CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 11 de janeiro de 2024 ( 1 )

Processo C‑624/22

Société BP France

contra

Ministre de l’Économie, des Finances et de la Souveraineté industrielle et numérique

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França)]

«Reenvio prejudicial — Diretiva (UE) 2018/2001 — Promoção da utilização de energia produzida a partir de fontes renováveis —Produção de combustíveis por coprocessamento — Provas de conformidade com os critérios de sustentabilidade — Método do balanço de massa — Métodos de avaliação da percentagem de óleos vegetais hidrotratados nos combustíveis coprocessados —Método do radiocarbono 14

1.

O legislador francês instituiu um imposto ( 2 ) destinado a incentivar a incorporação de combustíveis verdes (biocombustíveis). Com esse imposto, pretende‑se que, no setor dos transportes, a quota de energia proveniente de fontes renováveis atinja um nível consentâneo com os objetivos da União em matéria de sustentabilidade e de redução efetiva das emissões de gases com efeito de estufa.

2.

Para justificar que quantidade de energia produzida a partir de fontes renováveis é tida em conta para o cálculo do imposto, a norma francesa exige que os biocombustíveis importados sejam submetidos a uma análise com radiocarbono 14C ( 3 ). Essa análise permite verificar a percentagem efetiva de moléculas de origem biogénica que se encontram nos combustíveis produzidos pela técnica do coprocessamento.

3.

O presente reenvio prejudicial tem por objeto a compatibilidade com o direito da União da medida nacional descrita, uma vez que pode não respeitar os métodos de verificação estabelecidos nas diretivas relativas à promoção da utilização de energia de fontes renováveis e, além disso, pode ser contrária ao artigo 34.o TFUE.

4.

O Tribunal de Justiça já tem uma jurisprudência útil ( 4 ) sobre a utilização do denominado método do balanço de massa (a seguir «BM») para comprovar o cumprimento dos critérios de sustentabilidade para os biocombustíveis, previstos nos artigos 17.o e 18.o da Diretiva 2009/28/CE ( 5 ). Essa jurisprudência pode ser extrapolada para a nova Diretiva (UE) 2018/2001 ( 6 ), mas será necessário completá‑la para responder às questões do tribunal de reenvio num domínio bastante técnico.

I. Quadro jurídico

A.   Direito da União

1. Diretiva 2018/2001

5.

O artigo 25.o («Integração da energia renovável no setor dos transportes»), n.o 1, dispõe:

«A fim de integrar a utilização de energia renovável no setor dos transportes, os Estados‑Membros impõem uma obrigação aos fornecedores de combustíveis a fim de assegurar que a quota de energia renovável no consumo final de energia no setor dos transportes seja de, pelo menos, 14 % até 2030 (quota mínima), de acordo com uma trajetória indicativa definida pelo Estado‑Membro […]»

6.

O artigo 28.o («Outras disposições relativas à energia renovável no setor dos transportes»), n.o 5, prevê:

«Até 31 dezembro de 2021, a Comissão adota atos delegados, nos termos do artigo 35.o, a fim de completar a presente diretiva no que diz respeito à especificação da metodologia para determinar a quota de biocombustível e de biogás para transportes resultante do tratamento de biomassa com combustíveis fósseis num processo comum e à especificação da metodologia destinada a avaliar a redução de emissões de gases com efeito de estufa provenientes de combustíveis líquidos e gasosos renováveis de origem não biológica para os transportes e de combustíveis de carbono reciclado que garantam que não é concedido nenhum crédito por emissões evitadas de dióxido de carbono cujas captura já recebeu créditos ao abrigo de outras disposições legais.»

7.

Nos termos do artigo 29.o («Critérios de sustentabilidade e de redução dos gases com efeitos de estufa para os biocombustíveis, os biolíquidos e os combustíveis biomássicos»):

«1.   A energia proveniente dos biocombustíveis, dos biolíquidos e dos combustíveis biomássicos só é considerada para os efeitos das alíneas a), b) e c) do presente parágrafo se estes cumprirem os critérios de sustentabilidade e de redução das emissões dos gases com efeito de estufa estabelecidos nos n.os 2 a 7 e 10:

a)

Contribuição para a meta da União estabelecida no artigo 3.o, n.o 1, e para a quota de energia renovável dos Estados‑Membros;

b)

Avaliação do cumprimento das obrigações em matéria de energia renovável, incluindo a obrigação prevista no artigo 25.o;

c)

Elegibilidade para apoio financeiro ao consumo de biocombustíveis, biolíquidos e combustíveis biomássicos.

[…]

Os critérios de sustentabilidade e de redução das emissões de gases com efeito de estufa previstos nos n.os 2 a 7 e 10, são aplicáveis independentemente da origem geográfica da biomassa.

[…]

12.   Para os efeitos do n.o 1, primeiro parágrafo, alíneas a), b) e c), do presente artigo e sem prejuízo do disposto nos artigos 25.o e 26.o, os Estados‑Membros não podem recusar‑se a ter em conta, por outras razões de sustentabilidade, os biocombustíveis e os biolíquidos obtidos nos termos do presente artigo. O presente número não prejudica o apoio público concedido ao abrigo de regimes de apoio aprovados antes de 24 de dezembro de 2018.

[…]»

8.

Nos termos do artigo 30.o («Verificação do cumprimento dos critérios de sustentabilidade e de redução das emissões de gases com efeito de estufa»):

«1.   Caso os biocombustíveis, os biolíquidos e os combustíveis biomássicos ou outros combustíveis elegíveis para serem contabilizados no numerador referido no artigo 27.o, n.o 1, alínea b), tenham de ser considerados para os efeitos dos artigos 23.o e 25.o e do artigo 29.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alíneas a), b) e c), os Estados‑Membros devem exigir que os operadores económicos façam prova do cumprimento dos critérios de sustentabilidade e de redução das emissões de gases com efeito de estufa previstos no artigo 29.o, n.os 2 a 7 e 10. Para esses efeitos, os Estados‑Membros devem exigir que os operadores económicos utilizem um método de balanço de massa que:

a)

Permita misturar lotes de matérias‑primas ou combustíveis com diferentes características de sustentabilidade e de redução de gases com efeito de estufa, por exemplo num contentor, numa instalação logística ou de processamento, num local ou infraestrutura de distribuição e transporte;

b)

Permita misturar lotes de matérias‑primas com teor energético diferente para efeitos de um posterior processamento, desde que a dimensão dos lotes seja ajustada de acordo com o seu teor energético;

c)

Implique que a informação sobre as características de sustentabilidade e de redução das emissões de gases com efeitos de estufa e as dimensões dos lotes referidos na alínea a) se mantenha associada à mistura; e

d)

Preveja que a soma de todos os lotes retirados da mistura seja descrita como tendo as mesmas características de sustentabilidade, nas mesmas quantidades, que a soma de todos os lotes adicionados à mistura e exija que este balanço seja alcançado dentro de um prazo adequado.

O método de balanço de massa deve assegurar que cada lote é contabilizado apenas uma vez no artigo 7.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alíneas a), b) ou c), para efeitos do cálculo do consumo final bruto de energia de fontes renováveis e incluir informações sobre a eventual concessão de apoio à produção desse lote, bem como, se for o caso, o tipo de regime de apoio.

[…]

3.   Os Estados‑Membros tomam medidas destinadas a assegurar que os operadores económicos fornecem informações fiáveis relativas ao cumprimento dos limiares mínimos para a redução das emissões de gases com efeito de estufa, estabelecidos no artigo 25.o, n.o 2, e adotados nos termos da mesma disposição, e dos critérios de sustentabilidade e de redução das emissões dos gases com efeito de estufa, estabelecidos no artigo 29.o, n.os 2 a 7 e 10, e que os operadores económicos põem à disposição do Estado‑Membro pertinente, a pedido, os dados utilizados para preparar essas informações. Os Estados‑Membros devem exigir que os operadores económicos prevejam padrões adequados de auditoria independente das informações fornecidas e apresentem prova da realização de tal auditoria. […]

[…]

4.   A Comissão pode decidir que os regimes voluntários nacionais ou internacionais que estabelecem normas para a produção de biocombustíveis, de biolíquidos, de combustíveis biomássicos ou de outros combustíveis elegíveis para serem contabilizados no numerador referido no artigo 27.o, n.o 1, alínea b), forneçam dados precisos sobre a redução das emissões de gases com efeito de estufa para efeitos do artigo 25.o, n.o 2, e do artigo 29.o, n.o 10, demonstrem o cumprimento do disposto no artigo 27.o, n.o 3, e no artigo 28.o, n.os 2 e 4, ou demonstrem que as remessas de biocombustíveis, de biolíquidos ou de combustíveis biomássicos cumprem os critérios de sustentabilidade previstos no artigo 29.o, n.os 2 a 7. […]

[…]

9.   Caso um operador económico forneça provas ou dados obtidos nos termos de um regime que tenha sido objeto de decisão ao abrigo do n.o 4 ou do n.o 6, de acordo com o âmbito dessa decisão, os Estados‑Membros não podem exigir que o fornecedor apresente provas adicionais do cumprimento dos critérios de sustentabilidade ou de redução dos gases com efeito de estufa previstos no artigo 29.o, n.os 2 a 7 e 10.

[…]»

2. Regulamento Delegado (UE) 2023/1640 ( 7 )

9.

Embora não seja aplicável, ratione temporis, a este litígio, o Regulamento Delegado 2023/1640 contém alguns elementos de apreciação que podem ser úteis para a sua resolução.

10.

Nos termos do seu considerando 4:

«Com vista a alcançar um equilíbrio entre os custos de verificação e a exatidão dos ensaios, o ato delegado permite que os operadores económicos utilizem um método de ensaio harmonizado comum baseado no radiocarbono (14C) ou os seus próprios métodos de ensaio, que podem ser específicos da empresa ou do processo em causa. No entanto, a fim de assegurar a aplicação no mercado de um método de verificação comum, os operadores económicos que utilizem como método de ensaio principal um método que não se baseie na análise do radiocarbono (14C) devem submeter com regularidade os produtos obtidos a esta análise para verificarem o correto desempenho do método de ensaio principal utilizado. Além disso, a fim de permitir que os operadores económicos se habituem a utilizar a análise de radiocarbono (14C) em combinação com outro método de ensaio utilizado como método principal, é permitida, durante o primeiro ano de aplicação da presente metodologia, alguma flexibilidade quanto à percentagem aceitável de desvio entre os resultados do ensaio principal e do segundo ensaio, de verificação.»

B.   Direito francês

1. Código Aduaneiro

11.

Nos termos do artigo 266.o quindecies ( 8 ):

«I — Os sujeitos passivos do imposto interno sobre o consumo previsto no artigo 265.o estão sujeitos a um imposto de incentivo relativo à incorporação de biocombustíveis.

[…]

III.— O imposto de incentivo relativo à incorporação de biocombustíveis incide sobre o volume total, respetivamente, das gasolinas e dos gasóleos, relativamente aos quais o imposto seja exigível no decurso do ano civil.

O montante do imposto é calculado separadamente, por um lado, para as gasolinas e, por outro, para os gasóleos.

Este montante é igual ao produto da base de incidência definida no primeiro parágrafo do presente número III multiplicado pela taxa fixada no número IV, ao qual é aplicado um coeficiente igual à diferença entre a percentagem nacional alvo de incorporação de energia renovável nos transportes, fixada no mesmo número IV, e a proporção de energia renovável contida nos produtos incluídos na base de incidência. Se a proporção de energia renovável for igual ou superior à percentagem nacional alvo de incorporação de energia renovável nos transportes, o imposto é nulo.

[…]

V.— A.— A proporção de energia renovável designa a proporção, avaliada em poder calorífico inferior, de energia produzida a partir de fontes renováveis que o sujeito passivo possa provar que está contida nos combustíveis incluídos na base de incidência […]. A energia contida nos biocombustíveis é renovável quando estes cumprem os critérios de sustentabilidade definidos no artigo 17.o da Diretiva 2009/28 […] na sua redação em vigor em 24 de setembro de 2018.

A bis. — Só é tomada em conta a energia contida nos produtos cuja rastreabilidade tenha sido assegurada desde a sua produção.

As modalidades de rastreabilidade aplicáveis a cada produto em função das matérias‑primas de que resulta e das regras de contabilização de energia aplicadas em conformidade com este número V são definidas por decreto.

[…]»

2. Decreto n.o 2019‑570, relativo ao imposto de incentivo à utilização de energia renovável nos transportes ( 9 )

12.

Por força do seu artigo 3.o, o sujeito passivo deve provar, para a aplicação da parte A do número V do artigo 266.o quindecies do Código Aduaneiro, que os combustíveis sujeitos a imposto contêm energia produzida a partir de fontes renováveis, nomeadamente através da contabilidade das existências da energia renovável.

13.

Esta contabilidade regista, nos termos do artigo 4.o, «as entradas e saídas de quantidades de produtos elegíveis detidos, tendo em conta, nomeadamente, as incorporações, cessões, aquisições e saídas constatadas pelos certificados».

14.

Nos termos do artigo 7.o, a contabilidade indica as denominações e quantidades de produtos elegíveis constituídos de energia renovável, incorporados ou não em combustíveis sujeitos a imposto, e «as informações necessárias ao acompanhamento da energia renovável previstas pela administração das alfândegas e dos impostos indiretos».

15.

Nos termos do artigo 8.o, a elaboração da contabilidade das existências da energia renovável é constatada por um visto dos serviços aduaneiros.

3. Circular de 18 de agosto de 2020 relativa ao TIRIB ( 10 )

16.

A Circular dá a conhecer aos operadores e aos serviços administrativos as modalidades de aplicação do TIRIB.

17.

O seu capítulo IV («Modalidades de acompanhamento dos produtos suscetíveis de redução da taxa do TIRIB») contém uma secção V, relativa à manutenção da contabilidade das existências, cuja parte A («Consideração do teor efetivo em biocombustíveis no momento do seu lançamento na contabilidade das existências mantida no quadro da TIRIB») compreende os n.os 109 a 115, com a seguinte redação:

«[109] Os volumes de produtos elegíveis inscritos nas entradas da contabilidade das existências mantida no quadro do TIRIB devem corresponder ao volume reconhecido pelos serviços aduaneiros à chegada do produto a uma UE [ ( 11 )] ou a um EFS [ ( 12 )]. Trata‑se, em princípio, dos volumes inscritos nos documentos de acompanhamento (DAU, DAE, DSA ou DSAC).

No caso de entregas de combustíveis que contenham biocombustíveis rececionados à entrada de uma UE ou de um EFS, deve ser realizada uma análise laboratorial com base numa amostra recolhida na descarga do lote de combustível que permita conhecer o teor efetivo em biocombustível do produto rececionado. Esta análise deve ser efetuada para todos os tipos de biocombustíveis.

«[110] Os documentos de acompanhamento das entregas de combustível que contenham biocombustíveis devem indicar o volume efetivo do produto entregue, bem como o volume efetivo do biocombustível contido no combustível entregue. Se os documentos de acompanhamento das entregas de combustível indicarem um volume de biocombustíveis incoerente com a análise física realizada por um laboratório, só o volume de biocombustível efetivamente contido no combustível rececionado determinado após a análise física realizada à entrada do produto no entreposto fiscal poderá ser inscrito nas entradas da contabilidade das existências. […]

[111] Relativamente aos óleos vegetais hidrotratados do tipo gasolina ou do tipo gasóleo, a análise física laboratorial 14C deve corresponder ao volume inscrito nos documentos de acompanhamento +/‑10 %.

[…]

[114] A análise física em laboratório será obrigatória, uma primeira vez, para cada receção de combustível que contenha biocombustíveis, para o ano de 2020, para todos os fornecedores e depois para cada novo fornecedor. Se as análises físicas revelarem um volume de biocombustíveis coerente com o volume mencionado no documento de acompanhamento, as análises físicas das futuras entregas provenientes desse fornecedor não serão obrigatórias mas poderão ser efetuadas a pedido do serviço aduaneiro competente, de modo aleatório.

São abrangidas por esta análise laboratorial as importações bem como as entregas intracomunitárias e as entregas nacionais de combustível que contenha biocombustíveis no momento da sua receção no primeiro entreposto fiscal francês.

[115] Esta análise física tem por único objetivo determinar os volumes de biocombustíveis recebidos na UE ou no EFS, a fim de inscrever esse volume nas entradas da contabilidade de existências no âmbito do TIRIB. Esta análise não visa determinar a matéria‑prima a partir da qual o biocombustível foi elaborado. A matéria‑prima deve ser indicada nos documentos juntos à remessa e, em especial, na certificação de sustentabilidade. Essa matéria pode ser determinada pelo método do balanço de massas reconhecido pelos regimes voluntários de sustentabilidade».

II. Matéria de facto, litígio e questões prejudiciais

18.

A sociedade BP France importa para França combustíveis que contêm óleos vegetais hidrotratados (a seguir «OVH») ( 13 ), produzidos em Espanha pela técnica do coprocessamento.

19.

O coprocessamento consiste em incorporar óleos vegetais na matéria fóssil, na refinaria, a montante da unidade de dessulfurização, levando a que estes óleos vegetais se transformem em OVH sob o efeito do hidrogénio.

20.

Os combustíveis assim coprocessados são rececionados em França num entreposto fiscal, antes de serem comercializados.

21.

A BP France pediu ao Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) a anulação da Circular. Em especial, contestou o facto de esta Circular submeter os OVH a uma análise física em laboratório para determinar o seu teor efetivo em moléculas biogénicas, aquando da sua receção no primeiro entreposto fiscal de armazenagem francês.

22.

Em substância, para fundamentar o seu recurso, a BP France invocou os seguintes argumentos:

A Circular é incompatível com os objetivos das Diretivas 2009/28 e 2018/2001, uma vez que impõe aos operadores económicos outras provas de conformidade (com os critérios de sustentabilidade para os biocombustíveis incluídos na base de incidência do imposto), diferentes das previstas por essas diretivas.

A obrigação de realizar uma análise física, à entrada de um entreposto fiscal de armazenagem francês, dos combustíveis que contenham biocombustível, visa determinar o teor efetivo do lote em causa em moléculas biogénicas ( 14 ).

Tendo em conta a repartição aleatória das moléculas biogénicas nos fluxos de matéria fóssil induzida pelo coprocessamento, o teor medido pode divergir do que consta no documento de acompanhamento do lote em proporções superiores aos 10 % autorizados no n.o 111 da Circular. Ter em conta o teor medido em vez do que consta do documento de acompanhamento, pode implicar o risco de uma redução menor da taxa do TIRIB.

Uma vez que a refinaria da qual provêm os biocombustíveis participa num sistema voluntário reconhecido pela Comissão Europeia como um regime completo, é suficiente o método BM, previsto pelas Diretivas 2009/28 e 2018/2001, para apreciar, para efeitos da contabilidade de existências específica do TIRIB, o teor em moléculas biogénicas dos combustíveis que essa sociedade importa para o entreposto fiscal de armazenagem francês.

23.

A Administração recorrida argumentou que a possibilidade de recorrer a uma análise física apenas visa determinar os volumes de biocombustíveis rececionados no primeiro entreposto fiscal francês antes de inscrever estes volumes nas entradas da contabilidade das existências especificamente mantida para efeitos do TIRIB. Pretende‑se assim que os produtos elegíveis para a redução do TIRIB correspondam às quantidades de biocombustíveis efetivamente entregues em França.

24.

A Administração recorrida acrescenta que, dessa forma, o Estado francês poderia atingir o objetivo alvo da incorporação de biocombustíveis no setor dos transportes fixado pela Diretiva 2009/28. A análise imposta pela Circular não tem como objetivo determinar a matéria‑prima a partir da qual foi produzido o biocombustível, nem verificar que esta cumpre os critérios de sustentabilidade fixados pelas Diretivas 2009/28 e 2018/2001.

25.

Neste contexto, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) submete ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem as disposições dos artigos 17.o e 18.o da Diretiva 2009/28/CE e as do artigo 30.o da Diretiva 2018/2001 ser interpretadas no sentido de que os mecanismos de acompanhamento por balanço de massa e os sistemas nacionais ou voluntários que preveem só têm como objetivo apreciar e justificar a sustentabilidade das matérias‑primas e dos biocombustíveis e das suas misturas e, portanto, não têm como objetivo enquadrar o acompanhamento e a rastreabilidade, nos produtos acabados provenientes de coprocessamento, da parte de energia de origem renovável contida nestes produtos e, consequentemente, harmonizar a tomada em conta da parte de energia contida em tais produtos para os efeitos do artigo 17.o, n.o 1, alíneas a), b) e c), da Diretiva 2009/28/CE e dos artigos 25.o e 29.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alíneas a), b) e c), da Diretiva 2018/2001?

2)

Em caso de resposta negativa à questão anterior, as mesmas disposições opõem‑se a que um Estado‑Membro, para fixar a quantidade de [OVH] a considerar nas entradas da contabilidade das existências que os operadores devem manter para efeitos da determinação de um imposto incitativo relativo à incorporação de biocombustíveis, pago nesse Estado‑Membro quando a parte de energia renovável nos combustíveis colocados no consumo durante o ano civil for inferior a uma percentagem nacional alvo de incorporação de energia renovável nos transportes, exija, no momento da receção no primeiro entreposto fiscal nacional de importação de combustíveis que contenham [OVH] produzidos noutro Estado‑Membro no âmbito de um processo de coprocessamento, a realização de uma análise física do teor em [OVH] destes combustíveis, incluindo quando a fábrica na qual os referidos combustíveis foram produzidos recorre a um sistema de balanço de massa certificado por um sistema voluntário reconhecido pela Comissão como um regime completo?

3)

O direito da União, nomeadamente as disposições do artigo 34.o [TFUE], opõe‑se a uma medida de um Estado‑Membro como a descrita no n.o 14 da presente decisão quando, por um lado, os combustíveis que contêm biocombustíveis resultantes de coprocessamento numa refinaria situada no seu território não são sujeitos a tal análise física se forem comercializados nesse Estado‑Membro diretamente após expedição a partir do entreposto e quando, por outro lado, esse Estado‑Membro aceita, para determinar, à saída do entreposto fiscal de produção ou de armazenagem, o teor em biocombustíveis que pode ser atribuído para efeitos do imposto, entre os certificados de teor emitidos relativamente a um período, avaliar com base numa média de incorporação mensal do entreposto o teor em biocombustíveis das exportações ou da comercialização noutros setores que não o dos transportes?»

III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

26.

O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de setembro de 2022.

27.

Apresentaram observações escritas a BP France, os Governos Austríaco, Francês e Neerlandês e a Comissão Europeia. Todos participaram na audiência realizada em 25 de outubro de 2023.

IV. Apreciação

A.   Observações preliminares

1. Diretiva aplicável

28.

A Diretiva 2018/2001 entrou em vigor em 24 de dezembro de 2018 e revogou a Diretiva 2009/28 com efeitos a partir de 1 de julho de 2021 ( 15 ). O tribunal de reenvio questiona o Tribunal de Justiça sobre a interpretação de ambas, pelo que deduzo que, por razões de direito interno, considera que a Diretiva 2018/2001 é aplicável ao litígio.

29.

Se assim for, parece‑me suficiente que o Tribunal de Justiça se pronuncie apenas sobre a Diretiva 2018/2001, cujos artigos 29.o e 30.o correspondem, no essencial, aos artigos 17.o e 18.o da Diretiva 2009/28. Em todo o caso, a interpretação que o Tribunal de Justiça faça das disposições da Diretiva 2018/2001 seria transponível para as disposições correspondentes da Diretiva 2009/28.

2. Produção de biocombustíveis

30.

A compreensão adequada do litígio exige que se explique brevemente, a partir das informações constantes dos autos, como é que os biocombustíveis ( 16 ) são produzidos pela técnica do coprocessamento e os métodos para determinar a percentagem de moléculas de origem biogénica presentes no produto final.

31.

Existem instalações industriais exclusivamente dedicadas à produção de biocombustíveis (biorrefinarias) onde não se põe o problema da mistura de biocombustíveis com matérias de origem fóssil. Mas existem também, como acontece na fábrica de Castellón (Espanha) a partir da qual a BP France importa biocombustível para França, fábricas que utilizam a técnica do coprocessamento para tratar conjuntamente, num processo comum, biomassa e matérias‑primas fósseis.

32.

Através do coprocessamento, a refinaria processa matérias‑primas de biomassa ( 17 ) juntamente com matérias‑primas fósseis (que geralmente provêm do petróleo) e transforma‑as em combustíveis finais ( 18 ). Os combustíveis assim coprocessados devem conter uma quota de biocombustíveis ( 19 ).

33.

Por conseguinte, o produto final obtido por coprocessamento é composto por moléculas de origem fóssil e por moléculas de origem biogénica, não sendo tecnicamente possível separar umas das outras. Deve necessariamente conter uma determinada percentagem de biocombustíveis, mas é difícil determinar a sua quantidade.

34.

É possível controlar com precisão a quantidade exata de biomassa à entrada do processo industrial na refinaria (mantendo a contabilidade das existências), mas é difícil determinar com a mesma precisão, à saída desse processo, a quantidade correspondente à biomassa num determinado lote.

35.

A razão desta dificuldade reside no facto de o fluxo de material durante a refinação conduzir a uma distribuição aleatória das moléculas de origem biogénica. Por conseguinte, um determinado lote resultante do coprocessamento pode concentrar mais biocombustíveis do que outro.

36.

O método científico mais preciso para medir a quantidade de moléculas de origem biogénica nos combustíveis coprocessados parece ser o do 14C. Esse facto explica que a Comissão tenha imposto a sua utilização aquando da adoção do Regulamento Delegado 2023/1640 que, como já referi, não é aplicável ratione temporis ao presente litígio.

B.   Primeira questão prejudicial

37.

Em substância, o tribunal de reenvio pretende saber se o método BM previsto no artigo 30.o da Diretiva 2018/2001: a) só é utilizado para determinar a sustentabilidade das matérias‑primas, dos biocombustíveis e das suas misturas; ou b) serve também para assegurar o acompanhamento e a rastreabilidade da parte de energia renovável contida no produto final proveniente do coprocessamento.

38.

A Diretiva 2018/2001 tem por objetivo promover a utilização de energia renovável, para cujo efeito os Estados‑Membros:

Garantem, coletivamente, que a proporção de energia produzida a partir de fontes renováveis no consumo final bruto de energia em 2030 atinja, pelo menos, 32 % (artigo 3.o, n.o 1).

Impõem aos «fornecedores de combustíveis» a obrigação de aumentar para 14 % a quota mínima de energia renovável no consumo de energia final no setor dos transportes (artigo 25.o, n.o 1). Uma forma de atingir esse limiar consiste em incentivar a utilização de biocombustíveis.

39.

Dos artigos 29.o e 30.o da Diretiva 2018/2001 constam, respetivamente, os critérios de sustentabilidade e de redução dos gases com efeitos de estufa para os biocombustíveis, os biolíquidos e os combustíveis biomássicos (artigo 29.o) e as regras de verificação do cumprimento desses critérios (artigo 30.o).

40.

A Diretiva 2009/28 procedeu a uma harmonização exaustiva dos critérios de sustentabilidade, que a Diretiva 2018/2001 manteve. Por conseguinte, os Estados‑Membros não podem introduzir outros critérios adicionais, nem deixar de aplicar algum dos previstos no artigo 17.o da Diretiva 2009/28 ( 20 ).

41.

Para fazer prova do cumprimento desses critérios de sustentabilidade, sempre que necessário nos termos do artigo 30.o da Diretiva 2018/2001 ( 21 ), o legislador da União escolheu o método BM ( 22 ), desde que respeite as condições que essa disposição enumera.

42.

O método BM estabelece uma cadeia de vigilância da produção à comercialização e baseia‑se num sistema documental e contabilístico com controlos independentes. Por conseguinte, constitui um dos «[…] sistemas de verificação destinados a garantir a correta aplicação do [artigo 17.o da Diretiva 2009/28] [equivalente ao artigo 29.o da Diretiva 2018/2001]» ( 23 ) ou, o que equivale ao mesmo, dos critérios de sustentabilidade exigidos para os biocombustíveis.

43.

O Tribunal de Justiça teve a oportunidade de se referir a este sistema no Acórdão E.ON Biofor Sverige, salientando que foi escolhido para «[…] garantir que [a] relação física se mantém entre o momento da produção de biocombustível sustentável e o do seu consumo. […] [O] legislador da União sublinhou que a aplicação do método do balanço de massas para controlar a conformidade deveria manter a integridade do sistema e evitar ao mesmo tempo a imposição de encargos excessivos à indústria» ( 24 ).

44.

O artigo 30.o, n.o 4, da Diretiva 2018/2001 permite que o controlo da aplicação do método BM seja efetuado através de regimes voluntários nacionais ou internacionais, aprovados pela Comissão ( 25 ), e que se estabeleçam normas para a produção de biocombustíveis, de biolíquidos, ou de combustíveis biomássicos suscetíveis de justificar o cumprimento dos critérios de sustentabilidade do artigo 29.o, n.os 2 a 7 ( 26 ).

45.

Como refere o Governo Neerlandês, estes regimes voluntários só podem ser reconhecidos pela Comissão se aplicarem um método BM ( 27 ).

46.

No presente processo, a refinaria a partir da qual a BP France importa biocombustíveis aplica um regime voluntário ( 28 ) reconhecido pela Comissão ( 29 ) para provar o cumprimento dos critérios de sustentabilidade da Diretiva 2018/2001.

47.

Este regime voluntário utiliza uma metodologia de BM conforme às exigências do artigo 30.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2018/2001. É o que resulta do considerando 6 da Decisão de Execução 2022/602. Todavia, esta decisão nada indica sobre a possibilidade de utilização do regime voluntário ISCC EU para determinar a percentagem de moléculas de origem biogénica de um combustível produzido por coprocessamento.

48.

Concordo com a Comissão e com os Governos Francês, Neerlandês e Austríaco quanto ao facto de o artigo 30.o da Diretiva 2018/2001 se limitar a prever o método BM como adequado para a verificação do cumprimento (para os biocombustíveis) dos critérios de sustentabilidade dessa diretiva, mas não para comprovar quantas moléculas de origem biogénica se encontram nos biocombustíveis coprocessados.

49.

Nada no artigo 30.o da Diretiva 2018/2001 indica que o método BM deva ser utilizado para comprovar a percentagem de moléculas de origem biogénica presentes num combustível produzido por coprocessamento. As decisões da Comissão relativas ao reconhecimento dos regimes voluntários também não referem a utilização do método BM para esse efeito ( 30 ).

50.

O método BM permite contabilizar o biocombustível que entra na refinaria e atribuir ao combustível produzido uma percentagem de sustentabilidade proporcional. Segundo as informações fornecidas ao Tribunal de Justiça, esse método não é adequado para medir a percentagem exata de moléculas de origem biogénica presentes em cada lote obtido por coprocessamento.

51.

Devido a esta limitação do método BM, o artigo 28.o, n.o 5, da Diretiva 2018/2001 encarregou a Comissão de adotar um ato delegado no que diz respeito à especificação da metodologia para determinar a quota de biocombustível e de biogás para transportes resultante do tratamento de biomassa com combustíveis fósseis.

52.

Em execução desse mandato, a Comissão adotou o Regulamento Delegado 2023/1640 que, como já referi, embora não seja aplicável ratione temporis a este litígio (dado que entrou em vigor em 8 de setembro de 2023), pode fornecer algumas orientações interpretativas da Diretiva 2018/2001.

53.

O Regulamento Delegado 2023/1640, ao mesmo tempo que permite aos operadores económicos utilizar os seus próprios métodos de verificação ( 31 ), impõe‑lhes que comprovem regularmente o seu correto desempenho recorrendo às análises do 14C ( 32 ). Além disso, exige‑se a verificação por análises de 14C de todos os produtos para os quais for declarado um teor de carbono biogénico (artigo 1.o, n.o 5, do Regulamento Delegado 2023/1640).

54.

Sempre que os operadores económicos escolham o método BM, o requisito referido é concretizado no facto de deverem aplicar «[…] a cada produto obtido o fator de conversão que melhor corresponda ao teor biogénico medido pelos resultados das análises de radiocarbono (14C) […]» ( 33 ).

55.

Por conseguinte, na minha opinião, o Regulamento Delegado 2023/1640 corrobora a inaptidão do método BM para, por si só, determinar o teor de moléculas de origem biogénica presentes em cada lote de biocombustível coprocessado.

56.

Em suma, considero que o método BM, previsto no artigo 30.o da Diretiva 2018/2001, é utilizado para determinar o cumprimento dos critérios de sustentabilidade aplicáveis às matérias‑primas, aos biocombustíveis e às suas misturas, mas não se destina a medir a parte de moléculas de origem biogénica contidas num biocombustível produzido por coprocessamento.

C.   Segunda questão prejudicial

57.

O tribunal de reenvio formula a sua segunda questão para o caso de a resposta à primeira questão a que preconizo.

58.

O tribunal a quo pretende saber se o artigo 30.o da Diretiva 2018/2001 se opõe a uma regulamentação que exige «[…] no momento da receção no primeiro entreposto fiscal nacional de importação de combustíveis que contenham [OVH] produzidos noutro Estado‑Membro no âmbito de um processo de coprocessamento, a realização de uma análise física do teor em [OVH], destes combustíveis, incluindo quando a fábrica na qual […] foram produzidos recorre a um sistema de balanço de massa certificado por um sistema voluntário reconhecido pela Comissão como um regime completo».

59.

A França regulamentou o TIRIB (que se converteria em TIRUERT a partir de 2022) no artigo 266.o quindecies do seu Código Aduaneiro, no Decreto 2019/570 e na Circular controvertida. Os sujeitos passivos que comercializam combustível pagam este imposto pela diferença entre a percentagem nacional fixada como objetivo de incorporação de energias renováveis nos transportes e a proporção de energia renovável contida no combustível comercializado.

60.

Uma vez que o TIRIB se baseia no volume anual de combustível consumido, a Circular exige uma análise laboratorial 14C que permita determinar o teor efetivo de moléculas de origem biogénica nos biocombustíveis recebidos em França.

61.

A BP France considera que a exigência de utilizar o método 14C é inadequada para os combustíveis produzidos por coprocessamento. Além disso, esta exigência contraria a utilização do método BM e dos regimes voluntários de certificação aprovados pela Comissão.

62.

Pelas razões a seguir expostas, não concordo com os argumentos da BP France.

63.

Em primeiro lugar, a harmonização realizada pelo Regulamento Delegado 2023/1640 não teria sido necessária se o método BM e os regimes voluntários de certificação tivessem sido suficientes e adequados para medir a percentagem de moléculas de origem biogénica.

64.

Mas, como já referi, o método BM parece não ser apto para a medição dessa percentagem. O mesmo se aplica, na situação anterior, à entrada em vigor do Regulamento Delegado 2023/1640, aos regimes voluntários de certificação, cujo objetivo principal consiste em demonstrar que os biocombustíveis cumprem os critérios de sustentabilidade previstos no artigo 29.o da Diretiva 2018/2001.

65.

Por conseguinte, para medir a percentagem de moléculas de origem biogénica nos combustíveis coprocessados, o Regulamento Delegado 2023/1640 prevê o método do 14C como método único ou como método complementar, caso seja utilizado outro método (BM, balanço energético, métodos de rendimento).

66.

Em segundo lugar, é verdade que, em conformidade com o artigo 30.o, n.o 9, da Diretiva 2018/2001, quando um operador económico forneça provas ou dados obtidos nos termos de um regime voluntario de certificação, aprovado pela Comissão, os Estados‑Membros não podem exigir que o fornecedor apresente provas adicionais do cumprimento dos critérios de sustentabilidade previstos no artigo 29.o, n.os 2 a 7, dessa diretiva.

67.

Ora, o que esta disposição impede é que um Estado‑Membro exija provas adicionais (às apresentadas no âmbito do regime voluntário de certificação) no que respeita ao cumprimento dos critérios de sustentabilidade ( 34 ). Nada se refere quanto a essas provas adicionais no que respeita à percentagem de moléculas de origem biogénica nos combustíveis produzidos por coprocessamento.

68.

Em terceiro lugar, a Diretiva 2018/2001 incentiva a utilização de regimes voluntários de certificação, sujeitos a requisitos reforçados de fiabilidade, de transparência e de auditoria independente, a fim de evitar a fraude no fornecimento de provas e dados respeitantes ao cumprimento dos critérios de sustentabilidade por parte dos biocombustíveis ( 35 ).

69.

Em princípio, estas mesmas finalidades (obter dados fiáveis e transparentes, prevenir a fraude) ( 36 ) poderiam justificar normas nacionais que imponham um método mais preciso, como o 14C, para medir a percentagem de moléculas de origem biológica presentes nos combustíveis produzidos por coprocessamento.

70.

Todavia, as análises com 14C, exigidas pela Circular, não seriam justificadas (por serem redundantes) se o regime voluntário de certificação de que beneficia o produtor do combustível coprocessado já incluísse inicialmente esse tipo de análise. Seria esse o caso quando esse regime verificasse que a percentagem de moléculas de origem biogénica presentes no combustível obtido foi medida com precisão.

71.

Na audiência:

A BP France explicou que utiliza a análise 14C nas refinarias que aplicam o sistema voluntário ISCC EU, mas não confirmou que, concretamente, os lotes de combustível coprocessado exportados para França a partir da refinaria de Castellón (Espanha) fossem submetidos a uma análise 14C equivalente à exigida pela legislação francesa.

O Governo Francês comunicou que, até agora, nenhum dos lotes de biocombustíveis coprocessados, importados para França a partir de outros Estados‑Membros, fornece certificados que atestem que os mesmos foram submetidos a uma análise 14C, a fim de demonstrar a percentagem de moléculas de origem biogénica presentes nesses lotes.

72.

Em todo o caso, cabe ao tribunal de reenvio resolver o diferendo entre as partes relativo à inclusão, no sistema voluntário de certificação de que beneficia a BP France, das análises 14C que permitam verificar a percentagem de moléculas de origem biogénica presentes no combustível importado.

73.

Pode‑se deduzir do exposto até aqui que:

O artigo 30.o da Diretiva 2018/2001 permitia a um Estado‑Membro adotar uma regulamentação como a francesa, para medir com precisão a percentagem de moléculas biogénicas presentes em biocombustíveis coprocessados, a fim de aplicar um imposto destinado a promover a utilização de energias renováveis.

Sem prejuízo da apreciação do tribunal de reenvio, a utilização de regimes voluntários de certificação aprovados pela Comissão, como o ISCC EU, não parece fornecer uma prova adequada da percentagem de moléculas de origem biogénica em lotes de biocombustíveis coprocessados importados.

74.

Embora o Regulamento Delegado 2023/1640 não se aplique ratione temporis ao litígio, a sua adoção altera a situação anterior. A partir da sua entrada em vigor, para medir a percentagem de moléculas de origem biogénica nos combustíveis coprocessados, este regulamento prevê a análise 14C como método único [ou como método complementar se forem utilizados outros (BM, balanço energético, métodos de rendimento)]. Ao realizar esta harmonização exaustiva, os Estados‑Membros deixarão de ter competência para adotar normas nacionais que imponham um método de análise distinto dos previstos nesse regulamento.

75.

Além disso, como a Comissão confirmou na audiência, os regimes voluntários de certificação que a Comissão reconheça a partir da entrada em vigor do Regulamento Delegado 2023/1640 deverão incluir não só o método BM para comprovar o cumprimento dos critérios de sustentabilidade, mas também o método 14C para demonstrar a percentagem de moléculas biogénicas nos biocombustíveis coprocessados, em conformidade com as disposições do referido regulamento.

76.

Em suma, proponho que se responda à segunda questão prejudicial que, até à entrada em vigor e à aplicação do Regulamento Delegado 2023/1640, o artigo 30.o da Diretiva 2018/2001 não se opunha, em princípio, a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no presente processo, que exige a análise do 14C para medir com precisão a percentagem de moléculas de origem biogénica presentes no combustível obtido por coprocessamento, incluindo quando a fábrica de produção utilize um método BM certificado por um regime voluntário reconhecido pela Comissão como um regime completo.

D.   Terceira questão prejudicial

77.

A terceira questão prejudicial está redigida de forma complexa. O tribunal de reenvio pretende saber se é compatível com o artigo 34.o TFUE (liberdade de circulação de mercadorias) uma regulamentação nacional de cuja aplicação destaca os seguintes aspetos:

«[O]s combustíveis que contêm biocombustíveis resultantes de coprocessamento [obtidos] numa refinaria situada em […] território [francês] não são sujeitos a tal análise física [14C] se forem comercializados nesse Estado‑Membro [França] diretamente após expedição a partir do entreposto».

A França «aceita, para determinar, à saída do entreposto fiscal de produção ou de armazenagem, o teor em biocombustíveis que pode ser atribuído para efeitos do [TIRIB], entre os certificados de teor emitidos relativamente a um período, avaliar com base numa média de incorporação mensal do entreposto o teor em biocombustíveis das exportações ou da comercialização noutros setores que não o dos transportes».

78.

À data do litígio, a União não tinha harmonizado exaustivamente os métodos utilizáveis para determinar a percentagem de moléculas biogénicas nos combustíveis coprocessados. Esta harmonização foi realizada posteriormente pelo Regulamento Delegado 2023/1640, como já salientei.

79.

Por conseguinte, os Estados‑Membros dispunham da possibilidade de regulamentar esses métodos de medição, que foi o que Estado francês fez. Ao exercerem essa competência numa matéria não harmonizada, os Estados‑Membros deviam respeitar o direito primário ( 37 ) e, em especial, o artigo 34.o TFUE, que proíbe no comércio intracomunitário as restrições quantitativas à importação, bem como todas as medidas de efeito equivalente.

80.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça ( 38 ), toda e qualquer medida de um Estado‑Membro suscetível de entravar, direta ou indiretamente, efetiva ou potencialmente, o comércio na União deve ser considerada uma medida de efeito equivalente a restrições quantitativas à importação, na aceção do artigo 34.o TFUE. Entre essas medidas figuram as que discriminam direta ou indiretamente as importações, as relativas às modalidades de venda das mercadorias e as que entravam o acesso ao mercado de um Estado_Membro dos produtos originários de outros Estados‑Membros ( 39 ).

81.

Ora, em conformidade com o n.o 114 da Circular, a medida controvertida é apenas aplicável aos biocombustíveis coprocessados que são importados de outros Estados‑Membros. A análise física 14C só é pedida para as importações, para as entregas intracomunitárias e para as entregas nacionais de combustível que contenha biocombustíveis no momento da sua receção no primeiro entreposto fiscal francês, mas não para os produzidos nas refinarias francesas. É o que afirma o tribunal de reenvio: «resulta da audiência de instrução que os biocombustíveis fabricados segundo o método de coprocessamento numa refinaria situada em França não estão sujeitos a esse controlo quando não são rececionados em seguida num entreposto fiscal de armazenagem antes da sua comercialização» ( 40 ).

82.

Por conseguinte, existiria um tratamento mais favorável da totalidade ou de parte do combustível coprocessado produzido em França, dispensado de se submeter às análises 14C. Pelo contrário, este mesmo tipo de combustível importado deverá sujeitar‑se a essas análises para determinar a percentagem de moléculas biogénicas para efeitos do TIRIB.

83.

Se assim fosse, a medida tornaria mais difícil o acesso ao combustível tratado importado em França a partir de outros Estados‑Membros. O Governo desse país admite‑o, reconhecendo que a exigência de uma análise 14C poderia entravar a importação de combustíveis desses outros Estados‑Membros.

84.

Todavia, de acordo com a tese do Governo Francês, a análise 14C não se aplica apenas aos combustíveis importados, mas também aos que têm origem nacional ( 41 ).

85.

Questionado a este respeito na audiência, o Governo Francês reconheceu que a sua interpretação não coincide com a que o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) expôs no despacho de reenvio. Na opinião deste Governo:

A igualdade de tratamento de todos os combustíveis (importados ou não) sujeitos ao coprocessamento deduz‑se do artigo 266.o quindecies do Código Aduaneiro, do artigo 3.o, n.o 3, do Decreto n.o 2019-570 e dos n.os 30 e 33 da Circular 20‑004 sobre o regime de usine exercée ( 42 ).

Existem em França duas refinarias que produzem combustíveis coprocessados. Indicou que nessas refinarias é aplicado um regime aduaneiro (usine exercée) que permite a comercialização direta dos combustíveis coprocessados sem passar por um entreposto fiscal, porque as autoridades aduaneiras podem realizar uma fiscalização permanente sobre a sua produção ( 43 ).

86.

A interpretação do direito nacional não compete ao Tribunal de Justiça, que se deve circunscrever aos dados fornecidos pelo tribunal de reenvio. O Tribunal de Justiça, insisto, deve responder ao pedido de decisão prejudicial aceitando que o quadro jurídico e factual pertinente é o exposto pelo tribunal a quo, mesmo que uma das partes no litígio dele discorde.

87.

Com base nessa premissa, os contornos da exigência controvertida, conforme descrita pelo tribunal de reenvio, permitem qualificá‑la de medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação, contrária ao artigo 34.o TFUE. Resulta do conteúdo do pedido de decisão prejudicial que a Circular favorece a utilização de biocombustíveis que tenham sido coprocessados em França, ao mesmo tempo que torna mais difícil a utilização de tais produtos quando os mesmos provêm de outros Estados‑Membros.

88.

Por outro lado, esta regulamentação teria igualmente a natureza de medida de efeito equivalente a uma restrição à importação, mesmo que fosse aplicada de forma igual e não discriminatória aos biocombustíveis coprocessados importados e aos produzidos em França: em todo o caso, a exigência de uma análise 14C torna mais difícil as importações desses biocombustíveis para o território francês.

89.

No entanto, é possível que essa medida restritiva tenha uma justificação que a torne compatível com o direito da União. Em todo o caso, será muito mais difícil argumentar a favor dessa justificação se a medida se aplicar apenas aos biocombustíveis coprocessados importados e não aos de produção nacional.

1. Justificação da medida?

90.

Uma regulamentação ou uma prática nacional que constitua uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa pode ser justificada por uma das razões de interesse geral enumeradas no artigo 36.o TFUE ou por exigências imperativas. Num e noutro caso, a medida nacional deve, em conformidade com o princípio da proporcionalidade, ser adequada para garantir a realização do objetivo prosseguido e não ultrapassar o necessário para atingir esse objetivo, sendo que incumbe ao Estado‑Membro autor da medida justificar o respeito desse princípio ( 44 ).

91.

O Governo Francês invoca como justificação da medida restritiva as exigências imperativas da proteção do ambiente e da luta contra a fraude. Alega que o benefício fiscal que constitui a redução do TIRIB só deve ser atribuído aos biocombustíveis comercializados no território nacional cujo teor efetivo em moléculas de origem biogénica ultrapasse efetivamente a percentagem alvo de incorporação no setor dos transportes, fixada no artigo 266.o quindecies do Código Aduaneiro.

92.

Segundo a jurisprudência tradicional do Tribunal de Justiça ( 45 ), as exigências imperativas só podem justificar medidas nacionais indistintamente aplicáveis a produtos nacionais e importados. Por conseguinte, se, como indica o tribunal de reenvio, a medida francesa fosse aplicável às importações de biocombustíveis coprocessados e não à produção nacional deste tipo de mercadorias, as exigências imperativas de proteção do ambiente e de prevenção da fraude não poderiam servir para a sua justificação.

93.

É verdade que esta jurisprudência tradicional foi posteriormente flexibilizada pelo Tribunal de Justiça quando analisou a justificação de medidas distintivamente aplicáveis com base numa exigência imperativa, ou subsumiu uma destas a uma das razões do artigo 36.o TFUE ( 46 ).

94.

Por conseguinte, analisarei a eventual justificação do ponto de vista da proteção do ambiente e da prevenção da fraude, as quais correspondem a exigências imperativas admitidas pelo Tribunal de Justiça no comércio intracomunitário ( 47 ).

95.

Em princípio, a circular poderia estar suficientemente justificada por se destinar e ser adequada para:

Por um lado, proteger o ambiente através da utilização de energias renováveis. O recurso às análises 14C permite conceder benefícios (incentivar) determinados combustíveis, diminuindo a sua carga fiscal em função da sua percentagem de biocombustível.

Por outro lado, prevenir o risco de fraude ( 48 ) na cadeia de produção de combustíveis coprocessados. O método 14C permite saber com certeza a percentagem efetiva de moléculas biogénicas de OVH presentes nesses combustíveis e, com este dado, aplicar corretamente um imposto que incentive a utilização dos biocombustíveis.

2. O princípio da proporcionalidade é respeitado?

96.

Uma vez admitida a justificação, resta verificar se a medida restritiva respeita o princípio da proporcionalidade. Só assim será se for adequada para garantir a realização do objetivo prosseguido e não ultrapassar o necessário para o atingir, na falta de uma alternativa menos restritiva.

97.

Deste ponto de vista, podemos aceitar que a exigência imposta pela Circular é adequada para atingir o objetivo prosseguido, uma vez que:

Aparentemente, a determinação da percentagem de moléculas biogénicas nos combustíveis coprocessados não é possível com alternativas menos restritivas diferentes das análises 14C.

O método BM tem uma utilidade limitada para este efeito e apenas fornece resultados aproximados. É por essa razão que o Regulamento Delegado 2023/1640 prevê a análise 14C como método de verificação comum para medir a percentagem de moléculas de origem biogénica presentes nos combustíveis coprocessados, bem como a sua utilização regular (complementar) quando os fabricantes utilizam outros métodos (como o BM).

98.

Além disso, a favor da proporcionalidade da medida, importa salientar que a Circular não exige a realização de uma análise física 14C em laboratório em todos os casos e a todas as importações de combustíveis coprocessados ( 49 ): uma vez efetuada uma primeira análise, se a mesma coincidir (com uma margem de 10 %) com as percentagens de moléculas de origem biogénica declaradas pela empresa importadora, as análises 14C só serão repetidas aleatoriamente ( 50 ).

99.

Ora, uma medida restritiva só pode ser considerada adequada para garantir a realização do objetivo invocado se responder efetivamente à intenção de atingir esse objetivo de uma maneira coerente e sistemática ( 51 ).

100.

No seu despacho ( 52 ), o tribunal de reenvio destaca três circunstâncias que impedem a apreciação desta coerência sistemática:

As análises 14C só são exigidas para as importações, as entregas intracomunitárias e as entregas nacionais de combustível que contenha biocombustível no momento da sua receção no primeiro entreposto fiscal francês.

Os biocombustíveis resultantes de coprocessamento produzidos numa refinaria situada no território francês não estão sujeitos à análise 14C se forem comercializados nesse Estado‑Membro diretamente após expedição a partir do entreposto.

O Estado francês aceita avaliar o teor em biocombustíveis das exportações ou da comercialização noutros setores que não o dos transportes, tendo em conta os certificados de incorporação mensal de biocarburantes e sem recurso às análises 14C.

101.

Na mesma ordem de ideias, a BP France explica ( 53 ) que, para obter a redução fiscal do TIRIB (ou do TIRUERT), as autoridades francesas exigem, por um lado, a certeza absoluta, através de análises 14C, de uma presença efetiva de energia renovável no momento da comercialização do produto importado (biocombustíveis resultantes do coprocessamento) e, por outro, um simples cálculo proporcional anual que não oferece nenhuma garantia de rastreabilidade, ao contrário do BM, para a eletricidade de origem renovável.

102.

Pode deduzir‑se destes elementos que a medida em causa não é conforme com o artigo 34.o TFUE, uma vez que não é adequada para garantir de uma maneira coerente e sistemática a realização dos objetivos que a poderiam justificar.

V. Conclusão

103.

Atendendo ao exposto, proponho que se responda ao Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) nos seguintes termos:

«O artigo 30.o da Diretiva (UE) 2018/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, relativa à promoção da utilização de energia de fontes renováveis, na situação normativa anterior à entrada em vigor do Regulamento Delegado (UE) 2023/1640 da Comissão, de 5 de junho de 2023, relativo à metodologia para determinar a quota de biocombustíveis e de biogás para transportes resultante do tratamento de biomassa com combustíveis fósseis num processo comum, e o artigo 34.o TFUE

devem ser interpretados no sentido de que:

O método do balanço de massa tem como objetivo determinar o cumprimento dos critérios de sustentabilidade do artigo 29.o da Diretiva 2018/2001, aplicáveis às matérias‑primas, aos biocombustíveis e às suas misturas, e não se destina a medir a parte de moléculas de origem biogénica contidas num biocombustível produzido por coprocessamento.

Em princípio, até à entrada em vigor e até à aplicação do Regulamento Delegado 2023/1640, o artigo 30.o da Diretiva 2018/2001 não se opunha a uma regulamentação interna que exigia a realização de uma análise de radiocarbono (14C) no momento da receção no primeiro entreposto fiscal nacional dos biocarburantes importados que tivessem sido produzidos por coprocessamento, com vista a fixar a percentagem de moléculas de origem biogénica pertinente para o cálculo de um imposto de promoção da utilização dos biocarburantes. Para este efeito, é irrelevante que a refinaria em que esses combustíveis foram produzidos utilizasse um sistema de balanço de massa certificado por um sistema voluntário reconhecido pela Comissão como um regime completo.

O artigo 34.o TFUE opõe‑se a uma regulamentação nacional que exige a realização de uma análise com radiocarbono (14C) no momento da receção no primeiro entreposto fiscal nacional dos biocombustíveis importados que tenham sido produzidos por coprocessamento, com vista a fixar a percentagem de moléculas de origem biogénica pertinente para o cálculo de um imposto de promoção da utilização dos biocarburantes, quando a mesma análise não é exigida para a produção nacional dos biocombustíveis coprocessados.»


( 1 ) Língua original: espanhol.

( 2 ) Trata‑se da taxe incitative relative à l’incorporation de biocarburants (Imposto relativo ao incentivo à incorporação de biocombustíveis; a seguir «TIRIB»). Desde 1 de janeiro de 2022, a sua denominação é taxe incitative relative à l’utilisation de l’énergie renouvelable dans le transport (Imposto relativo à promoção da utilização de energia renovável nos transportes; a seguir «TIRUERT»)

( 3 ) O carbono 14 é um isótopo radioativo do carbono que pode ser utilizado para pesquisar a presença de elementos biológicos em amostras como misturas de biodiesel ou outras amostras líquidas de origem total ou parcialmente orgânica, por exemplo, óleos vegetais.

( 4 ) Em especial, o Acórdão de 22 de junho de 2017, E.ON Biofor Sverige (C‑549/15, EU:C:2017:490; a seguir «Acórdão E.ON Biofor Sverige»).

( 5 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis que altera e subsequentemente revoga as Diretivas 2001/77/CE e 2003/30/CE (JO 2009, L 140, p. 16).

( 6 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, relativa à promoção da utilização de energia de fontes renováveis (reformulação) (JO 2018, L 328, p. 82). Versão consolidada de 7 de junho de 2022.

( 7 ) Regulamento Delegado da Comissão, de 5 de junho de 2023, relativo à metodologia para determinar a quota de biocombustíveis e de biogás para transportes resultante do tratamento de biomassa com combustíveis fósseis num processo comum (JO 2023, L 205, p. 1).

( 8 ) Na versão aplicável ratione temporis ao litígio. Foi posteriormente alterado pela Lei n.o 2022‑1726, de 30 de dezembro de 2022, artigo 67.o (V).

( 9 ) Décret n.o 2019‑570 du 7 juin 2019 portant sur la taxe incitative relative à l'utilisation d'énergie renouvelable dans les transports (JORF n.o 133, de 9 de junho de 2019). Foi alterado pelo Décret n.o 2022‑1330 du 17 octobre 2022 (JORF n.o 242, de 18 de outubro de 2022).

( 10 ) Circulaire du 18 août 2020 du ministre délégué chargé des comptes publiques aux opérateurs économiques et aux services des douanes sur la taxe incitative relative à l’incorporation de biocarburants (TIRIB) (NOR: ECOD2020901C) [Circular de 18 de agosto de 2020, do ministro delegado responsável pelas contas públicas aos operadores económicos e aos serviços aduaneiros, relativa ao imposto de incentivo à incorporação de biocombustíveis (TIRIB); a seguir «Circular»].

( 11 ) «Usine exercée» (EU): consideram‑se como tais os estabelecimentos ou instalações fiscais que permitem produzir, receber ou enviar produtos energéticos em regime de suspensão da tributação aplicável a esses produtos. Segundo o Governo Francês (n.o 84 das suas observações escritas), «o regime da UE […] — a fábrica correspondente a uma refinaria francesa» constitui um dos dois regimes aduaneiros previstos para a receção dos biocombustíveis.

( 12 ) «Entrepôt fiscal de stockage» (EFS): aplicados aos produtos petrolíferos, são considerados como tais os entrepostos fiscais em que esses produtos podem ser recebidos, mantidos ou enviados em regime de suspensão de determinados impostos.

( 13 ) Hydrotreated Vegetable Oil em inglês, conhecidos pela sua sigla HVO.

( 14 ) Segundo o despacho de reenvio, no litígio de origem, é evidente para as partes que, atualmente, só o método do radiocarbono (14C) permite obter resultados que possibilitem a medição desse teor no que respeita aos combustíveis que contenham OVH produzidos pelo método do coprocessamento.

( 15 ) Artigo 37.o da Diretiva 2018/2001: «A Diretiva 2009/28/CE […] é revogada com efeitos a partir de 1 de julho de 2021 […]. As remissões para a diretiva revogada entendem‑se como remissões para a presente diretiva e são lidas de acordo com a tabela de correspondência constante do anexo [XI]».

( 16 ) Entende‑se por biocombustíveis os «combustíveis líquidos para transportes, produzidos a partir de biomassa» (artigo 2.o, ponto 33, da Diretiva 2018/2001).

( 17 ) Entende‑se por biomassa «a fração biodegradável de produtos, resíduos e detritos de origem biológica provenientes da agricultura, incluindo substâncias de origem vegetal e animal, da silvicultura e de indústrias afins, como a pesca e a aquicultura, bem como a fração biodegradável de resíduos, incluindo resíduos industriais e urbanos de origem biológica» (artigo 2.o, ponto 24, da Diretiva 2018/2001). A biomassa pode, por exemplo, consistir em matérias à base de lípidos (como óleo vegetal, talóleo bruto ou óleo de pirólise).

( 18 ) Os combustíveis finais produzidos a partir desta mistura são geralmente gasóleo, combustível para motores de reação, óleo de aquecimento, combustível naval, gasolina, componentes da gasolina e, por vezes, gás propano, um constituinte do gás de petróleo liquefeito, podendo também estar presentes pequenas frações de outros produtos.

( 19 ) V. considerando 1 do Regulamento Delegado 2023/1640.

( 20 ) Esta é a opinião expressa pela Comissão na sua Comunicação sobre a aplicação prática do regime de sustentabilidade da UE para os biocombustíveis e biolíquidos e sobre as regras de contabilização dos biocombustíveis (JO 2010, C 160, p. 8).

( 21 ) Transcrito no n.o 8 das presentes conclusões.

( 22 ) Como afirmei nas minhas Conclusões do processo E.ON Biofor Sverige (C‑549/15, EU:C:2017:25, n.os 44 e 45), tal escolha implicou afastar o método da preservação da identidade, que impede a mistura de biocombustíveis entre si ou com outro tipo de combustíveis, e o método dos certificados negociáveis (book and claim), que não exige uma relação direta entre o biocombustível comercializado e a sua produção a partir de biomassa que reúna os critérios de sustentabilidade.

( 23 ) Acórdão E.ON Biofor Sverige, n.o 39.

( 24 ) Acórdão E.ON Biofor Sverige, n.o 64.

( 25 ) Nos termos do artigo 30.o, n.o 5, primeiro parágrafo, da Diretiva 2018/2001, «[a] Comissão adota as decisões a que se refere o n.o 4 do presente artigo por meio de atos de execução. Os referidos atos de execução são adotados pelo procedimento de exame a que se refere o artigo 34.o, n.o 3. Essas decisões são válidas por um prazo máximo de cinco anos».

( 26 ) Os regimes voluntários desempenharam um papel importante no âmbito da apresentação de provas do cumprimento dos critérios de sustentabilidade e de redução das emissões de gases com efeito de estufa para os biocombustíveis e para os biolíquidos nos termos da Diretiva 2009/28. A Diretiva 2018/2001 alargou o seu papel, uma vez que podem agora servir para: a) certificar que todos os combustíveis produzidos a partir de biomassa, incluindo os combustíveis gasosos e os sólidos, cumprem os critérios de sustentabilidade e para fornecer dados precisos sobre a redução das emissões de gases com efeito de estufa; b) certificar que os combustíveis líquidos e gasosos renováveis de origem não biológica [destinados ao setor dos transportes] e os combustíveis de carbono reciclado cumprem os seus critérios de redução das emissões de gases com efeito de estufa; c) demonstrar o cumprimento das normas constantes do artigo 27.o, n.o 3, da Diretiva 2018/2001 para calcular a eletricidade renovável nos transportes; d) demonstrar que os operadores económicos introduzem informações precisas na base de dados da União ou nacional sobre os combustíveis renováveis e os combustíveis de carbono reciclado utilizados nos transportes, em conformidade com o artigo 28.o, n.o 4, da Diretiva 2018/2001; e e) certificar biocombustíveis, biolíquidos e combustíveis biomássicos com baixo risco de alteração indireta do uso do solo.

( 27 ) Os regimes voluntários reconhecidos pela Comissão podem ser consultados em https://energy.ec.europa.eu/topics/renewable‑energy/bioenergy/voluntary‑schemes_en.

( 28 ) Denominado International Sustainability & Carbon Certification (ISCC EU).

( 29 ) Decisão de Execução (UE) 2022/602 da Comissão, de 8 de abril de 2022, relativa ao reconhecimento do regime voluntário «International Sustainability & Carbon Certification (ISCC EU)» para fins de demonstração do cumprimento dos requisitos previstos na Diretiva (UE) 2018/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho aplicáveis aos biocombustíveis, aos biolíquidos, aos combustíveis biomássicos, aos combustíveis líquidos e gasosos renováveis de origem não biológica e aos combustíveis de carbono reciclado (JO 2022, L 114, p. 182).

( 30 ) Como afirmou a Comissão na audiência.

( 31 ) Nos termos do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento Delegado 2023/1640, «os operadores económicos que coprocessam biomassa podem desenvolver e utilizar um método de ensaio específico da empresa ou do processo adaptado à conceção específica da sua fábrica e à sua mistura específica de matérias‑primas. Esse método de ensaio principal deve basear‑se num balanço energético ou de massa, em métodos de rendimento ou na análise de radiocarbono (14C) [ou seja, deteção de radiocarbono por espetrometria de massa com acelerador (AMS) ou pelo método de contagem por cintilação em fase líquida (LSC)] dos produtos obtidos».

( 32 ) V. considerando 4, transcrito no n.o 10 das presentes conclusões.

( 33 ) Artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento Delegado 2023/1640.

( 34 ) V. considerando 110 da Diretiva 2018/2001.

( 35 ) V. artigo 30.o, n.o 8, da Diretiva 2018/2001 e seu considerando 108.

( 36 ) A contribuição do método BM e dos regimes voluntários de certificação para a prevenção da fraude foi salientada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 4 de outubro de 2018L.E.G.O. (C‑242/17, EU:C:2018:804, n.o 66), e nas minhas Conclusões nesse processo (EU:C:2018:318, n.os 84 e 97).

( 37 ) Acórdão de 12 de novembro de 2015, Visnapuu (C‑198/14, EU:C:2017:751, n.o 40).

( 38 ) Acórdãos de 11 de julho de 1974, Dassonville (8/74, EU:C:1974:82, n.o 5); de 23 de dezembro de 2015, Scotch Whisky Association e o. (C‑333/14, EU:C:2015:845, n.o 31); e de 9 de janeiro de 2023, CIHEF e o. (C‑147/21, EU:C:2023:31, n.o 37).

( 39 ) Acórdão de 10 de fevereiro de 2009, Comissão/Itália (C‑110/05, EU:C:2009:66, n.os 35 e 37).

( 40 ) Despacho de reenvio, n.o 16.

( 41 ) Observações escritas, n.os 93 a 100.

( 42 ) Circulaire du ministre de l’action et des comptes publics aux opérateurs économiques et aux services des douanes, du 4 février 2020, relative au régime de l’usine exercée (NOR: CPAD1917906C) (Circular 20‑004 do ministro da Ação e das Contas Públicas aos operadores económicos e aos serviços aduaneiros, de 4 de fevereiro de 2020 sobre o regime da usine exercée). O despacho de reenvio não contém referências a esta circular.

( 43 ) Os produtores nacionais devem preencher uma ficha técnica para cada produto fabricado sujeito à fiscalização das autoridades aduaneiras, na qual figura a realização da análise 14C.

( 44 ) Acórdão E.ON Biofor Sverige, n.os 46 e 90.

( 45 ) Acórdãos de 7 de maio de 1997, Pistre e o. (C‑321/94 a C‑324/94, EU:C:1997:229, n.o 52); e de 17 de junho de 1981, Comissão/Irlanda (113/80, EU:C:1981:139, n.o 11).

( 46 ) Acórdão de 1 de julho de 2014, Ålands Vindkraft (C‑573/12, EU:C:2014:2037, n.os 77 a 119); e Conclusões do advogado‑geral Y. Bot nesse processo (C‑573/12, EU:C:2014:37, n.o 79). O advogado‑geral Y. Bot propunha igualmente a aplicação das exigências imperativas na justificação das medidas discriminatórias, mas exigindo uma justificação «reforçada».

( 47 ) Acórdãos de 6 de outubro de 2011, Bonnarde (C‑443/10, EU:C:2011:641, n.o 34); de 1 de julho de 2014, Ålands Vindkraft (C‑573/12, EU:C:2014:2037, n.os 77 a 82); e de 4 de outubro de 2018, L.E.G.O. (C‑242/17, EU:C:2018:804, n.o 64).

( 48 ) Na audiência, o Governo Francês indicou que a regulamentação impugnada visava fazer frente a determinadas atuações fraudulentas, uma vez que tinham sido detetadas certificações do cumprimento dos critérios de sustentabilidade em que se declarava que os lotes exportados para França continham uma percentagem de moléculas de origem biogénica muito superior à efetiva. Por exemplo, se uma refinaria produzia biocombustível coprocessado com 50 % de biomassa, comprovado pela utilização do método BM, declarava‑se que os lotes exportados para França continham 80 % de moléculas de origem biogénica, para evitar o pagamento do TIRIB.

( 49 ) N.o 114, transcrito no n.o 17 destas conclusões.

( 50 ) Escusado será dizer que a proporcionalidade não seria respeitada se houvesse uma duplicação das exigências para os combustíveis de importação coprocessados. Ou seja, se fosse necessária uma análise 14C no Estado de origem, o mesmo exame não poderia ser exigido no Estado de destino. De igual modo, se a percentagem de moléculas de origem biogénica fosse comprovada de forma precisa com base nos dados fornecidos pelo fabricante em aplicação de um sistema voluntário de certificação, a análise 14C também não poderia ser exigida. Nada indica que assim aconteça no litígio, sob reserva da verificação que compete ao tribunal de reenvio.

( 51 ) Acórdão de 23 de dezembro de 2015, Scotch Whisky Association e o. (C‑333/14, EU:C:2015:845, n.o 37).

( 52 ) N.os 16 e 19.

( 53 ) N.os 72 a 79 das suas observações escritas.