CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 21 de setembro de 2023 ( 1 )

Processo C‑473/22

Mylan AB

contra

Gilead Sciences Finland Oy,

Gilead Biopharmaceutics Ireland UC,

Gilead Sciences Inc.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos, Finlândia)]

«Pedido de decisão prejudicial — Propriedade intelectual — Certificado Complementar de Proteção (CCP) — Diretiva 2004/48/CE — Artigo 9.o, n.o 7 — Colocação no mercado de produtos em violação dos direitos conferidos por um CCP — Medidas provisórias ordenadas com base num CCP — Posterior nulidade do CCP e revogação das medidas — Consequências — Direito a uma indemnização adequada em reparação do dano causado pelas medidas provisórias — Responsabilidade do requerente das referidas medidas pelo dano causado pelas mesmas — Legislação nacional que prevê uma responsabilidade objetiva»

Introdução

1.

Quando a proteção conferida ao titular por um direito de propriedade intelectual, tal como uma patente ou um direito derivado da mesma, termina, ou quando este direito for considerado juridicamente frágil e suscetível de ser declarado nulo, os concorrentes do titular podem ser tentados a colocar produtos no mercado que violam o referido direito sem esperarem pelo termo da sua validade. Esta colocação no mercado precoce confere‑lhes uma vantagem concorrencial permitindo‑lhes conquistar partes do mercado antes da chegada de outros concorrentes mais escrupulosos. O procedimento é frequente, nomeadamente, no mercado dos produtos farmacêuticos, no qual os fabricantes dos medicamentos genéricos por vezes não esperam pelo termo da proteção efetiva do medicamento de referência antes de colocarem o seu próprio produto no mercado, na esperança de que esta proteção termine rapidamente.

2.

Tal procedimento é denominado «launch at risk». Com efeito, o seu autor expõe‑se ao risco de o titular acionar medidas de proteção do direito de propriedade intelectual em questão, as quais podem, nomeadamente, assumir a forma de medidas provisórias ordenadas por um órgão jurisdicional, com vista a fazer cessar imediatamente a violação. Nessa situação, o concorrente do titular do direito suporta o risco de perdas financeiras pelos investimentos realizados e que não poderão ser rentabilizados.

3.

No entanto, se após a adoção de tal medida provisória, o direito de propriedade intelectual cuja proteção essa medida deveria assegurar for declarado nulo ou se se constatar que tal direito não foi violado, levanta‑se a questão de saber se a pessoa cuja atividade económica foi indevidamente restringida tem direito a exigir que o titular do direito de propriedade intelectual que requereu as medidas provisórias repare os danos sofridos.

4.

Embora a disposição de direito da União, que deriva, ela própria, do direito internacional, e que obriga os Estados‑Membros a prever nas respetivas ordens jurídicas internas esse direito a reparação, esteja formulada de forma lacónica e geral, o Tribunal de Justiça, no seu Acórdão Bayer Pharma ( 2 ), deu‑lhe um significado mais preciso, enquadrando desta forma a margem de manobra dos Estados‑Membros.

5.

No presente processo, importa analisar, à luz dos ensinamentos resultantes desse Acórdão, o regime de responsabilidade adotado no direito finlandês, que é semelhante aos regimes em vigor no direito interno de diversos outros Estados‑Membros, a saber, um regime de responsabilidade objetiva.

Quadro jurídico

Direito internacional

6.

O artigo 1.o, n.o 1, do Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (a seguir «Acordo TRIPS»), que é objeto do Anexo 1 C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC), assinado em Marraquexe, em 15 de abril de 1994, e aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) ( 3 ) prevê o seguinte:

«Os Membros implementarão as disposições do presente Acordo. Os Membros podem, embora a tal não sejam obrigados, prever na sua legislação uma proteção mais vasta do que a prescrita no presente Acordo, desde que essa proteção não seja contrária às disposições do presente Acordo. Os membros determinarão livremente o método adequado para a execução das disposições no presente Acordo, no quadro dos respetivos sistemas e práticas jurídicas».

7.

Nos termos do artigo 50.o, n.o 7, deste Acordo:

«No caso de as medidas provisórias serem revogadas ou caducarem devido a qualquer ato ou omissão do requerente, ou no caso de se verificar ulteriormente que não existiu qualquer infração ou ameaça de infração de um direito de propriedade intelectual, as autoridades judiciais serão habilitadas a ordenar ao requerente, a pedido do requerido, que conceda a este último uma compensação adequada pelos prejuízos causados por essas medidas».

Direito da União

8.

Os artigos 2.o, 3.o, 5.o, 13.o e 15.o, do Regulamento (CE) n.o 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos ( 4 ), na sua versão em vigor no momento dos factos no processo principal, dispõem o seguinte:

«Artigo 2.o

Os produtos protegidos por uma patente no território de um Estado‑Membro e sujeitos, enquanto medicamentos, antes da sua introdução no mercado, a um processo de autorização administrativa […], podem ser objeto de um certificado [complementar de proteção, a seguir, «certificado» ou «CCP»], nas condições e segundo as regras previstas no presente regulamento.

Artigo 3.o

O certificado é concedido se no Estado‑Membro onde for apresentado o pedido previsto no artigo 7.o e à data de tal pedido:

a)

O produto estiver protegido por uma patente de base em vigor;

[…]

Artigo 5.o

Sem prejuízo do disposto no artigo 4.o, o certificado confere os mesmos direitos que os conferidos pela patente de base e está sujeito às mesmas limitações e obrigações.

[…]

Artigo 13.o

1.   O certificado produz efeitos no termo legal da validade da patente de base, durante um período que corresponde ao período decorrido entre a data da apresentação do pedido da patente de base e a data da primeira autorização de introdução no mercado na [União], reduzido um período de cinco anos.

[…]

Artigo 15.o

1.   O certificado é anulado:

a)

Se tiver sido concedido contrariamente ao disposto no artigo 3.o;

[…]».

9.

Nos termos do artigo 3.o, da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual ( 5 ):

«1.   Os Estados‑Membros devem estabelecer as medidas, procedimentos e recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual abrangidos pela presente diretiva. Essas medidas, procedimentos e recursos devem ser justos e equitativos, não devendo ser desnecessariamente complexos ou onerosos, comportar prazos que não sejam razoáveis ou implicar atrasos injustificados.

2.   As medidas, procedimentos e recursos também devem ser eficazes, proporcionados e dissuasivos e aplicados de forma a evitar que se criem obstáculos ao comércio lícito e a prever salvaguardas contra os abusos.»

10.

O artigo 9.o, desta Diretiva dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros devem garantir que as autoridades judiciais competentes possam, a pedido do requerente:

a)

Decretar contra o infrator presumível uma medida inibitória de qualquer violação iminente de direitos de propriedade intelectual ou de proibição, a título provisório e eventualmente sujeita a quaisquer sanções pecuniárias compulsivas previstas na legislação nacional, da continuação da alegada violação dos referidos direitos, ou fazer depender essa continuação da constituição de garantias destinadas a assegurar a indemnização do titular; […]

[…]

3.   Relativamente às medidas a que se referem os n.os 1 e 2, as autoridades judiciais devem ter competência para exigir que o requerente forneça todos os elementos de prova razoavelmente disponíveis, a fim de adquirirem, com suficiente certeza, a convicção de que o requerente é o titular do direito em causa e de que este último é objeto de uma violação atual ou iminente.

4.   Os Estados‑Membros devem garantir que as medidas provisórias referidas nos n.os 1 e 2 possam, sempre que adequado, ser adotadas sem audição da parte contrária, em particular quando qualquer atraso possa prejudicar de forma irreparável o titular do direito. Nesse caso, as partes devem ser informadas do facto imediatamente após a execução das medidas.

A pedido do requerido, deve proceder‑se a uma revisão, incluindo o direito de ser ouvido, a fim de decidir, num prazo razoável após a notificação das medidas, se estas devem ser alteradas, revogadas ou confirmadas.

[…]

7.   Quando as medidas provisórias tenham sido revogadas ou deixem de produzir efeitos por força de qualquer ato ou omissão do requerente, bem como nos casos em que se venha a verificar posteriormente não ter havido violação ou ameaça de violação de um direito de propriedade intelectual, as autoridades judiciais deverão ter competência para ordenar ao requerente, a pedido do requerido, que pague a este último uma indemnização adequada para reparar qualquer dano causado por essas medidas».

Direito finlandês

11.

Resulta do § 11, capítulo 7, do oikeudenkäymiskaari (Código de Processo Civil) que transpõe o artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48, para o direito finlandês, que quando uma medida provisória tiver sido desnecessariamente decretada, na sequência de um requerimento de uma parte, esta parte deve indemnizar a parte contrária pelos danos causados por esta medida e pela sua execução, incluindo as despesas em que essa parte incorreu. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta disposição é interpretada pela jurisprudência dos órgãos jurisdicionais finlandeses no sentido de que prevê uma responsabilidade objetiva.

Factos no processo principal, tramitação processual e questões prejudiciais

12.

Em 3 de dezembro de 2009, o Patentti‑ ja rekisterihallitus (Instituto de Patentes e Registos) concedeu, com base na patente europeia n.o FI/EP 0 915894 validada na Finlândia (a seguir «patente de base controvertida»), o certificado complementar de proteção n.o 266 «Tenofovir disoproxil (TD) e os sais, hidratos, tautómeros e solventes em combinação com a emtricitabina» (a seguir, «CCP controvertido»), relativo a um medicamento anti‑retroviral indicado para o tratamento das pessoas afetadas pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV).

13.

Na primavera de 2017, a sociedade Mylan AB propôs o seu medicamento «EMTRICITABINE/TÉNOFOVIR DISOPROXIL MYLAN 200 mg/245 mg, comprimidos revestidos por película» (medicamento genérico baseado no tenofovir disoproxil e na emtricitabina, a seguir, «medicamento genérico controvertido») em concursos públicos de dois distritos sanitários finlandeses, tendo ganhado os dois concursos.

14.

A patente de base controvertida caducou em 25 de julho de 2017. Na mesma data, o CCP controvertido entrou em vigor.

15.

Em 15 de setembro de 2017, as sociedades Gilead Sciences Finland Oy, Gilead Biopharmaceuti[cs] Ireland UC e Gilead Sciences, Inc. (a seguir, em conjunto, «Gilead e o.») intentaram uma ação no markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos, Finlândia) nomeadamente, contra a Mylan AB por violação do CCP controvertido, tendo também apresentado um pedido de medidas provisórias, sendo que a Mylan contestou em ambos os casos. Em 30 de novembro de 2017, a Mylan intentou uma ação de declaração de nulidade do CCP controvertido.

16.

Por decisão de 21 de dezembro de 2017, o markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos) deferiu o pedido de medidas provisórias e proibiu a Mylan, sob pena de coima, de oferecer, colocar no mercado e utilizar o medicamento genérico controvertido durante o período de validade do CCP controvertido, bem como de o importar, fabricar e deter para esses fins.

17.

Em 25 de julho de 2018, o Tribunal de Justiça proferiu o Acórdão Teva UK e o ( 6 )., relativo à interpretação do artigo 3.o do Regulamento n.o 469/2009. Deste Acórdão resultou que um CCP análogo ao CCP em causa no presente processo, concedido no Reino Unido para o mesmo medicamento de referência, devia ser declarado nulo por ter sido concedido em violação daquela disposição.

18.

As medidas provisórias obtidas pela Gilead e o. contra a Mylan foram revogadas a pedido da Mylan, por decisão do Korkein oikeus (Supremo Tribunal, Finlândia) de 11 de abril de 2019.

19.

Por Sentença de 25 de setembro de 2019, o markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos) anulou o CCP controvertido. Esta sentença foi objeto de recurso para o Korkein oikeus (Supremo Tribunal) que, por Despacho de 13 de novembro de 2020, não admitiu o recurso apresentado pela Gilead e o., tendo a sentença do markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos) transitado em julgado.

20.

Com fundamento no § 11, do capítulo 7, do Código de Processo Civil, a Mylan requereu a este órgão jurisdicional, órgão jurisdicional de reenvio no presente processo, a condenação da Gilead e o. no pagamento de uma indemnização de 2367854,99 euros, acrescida de juros de mora, pelos danos causados por estas medidas provisórias obtidas desnecessariamente com base num CCP subsequentemente declarado nulo.

21.

O órgão jurisdicional de reenvio recorda que, segundo a jurisprudência finlandesa, o § 11, do capítulo7 do Código de Processo Civil, prevê uma responsabilidade pelo risco, ou seja, uma responsabilidade objetiva. Assim, quem solicita uma medida provisória deverá pagar uma indemnização se o direito de propriedade intelectual com base no qual a medida provisória foi concedida for posteriormente declarado nulo. No entanto, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça no Acórdão Bayer Pharma, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre a questão de saber se o regime de responsabilidade objetiva pode ser considerado compatível com o artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48.

22.

É nestas circunstâncias que o markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1)

Deve um regime de indemnização baseado na responsabilidade objetiva, como o regime em vigor na Finlândia […],ser considerado compatível com o artigo 9.o, n.o 7, da [Diretiva 2004/48]?

2)

Em caso de resposta negativa à primeira questão, em que tipo de responsabilidade se baseia a obrigação de indemnização prevista no artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48? Deve considerar‑se que esta responsabilidade é uma forma de responsabilidade [com base na] culpa, uma forma de responsabilidade por abuso de direito ou uma responsabilidade por qualquer outro motivo?

3)

Quanto à segunda questão, quais são as circunstâncias a tomar em conta para determinar a existência de responsabilidade?

4)

Em particular, no que respeita à terceira questão, deve a apreciação ser feita apenas com base nas circunstâncias conhecidas no momento da concessão de uma medida provisória, ou pode, por exemplo, ter‑se em conta o facto de o direito de propriedade intelectual cuja pretensa violação justificou a medida provisória ter sido posteriormente, após a obtenção desta, declarado nulo ab initio, e, na afirmativa, qual é a importância que deve ser atribuída a esta última circunstância?»

23.

O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 15 de julho de 2022. As partes no processo principal, os Governos finlandês e neerlandês, bem como a Comissão Europeia apresentaram observações por escrito. O Tribunal de Justiça decidiu pronunciar‑se sem realizar audiência.

Análise

24.

O órgão jurisdicional de reenvio submete quatro questões prejudiciais. A primeira questão prejudicial é a que reveste maior importância, uma vez que diz respeito à compatibilidade com o artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48, lido à luz do Acórdão Bayer Pharma, de um regime de responsabilidade objetiva por danos causados por medidas provisórias obtidas desnecessariamente. As restantes três questões prejudiciais dizem respeito à questão de saber, em caso de incompatibilidade de tal regime, em que fundamentos deve a responsabilidade prevista nesta disposição assentar. Analisarei as questões prejudiciais pela ordem em que foram colocadas.

Quanto à primeira questão prejudicial

25.

Recorde‑se que, no litígio no processo principal, a medida provisória contra a Mylan foi adotada a favor da Gilead e o. a fim de proteger o direito de propriedade intelectual de que estas sociedades eram titulares ao abrigo do CCP controvertido. Uma vez que este CCP foi subsequentemente declarado nulo, o direito de propriedade intelectual revelou‑se inexistente, pelo que não sofreu qualquer violação. Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, pois, no essencial, saber se o artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê, nas situações visadas por esta disposição, um regime de responsabilidade objetiva do requerente de medidas provisórias.

26.

A resposta a esta questão exige a interpretação da referida disposição à luz do Acórdão Bayer Pharma. Por conseguinte, começarei a minha análise recapitulando os ensinamentos que se retiram desse Acórdão.

Acórdão Bayer Pharma

27.

No processo que deu origem ao Acórdão Bayer Pharma estava em causa a questão de saber se o artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48 se opunha a um regime de responsabilidade previsto no direito interno de um Estado‑Membro ao abrigo do qual quem fosse demandado com fundamento numa medida provisória infundada não seria indemnizado, nos casos em que o dano resultasse do comportamento do demandado, se o requerente (da medida provisória) tivesse atuado como seria expectável nessa situação.

28.

Nas suas Conclusões nesse processo, o advogado‑geral Pitruzzella salientou, desde logo, que o artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48 tem por objetivo implementar ao nível da União o artigo 50.o, n.o 7, do Acordo TRIPS, que deixa aos Estados‑Membros signatários uma grande margem discricionária e não prejudica o regime de responsabilidade no direito interno destes Estados. Segundo o advogado‑geral, tal é igualmente válido no que diz respeito à interpretação do artigo 9.o, n.o 7, desta Diretiva, desde que este regime de responsabilidade, por um lado, permita ao demandado obter a reparação de qualquer dano sofrido e, por outro lado, não desincentive indevidamente os titulares dos direitos de propriedade intelectual de solicitarem a adoção das medidas previstas no artigo 9.o, n.os 1 e 2, da referida Diretiva ( 7 ).

29.

Em seguida, no que respeita, mais precisamente, ao regime de responsabilidade em causa no processo que deu origem ao Acórdão Bayer Pharma, o advogado‑geral Pitruzzella concluiu que embora o artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48 não se oponha a que o comportamento do demandado seja tido em conta na determinação do direito à indemnização e do nível da mesma, tal artigo opõe‑se, em contrapartida, a que o simples facto de este demandante ter colocado no mercado um produto violador de um direito de propriedade intelectual, sem esperar pela declaração de nulidade deste direito, seja suficiente para que lhe seja recusado o direito a uma indemnização ( 8 ).

30.

Contudo, no seu Acórdão, o Tribunal de Justiça adotou uma solução mais protetora dos titulares dos direitos de propriedade intelectual ( 9 ).

31.

Desde logo, o Tribunal de Justiça observou que o Acordo TRIPS admite expressamente a possibilidade de os seus signatários preverem uma proteção mais vasta dos direitos de propriedade intelectual do que a prevista neste Acordo e que esta foi precisamente a escolha do legislador da União ao adotar a Diretiva 2004/48. Por conseguinte, declarou que o conceito de «indemnização adequada» referido no artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48, cuja interpretação era solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio naquele processo, constituía um conceito autónomo do direito da União que devia ser objeto de uma interpretação uniforme nos diferentes Estados‑Membros ( 10 ).

32.

Em seguida, o Tribunal de Justiça declarou que cabia aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar «se [havia] que condenar o requerente a pagar ao requerido uma indemnização» ( 11 ), sendo que esta indemnização só podia ser considerada «adequada» se fosse justificada à luz das circunstâncias específicas do processo. Assim, o simples facto de estarem preenchidas as condições de concessão dessa indemnização, previstas no artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48, a saber, a revogação ou a inaplicabilidade das medidas provisórias devido a qualquer ato ou omissão do requerente ou a ulterior verificação da inexistência de infração ou ameaça de infração de um direito de propriedade intelectual, não implicava que os órgãos jurisdicionais nacionais competentes ficassem automaticamente, e em qualquer caso, obrigados a condenar o requerente a reparar todo e qualquer dano sofrido pelo requerido em razão das referidas medidas provisórias ( 12 ).

33.

Prosseguindo o seu raciocínio, o Tribunal de Justiça salientou, fazendo referência à inserção sistemática do artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48 e, nomeadamente, ao seu considerando 22, que o objetivo desta disposição consiste em garantir ao requerido a reparação de um dano por ele sofrido devido a um pedido injustificado de medidas provisórias. Ora, a verificação do caráter injustificado de tal pedido pressupõe, antes de mais, a inexistência de risco de que, em caso de atraso na adoção destas medidas, seja causado um prejuízo irreparável ao titular de um direito de propriedade intelectual ( 13 ).

34.

No que respeita às circunstâncias específicas do litígio no processo principal que deu origem ao Acórdão Bayer Pharma, que são semelhantes às do litígio no processo principal do presente processo, o Tribunal de Justiça concluiu que a comercialização de um medicamento em violação da patente corresponde, à primeira vista, a um risco de prejuízo irreparável, pelo que o pedido de medidas provisórias apresentado em reação a esse comportamento não pode, a priori, ser considerado injustificado ( 14 ).

35.

No que respeita à revogação ulterior das medidas provisórias ( 15 ), o Tribunal de Justiça concluiu que embora esta circunstância constitua uma das condições necessárias para que os órgãos jurisdicionais nacionais possam ordenar o pagamento de uma indemnização, tal revogação não pode, em contrapartida, ser em si mesma considerada um elemento de prova determinante do caráter injustificado do pedido de que essas medidas sejam decretadas. O Tribunal de Justiça acrescentou que uma interpretação diferente poderia ter por efeito dissuadir os titulares das patentes de recorrer às medidas previstas no artigo 9.o, n.os 1 e seguintes, da Diretiva 2004/48, o que iria contra os objetivos desta Diretiva ( 16 ).

36.

Por último, o Tribunal de Justiça impôs aos órgãos jurisdicionais nacionais, tendo em conta o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2004/48, a obrigação de zelar por que as medidas provisórias não sejam utilizadas pelos titulares dos direitos de propriedade intelectual de forma abusiva. Para este efeito, os órgãos jurisdicionais nacionais devem, uma vez mais, ter em conta todas as circunstâncias do processo de que foram chamados a conhecer ( 17 ).

37.

É à luz do Acórdão Bayer Pharma que importa responder à primeira questão prejudicial.

Aplicação da solução adotada no Acórdão Bayer Pharma ao presente processo

38.

Tendo em conta as considerações precedentes, importa agora determinar se o artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Bayer Pharma, se opõe a que a responsabilidade do requerente das medidas provisórias, que esse artigo prevê, corresponda a uma responsabilidade objetiva na ordem jurídica interna de um Estado‑Membro.

39.

Devo desde já observar que me parece ser esse o caso.

40.

É claro que, tal como sublinham os interessados que apresentaram observações no presente processo, o artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48 não determina expressamente o regime de responsabilidade a adotar nos Estados‑Membros no quadro da transposição desta disposição e que o Acórdão Bayer Pharma não altera esta situação.

41.

Contudo, é ponto assente que um regime de responsabilidade objetiva, igualmente chamado de «responsabilidade pelo risco», «responsabilidade estrita», ou, em inglês, «strict liability», se caracteriza pela circunstância de a responsabilidade da pessoa em causa resultar simplesmente da sua qualidade ( 18 ), sem que a parte lesada tenha de provar qualquer falha no comportamento daquela pessoa. Por outras palavras, a responsabilidade objetiva é automática e independente das circunstâncias específicas do caso concreto. Em particular, a inexistência de incumprimento da pessoa responsabilizada não a isenta de tal responsabilidade. Apenas em determinados ordenamentos jurídicos é que este princípio de responsabilidade objetiva é atenuado por circunstâncias excecionais, tais como a força maior ou o contributo decisivo da pessoa lesada ou de um terceiro para a ocorrência do dano ( 19 ).

42.

Ora, é precisamente esta a situação a que se opõe o artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Bayer Pharma. Com efeito, segundo o Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional nacional habilitado a ordenar que o requerente de medidas provisórias indemnize quaisquer danos causados ao demandado pelas referidas medidas, caso as mesmas tenham sido obtidas desnecessariamente, deve, ao abrigo desta disposição, poder analisar todas as circunstâncias do caso concreto a fim de apreciar se tal indemnização deve ser ordenada. É esse o caso se o pedido de medidas provisórias tiver sido injustificado, sendo certo que a mera revogação dessas medidas ou a constatação de que não existiu nenhuma violação do direito de propriedade intelectual são insuficientes para concluir pelo caráter injustificado do referido pedido.

43.

É evidente que é possível tentar, tal como fazem alguns interessados que apresentaram observações no presente processo, especular e procurar encontrar uma característica específica de um determinado regime de responsabilidade objetiva, a fim de demonstrar que o mesmo está em conformidade com o artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48 e com o Acórdão Bayer Pharma.

44.

Não obstante, em meu entender, a interpretação desta disposição, tal como resumida no n.o 41 das presentes conclusões, simplesmente exclui que a responsabilidade nos termos da referida disposição resulte de um regime de responsabilidade objetiva. As características específicas de um determinado regime de responsabilidade não são de molde a alterar esta conclusão.

45.

Tal é particularmente o caso da circunstância, sublinhada pelo órgão jurisdicional reenvio de, no sistema finlandês, a conduta do demandado poder ser tida em conta para efeitos da determinação do montante da indemnização. Com efeito, o Tribunal de Justiça exigiu expressamente, no Acórdão Bayer Pharma, que os órgãos jurisdicionais nacionais tivessem em conta as circunstâncias de cada caso para apreciar se deve ser concedida uma indemnização. A redução do montante da indemnização, quando o próprio princípio da responsabilidade se mantém, não é suficiente para satisfazer esta exigência.

Considerações suplementares

46.

Gostaria de acrescentar que a interpretação do artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48 que decorre do Acórdão Bayer Phrama me parece estar em perfeita conformidade com o espírito e a sistemática desta Diretiva. Com efeito, é importante interpretar esta disposição tendo em conta os seus diferentes elementos contextuais.

47.

Em primeiro lugar, há que ter em conta o disposto no artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48.

48.

No Acórdão Bayer Pharma, o Tribunal de Justiça observou que considerar a revogação das medidas provisórias, em si mesma, como um elemento de prova determinante do caráter injustificado do pedido que deu origem a estas medidas poderia ter por efeito dissuadir o titular da patente em causa neste processo de recorrer às medidas previstas no artigo 9.o, da Diretiva 2004/48 e iria, assim, contra o objetivo desta Diretiva, que consiste em assegurar um nível elevado de proteção da propriedade intelectual ( 20 ). Em meu entender, esta consideração merece ser objeto de maior desenvolvimento.

49.

O artigo em questão consagra o direito de, para efeitos de proteção dos seus direitos de propriedade intelectual, os titulares requererem medidas provisórias contra qualquer infrator, incluindo um potencial infrator, a fim de prevenir a violação iminente dos seus direitos. Este é o objetivo principal deste artigo.

50.

É com o único objetivo de ponderar os interesses de todas as partes em causa que o artigo 9.o, n.os 5 a 7, da Diretiva 2004/48 prevê medidas de proteção dos interesses dos demandados, estipulando que as medidas provisórias devem ser revogadas em caso de inação do requerente na ação relativa ao mérito e que os eventuais danos sofridos pelo demandado em razão das medidas provisórias obtidas desnecessariamente devem ser reparados pelo requerente. Estas disposições têm por objetivo evitar recursos abusivos às medidas provisórias.

51.

Contudo, estas disposições contrariariam o efeito útil do artigo 9.o, da Diretiva 2004/48 no seu conjunto, se fossem interpretadas e transpostas para o direito nacional de uma forma que implicasse um risco desproporcional de o requerente ter de indemnizar a parte contrária por medidas que foram colocadas à sua disposição para proteger os seus direitos de propriedade intelectual. Na lógica deste artigo, o risco não é repartido de forma igual entre o titular dos direitos de propriedade intelectual e o infrator — ou o potencial infrator — desses direitos. É este último que corre um risco ao infringir, mesmo potencialmente, um direito de propriedade intelectual. Pode fazê‑lo de forma deliberada, se considerar que a posição do titular é fraca, por exemplo, devido à vulnerabilidade do seu direito. No entanto, é com todo o conhecimento de causa que o mesmo decide suportar ou não este risco.

52.

Em contrapartida, seria contrário ao espírito e ao objetivo do artigo 9.o, da Diretiva 2004/48 transformar a defesa dos direitos de propriedade intelectual, pelo seu titular, numa atividade de risco. Enquanto não puder ser acusado de nenhuma infração, o titular deverá ser livre de utilizar plenamente as medidas previstas por esta Diretiva, incluindo as previstas no artigo 9.o, da mesma, sem ser dissuadido pela perspetiva das consequências negativas do recurso a tais medidas. É esse o caso, nomeadamente, quando o direito de propriedade intelectual em questão resulta de uma decisão de uma autoridade pública, como uma patente ou um CCP, tal como no caso em apreço, e quando a caducidade das medidas provisórias resulta da declaração de nulidade desse direito. O titular deverá poder confiar em tal decisão e não suportar o risco da sua eventual irregularidade.

53.

Por outro lado, as medidas provisórias previstas no artigo 9.o, da Diretiva 2004/48 por definição não prejudicam as conclusões do litígio quanto ao mérito. Ora, prever a responsabilidade automática da parte que requereu tais medidas provisórias de cada vez que, seja por que motivo for, a mesma não obteve ganho de causa, teria por efeito desvirtuar o caráter provisório destas medidas, contrariamente, uma vez mais, ao objetivo desta disposição.

54.

Em segundo lugar, há que ter em conta o conjunto das disposições desta diretiva e, nomeadamente, as suas regras de caráter geral.

55.

O Governo Finlandês explica nas suas observações que a responsabilidade objetiva do requerente das medidas provisórias constitui, no direito finlandês, a contrapartida da grande facilidade de obtenção destas medidas que são concedidas de forma quase automática. Segundo este Governo, se o princípio da responsabilidade objetiva tivesse de ser abandonado, os órgãos jurisdicionais seriam obrigados a analisar com maior atenção o mérito das pretensões do requerente, o que não seria uma evolução bem‑vinda.

56.

Não partilho desta última opinião. A posição do Governo Finlandês denota uma abordagem, por assim dizer, «Far West» das relações estabelecidas pelo artigo 9.o, da Diretiva 2004/48: de um lado, está o xerife (o titular do direito de propriedade intelectual), do outro, o pistoleiro (o infrator ou potencial infrator) e ganha o mais rápido a puxar do gatilho (ou seja, no essencial quem tiver melhores advogados). Contudo, esta perspetiva da defesa dos direitos de propriedade intelectual como um O.K. Corral jurídico ( 21 ) não me parece ter sido a do legislador da União aquando da adoção da Diretiva 2004/48 e, nomeadamente, do seu artigo 9.o

57.

Com efeito, o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2004/48 exige que as medidas previstas por essa mesma diretiva devem ser eficazes e dissuasivas, mas também proporcionadas e aplicadas para evitar que se criem obstáculos ao comércio lícito e a prever salvaguardas contra os abusos. Ora, a aplicação destas medidas é, principalmente, da responsabilidade dos órgãos jurisdicionais nacionais. Por conseguinte, são os órgãos jurisdicionais nacionais que devem assegurar‑se do caráter prima facie justificado das medidas requeridas pelos titulares dos direitos de propriedade intelectual e, nomeadamente, das medidas provisórias. Só a apreciação pelo juiz do caráter proporcionado do pedido permite garantir que as medidas provisórias adotadas são proporcionadas, não criam obstáculos ao comércio legítimo e não têm caráter abusivo ( 22 ). Aliás, tal está expressamente previsto no artigo 9.o, n.o 3, desta Diretiva, que habilita as autoridades judiciais a exigir do requerente das medidas provisórias todos os elementos de prova do caráter justificado do seu pedido. Esta disposição seria esvaziada de objeto se tais medidas tivessem de ser adotadas automaticamente.

58.

A consideração do mérito do pedido e, em termos mais gerais, da ponderação dos interesses de duas partes aquando da concessão das medidas provisórias parece‑me, pois, necessária do ponto de vista dos objetivos da Diretiva 2004/48. A vigilância dos órgãos jurisdicionais chamados a ordenar as medidas provisórias deve assim constituir o primeiro obstáculo à utilização abusiva destas medidas pelos titulares dos direitos de propriedade intelectual ( 23 ).

59.

Em contrapartida, no que diz respeito à necessidade de celeridade deste processo, recordo que o artigo 9.o, n.o 4, da Diretiva 2004/48 permite, nos casos de extrema urgência, a adoção de medidas provisórias sem audição do requerido, sob reserva de a revisão ser levada a cabo a pedido deste último, que pode resultar na modificação, na revogação ou na confirmação destas medidas. Escusado será dizer que, para garantir o efeito útil desta disposição, a eventual modificação ou revogação das referidas medidas, na sequência da revisão, não pode permitir concluir pela responsabilidade automática do requerente.

60.

Por conseguinte, é com alguma prudência que os órgãos jurisdicionais nacionais deverão, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2004/48, ordenar as medidas previstas por esta Diretiva, entre as quais as medidas provisórias referidas no artigo 9.o, n.os 1 e 2, desta Diretiva. Esta prudência deverá subsequentemente ser refletida no regime de responsabilidade implementado nos termos do artigo 9.o, n.o 7, desta mesma Diretiva.

61.

Regra geral, a responsabilidade objetiva surge em três tipos de situações: no exercício de uma atividade de risco relacionada, nomeadamente, com a utilização de «forças da natureza» que o utilizador não domina plenamente; devido a atos de terceiros que se encontrem sob a responsabilidade do interessado, tal como os empregados ou as crianças menores e, por último, devido a «perturbações da vizinhança», ou seja, a danos relacionados com a utilização de um edifício. Em contrapartida, não me parece conforme com o espírito e a lógica da Diretiva 2004/48 que os requerentes das medidas provisórias previstas no artigo 9.o, desta diretiva sejam automaticamente responsabilizados pelas decisões que dizem respeito a estas medidas que, após exame aprofundado do pedido, são decretadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais. A responsabilidade destes requerentes deverá antes ser limitada, conforme resulta do Acórdão Bayer Pharma, aos incumprimentos respeitantes ao seu próprio comportamento, nomeadamente, aquando da apresentação do pedido de medidas provisórias.

62.

Por último, em terceiro lugar, importa ter em conta o conjunto das disposições do direito da União no domínio da propriedade intelectual.

63.

Com efeito, embora a Diretiva 2004/48 seja fortemente inspirada na parte III do Acordo TRIPS ( 24 ) e constitua a sua implementação a nível do direito da União, não é menos certo que a mesma se inscreve na obra bem mais vasta de harmonização das disposições materiais relativas às diferentes categorias de direitos de propriedade intelectual, nomeadamente, as patentes, as marcas, os desenhos e modelos, bem como os direitos de autor e direitos conexos. O seu papel consiste em assegurar um nível elevado de proteção destes direitos, equivalente e homogéneo ( 25 ).

64.

Por conseguinte, o artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48 deve ser interpretado de modo homogéneo, não apenas no contexto do mercado farmacêutico ou no direito das patentes, mas igualmente nos diferentes domínios do direito da propriedade intelectual e nos diferentes sistemas jurídicos dos Estados‑Membros. Ora, as relações de força entre as partes no litígio relativas a estes diferentes direitos de propriedade intelectual variam muito. Assim, em meu entender, só a tomada em consideração de todas as circunstâncias de um determinado processo pelo órgão jurisdicional chamado a ordenar o pagamento de uma eventual indemnização permite obter uma solução adaptada a cada situação. Consequentemente, é indispensável que o direito interno de cada Estado‑Membro permita a tomada em consideração destas circunstâncias.

Proposta de resposta à primeira questão prejudicial

65.

Parece‑me que tanto as soluções adotadas pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Bayer Pharma como a sistemática e os objetivos da Diretiva 2004/48 excluem que a responsabilidade prevista no artigo 9.o, n.o 7, desta Diretiva resulte de um regime de responsabilidade objetiva semelhante ao adotado no direito finlandês. No entanto, uma vez que cabe aos Estados‑Membros definir este regime de responsabilidade, a resposta a esta questão deve ser formulada de forma mais abstrata, a fim de não limitar indevidamente a sua margem de manobra.

66.

Por conseguinte, proponho responder à primeira questão prejudicial que o artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que, nas situações visadas nesta disposição, prevê um regime de responsabilidade do requerente das medidas provisórias que não permite que o juiz chamado a conhecer de uma ação de indemnização por danos causados por estas medidas tenha em conta, além dos pressupostos desta responsabilidade enumerados na referida disposição, outras circunstâncias pertinentes do caso concreto, para apreciar se a reparação em causa deve ser ordenada.

Quanto à segunda a quarta questões prejudiciais

67.

A segunda a quarta questões prejudiciais foram submetidas caso resultasse da resposta à primeira questão prejudicial que o artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48 se opõe a um regime de responsabilidade objetiva pelos danos causados por medidas provisórias obtidas desnecessariamente. Tendo em conta a resposta que proponho dar esta primeira questão, há que analisar a segunda, terceira e quarta questões prejudiciais.

Quanto à segunda questão prejudicial

68.

Pela sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, que tipo de regime de responsabilidade é conforme com o artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48.

69.

Conforme já referi, esta disposição não prescreve um sistema de responsabilidade concreto, de modo que cabe aos Estados‑Membros definir e organizar este sistema.

70.

No entanto, resulta diretamente da resposta que proponho à primeira questão prejudicial que o regime de responsabilidade ao abrigo do artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48 deve permitir que o juiz chamado a conhecer de um pedido de indemnização por danos causados por medidas provisórias obtidas desnecessariamente tenha em conta, além dos pressupostos desta responsabilidade enumerados nesta disposição, outras circunstâncias pertinentes do caso concreto, a fim de apreciar se esta indemnização deve ser ordenada. Assim, se o Tribunal de Justiça seguir esta proposta de resposta, não será, em meu entender, necessário dar uma resposta separada à segunda questão prejudicial.

Quanto à terceira e quarta questões prejudiciais

71.

Com as suas terceira e quarta questões, que proponho analisar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, que circunstâncias o juiz chamado a conhecer de um pedido de indemnização ao abrigo do artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48 deve ter em conta a fim de apreciar se esta indemnização deve ser ordenada.

72.

Conforme corretamente observa a Comissão, é difícil enumerar exaustivamente todas as circunstâncias que o juiz poderá ser levado a ter em conta nessa situação. O Acórdão Bayer Pharma aponta, contudo, alguns indícios de caráter geral.

73.

Resulta desse Acórdão que a responsabilidade do requerente de medidas provisórias resulta do caráter injustificado das medidas por ele solicitadas. O seu caráter justificado é apreciado à luz da existência de um risco de prejuízo irreparável suscetível de ser causado ao requerente caso tais medidas provisórias não sejam decretadas. A circunstância de as medidas provisórias terem sido revogadas, ou de, em termos mais gerais, se concretizarem as hipóteses em que está prevista a responsabilidade do requerente em conformidade com o artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48, não constitui por si só uma prova do caráter injustificado deste pedido ( 26 ).

74.

Resulta do acima exposto, em primeiro lugar, que as circunstâncias a ter em conta pelo juiz chamado a conhecer de uma ação de indemnização nos termos do artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48 são as que lhe permitem apreciar se o pedido de medidas provisórias era justificado. Para ser completa, tal apreciação deve, em meu entender, incidir não apenas no pedido original de medidas provisórias, mas igualmente no comportamento ulterior do requerente no que diz respeito à manutenção, à prorrogação ou à renovação eventuais destas medidas. O caráter justificado desse pedido pode, com efeito, evoluir em função de circunstâncias como o desenvolvimento do litígio entre o requerente e o seu adversário.

75.

Em segundo lugar, o juiz deve, evidentemente, ter em conta as circunstâncias posteriores ao pedido, à concessão e à execução das medidas provisórias. Trata‑se nomeadamente das circunstâncias referidas no artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48, a saber, a revogação de medidas provisórias (e as razões de tal revogação) e a verificação posterior da inexistência de violação do direito de propriedade intelectual. Contudo, estas circunstâncias devem ser tidas em conta não como uma confirmação post factum do caráter injustificado do pedido de medidas provisórias, mas para efeitos da apreciação do caráter justificado do pedido no momento em que foi apresentado (ou no momento da apresentação de pedidos subsequentes).

76.

Por exemplo a declaração de nulidade do direito de propriedade intelectual em causa após a adoção de medidas provisórias pode constituir um indício de erro do requerente na apreciação da procedência das suas pretensões. Contudo, se este erro for considerado, num determinado caso, como desculpável, o mesmo não pode conduzir à responsabilidade do requerente, sob pena de ser posto em causa o efeito útil do artigo 9.o, da Diretiva 2004/48 no seu conjunto ( 27 ).

77.

Em terceiro lugar, o caráter justificado de um pedido de medidas provisórias deve ser apreciado tendo em conta o risco de prejuízo irreparável causado ao requerente, ou seja, por definição, a probabilidade de concretização de tal prejuízo. Esta probabilidade não diz respeito apenas à ocorrência de um evento prejudicial para os interesses do requerente, mas também ao caráter legítimo desses interesses, nomeadamente, à validade do direito de propriedade intelectual em questão. A eventual posterior declaração de nulidade deste direito não significa, pois, que, aquando do pedido de medidas provisórias, o risco de prejuízo irreparável não existisse.

78.

Por último, em quarto lugar, a revogação das medidas provisórias ou a verificação da inexistência de uma infração ou de uma ameaça de infração a um direito de propriedade intelectual podem constituir um indício de abuso por parte do requerente destas medidas. Tal abuso deve, em meu entender, ser considerado equivalente a um pedido injustificado de medidas provisórias e conduzir à obrigação de indemnização pelos danos causados por esse pedido, tal como, aliás, declarou, no essencial, o Tribunal de Justiça no Acórdão Bayer Pharma ( 28 ).

79.

Assim, embora o artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48 não especifique as causas concretas da responsabilidade que nele estão previstas, é, ainda assim, possível dar aos órgãos jurisdicionais competentes indicações quanto às circunstâncias a ter em conta no quadro da sua apreciação. Por conseguinte, proponho responder às terceira e quarta questões prejudiciais que o juiz chamado a conhecer de uma ação de indemnização ao abrigo do artigo 9.o, n.o 7, desta Diretiva deve ter em conta, a fim de apreciar se esta indemnização deve ser ordenada, além dos pressupostos desta responsabilidade enumerados nesta disposição, outras circunstâncias pertinentes do caso concreto, tanto anteriores como posteriores ao pedido de medidas provisórias em causa, que lhe permitam apreciar o caráter justificado deste pedido tendo em conta o risco de prejuízo irreparável causado ao requerente se estas medidas não tivessem sido decretadas.

Conclusão

80.

Tendo em conta as considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo markkinaoikeus (Tribunal dos Assuntos Económicos, Finlândia), da seguinte forma:

1)

O artigo 9.o, n.o 7, da Diretiva 2004/48 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma legislação nacional que, nas situações visadas nesta disposição, prevê um regime de responsabilidade do requerente das medidas provisórias que não permite que o juiz chamado a conhecer de uma ação de indemnização por danos causados por estas medidas tenha em conta, além dos pressupostos desta responsabilidade enumerados na referida disposição, outras circunstâncias pertinentes do caso concreto, para apreciar se a reparação em causa deve ser ordenada.

2)

O juiz chamado a conhecer de uma ação de indemnização ao abrigo do artigo 9.o, n.o 7, desta Diretiva deve ter em conta, a fim de apreciar se esta indemnização deve ser ordenada, além dos pressupostos desta responsabilidade enumerados nesta disposição, outras circunstâncias pertinentes do caso concreto, tanto anteriores como posteriores ao pedido de medidas provisórias em causa, que lhe permitam apreciar o caráter justificado deste pedido tendo em conta o risco de prejuízo irreparável causado ao requerente se estas medidas não tivessem sido decretadas.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Acórdão de 12 de setembro de 2019 (C‑688/17, a seguir, «Acórdão Bayer Pharma, EU:C:2019:722).

( 3 ) JO 1994, L 336, p. 1.

( 4 ) JO 2009, L 152, p. 1.

( 5 ) JO 2004, L 157, p. 45, retificação, JO 2004, L 195, p. 16.

( 6 ) C‑121/17, EU:C:2018:585.

( 7 ) Conclusões do advogado‑geral Pitruzzella no processo Bayer Pharma (C‑688/17, EU:C:2019:324, n.os 26 a 48).

( 8 ) Conclusões do advogado‑geral Pitruzzella no processo Bayer Pharma (C‑688/17, EU:C:2019:324, n.os 49 a 60).

( 9 ) Esta interpretação do Acórdão Bayer Pharma também pode ser encontrada na doutrina. V., nomeadamente, Dijkman, L., «CJEU rules that repeal of provisional measure does not automatically create liability for wrongful enforcement», Journal of Intellectual Property Law & Practice, n.o 12, 2019, p. 917; de Haan, T., «The CJEU sides with IP right holders: the Bayer Pharma judgment (C‑688/17) and the consequences of the Europeisation of provisional and precautionary measures relating to IP rights», European Intellectual Property Review, n.o 11, 2020, p. 767; Tilmann, W., «Consequences of the CJEU’s Bayer v Richter decision», Journal of Intellectual Property Law & Practice, n.o 6, 2022, p. 526; e, numa perspetiva crítica, Felthun, R., e o., «Compensating wrongly restrained defendants in pharmaceutical patent cases: recent developments in the EU, England and Australia», Bio‑Science Law Review, n.o 6, 2020, p. 234, e Sztoldman, A., «Compensation for a wrongful enforcement of a preliminary injunction under the Enforcement Directive (2004/48/EC)», European Intellectual Property Review, n.o 11, 2020, p. 721.

( 10 ) Acórdão Bayer Pharma, n.os 47 a 49.

( 11 ) Acórdão Bayer Pharma, n.o 51 (sublinhado nosso).

( 12 ) Acórdão Bayer Pharma, n.os 51 e 52.

( 13 ) Acórdão Bayer Pharma, n.os 60 a 62.

( 14 ) Acórdão Bayer Pharma, n.o 63.

( 15 ) No litígio no processo principal nesse processo, estas medidas provisórias foram revogadas por vício processual, mas não foram posteriormente renovadas devido ao estado avançado do processo de declaração de nulidade da patente que constituía o seu fundamento, tendo esta patente acabado por ser declarada nula (v. Acórdão Bayer Pharma, n.os 23 a 26).

( 16 ) Acórdão Bayer Pharma, n.os 64 e 65.

( 17 ) Acórdão Bayer Pharma, n.os 68 a 70.

( 18 ) E, bem entendido, da ocorrência de um dano.

( 19 ) Quanto à responsabilidade objetiva, v., a título indicativo, Knetsch, J., «The Role of Liability without Fault», em Borghetti, J.‑S., Whittaker, S., (ed.), French Civil Liability in Comparative Perspective, Hart Publishing, Oxford, 2019, p. 123 a 142, e Szpunar, A., «La responsabilité sans faute dans le droit civil polonais», Revue internationale de droit comparé, n.o 1, 1959, p. 19 a 33.

( 20 ) Acórdão Bayer Pharma, n.os 64 e 65. Uma observação semelhante já constava das Conclusões do advogado‑geral Pitruzzella no processo Bayer Pharma (C‑688/17, EU:C:2019:324, n.o 47).

( 21 ) Faço aqui, bem entendido, alusão ao famoso western de John Sturges de 1957 Gunfight at the O.K. Corral.

( 22 ) V., neste sentido, Sikorski, R., «Patent Injunctions in the European Union Law», em Sikorski, R. (ed.), Patent Law Injunctions, Kluwer Law International, 2018, p. 22.

( 23 ) Aliás, é o que já recordou o Tribunal de Justiça no Acórdão Bayer Pharma, n.os 66 a 70.

( 24 ) Esta parte é intitulada «Aplicação de direitos de propriedade intelectual».

( 25 ) V., nomeadamente, considerandos 3 e 10 da Diretiva 2004/48.

( 26 ) Acórdão Bayer Pharma, n.os 60, 62 e 64.

( 27 ) V. n.os 48 a 52 das presentes Conclusões e Acórdão Bayer Pharma, n.o 65.

( 28 ) N.os 66 a 70.