CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

ANTHONY MICHAEL COLLINS

apresentadas em 15 de junho de 2023 ( 1 )

Processo C‑451/22

RTL Nederland BV,

RTL Nieuws BV

interveniente:

Minister van Infrastructuur en Waterstaat

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos)]

«Reenvio prejudicial — Aviação civil — Regulamento (UE) n.o 376/2014 — Artigo 15.o, n.o 1 — Confidencialidade adequada dos elementos das ocorrências — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigos 11.o e 42.o — Convenção Europeia dos Direitos Humanos — Artigo 10.o — Liberdade de receber informações — Restrição — Segurança pública»

I. Introdução

1.

Em 17 de julho de 2014, 298 pessoas perderam a vida quando o voo MH17 da Malaysia Airlines, um voo regular de passageiros de Amesterdão (Países Baixos) para Kuala Lumpur (Malásia), se despenhou perto de Hrabove, uma aldeia no leste da Ucrânia ( 2 ). A RTL Nederland BV e a RTL Nieuws BV (a seguir «RTL»), que são duas empresas neerlandesas de comunicação social, solicitaram informações ao Governo neerlandês para apurar o que este sabia sobre a segurança do espaço aéreo ucraniano antes da catástrofe. O minister van Infrastructuur en Waterstaat [Ministro das Infraestruturas e da Água (a seguir «ministro»)] decidiu que o direito nacional e o Regulamento n.o 376/2014 ( 3 ) proibiam a divulgação dessas informações. O presente pedido de decisão prejudicial decorre do facto de a RTL ter impugnado essa decisão.

II. Quadro jurídico

A.   Direito da União Europeia

2.

O artigo 15.o do Regulamento n.o 376/2014, com a epígrafe «Confidencialidade e utilização adequada das informações», dispõe o seguinte:

«1.   Os Estados‑Membros e as organizações, em conformidade com a sua legislação nacional, e a [Agência Europeia para a Segurança da Aviação (a seguir «Agência»)], tomam as medidas necessárias para garantir a confidencialidade adequada dos elementos das ocorrências recebidas nos termos dos artigos 4.o, 5.o e 10.o

Os Estados‑Membros, as organizações estabelecidas num Estado‑Membro e a Agência tratam os dados pessoais apenas na medida do necessário para os fins do presente regulamento, e sem prejuízo dos atos normativos nacionais que aplicam a [Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO 1995, L 281, p. 31)].

2.   Sem prejuízo das disposições relativas à proteção das informações de segurança dos artigos 12.o, 14.o e 15.o do [Regulamento (UE) n.o 996/2010, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de 2010, relativo à investigação e prevenção de acidentes e incidentes na aviação civil e que revoga a Diretiva 94/56/CE (JO 2010, L 295, p. 35)], as informações provenientes dos relatórios de ocorrências são utilizadas apenas para os fins para os quais foram recolhidas.

Os Estados‑Membros, a Agência e as organizações não disponibilizam nem utilizam as informações sobre ocorrências:

a)

Para imputar culpas ou responsabilidades; nem

b)

Para fins que não sejam manter ou melhorar a segurança da aviação.

3.   A Comissão, a Agência e as autoridades competentes dos Estados‑Membros, no cumprimento das obrigações que lhes incumbem por força do artigo 14.o em relação às informações contidas no Repositório Central Europeu:

a)

Asseguram a confidencialidade das informações; e

b)

Limitam a utilização das informações ao estritamente necessário para cumprirem as suas obrigações em matéria de segurança, sem imputar culpas ou responsabilidades. Neste contexto, as informações são utilizadas, nomeadamente, para gerir os riscos e para analisar as tendências no domínio da segurança que possam conduzir a recomendações ou medidas de segurança destinadas a corrigir deficiências, reais ou potenciais, em matéria de segurança.

[…]».

B.   Direito neerlandês

3.

O artigo 2.o, n.o 1, da Wet openbaarheid van bestuur (Lei sobre a Publicidade dos Atos da Administração) prevê o seguinte:

«No exercício das suas funções, um organismo administrativo deve, sem prejuízo de quaisquer outras disposições previstas na lei, fornecer informações em conformidade com a presente lei e seguir, a este respeito, o interesse geral no livre acesso à informação.»

4.

De acordo com o artigo 3.o da Lei sobre a Publicidade dos Atos da Administração:

«1.   Qualquer pessoa pode dirigir um pedido de informações contidas em documentos relativos a uma questão administrativa a um organismo administrativo ou a uma instituição, serviço ou empresa que atue sob a autoridade de um organismo administrativo.

2.   No pedido, o requerente deve especificar a questão administrativa, ou o documento com ela relacionado, sobre a qual pretende receber informações.

3.   O requerente não tem de declarar um interesse aquando da apresentação do pedido.

4.   Se o pedido for formulado de uma forma demasiado genérica, o organismo administrativo deve solicitar ao requerente, o mais rapidamente possível, que clarifique o pedido e prestar‑lhe assistência para o efeito.

5.   O pedido de informações será deferido sob reserva do disposto nos artigos 10.o e 11.o»

5.

O artigo 1.1 da Wet luchtvaart (Lei da Aviação) dispõe que:

«Na presente lei e nas disposições que nela se baseiam, aplicam‑se as seguintes definições:

[…]

“ocorrência”, uma interrupção operacional, um defeito, uma falha ou outra irregularidade que afete ou possa afetar a segurança aérea, sem constituir um acidente ou um incidente grave, como referido no artigo 3.o, alíneas a) e k), da Diretiva 94/56/CE do Conselho, de 21 de novembro de 1994, que estabelece os princípios fundamentais que regem os inquéritos sobre os acidentes e os incidentes no domínio da aviação civil (JO 1994, L 319, p. 14);

[…].»

6.

O n.o 1 do artigo 7.1 da Lei da Aviação exige que as ocorrências sejam notificadas ao Ministro das Infraestruturas e do Ambiente.

7.

De acordo com o artigo 7.2 da Lei da Aviação:

«1.   Os dados obtidos a partir de uma notificação referida no artigo 7.1, n.o 1, ou recebidos de um Estado‑Membro da União Europeia em resposta a uma notificação semelhante nesse Estado‑Membro não são públicos.

2.   Qualquer autoridade com competência regulamentar no domínio da segurança da aviação civil ou com competência para realizar investigações sobre acidentes e incidentes que ocorram na Comunidade Europeia terá acesso aos dados referidos no n.o 1.

3.   Aquando do registo da notificação, os nomes e endereços das pessoas individuais não devem ser introduzidos.»

III. Factos do litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

8.

Em 10 de janeiro de 2018, a RTL solicitou ao Governo neerlandês documentos relativos à catástrofe do avião do voo MH17 nos termos da Lei sobre a Publicidade dos Atos da Administração. Os documentos solicitados incluíam «todos os relatórios do ECCAIRS do ano de 2014 relativos à Ucrânia» ( 4 ).

9.

O ministro identificou dois relatórios relevantes, mas decidiu que não podia divulgá‑los porque: i) a RTL não é uma das partes interessadas a que se refere o artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 376/2014, a saber, as pessoas e organizações ativas no setor da aviação enumeradas no anexo II do referido regulamento; e ii) o artigo 7.2 da Lei da Aviação proíbe a sua divulgação ( 5 ).

10.

A RTL interpôs recurso da decisão do ministro. Por carta de 31 de dezembro de 2018, informou o Rechtbank Midden‑Nederland (Tribunal de Primeira Instância, Países Baixos Centrais, Países Baixos) de que, no interesse da eficiência processual, limitava o seu recurso a todos os documentos relacionados com relatórios relativos à situação de segurança no espaço aéreo sobre a Ucrânia antes de 17 de julho de 2014, incluindo os relatórios do ECCAIRS ( 6 ).

11.

O Rechtbank (Tribunal de Primeira Instância) negou provimento ao recurso interposto pela RTL ( 7 ). O artigo 7.2 da Lei da Aviação, que visa refletir a obrigação de confidencialidade prevista no artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 376/2014, impede a divulgação dos relatórios do ECCAIRS. A RTL não pode invocar o artigo 10.o do Regulamento n.o 376/2014, uma vez que esta disposição determina de forma exaustiva como e a quem podem ser fornecidas as informações. A RTL reconheceu que não é uma parte interessada para efeitos desta disposição. Também não pode invocar o artigo 13.o, n.o 12, do Regulamento n.o 376/2014, uma vez que esta disposição não estabelece um procedimento de divulgação de informações anonimizadas a pedido. Além disso, a RTL não pode invocar o direito de receber informações previsto no artigo 10.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), visto que as referidas restrições estão previstas na lei e que não existem circunstâncias excecionais, na aceção da jurisprudência pertinente, que indiquem que estas restrições possam ser ilegais. Na medida em que o pedido da RTL podia ser interpretado no sentido de incluir quaisquer documentos relacionados com os relatórios do ECCAIRS, as mesmas considerações militavam contra a sua divulgação.

12.

Embora o ministro tenha fornecido ao Rechtbank (Tribunal de Primeira Instância) os dois relatórios que tinha identificado como relevantes, esse órgão jurisdicional decidiu que seria inadequado lê‑los. Também considerou inadequado deferir o pedido da RTL de emissão de uma declaração substantiva sobre a questão de saber se o Governo neerlandês tinha reagido com suficiente rapidez a eventuais advertências sobre a segurança do espaço aéreo ucraniano.

13.

A RTL interpôs recurso da decisão de primeira instância para o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos). Este órgão jurisdicional decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

«1.

O que se deve entender por elementos das “ocorrências” e por “confidencialidade adequada”, na aceção do artigo 15.o, n.o 1, do [Regulamento n.o 376/2014] e à luz do direito à liberdade de expressão e de informação consagrado no artigo 11.o da Carta [dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir “Carta”)] e no artigo 10.o da CEDH?

2.

Deve o artigo 15.o, n.o 1, do [Regulamento n.o 376/2014] ser interpretado, à luz do direito à liberdade de expressão e de informação consagrado no artigo 11.o da Carta e no artigo 10.o da CEDH, no sentido de que é compatível com uma norma nacional, como a que está em causa no processo principal, que não permite a divulgação de nenhum dado sobre as referidas ocorrências?

3.

Em caso de resposta negativa à questão 2, está a autoridade nacional competente autorizada a aplicar um regime nacional geral de divulgação por força do qual não deve ser prestada informação na medida em que a prestação dessa informação não possa prevalecer sobre os interesses relativos, por exemplo, às relações com os outros Estados e organizações internacionais, à inspeção, ao controlo e à vigilância pelas autoridades administrativas, ao respeito da vida privada e à prevenção de uma vantagem desproporcionada e ao prejuízo sofrido por pessoas singulares e coletivas?

4.

É relevante, para a aplicação do regime nacional geral de divulgação, o facto de se tratar de informações contidas na base de dados nacional ou de informações extraídas de relatórios ou sobre estes, incluídos noutros documentos, como, por exemplo, documentos políticos?»

14.

O Governo neerlandês, o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Na audiência de 30 de março de 2023, estas partes apresentaram alegações orais e responderam às questões escritas e orais do Tribunal de Justiça.

IV. Análise

A.   Quanto à revogação da Diretiva 2003/42/CE e à aprovação do Regulamento n.o 376/2014

15.

Em 2011, a Comissão publicou uma comunicação sobre o estabelecimento de um sistema de gestão da segurança da aviação à escala europeia ( 8 ). Tendo em conta o aumento previsto do número de voos, a Comissão observou que constituiria um desafio manter a baixa taxa de acidentes da União Europeia sem tomar medidas específicas, incluindo a identificação dos perigos que ameaçam a segurança, a partilha de informações de segurança e a investigação proativa de incidentes.

16.

Não obstante a adoção da Diretiva 2003/42 ( 9 ), a Comissão detetou uma deficiência significativa na comunicação de eventos relacionados com a segurança, incluindo os causados por dados incompletos e informações de baixa qualidade. Para responder a essa preocupação, era necessário estabelecer uma cultura de comunicação transparente e criar um ambiente em que os indivíduos se sintam capazes de comunicar eventos significativos no plano da segurança, sem receio de represálias, descrito como uma «cultura justa» ( 10 ).

17.

Durante a revisão da Diretiva 2003/42 pela Comissão, os Estados‑Membros indicaram que consideravam que a comunicação eficaz de ocorrências era crucial para estabelecer um sistema de segurança baseado em provas. Lamentaram a falta de confidencialidade das informações comunicadas e o baixo nível de proteção por parte das autoridades judiciárias. Propuseram que as disposições relativas à proteção da informação fossem revistas de modo a criar um ambiente de não culpabilização em que as pessoas fossem incentivadas a comunicar deficiências e erros relacionados com a segurança ( 11 ).

18.

No seu parecer sobre a proposta de Regulamento n.o 376/2014 ( 12 ), o Comité Económico e Social Europeu concordou que o sistema de comunicação de ocorrências só poderia funcionar eficazmente se fosse implementado no contexto de uma «cultura justa», defendendo os trabalhadores de quaisquer processos instaurados contra eles pelo seu empregador e protegendo‑os de quaisquer consequências prejudiciais ou ações judiciais em resultado de erros involuntários. A fim de evitar a propagação de receios infundados e reações negativas entre o público, é conveniente que os Estados‑Membros publiquem informações de forma agregada e em relatórios anuais sobre a segurança global da aviação.

19.

Estas considerações, entre outras, levaram à revogação da Diretiva 2003/42. É evidente que todas as partes interessadas consideraram que a confidencialidade das informações era crucial para o funcionamento eficaz do sistema de gestão da segurança da aviação. Sem prejuízo da minha apreciação das disposições pertinentes do Regulamento n.o 376/2014, concordo com esta posição. Embora existam muitos contextos em que a transparência é do interesse público, uma vez que aumenta a legitimidade e a eficácia e garante que as pessoas e as organizações possam ser responsabilizadas pelas suas ações, existem outras situações em que essa não pode ser a preocupação principal. A comunicação de ocorrências na aviação civil insere‑se claramente na segunda categoria.

20.

O Regulamento n.o 376/2014 estabelece regras destinadas a garantir que as informações de segurança relativas à aviação civil são comunicadas, recolhidas, armazenadas, protegidas, partilhadas entre os peritos da aviação e analisadas e que, se for caso disso, são tomadas medidas de segurança atempadas, baseadas na análise dessas informações ( 13 ). O regulamento abrange todas as ocorrências que envolvam aeronaves matriculadas num Estado‑Membro ou operadas por uma organização estabelecida num Estado‑Membro, mesmo que as ocorrências tenham tido lugar fora do território desse Estado‑Membro ( 14 ).

21.

O Regulamento n.o 376/2014 exige a comunicação obrigatória das ocorrências que representam um risco significativo para a segurança da aviação e a comunicação voluntária das ocorrências não abrangidas pela exigência de comunicação obrigatória ( 15 ). As autoridades competentes dos Estados‑Membros têm acesso à respetiva base de dados nacional que contem esses relatórios ( 16 ). A Comissão gere o RCE, onde são armazenados todos os relatórios de ocorrências recolhidos na União Europeia, ao qual têm acesso as autoridades competentes dos Estados‑Membros, a Agência ( 17 ) e a Comissão ( 18 ). As informações comunicadas devem ser seguidas a nível nacional através da sua análise para identificar os perigos para a segurança, para determinar as medidas adequadas para melhorar a segurança da aviação, se for caso disso, e para aplicar e monitorizar a eficácia dessas medidas. A Agência deve ser informada desses desenvolvimentos. Existe igualmente um sistema de seguimento a nível da União Europeia ( 19 ).

22.

O Regulamento n.o 376/2014 contém um conjunto de disposições relativas à confidencialidade e à utilização adequada das informações, à proteção das fontes de informação, ao acesso aos documentos e à proteção dos dados pessoais. As informações são geralmente anonimizadas na medida do possível e só estão disponíveis para as pessoas cuja função é manter e melhorar a segurança da aviação civil. Refiro‑me a estas disposições de forma mais pormenorizada adiante.

B.   Quanto à primeira questão

1. Interpretação do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 376/2014

23.

O órgão jurisdicional de reenvio não tem a certeza do que se entende por «confidencialidade adequada dos elementos das ocorrências» que consta do artigo 15.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 376/2014 ( 20 ). Considera que o significado exato desta expressão é importante para determinar se o ministro teve razão ao não divulgar os dois relatórios que tinha identificado como relevantes para o pedido da RTL de «relatórios relativos à situação de segurança no espaço aéreo sobre a Ucrânia antes de 17 de julho de 2014, incluindo os relatórios do ECCAIRS».

24.

Antes de examinar o texto do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 376/2014, é útil resumir os fluxos de informação relacionados com as ocorrências ( 21 ).

25.

Os trabalhadores, contratantes e prestadores de serviços das organizações definidas no artigo 2.o, n.o 8, do Regulamento n.o 376/2014 comunicam, geralmente, as ocorrências à organização que os emprega ou que utiliza os seus serviços. Em alternativa, podem comunicar as ocorrências diretamente a uma autoridade nacional competente ou à Agência. Os relatórios de ocorrências, elaborados com base nos elementos das ocorrências recolhidos ( 22 ), são armazenados em bases de dados. Os relatórios são transferidos para a base de dados da autoridade nacional competente do Estado‑Membro ( 23 ). As autoridades responsáveis pelas investigações de segurança e as autoridades da aviação civil dos Estados‑Membros têm acesso às respetivas bases de dados nacionais para analisar os relatórios de ocorrências, tirar conclusões dos mesmos e implementar medidas para promover a segurança da aviação ( 24 ).

26.

Os Estados‑Membros e a Agência disponibilizam todas as informações relativas à segurança armazenadas nas respetivas bases de dados de relatórios, incluindo relatórios de ocorrências, às autoridades competentes de todos os outros Estados‑Membros, à Agência e à Comissão, mediante um pleno acesso seguro em linha para o RCE ( 25 ). Os relatórios são analisados e qualquer medida de seguimento implementada a nível da União Europeia ( 26 ).

27.

Passando à análise do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 376/2014, segundo jurisprudência constante, as disposições do direito da União que não remetem expressamente para o direito dos Estados‑Membros a fim de determinar o seu sentido e alcance são normalmente objeto de uma interpretação autónoma e uniforme. Esta interpretação deve ter em conta o teor e o contexto dessas disposições, bem como o objetivo prosseguido por essa regulamentação ( 27 ).

28.

O artigo 15.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 376/2014 dispõe que os Estados‑Membros, as organizações e a Agência devem garantir a confidencialidade adequada dos elementos das ocorrências recebidas nos termos dos artigos 4.o, 5.o e 10.o do mesmo regulamento.

29.

O artigo 2.o, n.o 7, do Regulamento n.o 376/2014 define «ocorrência» como «um evento relacionado com a segurança que ponha em perigo ou, caso não seja corrigido ou solucionado, que possa pôr em perigo uma aeronave, os seus ocupantes ou outras pessoas; as ocorrências incluem, em particular, os acidentes e os incidentes graves».

30.

O Regulamento n.o 376/2014 não define «elementos». As definições deste termo constantes dos dicionários incluem «uma informação ou um facto sobre algo», «uma parte subordinada» ou «pequenos elementos que constituem um todo». A palavra «renseignements», utilizada na versão em língua francesa, é frequentemente traduzida na língua inglesa como «details» (elementos) ou «information» (informações). As versões em língua espanhola, checa, alemã e portuguesa utilizam igualmente palavras que significam «informações», «dados» ou «elementos». É interessante que a versão em língua neerlandesa utilize a palavra «bijzonderheden», que transmite a ideia de «particularidades», «especificidades» ou «características distintivas», bem como de «elementos» ou «informações». Esta assemelha‑se ao texto da versão em língua italiana, que se refere a «informazioni dettagliate», «informações pormenorizadas». Esta análise textual comparativa revela que «elementos das ocorrências» significa todas as informações sobre ocorrências a que as organizações relevantes, os Estados‑Membros ou a Agência têm acesso ao abrigo dos artigos 4.o, 5.o ou 10.o do Regulamento n.o 376/2014.

31.

O termo «adequada» na expressão «confidencialidade adequada» constante do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 376/2014 não está definido. O seu significado comum de «devida ou apropriada nas circunstâncias» ( 28 ) exige, por definição, uma análise contextual.

32.

O considerando 33 do Regulamento n.o 376/2014 afirma que «[a] comunicação de ocorrências e a utilização das informações sobre ocorrências para melhorar a segurança dependem da existência de uma relação de confiança entre o autor da comunicação e a entidade responsável pela recolha e avaliação das informações. Isto exige a aplicação rigorosa das regras de confidencialidade. A proteção das informações de segurança contra as utilizações indevidas e a limitação do acesso ao [RCE] apenas às partes interessadas que participem no reforço da segurança da aviação civil visam garantir o permanente fornecimento de informações de segurança, de modo a permitir tomar a tempo as medidas preventivas adequadas e melhorar a segurança da aviação. Neste contexto, as informações de segurança sensíveis deverão ser adequadamente protegidas, e a sua recolha deverá ser assegurada garantindo a sua confidencialidade, protegendo as suas fontes e assegurando a confiança do pessoal que trabalha na aviação civil nos sistemas de comunicação de ocorrências. Deverão ser adotadas medidas adequadas para garantir a confidencialidade das informações recolhidas através dos sistemas de comunicação de ocorrências e para restringir o acesso ao [RCE]. As regras nacionais em matéria de liberdade de informação deverão ter em conta a confidencialidade necessária das informações. As informações recolhidas deverão ser adequadamente protegidas contra a utilização ou a divulgação não autorizadas. Essas informações deverão ser estritamente utilizadas para manter ou melhorar a segurança da aviação, e não deverão ser utilizadas para imputar culpas ou responsabilidades».

33.

O artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 376/2014 dispõe que a «comunicação de ocorrências destina‑se exclusivamente a prevenir acidentes e incidentes, e não a imputar culpas ou responsabilidades.»

34.

O artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 376/2014 prevê que as organizações devem designar uma ou mais pessoas responsáveis pela gestão da recolha, avaliação, tratamento, análise e armazenamento dos elementos das ocorrências comunicadas nos termos dos artigos 4.o e 5.o do mesmo regulamento. O artigo 13.o, n.o 1, do referido regulamento exige o desenvolvimento de um processo para a análise das ocorrências recolhidas, a fim de identificar os perigos para a segurança que lhes estão associados. O artigo 6.o, n.o 3, do Regulamento n.o 376/2014 exige que as autoridades competentes designadas criem um mecanismo independente de recolha, avaliação, tratamento, análise e armazenamento dos elementos das ocorrências comunicados nos termos dos artigos 4.o e 5.o do mesmo regulamento.

35.

O artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 376/2014 estabelece que as entidades responsáveis pela regulação da segurança da aviação civil ou as autoridades responsáveis pelas investigações de segurança dentro da União têm pleno acesso seguro em linha às informações sobre ocorrências constantes do RCE.

36.

A consideração do contexto indica que a expressão «confidencialidade adequada» exige que os Estados‑Membros garantam que os elementos das ocorrências só estejam disponíveis para as pessoas designadas no seio das organizações, para as autoridades competentes designadas, para as entidades responsáveis pela regulação da segurança da aviação civil e para as autoridades responsáveis pelas investigações de segurança, como prevê expressamente o Regulamento n.o 376/2014, e, além disso, para, exclusivamente, manter ou melhorar a segurança da aviação. Isto tem como corolário que o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 376/2014 não permite a divulgação, mediante pedido, dos elementos das ocorrências a um membro do público ou a uma empresa de comunicação social.

37.

Por uma questão de exaustividade, observo que não é credível que uma empresa de comunicação social como a RTL possa, ao obter e divulgar as informações relevantes junto do público, contribuir de forma significativa para a manutenção ou melhoria da segurança da aviação. Não se trata de desvalorizar o trabalho jornalístico independente e imparcial, que se reveste de uma importância crucial para revelar as deficiências das instituições e dos organismos públicos e privados. Reflete simplesmente o facto de o legislador da União ter decidido, no contexto do sistema global de supervisão de que o Regulamento n.o 376/2014 faz parte, que o interesse público é mais bem servido se não forem divulgadas informações relevantes fora do círculo de peritos em aviação e segurança, cuja função é analisar essas informações e aplicar eventuais medidas de seguimento.

38.

Os dois relatórios de ocorrências em causa estão armazenados na base de dados nacional pertinente e no RCE ( 29 ). As obrigações relativas à confidencialidade e à utilização adequada das informações previstas no artigo 15.o, n.o 3, do Regulamento n.o 376/2014 são, por conseguinte, igualmente relevantes.

39.

O artigo 15.o, n.o 3, do Regulamento n.o 376/2014 prevê que as informações contidas no RCE devem ser mantidas confidenciais. A sua utilização está limitada ao cumprimento das obrigações em matéria de segurança da Comissão, da Agência e das autoridades competentes dos Estados‑Membros. O artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 376/2014 estabelece um procedimento aplicável ao pedido de acesso a informações contidas no RCE para as «partes interessadas», que o artigo 2.o, n.o 14, do mesmo regulamento define como sendo as pessoas que estejam em condições de participar na melhoria da segurança da aviação através do acesso a informações sobre ocorrências partilhadas entre os Estados‑Membros, e que sejam abrangidas por uma das categorias de partes interessadas estabelecidas no seu anexo II. A decisão de divulgar informações ao abrigo do artigo 11.o limita‑se ao estritamente necessário para o fim pretendido pelo seu utilizador ( 30 ). As partes interessadas só podem utilizar as informações recebidas para os fins especificados no formulário do pedido, que devem ser compatíveis com o objetivo do artigo 1.o do Regulamento n.o 376/2014. Não podem divulgar as informações assim recebidas sem o consentimento escrito do ponto de contacto que as prestou ( 31 ). O artigo 11.o do Regulamento n.o 376/2014 estabelece a forma como os pedidos relativos a informações contidas no RCE devem ser apresentados e tratados. O artigo 20.o, n.o 1, do referido regulamento prevê que os artigos 10.o e 11.o estabelecem regras de acesso aos dados e informações contidos no RCE mais rigorosas do que as previstas no Regulamento (CE) n.o 1049/2001 ( 32 ). O artigo 10.o do Regulamento n.o 376/2014 dispõe que a utilização das informações armazenadas no RCE deve ser efetuada nos termos do artigo 15.o do mesmo regulamento.

40.

Resulta claramente do texto do artigo 15.o, n.o 3, do Regulamento n.o 376/2014 que a possibilidade de obter acesso a relatórios de ocorrências armazenados no RCE está limitada a quem recorreu com êxito ao procedimento do artigo 10.o Segundo as informações constantes do processo nacional, a RTL concorda que não pode beneficiar do procedimento previsto no artigo 10.o, porque não é uma parte interessada na aceção do artigo 2.o, n.o 14, do Regulamento n.o 376/2014 ( 33 ).

41.

As partes que apresentaram observações partilham da opinião de que os «elementos das ocorrências», na aceção do artigo 15.o, n.o 1, do referido regulamento, não podem ser divulgados, mediante pedido, a um membro do público ou a uma empresa de comunicação social. Os argumentos da RTL expostos perante o órgão jurisdicional de primeira instância e o órgão jurisdicional de reenvio, resumidos na decisão de reenvio, não põem em causa esta posição.

42.

Em primeiro lugar, a RTL baseia‑se no facto de o considerando 33 do Regulamento n.o 376/2014 afirmar que «as informações de segurança sensíveis deverão ser adequadamente protegidas» para alegar que existe uma categoria de informações de segurança que, embora sejam abrangidas pelo âmbito da comunicação obrigatória ou voluntária de ocorrências no contexto desse regulamento, não são sensíveis e podem, por conseguinte, ser divulgadas.

43.

Na ausência de quaisquer indicações no dispositivo do Regulamento n.o 376/2014 para sustentar esse argumento, não estou convencido de que a referência a «informações de segurança sensíveis» constante do seu considerando 33 limite o âmbito da proteção que o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 376/2014 estende aos elementos das ocorrências ( 34 ).

44.

Em segundo lugar, a RTL invoca disposições do Regulamento n.o 376/2014 relativas à proteção dos dados pessoais desses relatórios de ocorrências, ou mencionados no contexto das ocorrências, para alegar que tem o direito de obter elementos das ocorrências que foram anonimizados ( 35 ). Não é esse o caso. A anonimização das ocorrências não se opõe necessariamente à identificação das pessoas que nelas estiveram envolvidas ou que as comunicaram. A interpretação proposta pela RTL corre o risco de pôr em causa a eficácia do Regulamento n.o 376/2014.

45.

Além disso, as ocorrências são suscetíveis de serem comunicadas por aqueles que podem ter tido alguma responsabilidade pelas mesmas ou que estavam de alguma forma envolvidos quando tiveram lugar. O Regulamento n.o 376/2014 atribui especial importância à proteção dos dados pessoais desses indivíduos. O seu considerando 33 explica que a estrita confidencialidade é crucial para o funcionamento eficaz do sistema, uma vez que depende «da existência de uma relação de confiança entre o autor da comunicação e a entidade responsável pela recolha e avaliação das informações.» Os considerandos 34 a 45 explicam a importância do estabelecimento de uma «cultura justa», em que as pessoas são incentivadas a comunicar ocorrências, protegendo‑as das consequências adversas de o fazerem, sem prejuízo da aplicação do direito penal nacional e da boa administração da justiça. O considerando 35 afirma que os relatórios de ocorrências devem ser desidentificados ( 36 ) e que os dados relativos à identidade dos autores das comunicações e das pessoas mencionadas nesses relatórios não deverão ser registados em bases de dados. O artigo 15.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 376/2014 dispõe que os Estados‑Membros, as organizações e a Agência tratam os dados pessoais apenas na medida do necessário para os fins deste regulamento. O artigo 16.o do mesmo regulamento estabelece regras pormenorizadas para a proteção das fontes de informação ( 37 ).

46.

Concluo do anteriormente exposto que o armazenamento de dados pessoais nas bases de dados que contêm elementos das ocorrências só deve ocorrer em circunstâncias excecionais. Além disso, não é possível deduzir das disposições e dos objetivos do Regulamento n.o 376/2014 que, desde que tenham sido anonimizados, os elementos das ocorrências podem ser divulgados, mediante pedido, a um membro do público ou a uma empresa de comunicação social.

47.

Em terceiro lugar, a RTL invoca o artigo 13.o, n.o 12, do Regulamento n.o 376/2014, segundo o qual «[o]s Estados‑Membros podem igualmente publicar, de forma anonimizada, os relatórios de ocorrências e os resultados das análises de risco», para sustentar que o ministro lhe pode fornecer as informações que pediu. Como salientam todas as partes que apresentaram observações, o texto desta disposição confere claramente aos Estados‑Membros uma margem de apreciação para publicar determinadas informações anonimizadas ( 38 ). Não estabelece, porém, um regime de acesso ao abrigo do qual um membro do público ou uma empresa de comunicação social pode solicitar e obter elementos anonimizados das ocorrências. A interpretação que a RTL faz desta disposição é, mais uma vez, contrária ao texto do Regulamento n.o 376/2014 e compromete a sua eficácia.

2. Artigo 11.o da Carta e artigo 10.o da CEDH

48.

Na segunda parte da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 11.o da Carta e o artigo 10.o da CEDH, nomeadamente na medida em que estas disposições se referem ao direito de receber informações, afetam a interpretação do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 376/2014 ( 39 ). As partes que apresentaram observações partilharam o ponto de vista de que esta abordagem contestava a validade do referido regulamento.

49.

As Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais ( 40 ) afirmam que o artigo 11.o da Carta corresponde ao artigo 10.o da CEDH. Nos termos do artigo 52.o, n.o 3, da Carta, o sentido e o âmbito dos direitos garantidos pelo seu artigo 11.o são iguais aos garantidos pela CEDH, conforme interpretados pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH») ( 41 ). Embora o artigo 6.o, n.o 3, TUE confirme que os direitos fundamentais consagrados na CEDH são princípios gerais do direito da União, a União Europeia não aderiu à CEDH e, por conseguinte, não incorporou formalmente esta convenção na sua ordem jurídica. O Tribunal salientou que o artigo 52.o, n.o 3, da Carta não atenta contra a autonomia do direito da União e do Tribunal de Justiça da União Europeia. Assim, cabe ao Tribunal de Justiça assegurar que a sua interpretação do artigo 11.o da Carta não viola o nível de proteção garantido pelo artigo 10.o da CEDH, conforme interpretado pelo TEDH ( 42 ).

50.

É evidente, e todas as partes que apresentaram observações estão de acordo, que o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 376/2014 restringe o direito de uma empresa de comunicação social como a RTL de receber e, portanto, de transmitir determinadas informações ( 43 ).

51.

Nos termos do artigo 52.o, n.o 1, da Carta ( 44 ), as restrições ao exercício dos direitos e liberdades devem ser previstas por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. De acordo com o princípio da proporcionalidade, essas restrições devem ser necessárias e corresponder efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União Europeia ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros ( 45 ).

52.

O Regulamento n.o 376/2014 e o direito nacional aplicável preveem a restrição em causa com suficiente clareza e previsibilidade ( 46 ). Está, por isso, preenchido o requisito de a lei prever essa restrição.

53.

Quanto à questão de saber se a essência da liberdade de receber e de transmitir informações é respeitada, o Regulamento n.o 376/2014 não restringe de modo algum o direito das empresas de comunicação social de obterem, a partir de outras fontes, informações sobre a segurança da aviação ou sobre o conhecimento do Governo neerlandês a esse respeito, ou de transmitirem essas informações como entenderem. O artigo 13.o, n.o 11, do referido regulamento obriga ainda os Estados‑Membros a publicarem, no mínimo uma vez por ano, um relatório sobre segurança para informar o público sobre o nível de segurança existente na aviação civil. Afigura‑se, por conseguinte, que a medida impugnada respeita a essência dos direitos e liberdades que a RTL invoca.

54.

Quanto à justificação da restrição à divulgação e à questão de saber se é necessária para atingir um objetivo legítimo, o artigo 10.o, n.o 2, da CEDH refere especificamente que o exercício do direito à liberdade de expressão pode ser submetido a restrições necessárias no interesse da segurança pública ( 47 ). Como observei nos n.os 15 a 19 das presentes conclusões, a questão da segurança pública foi cuidadosamente considerada no processo que conduziu à revogação da Diretiva 2003/42, e essa consideração influenciou significativamente o regime de confidencialidade estabelecido pelo Regulamento n.o 376/2014. Não tenho dúvidas de que as regras que se opõem à divulgação de relatórios de ocorrências são necessárias. A divulgação dos relatórios de ocorrências, mediante pedido, a um membro do público ou a uma empresa de comunicação social teria um impacto negativo nos incentivos à comunicação de ocorrências, reduzindo tanto o número de relatórios como a qualidade e a exaustividade das informações comunicadas por este meio, comprometendo assim, de forma inaceitável, o funcionamento eficaz do sistema de gestão da segurança da aviação da União Europeia.

55.

Tendo em conta o acima exposto, é evidente para mim que as restrições à divulgação em causa no presente processo são necessárias ao funcionamento eficaz do sistema de gestão da segurança da aviação da União Europeia e são uma restrição necessária e proporcionada aos direitos das empresas comunicação social ( 48 ). O artigo 11.o da Carta não tem consequências para a interpretação que propôs do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 376/2014. Também não tem qualquer impacto na validade da referida disposição. Todas as partes que apresentaram observações estão de acordo sobre isto.

3. Artigo 42.o da Carta

56.

Antes da audiência, o Tribunal de Justiça solicitou às partes que tinham apresentado observações que abordassem a relação entre os artigos 11.o e 42.o da Carta, em especial: i) o âmbito dos direitos consagrados nestas disposições à luz do artigo 52.o, n.o 3, da Carta e da jurisprudência do TEDH sobre o artigo 10.o da CEDH, e ii) as implicações da coexistência dos artigos 11.o e 42.o da Carta para a interpretação do Regulamento n.o 376/2014. Segundo as partes que responderam às questões do Tribunal de Justiça na audiência, esta matéria é pertinente, porque o pedido de informações da RTL diz respeito a relatórios armazenados na base de dados nacional em questão e no RCE ( 49 ), aos quais as entidades da União responsáveis pela regulação da segurança da aviação civil ou qualquer autoridade responsável pelas investigações de segurança obtiveram pleno acesso seguro em linha.

57.

O artigo 42.o da Carta garante um direito de acesso aos documentos das instituições, órgãos e organismos da União Europeia ( 50 ). O direito de acesso do público aos documentos da União consagrado nessa disposição ( 51 ) é uma manifestação específica do direito de acesso à informação que figura no artigo 11.o da Carta. Segundo as Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais, o direito garantido no artigo 42.o da Carta foi retomado do artigo 255.o CE, atual artigo 15.o, n.o 3 TFUE ( 52 ). Este último refere‑se a um direito de acesso aos documentos das instituições, órgãos e organismos da União Europeia «seja qual for o respetivo suporte». Prevê que os regulamentos adotados pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho devem determinar os princípios gerais e os limites que, por razões de interesse público ou privado, regem o exercício deste direito. O Regulamento n.o 1049/2001, adotado com base no artigo 255.o, n.o 2, CE, e o Regulamento n.o 376/2014 contêm esses princípios gerais e limites.

58.

O artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1049/2001 prevê que todos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou coletivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro têm direito de acesso aos documentos das instituições, sob reserva dos princípios, condições e limites estabelecidos nesse regulamento. O artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do referido regulamento contém uma exceção segundo a qual as instituições recusarão o acesso a um documento quando a sua divulgação possa prejudicar a proteção do interesse público no que respeita à segurança pública. As restrições à divulgação previstas no Regulamento n.o 376/2014 podem ser consideradas manifestações específicas da exceção de segurança pública ( 53 ).

59.

O artigo 20.o do Regulamento n.o 376/2014 prevê que o Regulamento n.o 1049/2001 não se aplica aos artigos 10.o e 11.o do Regulamento n.o 376/2014, que estabelecem regras de acesso mais rigorosas aos dados e informações contidos no RCE. O artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 376/2014, com a epígrafe «Divulgação das informações armazenadas no [RCE]», dispõe, no segundo parágrafo, que as informações sobre ocorrências constantes no RCE são utilizadas nos termos, nomeadamente, do artigo 15.o deste regulamento. O artigo 15.o do Regulamento n.o 376/2014 constitui, por conseguinte, um caso específico da exceção de interesse público ao direito geral de acesso aos documentos da União contida no artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1049/2001 ( 54 ).

60.

O artigo 52.o, n.o 1, da Carta é pertinente para as restrições ao exercício de todos os direitos e liberdades que o documento reconhece, incluindo a restrição prevista no artigo 15.o do Regulamento n.o 376/2014, na medida em que se aplica ao acesso aos documentos constantes do RCE. As considerações tecidas e a conclusão a que se chegou nos n.os 51 a 55 das presentes conclusões são relevantes neste caso, mutatis mutandis, no contexto do artigo 42.o da Carta As partes que responderam à questão escrita pertinente na audiência partilham desta opinião.

C.   Quanto à segunda questão

61.

O artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 376/2014 impõe aos Estados‑Membros e às organizações a obrigação de assegurar a confidencialidade adequada dos elementos das ocorrências, em conformidade com a sua legislação nacional ( 55 ).

62.

Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se uma legislação nacional que prevê que nenhum dado recebido sobre ocorrências comunicadas pode ser divulgado é compatível com o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 376/2014.

63.

No presente contexto, a «divulgação» refere‑se à divulgação ao público em geral.

64.

Da análise proposta para a primeira questão resulta que uma legislação nacional que prevê que nenhum dado recebido de ocorrências comunicadas pode ser divulgado ao público é compatível com o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 376/2014.

D.   Quanto à terceira e quarta questões

65.

Tendo em conta as respostas propostas à primeira e à segunda questões, não é necessário responder à terceira e quarta questões. Como salientaram as partes que apresentaram observações relevantes, estas questões só necessitam de respostas se a resposta à segunda questão for negativa.

66.

Por uma questão de clareza, acrescento que decorre da resposta à primeira e à segunda questões que, na medida em que as informações recebidas pelos Estados‑Membros, pelas organizações e pela Agência nos termos dos artigos 4.o, 5.o e 10.o do Regulamento n.o 376/2014 estejam contidas noutros documentos governamentais, o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento opõe‑se à divulgação dessas informações, mediante pedido, a um membro do público ou a uma empresa de comunicação social ( 56 ).

V. Conclusão

67.

Tendo em conta as considerações expostas, proponho que o Tribunal de Justiça responda à primeira e segunda questões submetidas pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos) da seguinte forma:

O artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 376/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativo à comunicação, à análise e ao seguimento de ocorrências na aviação civil, que altera o Regulamento (UE) n.o 996/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Diretiva 2003/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, e os Regulamentos (CE) n.o 1321/2007 e (CE) n.o 1330/2007 da Comissão, em especial os termos «elementos das ocorrências» e «confidencialidade adequada», lido à luz dos artigos 11.o e 42.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do artigo 10.o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem,

deve ser interpretado no sentido de que:

1)

todas as informações recebidas nos termos dos artigos 4.o, 5.o e 10.o do Regulamento n.o 376/2014 são confidenciais, pelo que nenhuma dessas informações pode ser divulgada, mediante pedido, a um membro do público ou a uma empresa de comunicação social; e

2)

não se opõe a uma legislação nacional nesse sentido.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Em outubro de 2015, o Onderzoeksraad voor Veiligheid (Conselho de Segurança, Países Baixos) publicou relatórios de três investigações, uma sobre as circunstâncias em torno da queda do voo MH17, uma sobre o processo de decisão relativo às rotas aéreas e uma sobre o procedimento de elaboração das listas de passageiros. Emitiu recomendações para evitar este tipo de catástrofes no futuro. Uma Equipa de Investigação Conjunta do MH17, composta por membros das autoridades policiais e judiciárias da Bélgica, dos Países Baixos, da Austrália, da Malásia e da Ucrânia, está a conduzir uma investigação criminal.

( 3 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativo à comunicação, à análise e ao seguimento de ocorrências na aviação civil, que altera o Regulamento (UE) n.o 996/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Diretiva 2003/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, e os Regulamentos (CE) n.o 1321/2007 e (CE) n.o 1330/2007 da Comissão (JO 2014, L 122, p. 18).

( 4 ) O ECCAIRS (Centro Europeu de Coordenação dos Sistemas de Notificação de Incidentes de Aviação) é o software que todos os Estados‑Membros e o Repositório Central Europeu (a seguir «RCE») utilizam para armazenar os relatórios de ocorrências (considerando 16 do Regulamento n.o 376/2014).

( 5 ) Decisão de 17 de outubro de 2018.

( 6 ) Na audiência, o Governo neerlandês confirmou o âmbito do recurso da RTL.

( 7 ) Acórdão do Rechtbank Midden‑Nederland (Tribunal de Primeira Instância, Países Baixos centrais) de 7 de novembro de 2019, UTR 18/4363 (NL:RBMNE:2019:5226).

( 8 ) Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, de 25 de outubro de 2011, que estabelece um sistema de gestão da segurança da aviação para a Europa [COM(2011) 670 final].

( 9 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de junho de 2003, relativa à comunicação de ocorrências na aviação civil (JO 2003, L 167, p. 23).

( 10 ) Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, de 25 de outubro de 2011, que estabelece um sistema de gestão da segurança da aviação para a Europa (COM(2011) 670 final), ponto 3.3.

( 11 ) Documento de trabalho dos serviços da Comissão, Avaliação de impacto, Documento de acompanhamento da proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à comunicação de ocorrências na aviação civil [SWD(2012) 441 final] (18 de dezembro de 2012), anexo I, ponto 4 e anexo II, ponto 4.1. Embora o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2003/42 exija, de um modo geral, que os Estados‑Membros tomem medidas para assegurar a devida confidencialidade da informação recebida, alguns inquiridos indicaram que as informações tinham sido divulgadas mediante pedido.

( 12 ) Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à comunicação de ocorrências na aviação civil, que altera o Regulamento (UE) n.o 996/2010 e revoga a Diretiva 2003/42/CE, o Regulamento (CE) n.o 1321/2007 da Comissão e o Regulamento (CE) n.o 1330/2007 da Comissão» [COM(2012) 776 final] (JO 2013, C 198, p. 73).

( 13 ) Os incidentes, incidentes graves e acidentes, conforme definidos no Regulamento n.o 996/2010, estão igualmente sujeitos ao Regulamento n.o 376/2014.

( 14 ) Considerando 18 do Regulamento n.o 376/2014.

( 15 ) Artigos 4.o e 5.o do Regulamento n.o 376/2014. V. também Regulamento de Execução (UE) 2015/1018 da Comissão, de 29 de junho de 2015, que estabelece uma lista com a classificação das ocorrências na aviação civil que devem ser obrigatoriamente comunicadas nos termos do Regulamento (UE) n.o 376/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2015, L 163, p. 1).

( 16 ) Artigo 6.o do Regulamento n.o 376/2014.

( 17 ) O Regulamento (CE) n.o 1592/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2002, relativo a regras comuns no domínio da aviação civil e que cria a Agência Europeia para a Segurança da Aviação (JO 2002, L 240, p. 1) criou a Agência Europeia para a Segurança da Aviação, que acabou por se tornar na Agência da União Europeia para a Segurança da Aviação [v. Regulamento (UE) 2018/1139 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2018, relativo a regras comuns no domínio da aviação civil que cria a Agência da União Europeia para a Segurança da Aviação, altera os Regulamentos (CE) n.o 2111/2005 (CE) n.o 1008/2008, n.o 996/2010 e n.o 376/2014 e as Diretivas 2014/30/UE e 2014/53/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, e revoga os Regulamentos (CE) n.o 552/2004 e (CE) n.o 216/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (CEE) n.o 3922/91 do Conselho (JO 2018, L 212, p. 1)].

( 18 ) Artigos 8.o e 9.o do Regulamento n.o 376/2014.

( 19 ) Artigos 13.o e 14.o do Regulamento n.o 376/2014.

( 20 ) Na audiência, o Governo neerlandês confirmou que o órgão jurisdicional de reenvio considera que o Regulamento n.o 996/2010, para o qual remete o artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 376/2014, não é pertinente para o pedido de informações da RTL. As partes que estiveram presentes na audiência concordaram com a abordagem do órgão jurisdicional de reenvio. Por conseguinte, abordo as questões com base no pressuposto de que são pertinentes para a resolução do processo pendente no órgão jurisdicional de reenvio (v., por exemplo, Acórdão de 27 de junho de 2018, Altiner e Ravn, C‑230/17, EU:C:2018:497, n.o 22 e jurisprudência referida). Por uma questão de exaustividade, observo também que, para além de prever a comunicação obrigatória e voluntária de ocorrências, o Regulamento n.o 376/2014 abrange a comunicação, numa base voluntária, de «informações relacionadas com a segurança», bem como a sua análise e, se for caso disso, a sua partilha e seguimento (v. artigo 3.o, artigo 5.o, n.o 1, alínea b), n.o 2, alínea b), n.o 3, alínea b), e n.os 4 a 6, e artigo 9.o, n.o 3, do Regulamento n.o 376/2014). Uma vez que a decisão de reenvio indica que o presente pedido de decisão prejudicial diz respeito a ocorrências comunicadas, e não a «informações relacionadas com a segurança», não abordarei estas últimas.

( 21 ) Os que estão sujeitos a comunicação obrigatória (v. artigo 4.o, n.os 6 e 7, do Regulamento n.o 376/2014). O fluxo de informações para a comunicação voluntária de ocorrências e de outras informações relacionadas com a segurança não é substancialmente diferente (v. artigo 5.o do Regulamento n.o 376/2014). V. também EASA, «Easy Access Rules for Occurrence Reporting [Regulation (EU) No 376/2014]», dezembro de 2022, pp. 111 a 115.

( 22 ) Artigo 6.o, n.o 5, do Regulamento n.o 376/2014.

( 23 ) Esta situação diz respeito a organizações que não são certificadas pela Agência (v. artigo 4.o, n.o 8, e artigo 5.o, n.o 6, do Regulamento n.o 376/2014).

( 24 ) Artigo 6.o, n.os 9 e 10, do Regulamento n.o 376/2014.

( 25 ) Artigo 9.o e artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 376/2014.

( 26 ) Artigo 14.o do Regulamento n.o 376/2014.

( 27 ) V., neste sentido, Acórdão de 21 de junho de 2018, Oberle (C‑20/17, EU:C:2018:485, n.o 33 e jurisprudência referida).

( 28 ) As versões em língua espanhola, checa, alemã, italiana e neerlandesa do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 376/2014 utilizam o adjetivo «devida» ou «apropriada». A versão em língua francesa omite o adjetivo e refere‑se a «la confidentialité».

( 29 ) Como foi confirmado na audiência.

( 30 ) Artigo 11.o, n.o 8, do Regulamento n.o 376/2014.

( 31 ) Artigo 11.o, n.o 7, do Regulamento n.o 376/2014.

( 32 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43). V. também artigo 119.o do Regulamento 2018/1139, que prevê que, embora o Regulamento n.o 1049/2001 seja aplicável aos documentos na posse da Agência, essa disposição não prejudica as regras sobre o acesso aos dados e às informações estabelecidas no Regulamento n.o 376/2014.

( 33 ) Por uma questão de exaustividade, observo que, nos termos do artigo 15.o, n.o 4, do Regulamento n.o 376/2014, as autoridades competentes dos Estados‑Membros e as autoridades envolvidas na administração da justiça devem cooperar entre si, a fim de assegurar um equilíbrio adequado entre a necessidade de administrar corretamente a justiça e a necessidade de dispor continuamente de informações de segurança. A administração da justiça está relacionada com ações penais por conduta dolosa ou pela manifesta e grave falta de cuidado perante um risco óbvio e uma profunda falta de responsabilidade profissional que tenham levado a não tomar as disposições necessárias. O artigo 15.o, n.o 4, do Regulamento n.o 376/2014 permite, por conseguinte, a divulgação de informações, ao abrigo de convénios administrativos prévios, quando a necessidade de administrar corretamente a justiça se sobrepõe à necessidade de assegurar a sua disponibilidade contínua. Esta disposição não só é irrelevante nas circunstâncias ora em causa, como também confirma que a confidencialidade reveste uma importância central no Regulamento n.o 376/2014.

( 34 ) Os considerandos não têm valor obrigatório (v., por exemplo, Acórdão de 19 de novembro de 1998, Nilsson e o., C‑162/97, EU:C:1998:554, n.o 54). São muitas vezes úteis para interpretar o dispositivo de um ato jurídico, mas os considerandos não podem ser invocados para interpretar o dispositivo num sentido contrário ao seu texto (v., por exemplo, Acórdão de 25 de novembro de 1998, Manfredi, C‑308/97, EU:C:1998:566, n.o 30). Embora seja possível que o considerando 33 do Regulamento n.o 376/2014 remeta indiretamente para o artigo 14.o do Regulamento n.o 996/2010, com a epígrafe «Proteção das informações de segurança sensíveis», tal não torna procedente o argumento da RTL.

( 35 ) O artigo 2.o, n.o 9, do Regulamento n.o 376/2014 define «anonimização» como «a eliminação, dos relatórios de ocorrências, de todos os dados pessoais relativos aos autores da comunicação e às pessoas mencionadas nos relatórios de ocorrências, bem como de todos os elementos, incluindo o nome da organização ou organizações envolvidas nessas ocorrências, suscetíveis de revelar a identidade dos autores da comunicação ou de terceiros, ou de conduzirem a essa informação por inferência a partir do relatório de ocorrência».

( 36 ) O artigo 2.o, n.o 6, do Regulamento n.o 376/2014 define «informações desidentificadas» como «as informações decorrentes dos relatórios de ocorrências dos quais foram retirados todos os dados pessoais, tais como os nomes e os endereços de pessoas singulares».

( 37 ) O artigo 7.2, n.o 3. da Lei da Aviação prevê que os nomes e endereços das pessoas não são de introduzir quando uma ocorrência é registada.

( 38 ) Embora esta matéria não esteja em causa, considero que, à luz do objetivo do Regulamento n.o 376/2014, os Estados‑Membros só podem exercer essa margem de apreciação quando considerarem que é do interesse público fazê‑lo, tendo em conta a necessidade de salvaguardar a eficácia das suas disposições.

( 39 ) Segundo jurisprudência constante e de acordo com o artigo 51.o, n.o 1, da Carta, os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica da União são aplicáveis aos Estados‑Membros em todas as situações reguladas pelo direito da União, mas não fora dessas situações (Acórdão de 6 de outubro de 2015, Delvigne, C‑650/13, EU:C:2015:648, n.o 26 e jurisprudência referida); as instituições da União devem respeitar os direitos consagrados na Carta (Acórdão de 8 de setembro de 2020, Comissão e Conselho/Carreras Sequeros e o., C‑119/19 P e C‑126/19 P, EU:C:2020:676, n.o 110).

( 40 ) JO 2007, C 303, p. 17. De acordo com o artigo 52.o, n.o 7, da Carta, os órgãos jurisdicionais da União Europeia e dos Estados‑Membros têm em devida conta essas anotações.

( 41 ) Acórdãos de 26 de abril de 2022, Polónia/Parlamento e Conselho (C‑401/19, EU:C:2022:297, n.o 44), e de 8 de dezembro de 2022, Google (Supressão de referências de informações alegadamente falsas) (C‑460/20, EU:C:2022:962, n.o 59 e jurisprudência referida).

( 42 ) V., neste sentido, Acórdão de 22 de outubro de 2020, Silver Plastics e Johannes Reifenhäuser/Comissão (C‑702/19 P, EU:C:2020:857, n.os 24 e 25 e jurisprudência referida).

( 43 ) TEDH, 8 de novembro de 2016, Magyar Helsínquia Bizottság c. Hungria (CE:ECHR:2016:1108JUD001803011, §§ 157 a 170 e jurisprudência referida), e, neste sentido, Acórdão de 15 de março de 2022, Autorité des marchés financiers (C‑302/20, EU:C:2022:190, n.o 68 e jurisprudência referida).

( 44 ) V. também artigo 10.o, n.o 2, da CEDH.

( 45 ) Acórdãos de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.o 360 e jurisprudência referida); de 9 de novembro de 2010, Volker und Markus Schecke e Eifert (C‑92/09 e C‑93/09, EU:C:2010:662, n.o 50); e de 26 de abril de 2022, Polónia/Parlamento e Conselho (C‑401/19, EU:C:2022:297, n.o 63). Segundo o TEDH, as exceções devem ser interpretadas de forma estrita e estabelecidas de forma convincente (v., por exemplo, TEDH, 10 de dezembro de 2007, Stoll c. Suíça, CE:ECHR:2007:1210JUD006969801, § 101 e jurisprudência referida).

( 46 ) V., por exemplo, TEDH, 15 de outubro de 2015, Perinçek c. Suíça (CE:ECHR:2015:1015JUD002751008, n.o 131 e jurisprudência referida).

( 47 ) V., por analogia, Acórdão de 1 de dezembro de 2011, Painer (C‑145/10, EU:C:2011:798, n.o 115).

( 48 ) V., por analogia, Acórdãos de 13 de setembro de 2011, Prigge e o. (C‑447/09, EU:C:2011:573, n.o 58), e de 5 de julho de 2017, Fries (C‑190/16, EU:C:2017:513, n.o 43).

( 49 ) Normalmente, os documentos abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 42.o da Carta são solicitados às instituições, órgãos e organismos competentes da União Europeia. No âmbito do Regulamento n.o 376/2014, os pedidos de informações contidas no RCE devem ser dirigidos a um ponto de contacto nacional designado (artigo 10.o do Regulamento n.o 376/2014). Não é claro se o ministro que tratou do pedido de informações da RTL considerou que esse pedido incluía todas as informações relevantes sobre ocorrências armazenadas no RCE (por outras palavras, informações que outros Estados‑Membros tinham transferido para o RCE).

( 50 ) Artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 376/2014.

( 51 ) O artigo 42.o da Carta não tem um equivalente direto na CEDH; o acesso aos documentos insere‑se no âmbito da liberdade de receber informações protegida pelo artigo 10.o da CEDH.

( 52 ) O artigo 52.o, n.o 2, da Carta prevê que os direitos reconhecidos pela Carta que se regem por disposições constantes dos Tratados são exercidos de acordo com as condições e limites por eles definidos.

( 53 ) Na linguagem comum, as medidas de segurança visam geralmente prevenir ou atenuar danos não intencionais, estando as medidas de segurança relacionadas com a prevenção de danos e a atenuação de ameaças decorrentes de ações deliberadas. O Regulamento n.o 376/2014 diz formalmente respeito à segurança da aviação civil e não à segurança pública. É, no entanto, claro que as ocorrências que devem ser comunicadas ao abrigo do referido regulamento incluem eventos não intencionais e aqueles em que está em causa uma conduta dolosa. Em todo o caso, concordo com a opinião expressa, num contexto diferente, pelo Advogado‑Geral Yves Bot de que o conceito de segurança pública inclui questões de segurança pública [Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Van Gennip e o. (C‑137/17, EU:C:2018:272, n.o 82)].

( 54 ) Na audiência, a Comissão estabeleceu uma analogia com a situação descrita, por exemplo, no Acórdão de 5 de fevereiro de 2018, Pari Pharma/EMA (T‑235/15, EU:T:2018:65, n.os 54 e 55).

( 55 ) A natureza dos regulamentos e a sua função no sistema de fontes do direito da União é tal que as suas disposições têm, regra geral, efeitos imediatos nos ordenamentos jurídicos dos Estados‑Membros. A aplicação de algumas das suas disposições pode, por vezes, necessitar da adoção de medidas de execução pelos Estados‑Membros: Acórdão de 30 de março de 2017, Lingurár (C‑315/16, EU:C:2017:244, n.o 17 e jurisprudência referida).

( 56 ) O ministro identificou dois relatórios em resposta ao pedido de informações da RTL. A existência de outros documentos, incluindo documentos políticos que contenham informações provenientes de ou sobre relatórios de ocorrências, parece, assim, ser especulativa (v. n.o 10.7 da decisão de reenvio).