CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 13 de julho de 2023 ( 1 )

Processo C‑431/22

Scuola europea di Varese

contra

PD, na qualidade de pessoa que exerce a responsabilidade parental em relação a NG,

LC, na qualidade de pessoa que exerce a responsabilidade parental em relação a NG

[pedido de decisão prejudicial apresentado por Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália)]

«Pedido de decisão prejudicial — Convenção relativa ao Estatuto das Escolas Europeias — Decisão de não promover um aluno à classe seguinte adotada pelo Conselho de Turma — Contestação apresentada pelos pais — Competência dos órgãos jurisdicionais nacionais ou competência exclusiva da Instância de Recurso das escolas europeias — Proteção jurisdicional efetiva»

I. Introdução

1.

Os representantes dos seis Estados‑Membros da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) reuniram‑se em várias ocasiões durante o ano de 1954 para discutirem a criação de uma escola europeia. Nestas reuniões, ficou decidido que estes representantes formariam o conselho de administração que assumiria a responsabilidade dessa escola e determinaria os princípios da sua organização. A primeira escola europeia abriu, assim, as suas portas em 12 de outubro de 1954, no Luxemburgo ( 2 ). Subsequentemente, foram criadas outras escolas ( 3 ). Atualmente existem treze escolas europeias que acolhem cerca de 28750 alunos.

2.

Uma das particularidades destas escolas reside no facto de as mesmas constituírem um sistema sui generis enraizado tanto no direito da União como no direito internacional. Esta dupla natureza dá origem, nomeadamente, a determinadas questões relativas à repartição de competências entre os órgãos jurisdicionais nacionais e a Instância de Recurso das escolas europeias (a seguir«Instância de Recurso») instituída pela Convenção relativa ao Estatuto das Escolas Europeias ( 4 ) (a seguir «CEEE»). O presente pedido de decisão prejudicial diz precisamente respeito à interpretação do artigo 27.o, n.o 2, desta Convenção.

3.

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Scuola europea di Varese (Escola Europeia de Varese, Itália) a PD e LC, que atuam na qualidade de representantes legais do seu filho menor NG (a seguir «pais de NG» ou «pais»), relativo à competência dos órgãos jurisdicionais italianos para apreciar um recurso de anulação de uma decisão do Conselho de Turma de não autorizar a passagem para a classe seguinte de NG, na altura aluno do ciclo secundário desta escola.

4.

O presente pedido de decisão prejudicial permite que o Tribunal de Justiça se pronuncie, por um lado, sobre o alcance do controlo jurisdicional da Instância de Recurso, que tem a qualidade de órgão de uma organização internacional, no que diz respeito a estas decisões e, por outro lado, sobre a obrigação desta Instância de aplicar o princípio da proteção jurisdicional efetiva ao interpretar a CEEE e os textos de aplicação para os quais esta Convenção remete.

II. Quadro jurídico

A. Convenção de Viena sobre o direito dos Tratados

5.

O artigo 1.o, da Convenção de Viena sobre o direito dos Tratados ( 5 ), de 23 de maio de 1969 (a seguir «Convenção de Viena»), com a epígrafe «Âmbito da presente Convenção»), prevê que a mesma se aplica aos tratados concluídos entre Estados.

6.

O artigo 3.o, desta Convenção, com a epígrafe «Acordos internacionais não compreendidos no âmbito da presente Convenção», dispõe o seguinte:

«O facto de a presente Convenção não se aplicar aos acordos internacionais concluídos entre Estados e outros sujeitos de direito internacional ou entre estes outros sujeitos de direito internacional, nem aos acordos internacionais em forma não escrita, não prejudica:

[…]

b)

A aplicação aos mesmos de quaisquer normas enunciadas na presente Convenção às quais estejam submetidos por força do direito internacional, independentemente desta Convenção;

[…].»

7.

Nos termos do artigo 31.o, da referida Convenção, com a epígrafe «Regra geral de interpretação»:

«1.   Um tratado deve ser interpretado de boa fé, de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos do tratado no seu contexto e à luz dos respetivos objeto e fim.

[…]

3.   Ter‑se‑á em consideração, simultaneamente com o contexto:

a)

Todo o acordo posterior entre as Partes sobre a interpretação do tratado ou a aplicação das suas disposições;

b)

Toda a prática seguida posteriormente na aplicação do tratado pela qual se estabeleça o acordo das Partes sobre a interpretação do tratado;

c)

Toda a norma pertinente de direito internacional aplicável às relações entre as Partes.

[…]»

B. A CEEE

8.

O artigo 1.o, segundo parágrafo, da CEEE prevê que «[a]s escolas têm por missão a educação em comum dos filhos do pessoal das Comunidades Europeias».

9.

Nos termos do artigo 27.o, da CEEE:

«1.   É instituída uma Instância de Recurso.

2.   A Instância de Recurso tem competência exclusiva em primeira e em última instância para decidir, após ter sido esgotada a via administrativa, sobre qualquer litígio relativo à aplicação da presente convenção às pessoas nela referidas, com exclusão do pessoal administrativo e auxiliar, relativo à legalidade de um ato, baseado na convenção ou em regras definidas ao abrigo da mesma, prejudicial a essas pessoas praticado pelo Conselho Superior ou pelo Conselho de Administração de uma escola no exercício das atribuições que lhes são conferidas pela presente convenção. Sempre que esses litígios tenham caráter pecuniário, a Instância de Recurso tem jurisdição plena.

As condições e as regras de execução desses procedimentos serão definidas, segundo os casos, pelo Estatuto do pessoal docente, pelo regime aplicável aos diretores de curso ou pelo Regulamento geral das escolas europeias.

3.   A Instância de Recurso é composta por personalidades que ofereçam todas as garantias de independência e possuam competência jurídica notória.

Só podem ser nomeados membros da Instância de Recurso as pessoas constantes da lista elaborada para o efeito pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.

4.   O Estatuto da Instância de Recurso será adotado pelo Conselho Superior, deliberando por unanimidade.

O Estatuto da Instância de Recurso definirá o número dos seus membros, o processo da sua nomeação pelo Conselho Superior, a duração do mandato e o regime pecuniário que lhes é aplicável. O estatuto organizará o funcionamento da instância.

5.   A Instância de Recurso adotará o respetivo regulamento processual, do qual constarão todas as disposições necessárias para a aplicação do estatuto.

Esse regulamento deverá ser aprovado por unanimidade pelo Conselho Superior.

6.   As decisões da Instância de Recurso são obrigatórias para as partes e, caso não sejam respeitadas, serão tornadas executórias pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros em conformidade com as respetivas legislações nacionais.

7.   Os outros litígios em que as escolas sejam parte são da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais. Em especial, as competências jurisdicionais dos tribunais nacionais no respeitante a questões de responsabilidade criminal e civil não são afetadas pelo presente artigo.»

C. Regulamento Geral das Escolas Europeias

10.

O artigo 61.o, n.o 1, do Regulamento Geral das Escolas Europeias, na sua versão n.o 2014‑03‑D‑14‑fr‑11, aplicável aos factos do litígio no processo principal (a seguir «RGEE de 2014») prevê que no ciclo secundário, as decisões relativas à progressão para a classe seguinte são tomadas no final do ano letivo pelo Conselho de Turma competente.

11.

Nos termos do artigo 62.o, do RGEE de 2014, com a epígrafe «Recurso das decisões de retenção:

«1.   As decisões dos Conselhos de Turma não admitem recurso por parte dos representantes legais dos alunos exceto com fundamento em vício de forma ou em factos novos, reconhecidos como tais pelo Secretário‑Geral com base no dossiê apresentado pela escola e pelos representantes legais do aluno.

Entende‑se por vício de forma qualquer violação de uma regra do direito relativa ao processo a adotar para a passagem para a classe seguinte * que, caso não tivesse sido praticada *, levaria a que a decisão do Conselho de Turma fosse diferente.

A falta de assistência sob a forma de integração do aluno nos programas de apoio educativo não constitui um vício de forma, exceto se se demonstrar que o aluno ou os seus representantes legais requereram esta assistência e que a mesma foi indevidamente recusada pela escola.

As modalidades de organização prática dos exames pertencem às escolas e não podem ser consideradas como um vício de forma.

Deve entender‑se por facto novo qualquer elemento que não tenha sido levado ao conhecimento do Conselho de Turma por ser desconhecido de todos — professores, pais, aluno — no momento da sua deliberação e que seria suscetível de influenciar o sentido da sua decisão. Um facto conhecido dos pais, mas não levado ao conhecimento do Conselho de Turma não pode ser classificado como elemento novo na aceção da presente disposição.

As apreciações relativas às capacidades dos alunos, a atribuição de uma nota por uma composição ou um trabalho durante o ano letivo e a apreciação das circunstâncias particulares referidas no artigo 61.o B‑5 são abrangidas pelo âmbito do poder de apreciação exclusivo do Conselho de Turma. Não admitem recurso.

2.   O prazo fixado para a apresentação de um recurso junto do Secretário‑Geral é de sete dias de calendário após o fim do ano letivo. […]

[…]

O Secretário‑Geral (ou por via de delegação, o Secretário‑Geral adjunto) deve proferir uma decisão sobre este recurso antes de 31 de agosto. Os artigos 66.o e 67.o, do presente regulamento são aplicáveis. Se o recurso for julgado admissível e procedente, o Conselho de Turma profere nova decisão sobre o caso.

A nova decisão admite igualmente recurso administrativo para o Secretário‑Geral […].»

12.

O artigo 66.o, do RGEE de 2014, com a epígrafe «Recursos administrativos», dispõe o seguinte:

«1.   As decisões mencionadas no artigo 62.o podem ser objeto de recurso administrativo nas condições previstas no referido artigo. […]

[…]

5.   A decisão do Secretário‑Geral que se pronuncie sobre um recurso administrativo é notificada ao(s) requerente(s) […].»

13.

O artigo 67.o, do RGEE de 2014, com a epígrafe «Recurso contencioso», dispõe o seguinte:

«1.   As decisões administrativas, expressas ou tácitas, tomadas em relação aos recursos referidos no artigo anterior podem ser objeto de recurso contencioso interposto pelos representantes legais dos alunos, diretamente afetados pela decisão controvertida, perante a Instância de Recurso prevista no artigo 27.o, da [CEEE].

[…]

4.   Os recursos contenciosos devem ser interpostos no prazo de duas semanas a contar da notificação ou da publicação da decisão recorrida, sob pena de inadmissibilidade […].

5.   Os recursos previstos no presente artigo são instruídos e julgados nas condições previstas pelo regulamento de processo da Instância de Recurso.

6.   A Instância de Recurso deve decidir no prazo de seis meses a contar da receção do recurso, sem prejuízo da aplicação dos artigos 16.o, 34.o e 35.o, do regulamento de processo da Instância de Recurso das escolas europeias, que preveem a possibilidade de interposição de um pedido de medidas cautelares.»

D. Direito italiano

14.

Nos termos do artigo 41.o, do codice di procedura civile (Código de Processo Civil):

«Enquanto o processo não for julgado em primeira instância quanto ao mérito, qualquer parte pode pedir às secções unidas do Supremo Tribunal de Cassação que aprecie as questões de competência […].»

III. O litígio no processo principal

15.

Em 25 de junho de 2020, os pais de NG, que era na altura aluno do ciclo secundário da Escola Europeia de Varese, foram notificados da decisão do Conselho de Turma competente que não autorizou a passagem de NG para a classe seguinte.

16.

Em 20 de julho de 2020, os pais de NG interpuseram no Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia (Tribunal Administrativo Regional da Lombardia, Itália) um recurso de anulação da referida decisão.

17.

Por Despacho de 9 de setembro de 2020, este órgão jurisdicional declarou‑se competente para conhecer este recurso, deferiu o pedido de medidas provisórias que lhe foram requeridas «para efeitos da admissão condicional na classe seguinte» de NG e remeteu a análise de mérito do processo para a audiência de 19 de outubro de 2021.

18.

Em 13 de outubro de 2021, a Escola Europeia de Varese interpôs perante as secções unidas da Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), com fundamento no artigo 41.o, do Código de Processo Civil, um pedido de apreciação provisória da questão da competência jurisdicional, a fim de que fosse declarada a incompetência dos órgãos jurisdicionais italianos para conhecer o litígio em causa. Segundo esta escola, a Instância de Recurso dispõe, efetivamente, de competência exclusiva a este respeito por força das disposições conjugadas do artigo 27.o, da CEEE e do artigo 67.o, n.o 1, do RGEE de 2014.

19.

Em contrapartida, os pais e o Ministério Público consideram que os órgãos jurisdicionais italianos têm competência para conhecer o litígio em causa uma vez que, nomeadamente, nos termos do artigo 27.o, da CEEE, a competência jurisdicional exclusiva da Instância de Recurso se restringe aos atos lesivos do Conselho Superior das Escolas Europeias (a seguir «Conselho Superior») ou do Conselho de Administração da escola. Segundo os mesmos, nestas condições, a extensão da competência desta Instância aos atos adotados por um Conselho de Turma constitui uma alteração da CEEE que só pode ser realizada em conformidade com o processo previsto no artigo 31.o, n.o 4, desta Convenção. Consideram que a possibilidade de interpor recurso contencioso para a Instância de Recurso, prevista no artigo 67.o, n.o 1, do RGEE de 2014, consagra, por conseguinte, uma simples faculdade, para os representantes legais do aluno, de optar por um recurso administrativo que pode eventualmente ser seguido de um recurso jurisdicional perante esta secção. Alegam que a competência desta última não reveste, no entanto, caráter exclusivo, permanecendo os representantes legais igualmente livres de interpor ação diretamente perante os órgãos jurisdicionais nacionais em questão.

20.

Chamado a pronunciar‑se sobre a questão preliminar da competência dos órgãos jurisdicionais italianos suscitada pela Escola Europeia de Varese, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) recorda, a título preliminar, que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que este último é competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação da CEEE e dos atos adotados com base na mesma ( 6 ).

21.

O órgão jurisdicional de reenvio refere ainda que, num Acórdão de 15 de março de 1999 ( 7 ), já se pronunciou a favor da competência dos órgãos jurisdicionais italianos em circunstâncias análogas às que caracterizam o litígio atualmente pendente perante o Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia (Tribunal Administrativo Regional da Lombardia). Com efeito, nesse Acórdão, declarou que as disposições conjugadas do artigo 6.o, segundo parágrafo, e do artigo 27.o, n.os 1, 2 e 7, da CEEE preveem a competência da Instância de Recurso, não no que respeita aos atos adotados por um Conselho de Turma mas apenas aos atos lesivos do Conselho Superior ou do Conselho de Administração de uma escola europeia.

22.

Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, na altura em que proferiu o referido Acórdão, o RGEE de 1996 ( 8 ) então em vigor previa apenas, no seu artigo 68.o bis, n.o 3, uma possibilidade limitada de recurso interno, de natureza meramente administrativa, contra decisões proferidas por um Conselho de Turma e não previa de modo algum a possibilidade de interpelar, a título contencioso, a Instância de Recurso.

23.

Ora, a circunstância de a possibilidade de um tal recurso jurisdicional ter, entretanto, sido consagrada no RGEE de 2005 ( 9 ) e, subsequentemente, confirmada no artigo 67.o, do RGEE de 2014 poderá revelar‑se suscetível de justificar que a competência exclusiva da Instância de Recurso para conhecer deste tipo de processos contenciosos passe a ser reconhecida.

24.

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, tal solução parece, com efeito, poder encontrar um apoio determinante nos ensinamentos que se retiram do Acórdão Oberto e O’Leary ( 10 ), no qual o Tribunal de Justiça já admitiu, baseando‑se nas regras da Convenção de Viena, que pode validamente ser conferida à Instância de Recurso a competência exclusiva para apreciar recursos dirigidos contra um ato do diretor de uma escola europeia que prejudique um docente da mesma. O órgão jurisdicional de reenvio considera, por outro lado, que o mesmo é válido para o Despacho do Tribunal Geral da União Europeia JT/Secrétaire général des écoles européennes e Chambre de recours des écoles européennes ( 11 ), relativo aos recursos suscetíveis de serem interpostos contra decisões de retenção adotadas por um Conselho de Turma.

25.

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, pode igualmente revestir pertinência, neste contexto, o facto de o RGEE ser adotado pelo Conselho Superior e de o Secretário‑Geral das Escolas Europeias (a seguir «Secretário‑Geral»), que é chamado a pronunciar‑se sobre os recursos administrativos interpostos contra as decisões de retenção de um Conselho de Turma, ser um órgão comum ao conjunto destas escolas que está nomeadamente habilitado a representar o Conselho Superior. O mesmo resulta de diversos documentos apresentados pela Escola Europeia de Varese e, em particular, do «relatório de atividade da Instância de Recurso para o ano de 2007», que refere as novas vias de recurso contencioso contra as decisões relativas à passagem para a classe seguinte introduzidas pelo RGEE de 2005, bem como da prática jurisdicional resultante de muitas decisões da Instância de Recurso proferidas durante o período compreendido entre 2007 e 2017, que se pronuncia sobre recursos dirigidos contra tais decisões.

26.

Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o Acórdão Oberto e O’Leary ( 12 ) diz respeito a um ato adotado pelo diretor de uma escola europeia relativo à limitação da duração da relação de trabalho prevista no contrato de trabalho celebrado entre uma escola europeia e um docente com horário reduzido e que, neste processo, a competência da Instância de Recurso não resultava do RGEE, mas do Estatuto dos docentes com horário reduzido. Em seu entender, tal implica que as diferenças de ordem factual existentes entre o processo que deu origem a este Acórdão e o presente processo não permitem considerar que a interpretação do artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da CEEE se impõe, no presente caso, com tal evidência que não suscita nenhuma dúvida razoável.

IV. Questão prejudicial e processo perante o Tribunal de Justiça

27.

Foi nestas condições que o Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação), pela Decisão de 6 de junho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de junho de 2022, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, primeiro período, da [CEEE], ser interpretado no sentido de que a Instância de Recurso prevista no referido estatuto tem competência exclusiva, em primeira e em última instância, para decidir, após ter esgotado a via administrativa prevista no [RGEE], sobre os litígios relativos à decisão de retenção adotada pelo Conselho de Turma em relação a um estudante do ciclo secundário?»

28.

Apresentaram observações escritas PD e LC, a Escola Europeia de Varese, bem como a Comissão Europeia. Estas partes foram ouvidas nas suas observações orais na audiência realizada em 4 de maio de 2023.

V. Análise

29.

Antes de abordar a questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio (secção B), considero útil apresentar, brevemente, algumas considerações preliminares sobre a competência do Tribunal de Justiça (secção A).

A. Considerações preliminares sobre a competência do Tribunal de Justiça

30.

As partes não contestam a competência do Tribunal de Justiça e é evidente que a mesma não dá lugar a qualquer objeção oficiosa.

31.

Posto isto, cumpre‑me sublinhar que, na audiência, os pais suscitaram dúvidas sobre a competência do Tribunal de Justiça fazendo referência ao artigo 26.o, da CEEE e, em particular, ao facto de o litígio no processo principal opor não as Partes Contratantes, tal como previsto nesta disposição, mas a Escola Europeia, aos pais.

32.

Recordo que, segundo o artigo 26.o, da CEEE, «[o] Tribunal de Justiça […] tem competência exclusiva para decidir sobre qualquer litígio entre as Partes Contratantes respeitante à interpretação e aplicação da presente Convenção que não tenha podido ser sanado no conselho superior». Esta disposição prevê assim uma cláusula compromissória nos termos da qual pode ser submetido ao Tribunal de Justiça um recurso de interpretação e/ou aplicação dessa Convenção ( 13 ).

33.

É certo que o artigo 26.o, CEEE se refere aos «litígio[s] entre as Partes Contratantes», a saber, os Estados‑Membros e a União Europeia. No entanto, contrariamente ao que afirmaram os pais na audiência, não é possível deduzir desta disposição que o Tribunal de Justiça é competente para interpretar esta Convenção unicamente com fundamento na referida disposição ( 14 ).

34.

A este respeito, basta recordar que, nos termos do artigo 267.o, TFUE, o Tribunal de Justiça é competente para interpretar os atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União ( 15 ). Ora, o mesmo já declarou que um acordo internacional, como a CEEE, celebrado com base no artigo 235.o, CE (que passou a artigo 308.o CE, atual artigo 352.o TFUE) pelas Comunidades Europeias, que foram habilitadas, para este efeito, pela Decisão 94/557/CE ( 16 ), constitui, relativamente à União Europeia, um ato adotado por uma instituição da União, na aceção da alínea b), do primeiro parágrafo, do artigo 267.o TFUE, que as disposições desta convenção fazem parte integrante, desde a sua entrada em vigor, da ordem jurídica da União e que, no âmbito dessa ordem jurídica, o Tribunal de Justiça é competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação dessa Convenção, bem como dos atos adotados com base na mesma ( 17 ).

35.

Por conseguinte, não há dúvidas de que o Tribunal de Justiça é competente para responder à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio.

B. Quanto à questão prejudicial

36.

Com a sua única questão, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) pretende saber, no essencial, se o artigo 27.o, n.o 2, da CEEE, lido em conjugação com os artigos 61.o, 62.o, 66.o e 67.o, do RGEE de 2014 deve ser interpretado no sentido de que a Instância de Recurso tem competência jurisdicional exclusiva em primeira e em última instância para decidir, após ter esgotado a via administrativa prevista perante o Secretário‑Geral, sobre os litígios relativos à decisão de retenção adotada pelo Conselho de Turma de uma escola europeia de não autorizar a passagem de um aluno para uma classe seguinte do ciclo secundário ( 18 ).

37.

As partes têm pontos de vista diferentes quanto à resposta a dar à questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio.

38.

A Escola Europeia de Varese e a Comissão concordam que a Instância de Recurso tem competência exclusiva para se pronunciar sobre os recursos dirigidos contra as decisões de retenção de uma escola europeia. Esta posição assenta, nomeadamente, na interpretação do artigo 27.o, n.o 2, da CEEE e dos artigos 62.o, 66.o e 67.o, do RGEE de 2014, à luz das regras de interpretação enunciadas no artigo 31.o, da Convenção de Viena, bem como da jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 19 ).

39.

Os pais, por seu turno, defendem a tese contrária, ou seja, que as disposições em causa são compatíveis com a repartição das competências expressamente prevista no artigo 27.o, n.os 2 e 7, da CEEE entre a Instância de Recurso e os órgãos jurisdicionais nacionais, pelo que nem estas disposições nem as decisões da Instância de Recurso seriam suscetíveis de permitir estabelecer uma prática interpretativa modificativa pelas altas partes contratantes da CEEE, na aceção do artigo 31.o, da Convenção de Viena.

40.

Para responder de forma útil a esta questão é necessário, em primeiro lugar, apresentar algumas considerações gerais sobre as particularidades do sistema das escolas europeias e o mecanismo de resolução dos litígios instituído pela CEEE (secção 1) antes de analisar, em seguida, o alcance da competência da Instância de Recurso (secção 2). Por último, para o caso em que se conclua pelo caráter exclusivo da competência da Instância de Recurso em matéria de decisões de retenção, abordarei as dúvidas expressas por PD relativas ao alcance do controlo jurisdicional conferido pelo RGEE de 2014 à Instância de Recurso e a obrigação do respeito do princípio geral de proteção jurisdicional efetiva no quadro da interpretação da CEEE e dos atos adotados em execução desta Convenção (secção 3).

1.   Considerações gerais

a)   Quanto às particularidades do sistema das escolas europeias

41.

Por questões de síntese, limitar‑me‑ei neste ponto a recordar os elementos de interpretação que resultam da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativos à natureza do sistema das escolas europeias e da CEEE ( 20 ).

42.

Importa desde logo recordar que o sistema das escolas europeias é um sistema sui generis que este constitui, através de um acordo internacional, a saber, a CEEE, uma forma de cooperação, por um lado, entre os Estados‑Membros e, por outro, entre estes e a União ( 21 ). Com efeito, as escolas europeias constituem uma organização internacional formalmente distinta da União e dos seus Estados‑Membros ( 22 ). Conforme já recordei, embora a CEEE constitua, no que diz respeito à União, um ato adotado por uma instituição da União na aceção do artigo 267.o, primeiro parágrafo, alínea b), TFUE, é igualmente regulada pelo direito internacional e, especialmente, do ponto de vista da sua interpretação, pelo direito internacional dos tratados codificado, a saber, no essencial, pela Convenção de Viena ( 23 ).

43.

Em seguida, importa recordar que as regras constantes da Convenção de Viena se aplicam a um acordo celebrado entre os Estados‑Membros e uma organização internacional «na medida em que essas normas são a expressão do direito internacional geral e consuetudinário» ( 24 ). Como o Tribunal de Justiça já sublinhou, «[a CEEE] deve, por conseguinte, ser interpretada em consonância com [as referidas] regras» ( 25 ). Importa recordar que a enunciada no artigo 31.o, da Convenção de Viena, que exprime o direito consuetudinário internacional, prevê que «um tratado deve ser interpretado de boa‑fé, de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos desse tratado no seu contexto e à luz do seu objeto e do seu fim» ( 26 ).

44.

Por último, há que sublinhar que, em conformidade com o artigo 31.o, n.o 3, alínea b), da CEEE, «deve ter‑se em consideração, na interpretação de um tratado, toda a prática seguida posteriormente na aplicação do tratado pela qual se estabeleça o acordo das partes sobre a sua interpretação» ( 27 ).

45.

Retomarei estes elementos importantes de interpretação ( 28 ).

b)   Quanto ao mecanismo de resolução de litígios entre as pessoas referidas na CEEE e as escolas europeias

46.

No presente processo, coloca‑se a questão de saber se o recurso no qual os pais de um aluno, tal como no caso em apreço, interpelaram os órgãos jurisdicionais nacionais com vista a obterem a anulação da decisão do Conselho de Turma de retenção é abrangido pela competência destes órgãos jurisdicionais ou se a Instância de Recurso goza de competência exclusiva para conhecer deste tipo de recursos.

47.

No que respeita à competência exclusiva da Instância de Recurso, resulta do artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da CEEE que a mesma se estende, em primeira e em última instância e após ter sido esgotada a via administrativa, sobre «qualquer litígio relativo à aplicação [desta] convenção às pessoas nela referidas, […] relativo à legalidade de um ato, baseado na [referida] convenção ou em regras definidas ao abrigo da mesma, prejudicial a essas pessoas, praticado pelo Conselho Superior ou pelo Conselho de Administração de uma escola no exercício das atribuições que lhes são conferidas pela [mesma] convenção».

48.

Quanto à competência dos órgãos jurisdicionais nacionais, resulta do artigo 27.o, n.o 7, da CEEE que a mesma se estende aos «outros litígios em que as escolas sejam parte» ( 29 ). Estes «outros litígios» são, pois, os que não são da competência exclusiva e definida em sentido estrito da Instância de Recurso.

49.

Resulta destas disposições que a resolução dos litígios entre as pessoas a quem a CEEE se destina e as escolas europeias é confiada a duas instâncias diferentes, designadamente, a Instância de Recurso e os órgãos jurisdicionais nacionais. Para melhor compreender este mecanismo de resolução de litígio e a partilha de competências entre estas duas instâncias, abordarei brevemente a sua génese nas linhas que se seguem.

1) Quanto à génese do mecanismo de resolução de litígios

50.

Em primeiro lugar, importa salientar que o Estatuto de 1957 não previa qualquer mecanismo especial de resolução de litígios entre as pessoas a que se destinava e as escolas europeias ( 30 ). Com efeito, até à entrada em vigor da CEEE, a antiga Instância de Recurso era unicamente competente para os recursos interpostos pelo corpo docente ( 31 ). Foi esta Convenção que criou, no seu artigo 27.o, n.o 1, uma nova Instância de Recurso, conferindo‑lhe «competências estritamente definidas» a fim de «garantir uma proteção legal adequada ao corpo docente e às outras pessoas referidas no presente Estatuto contra os atos do conselho superior ou do conselho de administração» ( 32 ).

51.

No que respeita, em primeiro lugar, ao âmbito de aplicação ratione personae da CEEE, recordo que o artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, desta Convenção estendeu a competência da antiga Instância de Recurso aos recursos de todas as «pessoas nela referidas, com exclusão do pessoal administrativo e auxiliar» (O sublinhado é meu). A competência pessoal da nova Instância de Recurso criada pela CEEE também abrange os litígios que envolvem pais de alunos que atuam na qualidade de representantes legais de um aluno menor, bem como os alunos maiores.

52.

Em segundo lugar, no que respeita à competência ratione materiae, cumpre‑me observar que o artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da CEEE refere que a competência exclusiva em primeira e em última instância da Instância de Recurso para decidir sobre qualquer litígio relativo à aplicação desta convenção incide sobre a «legalidade de um ato, baseado na [referida] convenção ou em regras definidas ao abrigo da mesma, prejudicial a essas pessoas, praticado pelo Conselho Superior ou pelo Conselho de Administração de uma escola no exercício das atribuições que lhes são conferidas pela [mesma] convenção». (O sublinhado é meu.)

53.

Parece‑me útil sublinhar, em terceiro lugar, que o artigo 27.o, n.o 2, segundo parágrafo, da CEEE prevê que «as condições e as regras de execução desses procedimentos serão definidas, segundo os casos, [nomeadamente] […] pelo Regulamento Geral das Escolas» ( 33 ). Conforme irei explicar, foi com o objetivo de assegurar uma proteção jurisdicional a todas as pessoas a que a CEEE se destina que este Regulamento abriu progressivamente novas vias de recurso para a Instância de Recurso às pessoas visadas.

2) Alterações introduzidas pelas sucessivas versões do RGEE: novas vias de recurso

54.

Em primeiro lugar, cumpre‑me observar que a extensão do âmbito de aplicação pessoal da competência da Instância de Recurso operada pelo artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da CEEE aos recursos interpostos, nomeadamente, pelos pais dos alunos que atuam na qualidade de representantes legais de um aluno menor, como sucede no caso em apreço, ocorreu, em aplicação do artigo 27.o, n.o 2, segundo parágrafo, desta Convenção, de modo progressivo, com as alterações introduzidas ao RGEE pelo Conselho Superior, nas suas versões sucessivas de 1996, 2005 e 2014.

55.

No que respeita às vias de recurso previstas nas versões sucessivas do RGEE, cumpre‑me precisar, em segundo lugar, que a primeira alteração foi introduzida pelo Conselho Superior no RGEE de 1996. Em caso de parecer negativo do Conselho de Turma para efeitos da transição do aluno para a classe seguinte, este regulamento estabelecia apenas um recurso administrativo interno para a escola europeia em causa contra as decisões de retenção tomadas pelo Conselho de Turma e não previa a possibilidade de recurso a título contencioso para a Instância de Recurso ( 34 ). Em seguida, o Conselho Superior introduziu uma nova alteração pelo RGEE 2005. Essa alteração previa a possibilidade de interposição junto da Instância de Recurso de um recurso jurisdicional subsequente à rejeição pelo Secretário‑Geral do recurso administrativo aberto perante o mesmo contra tais decisões de retenção ( 35 ). Esta possibilidade foi finalmente confirmada pelo artigo 67.o do RGEE de 2014.

56.

Apresentada a evolução das vias de recurso no mecanismo de resolução de litígios entre as pessoas mencionadas pela CEEE e as escolas europeias, passarei a expor, por razões de clareza, o regime de recurso tal como estabelecido pelo RGEE de 2014, aplicável ao litígio no processo principal.

3) Regime de recurso previsto pelo RGEE de 2014

57.

Importa salientar que o artigo 61.o, n.o 1, do RGEE de 2014 prevê que, no ciclo secundário, as decisões de passagem para a classe seguinte sejam tomadas no fim do ano letivo pelo Conselho de Turma competente. Se este tomar uma decisão de retenção, resulta do artigo 62.o, n.o 1, deste Regulamento que a referida decisão só é suscetível de recurso por parte dos representantes legais dos alunos em caso de vício de forma ou de facto novo ( 36 ). Segundo o artigo 62.o, n.o 2, quarto e quinto parágrafos, do referido Regulamento, «[o]Secretário‑Geral […] deve proferir uma decisão antes de 31 de agosto [do ano letivo]». Se o recurso contra a decisão de retenção«for julgado admissível e procedente [por aquele], o Conselho de Turma deve reapreciar o caso» e «[a] nova decisão é igualmente suscetível de recurso administrativo perante o Secretário‑Geral» ( 37 ).

58.

O artigo 67.o, do RGEE de 2014 abriu a possibilidade de interposição de recurso judicial, nomeadamente, aos pais de um aluno enquanto representantes legais do mesmo. Segundo esta disposição, as decisões tomadas sobre os recursos administrativos referidos no artigo 66.o deste Regulamento podem ser objeto de recurso contencioso interposto pelos representantes legais dos alunos, diretamente afetados pela decisão controvertida, perante a Instância de Recurso prevista no artigo 27.o, da CEEE ( 38 ).

59.

Este é, pois, o contexto evolutivo no qual deve ser analisado o alcance das competências exclusivas da Instância de Recurso.

2.   Quanto à análise da competência exclusiva da Instância de Recurso

60.

Resulta dos pontos precedentes que a possibilidade de recurso judicial para a Instância de Recurso, de apreciação das decisões do Secretário‑Geral que se pronuncia sobre um recurso interposto contra a decisão de retenção do Conselho de Turma, foi introduzida no processo perante a Instância de Recurso pelas versões sucessivas do RGEE de 2005 e de 2014. No entanto, tal como já sublinhei, a redação do artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do RGEE limita esta competência exclusiva aos atos lesivos adotados pelo Conselho Superior ou pelo Conselho de Administração da escola.

61.

Por conseguinte, coloca‑se a questão de saber se estas alterações se limitam a precisar as «condições e as modalidades dos processos» a adotar perante a Instância de Recurso nos processos já abrangidos pela competência desta Instância, em conformidade com o artigo 27.o, n.o 2, segundo parágrafo, da CEEE, ou se, pelo contrário, procederam a uma extensão das suas competências jurisdicionais exclusivas.

62.

Concordo em considerar que as versões sucessivas do RGEE de 2005 e de 2014 procederam certamente a uma extensão da competência exclusiva da Instância de Recurso no que respeita aos recursos das decisões de retenção. Contudo, cumpre‑me observar que esta extensão se baseia corretamente na CEEE tal como interpretada à luz das regras da Convenção de Viena, uma vez que estas regras constituem a expressão do direito internacional geral consuetudinário. A este respeito, recordo que o Tribunal de Justiça declarou que a CEEE deve, consequentemente, ser interpretada em consonância com as referidas normas ( 39 ). Por conseguinte, irei em seguida proceder a tal interpretação.

63.

Em primeiro lugar, recordo que o Tribunal de Justiça, baseando‑se nas normas da Convenção de Viena, declarou, no Acórdão Oberto e O’Leary, que um litígio relativo à legalidade de um acordo sobre a limitação da duração da relação de trabalho previsto num contrato de trabalho celebrado entre um diretor de curso e o diretor de uma escola europeia é da competência exclusiva da Instância de Recurso ( 40 ). Em particular, declarou que o simples facto de os atos controvertidos em causa, a saber, os «atos do diretor» da escola em causa não estarem expressamente mencionados no artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, primeiro período, da referida Convenção não pode ter por efeito a exclusão destes do âmbito de aplicação desta disposição ( 41 ).

64.

Em segundo lugar, tendo em conta as particularidades do sistema das escolas europeias ( 42 ), a CEEE deve ser interpretada, em conformidade com o artigo 31.o, n.o 1, da Convenção de Viena, de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos desse tratado no seu contexto e à luz do seu objeto e do seu fim ( 43 ).

65.

Por conseguinte, a fim de determinar, no presente caso, o alcance dos termos«ato praticado […] pelo Conselho Superior ou pelo Conselho de Administração de uma escola», referidos no artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, primeiro período, da CEEE, é necessário fazer referência a toda a norma pertinente de direito internacional aplicável às relações entre as Altas Partes contratantes, a toda a prática seguida posteriormente na aplicação desta Convenção ( 44 ), bem como a todo o acordo posterior entre as Partes sobre a sua aplicação ( 45 ).

66.

Primeiro, constato que, no caso em apreço, a extensão das competências exclusivas da Instância de Recurso no que respeita à decisão controvertida tomada pelo Conselho de Turma de não autorizar a passagem de um aluno para a classe seguinte provém diretamente do Conselho Superior que, em conformidade com o artigo 7.o, primeiro parágrafo, ponto 1) e com o artigo 8.o, n.o 1, alínea a), da CEEE, é um dos órgãos comuns ao conjunto das escolas europeias no seio do qual estão representadas as Altas Partes contratantes desta Convenção. Mais precisamente, o Conselho Superior é composto, designadamente, pelo ou pelos representantes de nível ministerial de cada um dos Estados‑Membros e por um membro da Comissão ( 46 ).

67.

Segundo, esta interpretação é confirmada pelo contexto das disposições pertinentes tanto da CEEE como do RGEE de 2014. A este respeito, saliento, por um lado, que o artigo 11.o, primeiro parágrafo, ponto 3, desta Convenção confere ao Conselho Superior a função de «[definir]» as regras que autorizam a passagem dos alunos para a classe seguinte ou para o ciclo secundário». Por outro lado, importa igualmente sublinhar que, nos termos do artigo 10.o, primeiro e segundo parágrafos, da referida Convenção, este Conselho assegura a aplicação dessa mesma Convenção e elabora o RGEE ( 47 ). A este respeito, recordo que a competência exclusiva da Instância de Recurso, que é estritamente limitada aos litígios mencionados pela CEEE e às pessoas a que a mesma se destina, com exclusão do pessoal administrativo e de serviço, deve ser exercida nas condições e segundo as modalidades determinadas pelos textos para os quais esta Convenção remete, tal como o RGEE de 2014 que prevê, nos seus artigos 66.o e 67.o, as diferentes vias de recurso abertas a estas pessoas.

68.

Daqui resulta, tal como sublinha a Comissão, acertadamente, nas suas observações, que nos termos do artigo 31.o, n.o 3, alínea a), da Convenção de Viena, o acordo posterior entre as partes contratantes sobre esta aplicação do RGEE de 2014 e, por conseguinte, sobre esta extensão das competências jurisdicionais da Instância de Recurso relativa às novas vias de recurso, reveste um caráter expresso, quando estas partes participam diretamente, no seio do Conselho Superior, na adoção do RGEE ( 48 ).

69.

Esta interpretação parece‑me igualmente apoiada pela jurisprudência da Instância de Recurso segundo a qual é possível interpor recursos que visam contestar a legalidade das decisões do Secretário‑Geral relativas às decisões de retenção tomadas pelos Conselhos de Turma a partir de 2005 ( 49 ).

70.

Esta jurisprudência é considerada pelo Tribunal de Justiça como uma prática seguida posteriormente na aplicação do artigo 27.o, n.o 2, da CEEE, na aceção do artigo 31.o, n.o 3, alínea b), da Convenção de Viena, visto que esta prática nunca foi objeto de contestação pelas partes na CEEE ( 50 ). Ora, a falta de contestação dessas partes deve ser considerada como traduzindo o seu consentimento tácito relativamente à referida prática ( 51 ).

71.

Assim, e tendo em conta o acima exposto ( 52 ), a jurisprudência da Instância de Recurso relativa às novas vias de recurso das decisões do Secretário‑Geral relativas às decisões de retenção tomadas pelos Conselhos de Turma, baseada nos artigos 61.o, 62.o, 66.o e 67.o, do RGEE de 2014, embora não seja abrangida pela definição de «prática posterior» na aceção do artigo 31.o, n.o 3, alínea b), da Convenção de Viena, pode no entanto ser considerada como uma conduta «pertinente para efeitos da avaliação da prática posterior das partes» na CEEE no que respeita à interpretação do artigo 27.o, n.o 2, da CEEE. Por conseguinte, esta jurisprudência da Instância de Recurso é suscetível de clarificar esta última disposição que deverá assim ser entendida no sentido de que não se opõe a que as decisões de retenção do Conselho de Turma sejam, em princípio, consideradas abrangidas pela referida disposição ( 53 ).

72.

Em terceiro lugar, verifico que, tal como alegam a Escola Europeia de Varese e a Comissão, o Tribunal Geral validou recentemente a competência exclusiva da Instância de Recurso no processo que deu origem ao Despacho JT/Secretaire Géneral des écoles européennes e Chambre de recours des écoles européennes ( 54 ), no qual uma aluna de uma escola europeia contestou a decisão do júri de exame do diploma europeu de estudos secundários de 2019 de não lhe conceder o diploma de estudos secundários. O Tribunal Geral, ao rejeitar o recurso por incompetência manifesta, declarou que a contestação da primeira decisão recorrida, depois de esgotada a via administrativa, só podia ser apresentada perante a Instância de Recurso, sendo esta Instância um órgão jurisdicional que decide em primeira e em última instância num caso como o que estava em causa naquele processo, em conformidade com o artigo 27.o, n.o 2, da CEEE ( 55 ).

73.

Em quarto e último lugar, saliento que a extensão da competência exclusiva da Instância de Recurso aos recursos das decisões de retenção é igualmente corroborada pelo objetivo e pelo fim prosseguidos pela CEEE. Com efeito, resulta tanto do seu preâmbulo como do seu artigo 1.o que esta Convenção visa a «educação em comum dos filhos do pessoal das Comunidades Europeias», tendo em vista assegurar o bom funcionamento das instituições europeias. A este respeito, cumpre‑me sublinhar que, tal como afirma a Escola Europeia de Varese, por um lado, o objetivo de uma educação em comum, uniforme e do mesmo nível só pode ser atingido confiando a um único órgão jurisdicional a competência exclusiva para se pronunciar sobre os litígios em matéria de decisões de retenção e que, por outro lado, tal uniformidade em matéria de educação não pode ser assegurada se estes litígios forem da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais.

74.

Por conseguinte, resulta claramente dos números anteriores que todos os argumentos convergem no sentido de considerar que, nos termos do artigo 27.o, n.o 2, da CEEE, interpretado à luz do artigo 31.o, da Convenção de Viena, e em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, esta primeira disposição abrange as decisões do Secretário‑Geral que se pronunciam sobre um recurso interposto contra a decisão de retenção do Conselho de Turma. Por outras palavras, deve concluir‑se que a Instância de Recurso dispõe de competência jurisdicional exclusiva em relação a qualquer litígio relativo à decisão de retenção do Conselho de Turma controvertida e que, por conseguinte, este tipo de litígio não é da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais, por força do artigo 27.o, n.o 7, da CEEE.

75.

Qualquer outra interpretação do artigo 27.o, n.o 2, da CEEE seria contrária à natureza sui generis do sistema das escolas europeias e, tal como sublinharam a Comissão e a Escola Europeia de Varese, à necessidade de garantir a autonomia deste sistema enquanto organização internacional, bem como à coerência das suas decisões em matéria de educação e de metodologia educativa.

3.   Quanto às dúvidas expressas por PD relativamente à extensão do controlo jurisdicional confiado à Instância de Recurso

76.

A interpretação que dei às disposições pertinentes da CEEE e do RGEE de 2014, interpretadas à luz das disposições da Convenção de Viena, permite‑me concluir que a Instância de Recurso tem competência exclusiva para apreciar um litígio como o que está em causa no processo principal.

77.

Dito isto, os pais alegam, nas suas observações escritas e orais, que o reconhecimento de tal competência exclusiva da Instância de Recurso é suscetível de reduzir o nível de proteção jurisdicional até agora assegurado aos alunos e aos seus representantes legais.

78.

As dúvidas assim expressas pelos pais, respeitantes à latitude de controlo jurisdicional confiada à Instância de Recurso pelo RGEE de 2014, levam‑me a analisar, num primeiro momento, a questão relativa à extensão deste controlo, antes de abordar, num segundo momento, a questão de saber em que medida o princípio da proteção jurisdicional efetiva é aplicável no contexto do recurso jurisdicional para a Instância de Recurso estabelecido pelo artigo 67.o, do RGEE de 2014 no que diz respeito às decisões de retenção de um Conselho de Turma.

a)   Quanto à extensão do controlo jurisdicional conferido pelo RGEE de 2014 à Instância de Recurso no que diz respeito às decisões que recusam a passagem de um aluno para a classe seguinte

79.

PD alega nas suas observações escritas, nomeadamente, que um recurso para o Secretário‑Geral e para a Instância de Recurso só pode, conforme resulta do artigo 62.o, n.o 1, do RGEE de 2014, ser interposto por «vício de forma ou facto novo, reconhecidos como tais pelo [s]ecretário‑geral», ao passo que o recurso para os tribunais administrativos italianos oferece um leque mais alargado de fundamentos de contestação, tais como a violação da lei, o abuso de poder e a incompetência, em conformidade com o direito italiano.

80.

Recordo, desde logo, que o artigo 62.o, n.o 1, do RGEE de 2014 dispõe que as decisões dos Conselhos de Turma só admitem recurso por parte dos representantes legais dos alunos por vício de forma ou facto novo, reconhecidos pelo Secretário‑Geral com base no dossiê apresentado pela escola e pelos representantes legais do aluno.

81.

A este respeito, contrariamente ao que defende PD e tal como a Comissão alegou na audiência, por um lado, esta disposição fornece uma definição suficientemente ampla dos termos «vício de forma» e «facto novo». Segundo a referida disposição, entende‑se por «vício de forma» qualquer violação de uma norma de direito relativa ao processo a adotar para a passagem para a classe seguinte que, caso não tivesse sido praticada, levaria a que a decisão do Conselho de Turma fosse diferente e por «facto novo» qualquer elemento que não tenha sido levado ao conhecimento do Conselho de Turma por ser desconhecido de todos — professores, pais, aluno — no momento da sua deliberação e que poderia ter influenciado o sentido da sua decisão ( 56 ).

82.

Por outro lado, a Comissão referiu que a Instância de Recurso já se pronunciou sobre decisões que enfermavam de vício grave de motivação. Por conseguinte, esta Instância reconheceu a sua competência para fiscalizar as decisões do Conselho de Turma do ponto de vista do erro manifesto de apreciação, que limita a margem de manobra técnica que é, aliás, reconhecida ao Conselho de Turma ( 57 ). A referida Instância demonstrou que ao apreciar as decisões do Conselho de Turma, pode exercer a sua plena jurisdição em relação às questões de facto e de direito ( 58 ).

83.

Em seguida, é importante recordar que resulta do considerando 4 da CEEE que a Instância de Recurso foi criada pelo artigo 27.o, n.o 1, desta Convenção com o objetivo de garantir uma proteção jurisdicional adequada contra os atos do Conselho Superior às pessoas a quem a referida Convenção se destina e, nomeadamente, tal como no presente caso, aos pais de um aluno, na qualidade de pessoas que exercem a responsabilidade parental sobre o mesmo.

84.

A este respeito, cumpre‑me observar que resulta de determinadas decisões da Instância de Recurso que a mesma interpretou este considerando 4 da CEEE como sendo a expressão da proteção jurisdicional efetiva no quadro desta Convenção ( 59 ).

85.

Mais precisamente, resulta da Decisão 10/02 de 22 de julho de 2010 ( 60 ), proferida em sessão plenária, que apesar da sua competência na aceção do artigo 27.o, n.o 2, da CEEE dever normalmente ser exercida nas condições e segundo as modalidades determinadas pelos textos de aplicação para os quais esta Convenção remete, «na ausência de disposições precisamente previstas para este efeito, deve analisar‑se se é possível, a fim de respeitar o princípio geral do direito à proteção jurisdicional efetiva, transpor por analogia as regras processuais previstas para recursos semelhantes» ( 61 ).

86.

Na sua jurisprudência posterior a esta decisão, a Instância de Recurso «admite que se deve determinar o alcance exato da decisão recorrida e que se deve verificar se a sua incompetência para anular esta decisão em razão da ausência de vias de recurso previstas pelos textos de aplicação da CEEE é suscetível de afetar o princípio do direito ao recurso efetivo. O direito à proteção jurisdicional efetiva não só é admitido por [esta Convenção] mas também faz parte dos direitos fundamentais reconhecidos pela Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, bem como dos princípios gerais do direito da União» ( 62 ).

87.

Desde logo, em princípio, a Instância de Recurso parece exercer o controlo jurisdicional desde 2010, aplicando o princípio da fiscalização jurisdicional efetiva e, por conseguinte, o artigo 47.o, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir, «Carta») que, conforme resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, constitui «uma reafirmação [deste princípio]» ( 63 ).

88.

Por último, daqui decorre, em princípio, tendo em conta esta interpretação da instância de recurso das disposições do RGEE de 2014 à luz do artigo 47.o, da Carta, que esta Instância parece considerar‑se competente para exercer a fiscalização jurisdicional efetiva e, por conseguinte, o princípio da jurisdição efetiva não é, em princípio, violado em situações semelhantes à que está em causa no processo principal.

89.

Posto isto, parece‑me ainda assim pertinente proceder a uma breve análise do alcance da obrigação da Instância de Recurso de interpretar a CEEE e os atos adotados em execução desta Convenção, nomeadamente, o RGEE de 2014, tendo em conta as minhas considerações precedentes ( 64 ).

b)   Quanto à obrigação da instância de recurso de aplicar o princípio da proteção jurisdicional efetiva na interpretação da CEEE e do RGEE de 2014

90.

Recordo, desde já, que a natureza da Instância de Recurso criada pelo artigo 27.o, n.o 1, da CEEE já foi clarificada pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão Miles e o. ( 65 ).

91.

Neste Acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que a Instância de Recurso reúne todos os elementos que permitem qualificá‑la de «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE, nomeadamente, a origem legal deste organismo, a sua permanência, o caráter vinculativo da sua jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação, pelo referido organismo, das normas de direito, bem como a sua independência, com exceção do facto de pertencer a um dos Estados‑Membros ( 66 ).

92.

Por conseguinte, apesar de esta Instância dever ser qualificada como «jurisdição» na aceção do direito da União, o Tribunal de Justiça declarou que, uma vez que a referida Instância não se integra num dos Estados‑Membros, mas nas escolas europeias, na aceção do artigo 267.o TFUE, o mesmo não tem competência para responder a um pedido de decisão prejudicial que emane dessa mesma Instância ( 67 ).

93.

A este respeito, acrescento que, mesmo se, tal como o próprio Tribunal de Justiça observou na sua jurisprudência, fosse certamente desejável uma reforma que permitisse que a Instância de Recurso apresentasse questões ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 267.o TFUE ( 68 ), não se pode, em meu entender, afirmar que o princípio da proteção jurisdicional efetiva e outros princípios gerais do direito da União não são aplicáveis no âmbito de um recurso apresentado perante esta Instância, pelas seguintes razões.

94.

Em primeiro lugar, tal como já recordei nas minhas considerações gerais ( 69 ), a Instância de Recurso integra‑se nas escolas europeias, que constituem um sistema sui generis que realiza, através da CEEE, que é um acordo internacional, uma forma de cooperação, por um lado, entre os Estados‑Membros e, por outro, entre estes últimos e a União, a fim de assegurar, tendo em vista o bom funcionamento das instituições europeias, a educação em comum dos filhos do pessoal destas instituições ( 70 ).

95.

Desde logo, uma vez que a CEEE constitui, no que diz respeito à União, um ato adotado por uma instituição da União, na aceção do artigo 267.o, primeiro parágrafo, alínea b), TFUE e que as disposições desta Convenção fazem parte integrante da ordem jurídica da mesma ( 71 ), a referida Convenção insere‑se na hierarquia das normas da ordem jurídica da União, no topo da qual se encontra o Tratado, a Carta e os princípios gerais do direito da União enquanto fontes deste direito ( 72 ).

96.

Assim, de acordo com o princípio da hierarquia das normas, se um acordo internacional como a CEEE, for contrário, nomeadamente, a um princípio geral do direito da União, esse acordo é incompatível com o direito da União ( 73 ). Por conseguinte, esta Convenção e o RGEE de 2014 devem ser compatíveis com os tratados, com a Carta e com os princípios gerais do direito da União. Por outras palavras, tal como a Comissão salientou, corretamente, na audiência, não é concebível que a União e os seus Estados‑Membros possam desrespeitar as obrigações impostas pelo direito primário e pelos princípios gerais do direito da União para celebrarem um acordo internacional tal como a CEEE. Consequentemente, são obrigados a respeitar e a aplicar estas obrigações no respeito, nomeadamente, dos artigos 2.o e 21.o TUE, bem como dos princípios gerais do direito da União ( 74 ).

97.

Em segundo lugar, resta‑me acrescentar que o artigo 31.o, n.o 3, alínea c), da Convenção de Viena ( 75 ) estabelece que, na interpretação de um acordo internacional, ter‑se‑á em consideração «toda a norma pertinente de direito internacional aplicável às relações entre as Partes». Por conseguinte, tendo em conta a especificidade da CEEE enquanto acordo internacional cujas partes contratantes são a União e o conjunto dos Estados‑Membros, esta disposição permite considerar os princípios gerais do direito da União como sendo igualmente normas de direito internacional aplicáveis às partes nesta Convenção, tendo‑os em conta, «simultaneamente com o contexto» da mesma, na interpretação da referida Convenção ( 76 ).

98.

Em terceiro lugar, recordo que a obrigação da Instância de Recurso de aplicar os princípios gerais do direito da União no caso de ser chamada a conhecer de um litígio já foi confirmada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Miles e o. ( 77 ).

99.

Em consequência, a CEEE e o RGEE de 2014 devem ser interpretados no sentido de que obrigam a Instância de Recurso a respeitar e a aplicar os princípios gerais do direito da União no quadro do regime de recurso previsto no artigo 27.o, n.o 2, desta Convenção, bem como, nomeadamente, nos artigos 61.o, 62.o, 66.o e 67.o, deste Regulamento.

100.

Em particular, no que respeita, em quarto e último lugar, ao princípio da proteção jurisdicional efetiva, saliento, desde logo, que o Tribunal de Justiça já recordou, no Acórdão Oberto e O’Leary ( 78 ), que, nos termos do artigo 47.o da Carta, o princípio da proteção jurisdicional efetiva confere o direito de acesso a um único tribunal e não a um duplo grau de jurisdição.

101.

Por conseguinte, deve considerar‑se que a obrigação dos pais de submeter, depois de esgotada a via administrativa aberta perante o Secretário‑Geral, o seu litígio relativo à legalidade da decisão do Conselho de Turma da Escola Europeia de Varese de não autorizar a passagem de um aluno para a classe seguinte do ciclo secundário à Instância de Recurso, que decide em primeira e em última instância, não viola o seu direito à proteção jurisdicional efetiva.

102.

Por conseguinte, conforme resulta da minha análise, os artigos 27.o, n.o 2, da CEEE bem como os artigos 61.o, 62.o, 66.o e 67.o, do RGEE de 2014 devem ser interpretados em conformidade com o princípio da proteção jurisdicional efetiva consagrado no artigo 47.o, da Carta ( 79 ).

VI. Conclusão

103.

Tendo em conta as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda o seguinte à questão prejudicial colocada pelo Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália) do seguinte modo:

O artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, primeiro período, da Convenção relativa ao Estatuto das Escolas Europeias, celebrada no Luxemburgo em 21 de junho de 1994, entre os Estados‑Membros e as Comunidades Europeias, lido em conjugação com os artigos 61.o, 62.o, 66.o e 67.o, do Regulamento Geral das Escolas Europeias de 2014, na sua versão n.o 2014‑03‑D‑14‑fr‑11,

deve ser interpretado no sentido de que

a Instância de Recurso prevista no referido estatuto tem competência exclusiva, em primeira e em última instância, para decidir, após ter esgotado a via administrativa aberta perante o Secretário‑Geral das escolas europeias, prevista no Regulamento Geral das Escolas Europeias, sobre os litígios relativos à decisão de retenção adotada pelo Conselho de Turma em relação a um estudante do ciclo secundário.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Quanto à história das escolas europeias, v., nomeadamente, Gruber, J., «European Schools: A Subject of International Law Integrated into the European Law», International Organization Law Review, 2011, n.o 8, p. 175 a 196.

( 3 ) Em Bruxelas (Bélgica) em 1958, 1974, 1999 e 2007, em Mol (Bélgica) em 1960, em Varese (Itália) em 1960, em Karlsruhe, Munique e Francoforte (Alemanha) respetivamente em 1962, 1977 e 2002, em Bergen (Países Baixos) em 1963, em Culham (Reino Unido) em 1978, em Alicante (Espanha) em 2002, no Luxemburgo (Luxemburgo) em 2004. A escola de Culham fechou definitivamente as suas portas em 31 de agosto de 2017.

( 4 ) Convenção celebrada no Luxemburgo em 21 de junho de 1994 entre os Estados‑Membros e as Comunidades Europeias (JO 1994, L 212, p. 3).

( 5 ) Recueil des traités des Nations unies, vol. 1155, p. 331.

( 6 ) Acórdão de 11 de março de 2015, Oberto e O’Leary (C‑464/13 e C‑465/13, a seguir «Acórdão Oberto e O’Leary, EU:C:2015:163).

( 7 ) IT:CASS:1999:138 CIV.

( 8 ) Regulamento Geral das Escolas Europeias n.o 96‑D‑19, setembro 1996 (a seguir «RGEE de 1996»).

( 9 ) Regulamento Geral das Escolas Europeias n.o 2004‑D‑6010‑fr‑5, que entrou em vigor em 2 de fevereiro de 2005 (a seguir «RGEE de 2005»).

( 10 ) N.o 76 e parte dispositiva desse acórdão.

( 11 ) Despacho de 18 de junho de 2020 (T‑42/20, não publicado, EU:T:2020:278).

( 12 ) N.os 22 e 63 desse acórdão.

( 13 ) Quanto a um recurso baseado no artigo 26.o, da CEEE, v. Acórdão de 2 de fevereiro de 2012, Comissão/Reino Unido (C‑545/09, EU:C:2012:52, n.os 2, 27, 33 e 106). Este processo era relativo à interpretação e aplicação do artigo 12.o, n.o 4, alínea a) e do artigo 25.o, n.o 1, da CEEE e dizia respeito, por um lado, ao direito de remuneração dos professores destacados nas Escolas Europeias e, por outro, à exclusão, durante o seu destacamento, das adaptações salariais atribuídas aos professores empregados nas escolas nacionais.

( 14 ) Em todo o caso, esta mesma disposição confere competência ao Tribunal de Justiça para se pronunciar sobre a interpretação e/ou a aplicação da CEEE sem no entanto limitar a sua competência para se pronunciar a título prejudicial sobre a interpretação desta convenção.

( 15 ) Para maior clareza, afigura‑se útil recordar que, no passado, o Tribunal de Justiça declarou‑se incompetente para se pronunciar, a título prejudicial, sobre a interpretação do Estatuto da Escola Europeia, assinado no Luxemburgo em 12 de abril de 1957 (Recueil des traités des Nations Unies, vol. 443, p. 129) e do Protocolo relativo à criação das escolas europeias estabelecido por referência ao Estatuto das Escolas Europeias, assinado no Luxemburgo em 13 de abril de 1962Recueil des traités des Nations Unies, vol. 752, p. 267), bem como sobre as obrigações dele resultantes para os Estados‑Membros, na medida em que, apesar das conexões que estas convenções apresentam com a Comunidade e com o funcionamento das suas instituições, tratava‑se de convenções internacionais celebradas entre os seis Estados‑Membros que estiveram na origem das Comunidades Europeias e que as mesmas não são parte integrante do direito comunitário. V., neste sentido, Acórdão de 15 de janeiro de 1986, Hurd (44/84, EU:C:1986:2, n.o 20). V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral G. Slynn no processo Hurd (44/84, não publicadas, EU:C:1985:222). No contexto do processo previsto no artigo 226.o, CE destinado a obter a declaração de que um Estado‑Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam por força do Tratado CE, v. Acórdão de 5 de abril de 1990, Comissão/Bélgica (C‑6/89, EU:C:1990:166, n.os 44 e 45). No entanto, esta situação alterou‑se, como se sabe, com a entrada em vigor, em 1 de outubro de 2002, da CEEE. O artigo 34.o, desta Convenção estabelece que «[a] presente Convenção anula e substitui o Estatuto de 12 de abril de 1957 e o Protocolo a ele anexo de 13 de abril de 1962».

( 16 ) Decisão Euratom do Conselho de 17 de junho de 1994 que autoriza a Comunidade Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atómica a assinar e a celebrar a Convenção relativo ao Estatuto das escolas europeias (JO 1994, L 212, p. 1). O terceiro considerando desta Decisão refere o seguinte: «[c]onsiderando que a participação [das Comunidades] na aplicação da [CEEE] é necessária para atingir os objetivos [das Comunidades].»

( 17 ) V., neste sentido, Acórdão Oberto e O’Leary (n.os 29, 30 e 31). V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi nos processos apensos Oberto e O’Leary (C‑464/13 e C‑465/13, EU:C:2014:2169, n.os 7 a 16).

( 18 ) Tendo em conta a importância dos artigos 61.o, 62.o, 66.o e 67.o, do RGEE de 2014 para a análise da questão colocada pelo Tribunal de Justiça, afigura‑se necessária uma reformulação da mesma que inclua estas disposições. V., a este respeito, n.o 57 das presentes conclusões.

( 19 ) Acórdãos de 14 de junho de 2011, Miles e o. (C‑196/09, a seguir Acórdão Miles e o., EU:C:2011:388), e Oberto e O’Leary.

( 20 ) V. Acórdão Oberto e O’Leary (n.os 32 a 38 e jurisprudência aí referida). V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi nos processos apensos Oberto e O’Leary (C‑464/13 e C‑465/13, EU:C:2014:2169), bem como no processo Comissão/Reino Unido (C‑545/09, EU:C:2011:461), e Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Miles e o. (C‑196/09, EU:C:2010:777).

( 21 ) O terceiro considerando da CEEE enuncia o seguinte: «Considerando que o sistema das escolas europeias é um sistema sui generis; que este sistema constitui uma forma de cooperação entre os Estados‑Membros e entre estes e as Comunidades Europeias, respeitando inteiramente a responsabilidade dos mesmos no que toca ao conteúdo do ensino e à organização dos respetivos sistemas educativos, bem como a respetiva diversidade cultural linguística».

( 22 ) E isto, apesar dos laços funcionais que ligam esta organização internacional à União. Acórdão Oberto e O’Leary (n.o 33).

( 23 ) Acórdão Oberto e O’Leary (n.o 34). V., igualmente, n.o 34 das presentes conclusões.

( 24 ) Trata‑se aqui da ideia de «personalidades paralelas, no direito internacional geral», por um lado, da União, e, por outro, dos Estados‑Membros. V., a este respeito, Malenovský, J., «À la recherche d’une solution intersystémique aux rapports du droit international au droit de l’Union européenne», Annuaire français de droit international, LXV, 2019, CNRS Éditions, Paris, p. 3 a 36, em particular, p. 32. Esta ideia resulta do Acórdão de 25 de fevereiro de 2010, Brita (C‑386/08, EU:C:2010:91, n.o 42), no qual o Tribunal de Justiça declarou que, «embora não vinculem a Comunidade nem todos os Estados‑Membros, algumas disposições da Convenção de Viena refletem as regras de direito consuetudinário internacional que, enquanto tais, vinculam as instituições da Comunidade e integram a ordem jurídica comunitária».

( 25 ) Acórdão Oberto e O’Leary (n.o 36). É certo que o artigo 1.o, da Convenção de Viena prevê que a mesma «se aplica aos tratados concluídos entre Estados». No entanto, cumpre recordar que, segundo o artigo 3.o, alínea b), desta Convenção, «[o] facto de a [mesma] não se aplicar aos acordos internacionais concluídos entre Estados e outros sujeitos de direito internacional […] não prejudica [a] aplicação aos mesmos de quaisquer normas enunciadas na [referida] Convenção às quais estejam submetidos por força do direito internacional, independentemente desta Convenção».

( 26 ) Acórdão Oberto e O’Leary (n.o 37).

( 27 ) Acórdão Oberto e O’Leary (n.o 38).

( 28 ) V. n.os 64, 65, 68 a 71, 74 e 97 das presentes conclusões. Quanto à definição de «prática seguida posteriormente», v., igualmente, nota 50 das presentes conclusões.

( 29 ) Esta disposição precisa que, «[e]m especial, as competências jurisdicionais dos tribunais nacionais no respeitante a questões de responsabilidade criminal e civil não são afetadas [por este] artigo».

( 30 ) V., a este respeito, Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi nos processos apensos Oberto e O’Leary (C‑464/13 e C‑465/13, EU:C:2014:2169, n.o 17).

( 31 ) Esta competência baseava‑se no artigo 80.o do Estatuto do pessoal destacado junto das escolas europeias. V. relatórios de atividade da Instância de Recurso para o ano de 2007, Conselho Superior das Escolas Europeias, 21, 22 e 23 de janeiro de 2008, p. 3.

( 32 ) V. considerando 4, quinto travessão, da CEEE.

( 33 ) O sublinhado é meu.

( 34 ) A este respeito, o artigo 68.o bis, n.o 3, do RGEE de 1996 dispunha que «[a]s decisões dos Conselhos de Turma não admitem recurso por parte do chefe de família exceto com fundamento em vício de forma ou em factos novos, reconhecidos como tais pelo representante do Conselho Superior após investigação realizada pelo mesmo. […]». V. n.o 22 das presentes conclusões. A Escola Europeia de Varese refere, nas suas observações escritas, que no quadro dessa versão do RGEE, a contestação da decisão de retenção permaneceria na administração das escolas europeias. A mesma dava origem a uma investigação do representante do Conselho Superior, investigação essa que só podia levar a que este representante dirigisse ao Conselho de Turma um pedido de revisão da decisão de retenção inicialmente tomada.

( 35 ) V. artigo 67.o do RGEE de 2005.

( 36 ) Trata‑se de um «[r]ecurso contra as decisões de retenção», que deve ser interposto no prazo de sete dias de calendário após o fim do ano letivo (artigo 62.o, n.o 2, do RGEE de 2014).

( 37 ) O sublinhado é meu.

( 38 ) Cumpre‑me precisar, desde já, que, contrariamente ao que defendem os pais, a interpretação correta do artigo 67.o, n.o 1, do RGEE de 2014 não leva de modo algum a que se entenda a «possibilidade» de introdução do recurso contencioso previsto neste artigo («podem ser objeto de recurso contencioso») no sentido de que os representantes legais dos alunos podem escolher entre a Instância de Recurso e os órgãos jurisdicionais nacionais. A este respeito, recordo que, nos termos do artigo 31.o, n.o 1, da Convenção de Viena, tanto as disposições da CEEE como, particularmente, o artigo 67.o, do RGEE de 2014 devem ser interpretados de boa‑fé.

( 39 ) Acórdão Oberto e O’Leary (n.o 36). V., igualmente, n.o 43 das presentes conclusões.

( 40 ) N.o 76 e parte dispositiva desse acórdão. Este processo que opôs a Europäische Schule München a dois diretores de curso, S. Oberto e B. O’Leary, a respeito da competência da ordem jurisdicional alemã para conhecer recursos destinados a fiscalizar a validade da limitação da duração do contrato de trabalho das interessadas. Embora o quadro factual seja diferente do do presente processo, parece‑me possível dele retirar ensinamentos úteis para a minha análise.

( 41 ) Acórdão Oberto e O’Leary (n.o 58).

( 42 ) V. n.os 42 e seg. das presentes conclusões.

( 43 ) V., neste sentido, Acórdão Oberto e O’Leary (n.o 37).

( 44 ) Artigo 31.o, n.o 3, alíneas b) e c), da Convenção de Viena.

( 45 ) Artigo 31.o, n.o 3, alínea a), da Convenção de Viena.

( 46 ) Cumpre‑me igualmente recordar que o artigo 14.o, da CEEE dispõe que «[o] secretário‑geral representa o conselho superior e dirige o secretariado no âmbito das disposições do estatuto do secretário‑geral, previsto no n.o 1 do artigo 12.o O secretário‑geral representa as escolas em juízo. O secretário‑geral é responsável perante o conselho superior».

( 47 ) O artigo 10.o, da CEEE prevê que «[o] conselho superior assegurará a aplicação da presente Convenção; dispõe, para o efeito, dos poderes de decisão necessários em matéria pedagógica, orçamental e administrativa […]. O conselho superior elabora o Regulamento Geral das Escolas». V., igualmente, artigo 27.o, n.o 2, segundo parágrafo, da CEEE, bem como n.o 53, das presentes conclusões.

( 48 ) Recorde‑se que a conclusão 4, n.o 1, da Resolução n.o 73/202, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de dezembro de 2018 na 62.a sessão plenária enuncia que «um acordo posterior enquanto meio de interpretação autêntica nos termos do artigo 31.o, n.o 3, [alínea] a) é um acordo relativo à interpretação do tratado ou de aplicação das disposições do mesmo, alcançado pelas partes após a conclusão do tratado». (O sublinhado é meu.)

( 49 ) No que respeita aos recursos interpostos com base nos artigos 61.o a 67.o, do RGEE de 2014, a Instância de Recurso pronunciou‑se em diversas ocasiões sobre os recursos das decisões de retenção tomadas pelos Conselhos de Turma de determinadas escolas europeias, v. Decisões 07/48R, de 5 de setembro de 2007; 08/40, de 29 de dezembro de 2008; 08/43, de 30 de janeiro de 2009; 15/49, de 10 de outubro de 2015; 15/57, de 10 de fevereiro de 2016, e 16/62, de 14 de março de 2017. Quanto às decisões proferidas entre 2018 e 2022, v., nomeadamente, Decisões 20/65, de 16 de outubro de 2020 e 22/53, de 6 de setembro de 2022.

( 50 ) V., por analogia, Acórdão Oberto e O’Leary (n.os 65 e 66). Apesar de, tal como referi acima nos n.os 63 a 68 das presentes conclusões, a interpretação exposta nos números anteriores ser apoiada pela jurisprudência da Instância de Recurso, tenho dúvidas de que se possa considerar a jurisprudência desta Instância como uma prática seguida posteriormente na aceção do artigo 31.o, n.o 3, alínea b), da Convenção de Viena. Com efeito, saliento que a conclusão 4, n.o 2, da Resolução n.o 73/202, acima referida, enuncia que «[u]ma prática posterior enquanto meio de interpretação autêntica nos termos do artigo 31.o, n.o 3, [alínea] b), consiste em toda a conduta na aplicação do tratado, após a conclusão do mesmo, mediante a qual se estabelece o acordo das partes em relação à interpretação do tratado». Sublinho igualmente que a conclusão 5 desta Resolução precisa, no seu n.o 1, que «[u]ma prática posterior nos termos dos artigos 31.o e 32.o [da Convenção de Viena] pode ser constituída por toda a conduta na aplicação de um tratado seguida por uma parte no exercício das suas funções executivas, legislativas, judiciais ou outras». Recorde‑se que a Instância de Recurso não é nem uma parte na CEEE nem um órgão jurisdicional de um dos Estados‑Membros. Posto isto, acresce ainda, a este respeito, que, se é certo que a conclusão 5, n.o 2, primeira frase, da referida Resolução enuncia que «[q]ualquer outra conduta […] não constitui uma prática posterior nos termos [destes artigos]», a segunda frase deste número precisa, contudo, que «qualquer outra conduta, incluindo de intervenientes não estatais […] pode no entanto ser pertinente para efeitos da avaliação da prática posterior das partes […]» (o sublinhado é meu). Por conseguinte, é no quadro deste último parágrafo que, em meu entender, se inscreve a jurisprudência da Instância de Recurso. Por outras palavras, a jurisprudência dessa Instância vem, em apoio da interpretação preconizada nos n.os 63 a 68 das presentes conclusões, não enquanto «prática posterior», mas enquanto conduta pertinente para avaliar a prática posterior das partes.

( 51 ) V. Acórdão Oberto e O’Leary (n.o 66).

( 52 ) V. as minhas considerações na nota 50 das presentes conclusões.

( 53 ) V., por analogia, Acórdão Oberto e O’Leary (n.o 67).

( 54 ) Despacho de 18 de junho de 2020 (T‑42/20, não publicado, EU:T:2020:278).

( 55 ) Pode deduzir‑se da decisão de reenvio que os pais não esgotaram a via administrativa prevista no artigo 66.o, do RGEE de 2014 que constitui a condição prévia para a interposição de um recurso contencioso perante a Instância de Recurso referida no artigo 27.o, n.o 2, da CEEE, com base no artigo 67.o, deste Regulamento. V. n.os 15 e 16 das presentes conclusões.

( 56 ) Importa igualmente notar que, nos termos do artigo 62.o, n.o 2, sexto parágrafo, do RGEE de 2014, «[a]s apreciações relativas às capacidades dos alunos, a atribuição de uma nota por uma composição ou um trabalho durante o ano letivo e a apreciação das circunstâncias particulares referidas no artigo 61.o B‑5 são abrangidas pelo âmbito do poder de apreciação exclusivo do Conselho de Turma» e «não admitem recurso». V., a este respeito, Decisões da Instância de Recurso 15/49 de 10 de outubro de 2015, n.os 4, 10 e 11 e Decisão 16/62 de 14 de março de 2017, n.o 12.

( 57 ) Em contrapartida, o advogado‑geral P. Mengozzi considerou, nas suas Conclusões nos processos apensos Oberto e O’Leary (C‑464/13 e C‑465/13, EU:C:2014:2169, n.os 59 e 60), que embora a Instância de Recurso manifeste a sua disponibilidade para reconhecer que os princípios fundamentais são «suscetíveis» de servir de referência para a ação dos órgãos das escolas europeias a par das regras de direito que lhes são próprias, a margem de apreciação que a instância de recurso das escolas europeias assim se reserva na determinação das regras e dos princípios que decorrem, particularmente, do direito da União, não permite garantir aos interessados neste processo, a saber, os diretores de curso, o respeito pelo princípio geral da proibição do abuso de direito que tem a sua expressão concreta, em matéria de relações de trabalho no âmbito da União, na Diretiva 1999/70/CE do Conselho de 28 de Junho de 1999 respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (JO l999, L 175, p, 43). V., a este respeito, nota 68 das presentes conclusões.

( 58 ) No que respeita, nomeadamente, a um recurso contencioso de anulação de uma decisão do Conselho de Turma da Scuola de Varese e da decisão do Secretário‑Geral adjunto, v. Decisão 14/44 de 24 de setembro de 2014, n.os 22 a 24. Quanto ao mérito, a Instância de Recurso concluiu que a «decisão recorrida […] ao negar provimento ao recurso administrativo dos recorrentes, apresenta uma motivação errónea, uma vez que, conforme alegam os recorrentes no processo principal e admitem as [escolas europeias], as notas que se considera serem as do filho dos recorrentes no processo principal são erróneas, o que constitui tanto um vício quanto à motivação como um erro de facto» (o sublinhado é meu). Esta Instância concluiu que «embora [a mesma] não tenha competência para fiscalizar a pertinência da apreciação pedagógica apresentada pelo Conselho de Turma, as [escolas europeias] devem retirar as conclusões que se impõem na sequência da anulação da decisão de não passar o filho dos recorrentes no processo principal para a classe seguinte».

( 59 ) É certo que resulta de algumas decisões da Instância de Recurso proferidas após 2010 que a interpretação das disposições do RGEE de 2005 e de 2014 que aplicam o princípio da proteção jurisdicional efetiva não é deficiente, outras decisões parecem menos claras a este respeito, v., nomeadamente, Decisão 16/62 de 14 de março de 2017, n.os 13 e 14: «[…] [p]or conseguinte, só quando se verifica que a violação de uma norma pertinente foi suscetível de influenciar uma tal apreciação é que a mesma pode ser objeto de fiscalização jurisdicional. Aliás, se assim não fosse, bastaria constatar que a apreciação realizada pelo Conselho de Turma sobre a incapacidade de […] em aceder à classe seguinte não pode, em todo o caso, à luz dos elementos do dossier e da decisão contestada, que foi proferida praticamente por unanimidade e que é notoriamente motivada, ser considerada como estando ferida de erro manifesto». (O sublinhado é meu.)

( 60 ) O litígio que deu origem a esta decisão opunha uma associação de pais de alunos à escola europeia em questão. Com efeito, o Conselho Superior reduziu os direitos de voto das associações de pais de alunos e do pessoal a uma única voz nos Conselhos de Administração, em violação dos artigos 19.o, 20.o e 23.o da CEEE. Contudo, os artigos 66.o e 67.o dessa convenção não previam nenhum processo que permitisse a um pai de um aluno ou a uma associação de pais impugnarem diretamente a legalidade de uma decisão do Conselho Superior tal como a que está em causa no presente litígio.

( 61 ) Parece‑me relevante salientar que a Instância de Recurso considerou, nesta decisão (n.o 26) que «quando uma decisão do Conselho Superior, apesar de revestir alcance geral ou regulamentar, afeta diretamente um direito ou uma prorrogativa reconhecidos pela [CEEE] a uma pessoa ou a uma categoria de pessoas claramente identificada e que se distingue do conjunto das outras pessoas afetadas, sem que seja certo que a referida pessoa ou categoria está em condições de apresentar recurso contra uma decisão individual adotada com fundamento em tal decisão, a mesma deve ser considerada como constitutiva de um ato lesivo para esta pessoa ou para esta categoria, na aceção do artigo 27.o, n.o 2, da CEEE. Em princípio, a [i]nstância é desde logo competente para decidir o recurso apresentado contra tal ato». (O sublinhado é meu.)

( 62 ) V., nomeadamente, Decisão da Instância de Recurso 22/62 de 2 de dezembro de 2022, n.o 8: «Esta [i]nstância já teve a oportunidade de precisar que a ausência de vias de recurso nos textos não impede um recurso perante a mesma, nem que uma decisão que negue provimento a um pedido, no caso em apreço, a um pedido de mudança de opção, possa ser objeto de fiscalização jurisdicional. Assim, a [i]nstância de recurso concluiu que uma decisão que afete profundamente o laço fundamental entre a escola e o aluno e o seu direito à educação reconhecido pelo artigo 14.o, da [Carta dos Direitos fundamentais da União Europeia], pode ser sujeita a fiscalização jurisdicional por aplicação dos princípios que vigoram num Estado de Direito ([a]rtigo 47.o, da mesma Carta)». V., igualmente, Decisões 15/38 de 11 de fevereiro de 2016, n.o 12 e 19/35 de 29 de agosto de 2019, n.o 10.

( 63 ) V., nomeadamente, Acórdãos de 13 de março de 2007, Unibet (C‑432/05, EU:C:2007:163, n.o 37); de 18 de dezembro de 2014, Abdida (C‑562/13, EU:C:2014:2453, n.o 45), e de 12 de janeiro de 2023, Nemzeti Adatvédelmi és Információszabadság Hatóság (C‑132/21, EU:C:2023:2, n.o 50).

( 64 ) V., a este respeito, n.os 41 e seg.das presentes conclusões.

( 65 ) Recorde‑se, o processo que deu origem a este Acórdão, que opôs 137 professores destacados pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte junto das escolas europeias a estas últimas, relativo, por um lado, à recusa destas escolas de proceder, em relação ao período anterior a 1 de julho de 2008, à adaptação da sua remuneração em consequência da depreciação da libra esterlina e, por outro lado, do modo de cálculo aplicável deste esta data para a adaptação das remunerações às flutuações das taxas de câmbio das moedas que não o euro.

( 66 ) Acórdãos Miles e o. (n.os 37 a 39), bem como Oberto e O’Leary (n.o 72).

( 67 ) V., neste sentido, Acórdão Miles e o. (n.os 45 e 46). Tal como declarou o Tribunal de Justiça no n.o 41 deste Acórdão, a Instância de Recurso não constitui o tipo de órgão jurisdicional comum a vários Estados‑Membros, equiparável ao Tribunal de Justiça do Benelux.

( 68 ) O Tribunal de Justiça admitiu, nos n.os 44 e 45 do Acórdão Miles e o., bem como no n.o 74 do Acórdão Oberto e O’Leary, que «é equacionável a possibilidade, ou mesmo a obrigação, de a Instância de Recurso recorrer ao Tribunal de Justiça no âmbito de um litígio que oponha [as pessoas a que a CEEE se destina a uma escola europeia], ao qual devam ser aplicados princípios gerais de direito da União, mas que cabe aos Estados‑Membros reformar o sistema de proteção jurisdicional estabelecido pela [CEEE] atualmente em vigor». (O sublinhado é meu.) Embora concorde com o raciocínio seguido pelo Tribunal de Justiça, não se pode, em meu entender, negar que esta impossibilidade da instância de recurso de submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça é suscetível, nalguns casos, de comprometer a uniformidade e a coerência do direito da União. Quanto a este aspeto, v. Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Miles e o. (C‑196/09, EU:C:2010:777, n.os 72, 73 e 76). Nomeadamente, a leitura das Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi nos processos apensos Oberto e O’Leary (C‑464/13 e C‑465/13, EU:C:2014:2169, n.o 62) põe claramente em evidência que, apesar do nível de proteção jurisdicional garantido pela Instância de Recurso às pessoas a que se refere a CEEE, do ponto de vista do direito material da União, tal reforma é necessária. V., a este respeito, nota 57 das presentes conclusões.

( 69 ) V. n.os 42 e 43 das presentes conclusões.

( 70 ) Acórdão Miles e o. (n.o 38). V., igualmente, considerandos 1 e 3 da CEEE. V. n.o 42 das presentes conclusões.

( 71 ) V. n.o 34 das presentes conclusões.

( 72 ) Recorde‑se que o Tribunal de Justiça já declarou que a prevalência dos atos de direito comunitário derivado, de que beneficiam os acordos internacionais no plano do direito da União, não é extensiva ao direito primário e, particularmente, aos princípios gerais nos quais se inserem os direitos fundamentais. V. Acórdão de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.o 308).

( 73 ) Um acordo internacional celebrado em violação dos tratados é suscetível de ser anulado pelo Tribunal de Justiça. V., nomeadamente, Acórdão de 10 de março de 1998, Alemanha/Conselho (C‑122/95, EU:C:1998:94). V., igualmente, por analogia, Acórdão de 26 de fevereiro de 2015, H/Tribunal de Justiça (C‑221/14 P, não publicado, EU:C:2015:126, n.o 41 e jurisprudência aí referida).

( 74 ) Tridimas, T., The General Principles of EU Law, Oxford EC Law Library, Oxford, 2009, p. 51.

( 75 ) V. n.os 7 e 66 das presentes conclusões.

( 76 ) V. n.o 7 das presentes conclusões. Em todo o caso, tal como referiu a Comissão em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça, o direito internacional não pode justificar uma violação do princípio geral da proteção efetiva. V., a este respeito, Acórdão de 7 de maio de 2020, Rina (C‑641/18, EU:C:2020:349, n.os 57 a 60), e as minhas conclusões nesse processo (C‑641/18, EU:C:2020:3, n.o 129).

( 77 ) N.o 43.

( 78 ) N.o 73.

( 79 ) O que a Instância de Recurso não pode ignorar, tendo em conta a sua jurisprudência. V. n.os 84 a 86 das presentes conclusões.