegou perante o órgão jurisdicional de reenvio (quinto fundamento do seu recurso) a violação, entre outras disposições, do artigo 44.o da Diretiva 2014/23, mas fê‑lo como argumento para defender que, face à modificação substancial da concessão, era necessário um novo procedimento de adjudicação.

( 45 ) Na audiência, o Governo Italiano defendeu, nesta mesma linha, que a Adusbef não pediu a rescisão no tribunal a quo, pelo que este incorreria numa violação de normas processuais (decisão ultra petita) caso se pronunciasse sobre algo que não lhe fora pedido.

( 46 ) V. a sua transcrição no n.o 8 das presentes conclusões.

( 47 ) A menção no considerando 77 da Diretiva 2014/23 ao caso em que «um contrato seja rescindido devido a deficiências na execução» pressupõe o reconhecimento de causas de rescisão não previstas no seu articulado. Na audiência, a Comissão admitiu que nada obsta a que os Estados‑Membros regulem essas causas de rescisão não previstas.

( 48 ) O artigo 176.o do Código dos Contratos Públicos prevê a declaração oficiosa da nulidade por vício não imputável ao concessionário (n.o 3), a rescisão por incumprimento da administração concedente, que revoga a concessão por motivos de interesse público, indicando as suas consequências económicas (n.os 4, 5 e 6), a rescisão por incumprimento do concessionário ou por outras causas que lhe sejam imputáveis (n.os 7 e 8) e a substituição do concessionário por um novo operador económico, cujos direitos e obrigações estabelece (n.os 9 e 10).

( 49 ) N.os 58 e 59 das observações escritas do Governo Italiano. A Comissão adota a mesma abordagem quanto à fiabilidade do concessionário (n.o 65 das suas observações escritas). Para a ASPI, a resposta à terceira questão está subordinada às duas anteriores (n.os 27 e 76 das suas observações escritas).