Edição provisória
CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
NICHOLAS EMILIOU
apresentadas em 22 de fevereiro de 2024(1)
Processo C‑339/22
BSH Hausgeräte GmbH
contra
Electrolux AB
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Svea hovrätt (Tribunal de Recurso de Svea, Estocolmo, Suécia)]
«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento (UE) n.° 1215/2012 — Competência exclusiva — Processos relativos à validade de patentes — Artigo 24.°, ponto 4 — Âmbito de aplicação — Ação de contrafação — Nulidade das patentes, pretensamente contrafeitas, suscitada por via de exceção — Consequências quanto à competência do tribunal chamado a pronunciar‑se sobre a ação de contrafação — Patente registada num país terceiro — “Efeito reflexo” do artigo 24.°, ponto 4»
I. Introdução
1. O presente pedido de decisão prejudicial do Svea hovrätt (Tribunal de Recurso de Svea, Estocolmo, Suécia) tem por objeto a interpretação do Regulamento (UE) n.° 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (2).
2. Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em primeiro lugar, sobre a competência dos tribunais dos Estados‑Membros da União, ao abrigo deste regulamento, para conhecer das ações de contrafação de patentes registadas noutros Estados‑Membros, nomeadamente quando a validade das patentes, pretensamente contrafeitas, é contestada pela parte contrária. Como explicarei nas presentes conclusões, existe uma incerteza significativa quanto a esta questão devido, nomeadamente, a uma decisão ambígua proferida pelo Tribunal de Justiça há algum tempo, a saber, o Acórdão GAT (3). O presente reenvio prejudicial dá ao Tribunal de Justiça a oportunidade de confirmar uma das múltiplas leituras possíveis desta decisão.
3. Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça é convidado a esclarecer se os tribunais dos Estados‑Membros são competentes para conhecer dos litígios relativos à validade de patentes registadas em países terceiros. A este respeito, o Tribunal de Justiça deverá abordar a delicada questão de longa data de saber se determinadas normas do Regulamento Bruxelas I‑A se aplicam a situações «externas» na mesma forma que se aplicam aos conflitos de competência «internos à União», ou se têm um «efeito reflexo», conforme será explicitado nas presentes conclusões.
II. Quadro jurídico
A. Direito internacional
4. A Convenção de Munique sobre a Patente Europeia, assinada em Munique em 5 de outubro de 1973 e que entrou em vigor em 7 de outubro de 1977, na sua versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «CPE»), estabelece, nos termos do seu artigo 1.°, um «direito comum aos Estados Contratantes em matéria de concessão de patentes de invenção».
5. O artigo 2.°, n.° 2 da CPE prevê que «[e]m cada um dos Estados Contratantes para os quais é concedida, a patente europeia tem os mesmos efeitos e é submetida ao mesmo regime que uma patente nacional concedida nesse Estado [...]».
B. Regulamento Bruxelas I‑A
6. O artigo 4.°, n.° 1 do Regulamento Bruxelas I‑A estatui que «[s]em prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado‑Membro».
7. O artigo 24.° deste regulamento, sob a epígrafe «Competências exclusivas», prevê, no seu n.° 4:
«Têm competência exclusiva os seguintes tribunais de um Estado‑Membro, independentemente do domicílio das partes:
[...]
4) em matéria de registo ou validade de patentes [...], independentemente de a questão ser suscitada por via de ação ou por via de exceção, os tribunais do Estado‑Membro onde o depósito ou o registo tiver sido requerido [ou] efetuado [...]
Sem prejuízo da competência do Instituto Europeu de Patentes, nos termos da [CPE], os tribunais de cada Estado‑Membro são os únicos competentes em matéria de registo ou de validade das patentes europeias emitidas para esse Estado‑Membro.»
C. Direito sueco
8. O § 61, segundo parágrafo, da Patentlagen (1967:837) (Lei Relativa às Patentes) prevê que, «[q]uando é intentada uma ação de contrafação de patente e a pessoa contra a qual a ação é intentada argui a nulidade da patente, a questão da nulidade só pode ser apreciada após a propositura de uma ação para o efeito. O tribunal ordenará à parte que argui a nulidade da patente que intente a referida ação dentro de um determinado prazo».
III. Matéria de facto, tramitação processual nacional, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça
9. A BSH Hausgeräte GmbH (a seguir «BSH») é a titular da patente europeia EP 1 434 512, que protege uma invenção relacionada com aspiradores, concedida (e, por conseguinte, validada) na Áustria, Alemanha, Espanha, França, Grécia, Itália, Países Baixos, Reino Unido, Suécia e Turquia.
10. Em 3 de fevereiro de 2020, a BSH intentou uma ação contra a Aktiebolaget Electrolux (a seguir «Electrolux»), sociedade registada na Suécia, no Patent‑och marknadsdomstolen (Tribunal da Propriedade Intelectual e do Comércio, Suécia). Esta ação baseia‑se na pretensa contrafação pela Electrolux da patente EP 1 434 512 nos diferentes Estados para os quais havia sido concedida. Neste contexto, a BSH pede, inter alia, que a Electrolux seja proibida de utilizar a invenção patenteada em todos esses Estados e condenada no pagamento de uma indemnização por danos causados por essa utilização ilícita.
11. Na sua contestação, a Electrolux alegou que o Patent‑och marknadsdomstolen (Tribunal da Propriedade Intelectual e do Comércio) deveria julgar improcedente esta ação em relação às partes alemã, austríaca, britânica, espanhola, francesa, grega, italiana, neerlandesa e turca da EP 1 434 512 (a seguir «patentes estrangeiras»). A este respeito, a Electrolux invocou, inter alia, a nulidade das patentes estrangeiras.
12. Além disso, a Electrolux alegou que, à luz deste meio de defesa, os tribunais suecos não são competentes para conhecer e decidir sobre a ação de contrafação no que diz respeito às patentes estrangeiras. A este respeito, a ação de contrafação deve ser considerada uma ação «em matéria de [...] validade de patentes», na aceção do artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A e, ao abrigo desta disposição, os tribunais dos diferentes Estados‑Membros, nos quais as patentes foram validadas, são exclusivamente competentes para conhecer da ação no que respeita às «respetivas» patentes em causa.
13. Na sua resposta, a BSH alegou que os tribunais suecos são competentes para conhecer da ação de contrafação ao abrigo do artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A, uma vez que a Electrolux está domiciliada na Suécia. O artigo 24.°, ponto 4, deste regulamento não é aplicável, uma vez que a ação intentada pela BSH não é, em si mesma, uma ação «em matéria de [...] validade de patentes», na aceção desta disposição. Além disso, por força do § 61, segundo parágrafo, do Patentlagen, quando o demandado argui, no âmbito de tal ação de contrafação, a nulidade da patente, o tribunal onde foi intentada a ação deve ordenar‑lhe que, para o efeito, intente uma ação distinta nos tribunais competentes. Neste caso, a Electrolux deve, por conseguinte, intentar uma ação de declaração de nulidade distinta nos tribunais dos diferentes Estados para os quais as patentes estrangeiras foram concedidas. Paralelamente, o Patent‑och marknadsdomstolen (Tribunal da Propriedade Intelectual e do Comércio) pode tomar uma decisão provisória quanto à questão da contrafação e, em seguida, suspender a instância enquanto se aguarda uma decisão definitiva no processo de declaração de nulidade. Por último, no que respeita à parte turca da patente EP 1 434 512, a BSH alegou que o artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A não é, em qualquer caso, aplicável a patentes concedidas por países terceiros e, por conseguinte, não pode ter nenhum impacto na competência dos tribunais suecos.
14. Por Decisão de 21 de dezembro de 2020, o Patent‑och marknadsdomstolen (Tribunal da Propriedade Intelectual e do Comércio) julgou improcedente a ação relativa à contrafação de patentes estrangeiras. Embora, no momento da propositura da ação inicial, os tribunais suecos fossem competentes para conhecer da ação nos termos do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento Bruxelas I‑A, o artigo 24.°, ponto 4, deste regulamento tornou‑se aplicável quando a Electrolux arguiu a nulidade daquelas patentes por via de exceção. Por força desta disposição, os tribunais de outros Estados têm competência exclusiva para apreciar a questão da validade e, sendo esta questão crucial para decidir sobre a ação de contrafação intentada pela BSH, o tribunal nacional declarou‑se incompetente para conhecer do processo no que respeita às patentes estrangeiras. Aquele tribunal também se declarou incompetente no que respeita à patente turca por considerar que o artigo 24.°, ponto 4, acolhe um princípio de competência internacionalmente aceite segundo o qual apenas os tribunais do Estado que concedeu a patente podem decidir sobre a respetiva validade.
15. Subsequentemente, a BSH interpôs recurso desta decisão no Svea hovrätt (Tribunal de Recurso de Svea, Estocolmo), através do qual sustentou que o artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A não é aplicável a ações de contrafação de patentes. No entanto, uma vez que a Electrolux invoca a nulidade como meio de defesa, a competência é dividida: os tribunais suecos têm competência para decidirem em matéria de contrafação, nos termos do artigo 4.°, n.° 1, enquanto a questão de validade deverá ser decidida pelos tribunais dos Estados de registo, nos termos do artigo 24.°, ponto 4. Os tribunais suecos também são competentes no que respeita à patente turca ao abrigo do artigo 4.°, n.° 1, deste regulamento. Com efeito, a competência do Estado do domicílio do demandado é um princípio reconhecido em direito internacional. A Electrolux sustentou, por seu turno, que o artigo 24.°, ponto 4, é aplicável à ação de contrafação quando a nulidade é suscitada por via de exceção. Os tribunais suecos não são competentes para conhecer da ação no seu todo uma vez que as questões de contrafação e de validade não são dissociáveis.
16. Foi nestas condições que o Svea hovrätt (Tribunal de Recurso de Svea, Estocolmo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1. Deve o artigo 24.°, ponto 4, do [Regulamento Bruxelas I‑A] ser interpretado no sentido de que a expressão “em matéria de registo ou validade de patentes [...] independentemente de a questão ser suscitada por via de ação ou por via de exceção” significa que um tribunal nacional, que, nos termos do artigo 4.°, n.° 1, do referido regulamento, declarou ser competente para apreciar um litígio em matéria de contrafação de uma patente, deixa de ter competência para apreciar a questão da contrafação quando é arguida, por via de exceção, a nulidade da patente em causa, ou deve a disposição ser interpretada no sentido de que o tribunal nacional apenas não tem competência para apreciar a nulidade?
2. É relevante para a resposta à primeira questão o facto de a legislação nacional incluir disposições semelhantes às previstas no segundo parágrafo do § 61 da [Patentlagen], o que significa que, para uma nulidade arguida por via de exceção num processo em matéria de contrafação ser apreciada, o demandado deve intentar uma ação distinta para obter uma declaração de nulidade?
3) Deve o artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I[‑A] ser interpretado no sentido de que é aplicável a um tribunal de um país terceiro, ou seja, no presente processo, no sentido de que também atribui competência exclusiva a um tribunal da Turquia no que respeita à parte da patente europeia validada nesse país?»
17. O presente pedido de decisão prejudicial, de 24 de maio de 2022, foi apresentado no mesmo dia. A BSH, a Electrolux, o Governo Francês e a Comissão Europeia, que estiveram representados na audiência teve lugar no dia 22 de junho de 2023, apresentaram observações escritas.
IV. Análise
18. O presente processo diz respeito à competência dos tribunais dos Estados‑Membros para conhecerem das ações de contrafação de patentes europeias pretensamente cometidas em vários Estados. Antes de decompor as questões submetidas ao Tribunal de Justiça, considero oportuno facultar ao leitor, que pode não conhecer as dificuldades deste domínio complexo do direito, uma visão geral do direito substantivo e das regras de competência jurisdicional pertinentes.
19. De um modo geral, as patentes são direitos de propriedade intelectual concedidos pelos Estados na sequência de processos de registo efetuados pelos serviços nacionais de patentes, em conformidade com os pressupostos da concessão (ou da «patenteabilidade») previstos no respetivo direito nacional. Tais patentes atribuem ao seu titular determinados direitos exclusivos sobre a invenção patenteada (essencialmente um monopólio comercial), cujo alcance é definido por esta lei. Dado que, em princípio, um Estado apenas tem o poder soberano de regulamentar o comércio no seu território, a proteção conferida é, deste modo, circunscrita (conceito geralmente designado por princípio da territorialidade das patentes). O inconveniente deste sistema reside no facto de uma pessoa que procure proteger uma mesma invenção em vários Estados ter de requerer a concessão de patente em todos esses Estados, individualmente.
20. A CPE foi adotada para encontrar uma solução (parcial, como se verá) para este inconveniente. Este tratado, que vincula 39 Estados Contratantes, entre as quais os Estados‑Membros e a Turquia, instituiu um sistema autónomo de concessão de patentes europeias através de um processo de registo centralizado no Instituto Europeu de Patentes (a seguir «IEP»), estabelecido em Munique (4). A este respeito, estabelece, inter alia, pressupostos uniformes em matéria de patenteabilidade. O IEP está encarregado de apreciar os requisitos de concessão de patentes europeias à luz destes pressupostos (5). Quando estão verificados os pressupostos, o IEP concede uma patente europeia para um, para vários ou para todos os Estados Contratantes, de acordo com a escolha do requerente (6). No processo principal, através deste procedimento, a BSH obteve a patente EP 1 434 512, que foi concedida para vários Estados‑Membros e para a Turquia.
21. Dito isto, apesar do que parece implicar a sua denominação, uma patente europeia não é um título unitário que assegura uma proteção uniforme da invenção em causa nos Estados para os quais foi concedida. Com efeito, uma patente europeia consubstancia‑se no agrupamento de «partes» nacionais equiparadas a patentes concedidas pelos Estados em questão. Deve, portanto, ser «validada» pelos respetivos serviços de patentes desses Estados. Enquanto tais, as «partes» nacionais de uma patente europeia são juridicamente independentes umas das outras. Cada um dessas «partes» confere ao titular da patente o mesmo direito exclusivo sobre a invenção patenteada que uma patente nacional «ordinária» (7) e está, do mesmo modo, limitada ao território nacional. Além disso, em princípio (8), uma patente europeia só pode ser revogada «parte» por «parte», uma vez que a revogação de uma «parte» apenas produz efeitos relativamente ao território do Estado correspondente (9).
22. Por conseguinte, quando uma dada invenção é protegida por uma patente europeia, a utilização não autorizada dessa invenção por um terceiro pode, por um lado, ter por consequência violar o monopólio do titular da patente em vários Estados (a saber, aqueles para os quais essa patente foi concedida). No processo principal, a BSH acusa precisamente a Electrolux deste tipo de contrafação de patente «pluriestatal». Por outro lado, uma vez que a patente europeia não é um título unitário, a contrafação transversal em diferentes Estados é considerada, de uma perspetiva legal, como um agrupamento de contrafações de patentes nacionais, cuja contrafação de cada uma das «partes» deverá ser individualmente apreciada à luz da legislação nacional que lhe é aplicável (10). Com efeito, a ação da BSH contra a Electrolux constitui um agrupamento de ações de contrafação que recaem sobre as diferentes «partes» da patente EP 1 434 512.
23. Os litígios sobre patentes europeias, incluindo ações de contrafação, são da competência das partes contratantes e dos respetivos tribunais nacionais (11). No que diz respeito aos litígios transfronteiriços, a CPE também não reparte a competência entre esses tribunais (12). Esta questão deve ser decidida à luz das regras de direito internacional privado aplicadas pelos tribunais dessas partes contratantes.
24. Nos Estados‑Membros da União Europeia, a competência relativamente a litígios transfronteiriços em matéria de patentes entre particulares é determinada pelas disposições do Regulamento Bruxelas I‑A (13) quando o demandado, tal como a Electrolux, tem domicílio nesse Estado‑Membro.
25. O regime de competência previsto neste instrumento (e nos que o precederam) (14) (a seguir «Regime de Bruxelas») funciona, para esses litígios, de acordo com a seguinte dicotomia.
26. Por um lado, os litígios «em matéria de registo ou validade de patentes» são regulados por uma norma especial estabelecida pelo artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A que atribui competência exclusiva aos tribunais do Estado‑Membro que concedeu a patente em causa (a seguir «Estado de registo»). Quando está em causa o registo ou a validade de uma patente europeia, os tribunais dos diferentes Estados‑Membros para os quais essa patente foi concedida têm competência exclusiva no que respeita à sua «parte» nacional (15). Esta regra é imperativa, ou seja, as partes não podem afastar‑se dela mediante acordo (16). Além disso, quando as partes em litígio apresentam o seu pedido perante um tribunal «errado» este é obrigado, por força do artigo 27.° deste regulamento, a declarar‑se oficiosamente incompetente (17).
27. Por outro lado, todos os outros processos relativos às patentes são regidos pelas disposições gerais do mesmo regulamento. Tal inclui, em princípio, as ações de contrafação, uma vez que estas «dizem respeito» não ao registo ou à validade das patentes, mas à sua execução (18). Estas regras oferecem às partes em litígio uma margem quanto à competência jurisdicional.
28. Embora os tribunais do Estado de registo tenham competência quanto às ações de contrafação nos termos do artigo 7.°, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I‑A (19), esta competência não é exclusiva mas facultativa. Tal ação pode, portanto, ser instaurada noutros tribunais. Em especial, o titular da patente pode instaurar a ação nos tribunais do Estado‑Membro do domicílio do demandado, por força do artigo 4.°, n.° 1, deste regulamento. Em caso de contrafação «pluriestatal» de uma patente europeia, o titular de uma patente tem um evidente interesse em fazê‑lo.
29. Com efeito, a competência dos tribunais do Estado‑Membro de registo é territorialmente limitada, nos termos do artigo 7.°, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I‑A. Em conformidade com o n.° 22, supra, os tribunais de cada Estado para o qual tenha sido concedida uma patente europeia só se podem pronunciar quanto à «parte» e ao território nacional em causa (20). Consequentemente, o titular da patente, que procura obter uma reparação completa, deve interpor um processo distinto em todos esses Estados.
30. Pelo contrário, a competência dos tribunais do Estado‑Membro do domicílio do demandado, nos termos do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento de Bruxelas I‑A, é universal. Assim, pode estender‑se à contrafação da patente europeia em todos os Estados para os quais foi concedida (21). Esses tribunais podem conceder uma indemnização pelos danos totais sofridos pelo titular da patente ou proferir um despacho de medidas provisórias que proíba a prossecução da contrafação em todos esses Estados. Em resumo, esta disposição permite ao titular da patente consolidar todos os seus pedidos de contrafação e obter uma reparação global, num único foro. No caso em apreço, a BSH fez uso desta opção e intentou a ação, no seu todo, contra a Electrolux no tribunal de patentes competente na Suécia, onde esta última está domiciliada.
31. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à questão de saber se essa consolidação é, efetivamente, possível no processo principal e, sendo caso disso, em que termos. Estas dúvidas resultam do facto de a Electrolux ter invocado, como meio de defesa contra as pretensões da BSH, a nulidade das diferentes «partes» da patente EP 1 434 512 em que assentam esses pedidos (22). À luz desta defesa, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre se, e em que termos, o artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A é aplicável e «prevalece» sobre o artigo 4.°, n.° 1, do mesmo regulamento. Nos termos do artigo 24.°, ponto 4, esses tribunais têm competência exclusiva em relação apenas à «parte» sueca, enquanto outros tribunais têm competência exclusiva no que diz respeito às «partes» estrangeiras. A consolidação dos processos num único foro não seria possível e a respetiva fragmentação seria, pelo contrário, inevitável.
32. Em particular, a primeira e a segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio, que importa apreciar em conjunto, visam saber se a ação de contrafação é abrangida pelo artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A quando a validade da patente em causa é suscitada por via de exceção. Se for esse o caso, esse tribunal interroga‑se sobre se, no caso vertente, esta disposição o priva da sua competência (no que respeita às «partes» estrangeiras da patente EP 1 434 512) para conhecer e decidir, de maneira geral, sobre a ação de contrafação ou apenas da questão de validade. Irei analisar esta questão na secção A das presentes conclusões.
33. Admitindo que o Tribunal de Justiça responde às primeiras duas questões no sentido de que o artigo 24.°, ponto 4, é relevante em situações idênticas como as do processo principal, a terceira questão, visa saber se também é aplicável no que respeita à validade da «parte» turca da patente EP 1 434 512. Irei analisar esta questão na secção B das presentes conclusões.
A. Âmbito de aplicação material do artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A (primeira e segunda questões)
34. Como acima mencionado, o âmbito de aplicação do artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A parece ser claro. Nos termos desta disposição, a competência exclusiva dos tribunais do Estado de registo apenas abrange os litígios «em matéria de [...] validade de patentes» e não «em matéria» das demais questões relativas às patentes, incluindo a contrafação.
35. De facto, a ambiguidade encontra‑se oculta nestes termos. Esta dicotomia é na prática, por vezes, pouco clara. Com efeito, embora a validade das patentes possa ser objeto de ações específicas (de revogação ou de anulação), a invalidade de uma patente pode, também, ser suscitada como meio de defesa contra, nomeadamente, ações de contrafação. Ao fazê‑lo, o pretenso contrafator procura obter o indeferimento desses pedidos viciando o título sobre o qual estes assentam (23). A Electrolux invocou esse meio de defesa no processo principal.
36. A competência exclusiva dos tribunais do Estado de registo relativo à primeira categoria de ações é um facto assente. Em contrapartida, a questão de saber se, e em que termos, também o são na segunda hipótese é objeto de um debate de longa data.
37. Os tribunais dos Estados‑Membros têm sido confrontados com esta questão desde o início dos anos 90, quando os titulares de patentes começaram a utilizar corretamente as possibilidades de consolidar os seus pedidos de contrafação ao abrigo das regras gerais do Regime de Bruxelas. A redação inicial da disposição controvertida de competência exclusiva, tal como figurava (à data) no artigo 16.°, n.° 4, da Convenção de Bruxelas, não auxiliava à interpretação na matéria. Estes tribunais propuseram três abordagens principais:
– Primeiro, alguns tribunais, nomeadamente na Alemanha, consideraram que a regra de competência exclusiva em causa não se aplica quando a nulidade é suscitada como meio de defesa no âmbito de uma ação de contrafação. Os tribunais situados fora do Estado do registo poderiam, por força das regras gerais da convenção, conhecer desses litígios e, nesse âmbito, decidir sobre a validade da(s) patente(s).
– Segundo, outros tribunais, nomeadamente no Reino Unido, consideraram que, quando é suscitada uma exceção de invalidade, a ação de contrafação passa a ser uma ação «em matéria de [...] validade de patentes» e, por conseguinte, são da competência exclusiva dos tribunais do(s) Estado(s)‑Membros de registo.
– Terceiro, um último grupo de tribunais, incluindo os dos Países Baixos, considerou que a disposição controvertida era aplicável quando a nulidade é suscitada como meio de defesa numa ação de contrafação, mas de forma um pouco sofisticada, ou seja, apenas se considerava que a questão de validade é da competência exclusiva dos tribunais do Estado de registo, podendo os demais tribunais decidir sobre a questão da contrafação (24).
38. Em 2006, o Tribunal de Justiça entrou no debate com Acórdão GAT. Cabe observar, que este processo não era relativo a uma ação de contrafação per se, mas a uma ação intentada por uma empresa com vista a obter uma declaração pelos tribunais alemães de não contrafação de duas patentes francesas detidas por uma empresa alemã («declaração negativa»), inter alia, com fundamento na nulidade dessas patentes. Os tribunais alemães suspeitaram que o artigo 16.°, n.° 4, da Convenção de Bruxelas poderia ser relevante e submeteram uma questão, naquele sentido, ao Tribunal de Justiça. Não obstante, o Tribunal de Justiça não deu uma resposta especialmente adaptada às particularidades do caso. Pelo contrário, pronunciou‑se de maneira geral no sentido de que a norma de competência exclusiva nos termos (à data) daquela disposição «abrange todos os litígios relativos à [...] validade de uma patente, quer a questão seja suscitada por via de ação quer por via de exceção» (25). Contrariamente ao que sustenta a BSH, esta resposta é suficientemente geral para abranger, inter alia, a hipótese de uma ação de contrafação no âmbito da qual foi suscitada a nulidade por via de exceção. A referência a «por via de exceção» foi intencionalmente acrescentada para esse efeito (26).
39. Alguns anos mais tarde, o legislador codificou [a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça] no Acórdão GAT no artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A especificando, na redação desta disposição, que a competência exclusiva dos tribunais do Estado de registo abrange as ações em matéria de validade de patentes «independentemente de a questão ser suscitada por via de ação ou por via de exceção».
40. No entanto, o mínimo que podemos dizer é que não logrou nenhuma clarificação sobre a questão. Com efeito, a resposta dada no Acórdão GAT (e agora no artigo 24.°, ponto 4) à questão em análise na presente secção levantou mais questões do que as que resolveu. De facto, enquanto a resposta dada deu um golpe fatal e injustificado na primeira abordagem acima elencada (1), o Tribunal de Justiça (e o legislador da União) deixou os tribunais nacionais e as partes em litígio debaterem sobre a questão de saber se, em lugar da primeira abordagem, seria correta aplicar a segunda ou a terceira abordagem (2).
1. Acórdão injustificado no processo GAT
41. Geralmente, quando um único processo diz respeito a duas matérias distintas (como, no caso vertente, a contrafação e a validade), que são abrangidas por normas de competência que se excluem mutuamente (no caso vertente, as regras gerais em matéria de contrafação; o artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A com respeito à validade da patente), o Tribunal de Justiça segue certos princípios pragmáticos para determinar qual o tribunal ou quais os tribunais competente(s) para conhecer(em) e decidir(em) sobre essas matérias.
42. Primeiro, para determinar quais as regras de competência aplicáveis, tal processo deve ser qualificado em função do objeto principal da ação intentada pelo demandante e qualquer questão prévia (ou incidental) que possa ser suscitada de outra forma, nomeadamente por via de exceção, deve ser afastada (27).
43. Segundo, o foro designado pelas disposições de competência aplicáveis é competente para conhecer de todo o processo, ou seja, não apenas da ação, mas também da defesa, mesmo se esta última diga respeito a uma matéria, geralmente, reservada a um juiz diferente (28). De facto, numa perspetiva processual, essa defesa faz parte integrante da ação e segue, logicamente, o tratamento, em termos de competência, aplicado a esta última.
44. Se o Tribunal de Justiça tivesse seguido estes princípios no Acórdão GAT, teria adotado a primeira abordagem, conforme referida no n.° 36, supra. Com efeito, tratando‑se de uma ação de contrafação no âmbito da qual foi suscitada a nulidade por via de exceção o objeto principal da ação é, simplesmente, a contrafação. Em contrapartida, a questão de validade é um exemplo primordial de uma questão prejudicial. Considerando que uma patente inválida não pode ser objeto de contrafação, o juiz deve, em primeiro lugar, decidir sobre a validade do título em que o demandante se baseia a fim de, em seguida, decidir sobre a questão principal de saber se os atos do demandado violam os direitos conferidos pelo título em questão. Segundo estes princípios, tal processo deveria ter sido regulado, à luz desse objeto e independentemente desse fundamento de defesa, pelas disposições gerais (à data) previstas na Convenção de Bruxelas. Além disso, os tribunais designados competentes para conhecerem e decidirem sobre a ação de contrafação ao abrigo dessas regras gerais, em especial os tribunais do Estado‑Membro do domicílio do demandado, também deveriam ser competentes para conhecer dessa defesa.
45. Evidentemente, tal não foi a abordagem do Tribunal de Justiça no Acórdão GAT. Em vez disso considerou que a competência exclusiva «em matéria de [...] validade de patentes» é aplicável mesmo quando a questão é suscitada simplesmente por via de exceção. Ao fazê‑lo, o Tribunal de Justiça adotou uma interpretação que, tanto quanto sei, é única no Regime de Bruxelas. Com efeito, esta solução afasta‑se mesmo da interpretação que o Tribunal de Justiça adotou, até à data, ao abrigo das demais regras de competência exclusiva (atualmente) previstas no artigo 24.° do Regulamento Bruxelas I‑A. Segundo os princípios acima analisados, o Tribunal de Justiça considera que estas demais regras se aplicam quando uma questão aí referida constitui apenas o objeto do pedido (29). Em várias versões linguísticas (mas infelizmente não todas) do regulamento, esta abordagem decorre da própria letra desta disposição (30). Além disso, no Acórdão BVG, proferido alguns anos após o Acórdão GAT, o Tribunal de Justiça considerou que a regra de competência exclusiva em matéria de validade de sociedades ou das decisões dos seus órgãos (atualmente prevista no artigo 24.°, ponto 2, do referido regulamento) não se aplica aos processos em que tal questão tenha sido suscitada por via de exceção (31).
46. As particulares implicações da interpretação adotada no Acórdão GAT são incertas, como acima referido, e serão analisadas na secção 2, infra. Para efeitos do presente processo, certo é que, contrariamente ao que sustenta a BSH, quando a ação de contrafação é intentada fora do Estado‑Membro de registo e é suscitada a nulidade por via de exceção esses tribunais não estão autorizados a decidirem, a título preliminar, sobre a validade das patentes em causa.
47. Dito isto, infelizmente, na minha opinião, o raciocínio bastante sucinto do Tribunal de Justiça no Acórdão GAT não oferece uma justificação convincente para esta solução.
48. O primeiro argumento apresentado pelo Tribunal de Justiça diz respeito à «posição [que esta regra de competência exclusiva] ocupa no sistema da [Convenção de Bruxelas]» (ou seja, ao seu primado sobre as regras gerais de competência) e ao seu «caráter imperativo» (32). Tal argumento não me convence (33). De facto, esses elementos mais facilmente apoiam a interpretação contrária.
49. As regras de competência exclusiva são exceções ao Regime de Bruxelas. Enquanto tais, devem ser objeto de interpretação restritiva (34). De facto, só devem aplicar‑se «nalgumas situações bem definidas» (35). Além disso, como o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão BVG, uma interpretação restrita dessas regras «impõe‑se ainda mais» porque têm primazia sobre as regras gerais e revestem caráter imperativo (36). Quando o artigo 24.°, ponto 4, é aplicável, priva os demandantes da escolha do foro, que de outro modo seria o seu, e pode resultar no facto de a ação ser intentada fora do Estado‑Membro do seu domicílio, onde estariam, normalmente, numa melhor posição para se defenderem.
50. Em contrapartida, a interpretação adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão GAT só pode ser qualificada de «extensiva» (37). É certo que a validade das patentes é, em si mesma, uma questão «bem determinada». No entanto, pode ser suscitada numa vasta gama «indevidamente determinada» de ações relativas a outras matérias (38).
51. Os dois outros fundamentos apresentados pelo Tribunal de Justiça no Acórdão GAT dizem respeito ao objetivo geral de segurança jurídica prosseguido pelo Regime de Bruxelas (39). Em substância, o Tribunal de Justiça explicou que se a regra controvertida de competência exclusiva não se aplicasse quando a questão de validade das patentes fosse suscitada por via de exceção no âmbito de uma ação de contrafação (e assim por diante) e os tribunais situados fora do Estado de registo, chamados a conhecer dessa ação, estivessem autorizados a decidirem sobre essa questão prévia, «conduziria a uma multiplicação» do número de tribunais que poderiam decidir sobre essa questão. Por sua vez, isso seria suscetível de «afetar a previsibilidade das regras de competência» e «multiplicaria [...] o risco de decisões contraditórias» na matéria, o que prejudicaria a segurança jurídica (40).
52. Também estes argumentos não me convencem. Quando se «tem uma visão de conjunto», estes elementos, mais uma vez, facilmente apoiam a interpretação contrária. Reconhecidamente, de um ponto de vista, a solução adotada no Acórdão GAT impede tribunais diferentes de adotarem pontos de vista contraditórios sobre a validade de uma patente. Quanto a este aspeto, contribui para a segurança jurídica. No entanto, numa outra perspetiva, o Acórdão GAT tem potencial para tornar precário o funcionamento do Regime de Bruxelas, no que respeita às ações de contrafação, para os titulares de patentes.
53. Enquanto esse regime permite, normalmente, ao titular de uma patente intentar essa ação fora do Estado de registo, inter alia, nos tribunais do Estado‑Membro do demandado, a solução adotada no Acórdão GAT cria uma incerteza quanto à questão de saber se esses tribunais poderiam conceder uma reparação contra a contrafação ou, pelo menos, fazê‑lo num prazo razoável. Com efeito, se uma exceção de invalidade fosse suscitada pelo pretenso contrafator em qualquer momento do processo, esses tribunais não estariam em condições de, simplesmente, decidirem sobre esse meio de defesa e prosseguirem a ação, mas, em função da interpretação dada a esta solução, perderiam a sua competência e deveriam pôr termo ou suspender a instância até que os tribunais dos Estados‑Membros de registo decidissem sobre a validade da patente (v., além disso, a secção 2, infra).
54. Seja qual for a interpretação correta, o Acórdão GAT faz da consolidação das ações de contrafação relativas às diferentes «partes» da patente europeia nesses tribunais uma opção pouco atrativa. Este acórdão incentiva os titulares de patentes a intentarem processos distintos nos diferentes Estados de registo dessas «partes», uma vez que, pelo menos, é certo que os tribunais desses Estados são competentes para decidir tanto em matéria de contrafação como em matéria de validade da «sua parte» (conforme explicado nos n.os 26, 28 e 29, supra). Isso cria, por sua vez, um risco de diferentes tribunais adotarem posturas contraditórias sobre o mesmo litígio de contrafação.
55. Uma tal incerteza e/ou complexidade no que respeita à proteção de patentes é indesejável, considerando que a propriedade intelectual é um direito fundamental protegido, inter alia, nos termos do artigo 17.°, n.° 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). Nos termos desta disposição, os titulares de patentes beneficiam de um «elevado nível» de proteção dos seus direitos de propriedade industrial na União. A possibilidade de intentar uma ação cível rápida e de obter uma reparação em caso de contrafação é, a este respeito, indispensável. Tal é, também, exigido pelo direito fundamental à ação, garantido no artigo 47.° da Carta. Em relação ao que precede, relembro que o artigo 41.°, n.° 2, do Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (a seguir «Acordo ADPIC») (também conhecido por acordo TRIPs) (41) prevê que «os procedimentos relativos à aplicação de normas de proteção dos direitos de propriedade intelectual [...] não serão desnecessariamente complicados ou onerosos, nem comportarão [...] atrasos indevidos». Na minha opinião, também diz respeito ao funcionamento das regras de competência internacional relevantes.
56. Em qualquer caso, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça relativa à interpretação das regras de competência exclusiva do Regime de Bruxelas (42), a única questão a que o Tribunal de Justiça devia responder no Acórdão GAT (mas que não foi discutida) era saber se a finalidade especificamente prosseguida pela regra controvertida de competência exclusiva «requer» que a referida regra também se aplique no âmbito de uma ação de contrafação caso a nulidade da patente tenha sido suscitada por via de exceção. Na minha opinião, não foi este o caso.
57. Gostaria, primeiro, de clarificar uma certa confusão sobre o que é essa finalidade. A explicação, normalmente, facultada pelo Tribunal de Justiça a este respeito (e referida «de passagem» por este Tribunal no Acórdão GAT) é que a regra em questão prossegue a finalidade da boa administração de justiça. Em seu entender, os tribunais do Estado de registo estão «em melhor posição» para decidirem sobre os litígios em matéria de registo ou de validade de patentes, em razão da «proximidade material e jurídica» entre esse litígio e esse Estado (43). Contudo, conforme defendo nas presentes conclusões, não é essa a efetiva raison d’être desta regra.
58. É certo que, como exposto nos n.os 19 e 21, supra, uma patente é regulada pelo direito do Estado de registo. Considero relevante o argumento segundo o qual, por exemplo, um juiz alemão está «em melhor posição» para aplicar o direito alemão das patentes (devido à língua, ao conhecimento deste direito, e assim por diante) (44). Além disso, uma vez que uma patente só está protegida no Estado do registo, existe, geralmente, uma proximidade factual entre os litígios relativos a essa patente e o território desta última.
59. Não obstante, estas considerações apenas explicam as razões pelas quais os tribunais do Estado de registo podem conhecer e decidir sobre esses litígios. Justificam, por exemplo, que esses tribunais disponham, ao abrigo do Regime de Bruxelas, de competência para conhecer das ações de contrafação relativas ao seu território (45). Contudo, tais considerações não permitem compreender por que razão, no que diz respeito aos litígios em matéria de registo ou de validade de patentes, esses tribunais devem ser competentes com exclusão de todos os outros (46). Em particular, o direito de patente do Estado de registo não é de tal forma único que apenas os tribunais desse Estado de registo tenham a capacidade de o compreender (47). Ainda que seja difícil para os tribunais de outro Estado‑Membro aplicarem tal direito estrangeiro, são perfeitamente capazes de o fazer. Admitir o contrário equivale a questionar os próprios fundamentos do Regime de Bruxelas (e todo o domínio de direito internacional privado) (48).
60. A efetiva raison d’être da regra controvertida reside no facto de, como referido no relatório Jenard, «a concessão de [...] uma patente ser um exercício de soberania nacional» (49). Com efeito, a única razão imperiosa para prever tal regra de competência exclusiva é o papel (tradicionalmente) desempenhado pelas autoridades estatais na concessão desses direitos de propriedade intelectual, mencionados no n.° 19, supra (50), especificamente, o facto que as administrações nacionais estarem encarregadas de apreciar os pedidos de registo de patentes, de conceder as patentes quando os pressupostos relevantes estão verificados e de as registar em conformidade. Todavia, a solução adotada no Acórdão GAT, já referido, também não era, na minha opinião, «requerida» por esta consideração.
61. De facto, por um lado, quando o processo tem por objeto o registo ou a validade da patente, questiona‑se, pela sua própria natureza, o funcionamento da Administração do Estado de registo (51). O cerne do litígio consiste em saber se a autoridade do Estado competente (serviço de patentes) «trabalhou corretamente». Numa ação de revogação, em particular, um demandante pede, em substância, ao tribunal que fiscalize, em primeiro lugar, se a autoridade concedeu corretamente a patente e, se assim não tiver sido, que declare a nulidade da patente como solução. Tal declaração tem, por natureza, um efeito erga omnes e é, enquanto tal, oponível à autoridade em questão. A decisão proferida pelo juiz pode mesmo intimar esta autoridade a retificar os seus registos em conformidade. É evidente que tais decisões só devem ser proferidas pelos tribunais do Estado de registo. Aplica‑se neste caso o respeito pela soberania dos Estados. Os Estados considerariam inaceitável se os atos das suas autoridades fossem sancionados pelos tribunais de um Estado estrangeiro e estes os instruíssem sobre a forma de gerir os seus registos nacionais (52).
62. Em contrapartida, uma ação de contrafação, em particular, não questiona o funcionamento da Administração do Estado de registo, mesmo na hipótese de ser suscitada a nulidade da patente, pretensamente contrafeita, por via de exceção. Neste caso, esta questão, a título preliminar, é apreciada pelo juiz, mas unicamente com o intuito de resolver a questão da contrafação. A única consequência que daí pode resultar é o tribunal julgar improcedente a ação de contrafação. Com efeito, tal decisão diz respeito aos interesses privados dos particulares e, por conseguinte, de maneira geral, apenas produz efeitos inter partes (53). Não pode interferir com a soberania do Estado de registo, uma vez que não tem efeito sobre a sua administração e não pretende tê‑lo. A validade da patente, do ponto de vista jurídico, não é afetada. Não é dada a esta Administração nenhuma instrução por um tribunal de outro Estado soberano.
2. A correta interpretação do Acórdão GAT
63. Face ao exposto, o Acórdão GAT é, na minha opinião (e de acordo com a maioria da doutrina consultada) (54), uma decisão infeliz. Se a solução aí enunciada assentasse apenas nesse acórdão, aconselharia o Tribunal de Justiça a anulá‑la e a declarar, pelo contrário, que as regras de competência exclusiva em matéria de validade da patente não se aplicam quando uma exceção de invalidade é suscitada no âmbito de uma ação de contrafação, porquanto a decisão proferida pelo tribunal só produz efeitos inter partes (55).
64. Contudo, como acima indicado, o legislador da União codificou esse acórdão no artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A (56). Deste modo, no estado atual do direito da União, o Tribunal de Justiça está «ancorado» na solução que adotou inicialmente. Resta‑lhe optar, a convite do órgão jurisdicional de reenvio, entre duas interpretações possíveis do Acórdão GAT (e respetiva codificação), que correspondem à segunda e terceira abordagens enumeradas no n.° 36, supra.
65. Nos termos da primeira interpretação, defendida pela Electrolux, a qual descrevo como «extensiva», quando é suscitada a nulidade por via de exceção numa ação de contrafação, os tribunais do Estado‑Membro de registo são (ou tornam‑se) exclusivamente competentes nos termos do artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A para decidir sobre o processo. Qualquer outro tribunal deve declarar‑se incompetente nos termos do artigo 27.° deste regulamento.
66. De acordo com a segunda interpretação, defendida pela Comissão, a qual descrevo como «restritiva», quando é suscitada a nulidade por via de exceção numa ação de contrafação, os tribunais do Estado‑Membro de registo têm competência exclusiva nos termos do artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A para decidir apenas quanto à questão de validade. Outros tribunais podem ter (ou conservar) competência, ao abrigo das regras gerais deste regulamento, para decidir quanto à questão da contrafação.
67. O estado atual do direito da União, não faculta indicações claras sobre a questão de saber qual a interpretação correta. Primeiro, embora, como a Electrolux sustenta, a interpretação «extensiva» do dispositivo do Acórdão GAT e da redação do artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A parece ser a mais natural (57), esses elementos também podem ser razoavelmente interpretados de forma «restritiva». Apesar do Tribunal de Justiça ter declarado, nesse acórdão, que a regra controvertida de competência exclusiva «abrange todos os litígios relativos à [...] validade de uma patente», não indicou em que termos. Esta redação é simplesmente ambígua. Segundo, a jurisprudência subsequente do Tribunal de Justiça não acolhe nem uma nem outra interpretação do referido acórdão porquanto contém indicações contraditórias a este respeito. Por um lado, como salienta a Electrolux, o Tribunal de Justiça, aparentemente, subscreveu a interpretação «extensiva» no seu Acórdão BVG (58). Em contrapartida, como sublinha a Comissão, o Tribunal de Justiça, aparentemente, confirmou a interpretação «restritiva» no Acórdão Roche Nederland e o. (59). Por último, o legislador não expressou posição a esse respeito na redação do artigo 24.°, ponto 4, ou num considerando desse regulamento (60).
68. Por conseguinte, para resolver a controvérsia, há que recorrer ao sistema instituído pelo Regulamento Bruxelas I‑A, bem como aos objetivos por este prosseguidos, em geral, e pelo seu artigo 24.°, ponto 4, em particular. À luz destes elementos, o Tribunal de Justiça deve rejeitar a interpretação «extensiva» do Acórdão GAT [secção a)] e, em seu lugar, acolher uma interpretação «restritiva» [secção b)]. Deverá igualmente facultar certas orientações aos tribunais nacionais sobre a forma como esta perspetiva deve ser aplicável [secção c)].
a) Quanto às falhas significativas da interpretação «extensiva»
69. Em primeiro lugar, a interpretação «extensiva» do Acórdão GAT é dificilmente conciliável com o sistema instituído pelo Regulamento Bruxelas I‑A. No âmbito deste sistema, como quiseram os seus redatores, a competência exclusiva dos tribunais do Estado de registo é uma exceção, circunscrita «em matéria de registo ou de validade de patentes», enquanto as ações de contrafação, e os restantes litígios em matéria de patentes, podem, normalmente, ser intentadas noutros tribunais.
70. No entanto, se o Acórdão GAT fosse entendido no sentido sugerido pela Electrolux, a exceção tornar‑se‑ia, de facto, a regra, como salienta a Comissão. Considerando que são frequentemente suscitadas exceções de invalidade no âmbito de uma ação de contrafação, tal ação passaria, reiteradamente, a ser da competência exclusiva dos tribunais do Estado de registo. A aplicação das regras gerais de competência, bem como as opções que atribuem aos titulares de patentes, seriam limitadas aos casos nos quais esse incidente não fosse suscitado.
71. Segundo, contrariamente ao que sustenta a Electrolux, uma vez que a qualificação de uma ação de contrafação e, consequentemente, as regras de competência aplicáveis dependem da questão de saber se é ou não suscitada uma exceção de invalidade (em contradição com o princípio enunciado no n.° 42, supra), a interpretação «extensiva» do Acórdão GAT comprometeria a previsibilidade e a segurança jurídica da competência que prossegue o Regulamento Bruxelas I‑A (61).
72. Com efeito, para que a competência em matéria de contrafação seja previsível, os titulares de patentes devem poder facilmente identificar o tribunal no qual podem intentar essa ação. Contudo, segundo a interpretação «extensiva» do Acórdão GAT, ser‑lhes‑ia difícil determinar previamente se tal processo é da competência exclusiva do Estado de registo ou pode ser intentado noutros tribunais, uma vez que estes não têm qualquer forma de garantir qual a estratégia de defesa que o pretenso contrafator irá adotar (62).
73. Além disso, se o titular da patente pudesse optar por intentar uma ação fora do Estado de registo, por exemplo, nos tribunais do Estado‑Membro do domicílio do pretenso contrafator, a competência desses tribunais seria precária. Com efeito, estes tribunais deixariam de ser competentes se o pretenso contrafator suscitasse uma exceção de invalidade. Estes tribunais teriam de se declarar incompetentes para continuar a conhecer do processo (63). Se, segundo as regras processuais do foro, tal meio de defesa pode ser suscitado não só no início do processo, mas também em fases subsequentes, incluindo em sede de recurso, um processo que prossegue durante meses, ou mesmo anos, pode repentinamente encontrar‑se num impasse. O pretenso contrafator poderia também escolher de forma estratégica o momento para suscitar essa defesa e, de facto, «sabotar» o processo. Conforme observam a BSH e a Comissão, as consequências para o titular da patente seriam dramáticas. Com efeito, no estado atual do direito, não existe nenhuma possibilidade, nos termos do Regulamento Bruxelas I‑A, de os tribunais de um Estado‑Membro remeterem um processo ao tribunal de outro Estado‑Membro. Os tribunais inicialmente chamados a pronunciar‑se só poderiam pôr termo à instância, fazendo recair sobre o demandante o ónus de intentar uma nova ação no Estado de registo.
74. Para agravar ainda mais a situação, poderá já não ser possível ao titular da patente intentar uma nova ação. De facto, o prazo de prescrição aplicável a uma ação de contrafação pode já ter, entretanto, expirado. Com efeito, o titular da patente ficaria privado, sem qualquer culpa da sua parte, da possibilidade de recurso contra a violação dos seus direitos de propriedade intelectual. Tal resultado seria contrário ao artigo 17.°, n.° 2, e ao artigo 47.° da Carta, bem como ao artigo 41.°, n.° 2, do Acordo ADPIC.
75. Mesmo que ainda fosse possível ao titular da patente intentar uma nova ação, em caso de contrafação «pluriestatal» de uma patente europeia, este seria obrigado a intentar uma ação de contrafação em todos os Estados em causa a fim de obter uma reparação global (64). Não seria possível consolidar os pedidos num único foro. Um número significativo de tribunais poderiam intervir no que é, em substância, o mesmo litígio, o que aumentaria o risco de decisões contraditórias mencionado no n.° 54, supra.
76. Por último, contrariamente ao que sustenta a Electrolux, a interpretação «extensiva» do Acórdão GAT vai além do que é «requerido» pela finalidade específica do artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A, a saber, conforme explicado nos n.os 60 e 61, supra, assegurar a primazia da soberania do Estado de registo. Mesmo se entendido em sentido amplo, só é possível, esta finalidade «requerer» (quando a nulidade é suscitada por via de exceção no âmbito de uma ação de contrafação) que os tribunais desse Estado sejam exclusivamente competentes para decidirem sobre a questão de validade, mas não sobre a questão da contrafação.
b) A interpretação «restritiva» do Acórdão GAT é «o mal menor»
77. A interpretação «restritiva» do Acórdão GAT é claramente a melhor considerando todos os aspetos acima analisados. O princípio continua a ser que as regras gerais do Regulamento Bruxelas I‑A regem as ações de contrafação. Enquanto tal, a competência é previsível e certa para o titular da patente. Se intentarem uma ação fora do Estado de registo e se o pretenso contrafator invocar uma exceção de invalidade, os tribunais onde foi intentada a ação não deixam de ser competentes para conhecer e decidir sobre a ação. Estes tribunais «apenas» não podem decidir sobre a validade da(s) patente(s) em causa, que, nos termos da regra de exceção estabelecida pelo artigo 24.°, ponto 4, deste regulamento, só pode ser decidida pelos tribunais (65) do Estado de registo. Além disso, em caso de contrafação «pluriestatal» de uma patente europeia, esta interpretação permite uma consolidação parcial das ações num único foro. Só a validade da patente, se for contestada, deve ser decidida nos diferentes Estados para os quais foi concedida.
78. Como observa a Comissão, esta interpretação do Acórdão GAT implica que o Tribunal de Justiça admitiu uma derrogação ao princípio, no âmbito do Regime de Bruxelas, segundo o qual a competência para conhecer e decidir sobre uma ação se estende a qualquer defesa eventual (v. n.° 43, supra). Tendo dito isto, tal derrogação, embora única no âmbito do referido regime, não é inédita. De facto, derrogações semelhantes encontram‑se elencadas nas regras de competência territorial dos Estados‑Membros para determinadas matérias sujeitas a competência exclusiva ao abrigo do direito nacional (66).
79. Na prática, daqui resulta que, quando uma ação de contrafação de uma patente registada num Estado‑Membro está pendente nos tribunais de outro Estado‑Membro e se suscita uma exceção de invalidade, uma vez que esses tribunais não podem decidir sobre a questão de validade nem (na situação atual do Regulamento Bruxelas I‑A) submeter uma questão incidental a esse respeito às autoridades do Estado do registo, cabe ao pretenso contrafator (se ainda não o tiver feito) instaurar uma ação de declaração de nulidade perante essas autoridades para que estas possam decidir sobre essa questão (67).
80. A Electrolux contesta, não sem fundamento, que a «cisão» da questão da contrafação e de validade em dois processos instaurados em Estados‑Membros diferentes é discutível em termos de administração da justiça. Com efeito, estas questões estão estreitamente inter-relacionadas (68). Como explicado no n.° 44, supra, em princípio, a questão prévia da validade da patente deve ser resolvida para que se possa decidir sobre a questão principal da contrafação. Além disso, além do facto de o direito do Estado de registo se aplicar às duas questões, estas dependem, em substância, do mesmo elemento, a saber, a interpretação das reivindicações da patente (69).
81. No entanto, na minha opinião, embora, de um ponto de vista prático, não seja sempre ideal que sejam tribunais e/ou autoridades diferentes (70) a decidirem sobre as questões de validade e de contrafação, também não é impossível. De facto, a nível nacional, vários Estados‑Membros como, ao que parece, a Suécia (71), adotaram um «sistema de bifurcação» de competência em matéria de patentes, nos termos do qual estas questões são decididas por juízes diferentes em processos distintos e dedicados (72).
82. Embora a validade e a contrafação devam, assim, ser «cindidas», daí não decorre, como afirma a Electrolux, que, quando a nulidade é invocada por via de exceção no âmbito de uma ação de contrafação, o juiz que conhece deste processo deva, ou mesmo possa, ignorar sistematicamente esse meio de defesa, presumir a validade da patente e proferir uma decisão definitiva sobre a questão da contrafação, independentemente do processo de declaração de nulidade eventualmente pendente, paralelamente, noutro Estado‑Membro.
83. De facto, como sustentam a BSH e a Comissão, o artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A não pode ser interpretado deste modo. Caso contrário, o pretenso contrafator seria totalmente privado de uma das proteções mais eficazes contra as ilegítimas ações de contrafação. Tal constituiria uma limitação inadmissível dos seus direitos de defesa, que é garantida, inter alia, pelo artigo 47.° da Carta e que o Regime de Bruxelas pretende assegurar (73).
84. Além disso, em certos casos, isso poderia levar a proferir decisões inconciliáveis. Com efeito, por um lado, os tribunais responsáveis pela ação de contrafação poderiam reconhecer a contrafação e, por outro, as autoridades do Estado de registo poderiam, subsequentemente, declarar a nulidade da patente. Estas últimas poderiam igualmente confirmar a validade da patente, mas segundo uma interpretação restritiva das suas reivindicações (o que, normalmente, excluiria a constatação de uma contrafação), ao passo que os tribunais responsáveis pela ação de contrafação poderiam reconhecer a contrafação no âmbito de uma interpretação extensiva das reivindicações da patente (o que teria levado o juiz que conhece da questão de validade a declarar a invalidade da patente) (74).
85. Como explicarei mais adiante na secção seguinte, existem circunstâncias em que os tribunais responsáveis pela ação de contrafação têm o direito de presumir a validade da patente e decidir em conformidade, independentemente de uma exceção de invalidade. Todavia, noutras circunstâncias, o respeito dos direitos de defesa obrigará esses tribunais a esperar que a validade da patente tenha sido decidida pelas autoridades do Estado de registo antes de proferirem uma decisão definitiva e concordante em matéria de contrafação (75).
86. Deste modo, por vezes, as medidas de gestão dos processos e/ou processuais devem ser adotadas para assegurar a coordenação das ações de contrafação e de declaração de nulidade. A este respeito, a Electrolux salienta que nem o Regulamento Bruxelas I‑A nem o direito da União em geral preveem uma solução a este respeito. Especificamente, o artigo 30, n.° 1, deste regulamento poderia permitir aos tribunais chamados a conhecer da ação de contrafação suspender a instância até que as autoridades do Estado de registo decidissem sobre a validade da patente, mas apenas se estas últimas tivessem sido chamadas previamente a pronunciar‑se. Esta disposição não prevê nenhuma solução no caso de um processo de declaração de nulidade subsequente. No entanto, como alegam a BSH e a Comissão, enquanto o legislador da União não adotar disposições nesse sentido (76), os tribunais chamados a pronunciarem‑se sobre a contrafação podem, e por vezes devem, aplicar as soluções previstas no respetivo direito processual (lex fori).
87. A Electrolux responde que tal invocação do direito processual nacional constitui um risco para o tratamento uniforme dos processos e das partes em litígio nos Estados‑Membros, podendo os diferentes tribunais dispor de competências diferentes, ou aplicá‑las de forma diferente. Contudo, na minha opinião, é outra consequência inevitável do Acórdão GAT. Além disso, a questão não é inteiramente deixada ao direito nacional. Como explicarei na secção seguinte, o direito da União delimita este último de forma significativa, garantindo um grau suficiente de uniformidade.
88. Por último, defende‑se frequentemente que a interpretação «restritiva» do Acórdão GAT também não é ideal para a fiscalização efetiva da aplicação das patentes. A «cisão» da validade e da contrafação em dois processos aumenta os custos e os inconvenientes para as partes. A necessidade de os tribunais responsáveis pela ação de contrafação, eventualmente, aguardarem uma resposta sobre a validade por parte das autoridades do Estado de registo poderia potencialmente atrasar esse processo, quando é normalmente urgente para o titular da patente que essa contrafação seja punida e proibida (77). Pode também incentivar os pretensos contrafatores a suscitar meios de defesa com o intuito de «sabotar» ou atrasar a propositura e a tramitação da ação de declaração de nulidade de modo a paralisar a ação de contrafação. Embora esteja geralmente de acordo com estas objeções (tal como decorre da secção 1), não deixa de ser verdade que, entre as duas abordagens possíveis deixadas na mesa após o Acórdão GAT, trata‑se do «mal menor». Além disso, as questões acima expostas podem ser atenuadas por medidas pragmáticas, tal como a seguir se explica.
c) Orientações práticas para os tribunais nacionais
89. Na audiência, a convite do Tribunal de Justiça, os intervenientes discutiram a forma como os tribunais situados fora do Estado de registo deveriam agir quando lhes é submetida uma ação de contrafação e é invocada uma exceção de invalidade. Embora, como acima exposto, esta questão seja regida, principalmente, pelas regras processuais desses tribunais, o Tribunal de Justiça é, na minha opinião, competente para estabelecer orientações a este respeito. Com efeito, recordo que, segundo jurisprudência constante, essas regras processuais não podem prejudicar o efeito útil do Regulamento Bruxelas I‑A e devem, por conseguinte, ser aplicadas (78). Os princípios enunciados no Acordo ADPIC e na Diretiva 2004/48, bem como, no que respeita ao titular da patente, o direito a um recurso efetivo e, do lado do pretenso contrafator, os direitos de defesa, ambos protegidos pelo artigo 47.° da Carta, também delimitam o direito nacional a este respeito.
90. Quando uma exceção de invalidade foi (corretamente) (79) suscitada pelo pretenso contrafator, uma solução, frequentemente apresentada pelos comentadores e debatida no Tribunal de Justiça, consistiriam em os tribunais chamados a conhecer da ação de contrafação, quando as suas regras processuais lhes conferem o poder de o fazer (o que é normalmente o caso) (80), suspenderem a instância até que a validade da patente em questão seja decidida pelas autoridades do Estado de registo (81).
91. Embora seja, de facto, uma solução, partilho da opinião da BSH segundo a qual esses tribunais não deveriam suspender a instância automaticamente. Com efeito, devem examinar atentamente a questão antes de o fazer, devido aos atrasos (potencialmente significativos) que tal medida, inevitavelmente, implicaria para a resolução da ação de contrafação. Uma suspensão da instância só deve ser concedida quando, em conformidade com o artigo 3.° da Diretiva 2004/48 e com o artigo 41.° do Acordo ADPIC, for proporcionado e equitativo fazê‑lo e esses atrasos forem «justificados». Por conseguinte, há que reconhecer a esses tribunais a faculdade de ponderarem, por um lado, os requisitos de eficácia processual, bem como o direito a um recurso efetivo do titular da patente e, por outro, a boa administração da justiça e os direitos de defesa do pretenso contrafator.
92. Em especial, como alegam a BSH e a Comissão, os tribunais chamados a conhecer do processo de contrafação devem apreciar, em primeiro lugar, a gravidade da contestação relativa à nulidade. Na minha opinião, o artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A não os proíbe de formarem uma opinião preliminar sobre o sentido em que as autoridades do Estado de registo decidirão a questão (82). A este respeito, esses tribunais só devem ponderar a possibilidade de suspender a instância quando essa contestação tenha hipóteses genuínas de sucesso. Com efeito, uma vez que as patentes são concedidas depois de os serviços de patentes terem efetuado um controlo prévio da exigência de patenteabilidade, gozam de uma presunção de validade. Por conseguinte, os fundamentos apresentados pelo pretenso contrafator devem parecer, prima facie, suficientemente sérios para questionar esta presunção. Quando tal não for o caso, esses tribunais podem pressupor que a patente é válida e, consequentemente, decidir sobre a contrafação. Mormente, seria pouco lógico, à luz da eficácia processual e do direito a um recurso efetivo do titular da patente, protelar a ação de contrafação em caso de exceções de invalidade levianas. Por outro lado, o risco de decisões inconciliáveis é inexistente (ou, pelo menos, um risco negligenciável), uma vez que não existe uma possibilidade (razoável) de as autoridades do Estado de registo declararem, posteriormente, a nulidade da patente (83). Tal apreciação também limita a possibilidade de os contrafatores suscitarem meios de defesa falaciosos como táticas dilatórias (84).
93. Se a exceção por invalidade for grave, os tribunais responsáveis pela ação de contrafação devem conceder a suspensão de instância. Com efeito, nestas circunstâncias, os direitos de defesa assim o exigem habitualmente (85). O mesmo se aplica ao princípio da boa administração da justiça, uma vez que o risco de decisões inconciliáveis, acima discutido, seria significativo. Todavia, como alega a Comissão, de modo a garantir a eficácia do processo e evitar, uma vez mais, táticas dilatórias por parte do pretenso contrafator, esses tribunais devem fixar um prazo para este último intentar uma ação de declaração de nulidade no Estado de registo (se ainda não o tiverem feito). Se o pretenso contrafator não o fizer, esses tribunais devem ordenar o prosseguimento da instância anteriormente suspensa, pressupor que a patente é válida e decidir sobre a questão de contrafação. Se essa suspensão de instância tiver sido concedida, esses tribunais devem acompanhar o progresso da ação de declaração de nulidade e, consequentemente, decidir manter a suspensão ou ordenar o prosseguimento da instância anteriormente suspensa.
94. Por último, durante o período da suspensão, nada impede os tribunais chamados a conhecer da ação de contrafação de decretarem medidas provisórias, incluindo medidas cautelares, como um despacho de medidas provisórias que proíba a prossecução de atos, potencialmente, constitutivos de contrafação (também neste caso, em função da seriedade da contestação da validade) (86). Com efeito, o Tribunal de Justiça manteve expressamente tal possibilidade no Acórdão Solvay (87), a qual deve ser utilizada, quando proporcionada, para salvaguardar os direitos do titular da patente.
B. Quanto ao «efeito reflexo» do artigo 24.°, ponto 4 (terceira questão)
95. Decorre da secção A, supra, que embora os tribunais suecos, ao abrigo do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento Bruxelas I‑A, tenham competência para conhecer da ação de contrafação intentada pela BSH, não se podem pronunciar quanto à validade das partes da patente europeia pretensamente objeto de contrafação. Nos termos do artigo 24.°, ponto 4, deste regulamento os tribunais dos diferentes Estados‑Membros, onde essas partes tiverem sido validadas, têm competência exclusiva para decidirem sobre essa questão.
96. Tendo dito isto, considerando que a ação da BSH é, também, baseada na parte da patente europeia que foi validada na Turquia e que a Electrolux contesta, o órgão jurisdicional de reenvio, com a sua terceira questão, interroga‑se sobre se o artigo 24.°, ponto 4, «é aplicável a um tribunal de um país terceiro», ou seja, se, no processo principal, «atribui competência exclusiva» aos tribunais turcos relativamente a esta questão.
97. Considerada literalmente, a resposta a esta questão é evidente. O Regulamento Bruxelas I‑A, como parte integrante do direito da União, vincula os Estados‑Membros. Determina a competência jurisdicional dos seus tribunais. Este instrumento não pode, em caso algum, atribuir nenhum tipo de competência aos tribunais de países terceiros. A União Europeia não tem competência para esse efeito. A competência dos tribunais de um país terceiro depende das suas próprias regras de direito internacional privado.
98. Não obstante, para facultar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça não se pode limitar a esta constatação evidente. É claro que a terceira questão, lida no contexto do processo principal, diz respeito, em substância, não ao efeito positivo, atributivo de competência, do referido artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A, mas ao seu efeito negativo, privativo de competência. Na realidade, trata‑se de saber se esta disposição priva os tribunais dos Estados‑Membros do poder de decidir sobre a validade das patentes de um país terceiro, do mesmo modo que estes tribunais são privados de competência no que diz respeito às patentes registadas noutros Estados‑Membros.
99. Como salienta o Governo Francês, assim entendida, esta questão suscita um problema transversal, cuja relevância ultrapassa largamente o âmbito do presente processo. Com efeito, pode colocar‑se a propósito de qualquer das matérias em relação às quais o artigo 24.° do Regulamento Bruxelas I‑A estabelece uma regra de competência exclusiva. Por exemplo, se os tribunais de um Estado‑Membro forem chamados a pronunciar‑se sobre um pedido relativo à validade dos direitos reais sobre imóveis (matéria referida no artigo 24.°, ponto 1), mas esses imóveis se situarem na China? A mesma questão pode, também, colocar‑se no que respeita aos acordos exclusivos de eleição do foro. Quando tal acordo atribui competência aos tribunais de um Estado‑Membro, uma disposição deste regulamento, a saber, o artigo 25.°, priva de competência qualquer outro tribunal. Em contrapartida, e se os tribunais de um Estado‑Membro forem chamados a conhecer do processo, apesar de um acordo semelhante a favor de tribunais de um país terceiro?
100. A resposta a esta questão é, em contrapartida, muito obscura. Com efeito, gerou um debate importante na doutrina e perante os tribunais nacionais. Até à data, o Tribunal de Justiça não facultou uma resposta clara e completa. Como explicarei em pormenor nas secções seguintes, a complexidade da questão decorre do facto de, no que respeita ao seu âmbito de aplicação territorial, o Regime de Bruxelas padecer do que designarei de «defeito de conceção» (1), o que exige uma maior ponderação quanto à melhor forma de «colmatar as lacunas» deste regime no que respeita a esses cenários (2).
1. O «defeito de conceção» do Regime de Bruxelas
101. O «defeito de conceção» acima referido é o resultado de um paradoxo. Por um lado, é evidente que o âmbito de aplicação territorial do Regulamento Bruxelas I‑A se estende aos litígios que apresentam fortes elementos de conexão com países terceiros. De facto, nos termos do artigo 4.°, n.° 1, deste regulamento interpretado à luz do pioneiro Acórdão Owusu (88), esse regulamento é aplicável, ratione territoriae, a qualquer litígio transfronteiriço em que o demandado tenha, como a Electrolux no caso vertente, domicílio num Estado‑Membro. Isto não significa que seja aplicável apenas a litígios «internos à União». Os litígios que, além do domicílio dessa parte no litígio, estão relacionados com países terceiros encontram‑se, também, abrangidos, mesmo quando o seu objeto esteja estreitamente relacionado com esse Estado, ou quando exista um acordo de eleição do foro a favor dos tribunais de um país terceiro (89). Em princípio, só quando o demandado não tiver domicílio na União Europeia é que a questão é excluída do âmbito de aplicação deste regulamento, em conformidade com o artigo 6.°, n.° 1.
102. Em contrapartida, o Regime de Bruxelas não foi, na realidade, concebido para litígios relacionados com países terceiros. Este regime foi, na sua maioria, elaborado tendo em conta os litígios «internos à União». Os artigos 24.° e 25.° do Regulamento Bruxelas I‑A demonstram‑no claramente. A redação da primeira disposição limita o seu âmbito de aplicação aos litígios cujo objeto esteja estreitamente relacionado com um «Estado‑Membro». A segunda refere‑se aos acordos de eleição do foro relativos apenas aos «tribunais de um Estado‑Membro». A hipótese de litígios com conexões semelhantes com países terceiros não foi equacionada por ocasião da redação destas regras. Por conseguinte, este regime é genericamente omisso quanto ao, eventual, efeito desses elementos de conexão na competência dos tribunais dos Estados‑Membros (90).
2. «Colmatar as lacunas» do Regime de Bruxelas
103. Quando um tribunal de um Estado‑Membro conhece de um litígio que, por um lado, envolve um demandado da União, mas, por outro, está fortemente relacionado com um país terceiro (porque diz respeito a um objeto estreitamente relacionado com esse Estado, ou porque está abrangido por um acordo exclusivo de eleição do foro a favor dos respetivos tribunais), a omissão geral do Regulamento Bruxelas I‑A a este respeito deixa em aberto a questão de saber como deve esse tribunal proceder. Podem retirar‑se três respostas possíveis da doutrina e do debate que teve lugar no Tribunal de Justiça no presente processo.
104. Num extremo, encontra‑se uma primeira resposta, que não foi apoiada por nenhum interveniente no Tribunal de Justiça, segundo a qual o artigo 24.° ou o artigo 25.° do Regulamento Bruxelas I‑A se aplicariam, por analogia, nesta hipótese. Assim, nos termos da disposição pertinente, um tribunal de um Estado‑Membro ficaria privado de competência para conhecer desse litígio e seria obrigado a pôr termo à instância.
105. No extremo contrário, encontramos uma segunda resposta, apoiada pela BSH, pelo Governo Francês (de forma reticente) (91) e pela Comissão, segundo a qual as regras gerais deste regulamento são aplicáveis. Por conseguinte, nomeadamente, os tribunais do Estado‑Membro onde o demandado tem domicílio teriam competência nos termos do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento Bruxelas I‑A. Além disso, são obrigados a exercê‑la e, assim, a decidir o litígio, salvo em determinadas circunstâncias limitadas.
106. Entre estas duas encontra‑se uma terceira resposta, a qual a Electrolux apoia. Corresponde à teoria dita «do efeito reflexo» (effet réflexe) desenvolvida há muitos anos por G. Droz (92). Resume‑se a afirmar que, embora um tribunal de um Estado‑Membro possa ter competência, por força deste regulamento, para conhecer de um litígio que apresente esses elementos de conexão com um país terceiro, pode declarar‑se incompetente para exercer a sua competência se tal «refletir» o sistema neste estabelecido.
107. Na minha opinião, as duas respostas extremas devem ser afastadas e aprovada a resposta intermédia. De facto, como passo a explicar nas secções infra, uma vez que os artigos 24.° e 25.° não podem ser aplicáveis nestas circunstâncias (a), aplicam‑se, em seu lugar, as regras gerais do regulamento (b). Não obstante, não se pode obrigar um tribunal de um Estado‑Membro a exercer a competência atribuída pelas referidas regras nessas circunstâncias (c). Esclarecerei, em seguida, os pressupostos para esse tribunal poder, legitimamente, declarar‑se incompetente (d).
a) Os artigos 24.° e 25.° não são aplicáveis
108. Embora uma parte da doutrina sugira o contrário (93), é, na minha opinião, claro que os artigos 24.° e 25.° do Regulamento Bruxelas I‑A, enquanto tal, não se podem aplicar aos litígios que tenham elementos de conexão com países terceiros do tipo dos previstos nestes artigos.
109. Tal interpretação estaria em conflito direto com a redação expressamente prevista naqueles dois artigos, os quais, como acima indicado, são de aplicação restrita a litígios cujo objeto está estreitamente relacionado com um «Estado‑Membro» e com os acordos de eleição do foro que designam os tribunais de um «Estado‑Membro» (94). Além disso, alargar o âmbito de aplicação destas disposições através de um raciocínio por analogia a hipóteses semelhantes que envolvem países terceiros seria incompatível com o princípio da interpretação restritiva das exceções, como sustentam a BSH, o Governo Francês e a Comissão. Além disso, o Tribunal de Justiça já o recusou fazer. No Acórdão Irnova, declarou que, uma vez que o artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A «não prevê» litígios relativos à validade de patentes de países terceiros «não se pode considerar que esta disposição seja aplicável» em tais circunstâncias (sendo esta fundamentação transponível para todas as disposições do artigo 24.°) (95). Do mesmo modo, no Acórdão Coreck Maritime (96), o Tribunal de Justiça considerou, no que respeita à regra equivalente ao referido artigo 25.° estabelecida pela Convenção de Bruxelas, que «resulta do próprio teor do artigo 17.°» que essa regra «não se aplica a [acordos de eleição do foro] que designe[m] um tribunal de um Estado terceiro».
110. Adicionalmente, como salienta o Governo Francês, o sistema estabelecido nos termos dos artigos 24.° e 25.° do Regulamento Bruxelas I‑A, segundo o qual os tribunais dos Estados‑Membros são obrigados a declararem‑se incompetentes em benefício dos tribunais designados por essas disposições, só faz sentido para os litígios «internos à União». Nestas circunstâncias, em aplicação deste regulamento, quando um tribunal não tem competência, um outro tribunal terá. Não é esse o caso dos litígios «externos». Como acima referi, a competência dos tribunais de um país terceiro depende das suas próprias regras de direito internacional privado. Embora esses tribunais, geralmente, se considerem competentes quando a matéria contestada está estreitamente relacionada com o seu território, ou quando foram escolhidos no âmbito de um acordo atributivo de competência, pode nem sempre ser esse o caso. Se os tribunais dos Estados‑Membros fossem privados de competência em tal situação, haveria denegação de justiça. Além disso, a obrigação restrita, quase automática, de os tribunais do Estado‑Membro reenviarem as partes em litígio, nos termos dos artigos 24.° e 25.°, a outros tribunais justifica‑se pela «confiança mútua» que estes Estados concedem às respetivas instituições judiciárias (97). Esta «confiança» não se estende aos países terceiros. Não se pode presumir que as partes em litígio beneficiariam de um processo equitativo nesse país. Tal pode mesmo ser excluído em certos casos.
b) Aplicam‑se, em seu lugar, as regras gerais do regulamento
111. Como alegam a BSH, a Electrolux, o Governo Francês e a Comissão, uma vez que os artigos 24.° e 25.° do Regulamento Bruxelas I‑A não são aplicáveis aos litígios que apresentem elementos de conexão deste do tipo dos previstos neste regulamento com países terceiros, a consequência lógica, no sistema estabelecido por este regulamento, é que, em seu lugar, as se aplicam regras gerais. Daqui resulta, inter alia, que os tribunais do Estado‑Membro do domicílio do demandado são competentes para conhecer desse litígio, nos termos do referido artigo 4.°, n.° 1.
112. Esta interpretação sistemática é corroborada por várias das atas que acompanham os instrumentos de Bruxelas (98). Em primeiro lugar, foi implicitamente (mas claramente) aprovada pelo Tribunal de Justiça, reunido em plenário, no seu Parecer 1/03 (Nova Convenção de Lugano) (99). Para efeitos do presente processo, basta recordar que esta decisão tinha por objeto a questão de saber se a União dispunha de competência exclusiva para celebrar a Convenção de Lugano II, a qual dependia, por sua vez, da questão de saber se esta última «afetaria» o Regime de Bruxelas (100). O Tribunal de Justiça considerou que era esse o caso. O Tribunal de Justiça explicitou que, tratando‑se de litígios que envolvam um demandado domiciliado num Estado‑Membro, mas estreitamente relacionado com um país terceiro parte nessa convenção, ou abrangidos por um acordo de eleição do foro a favor dos seus tribunais, a futura convenção atribuiria competência exclusiva ao país terceiro (101), ao passo que, nos termos deste regulamento, os tribunais desse Estado‑Membro teriam competência (102).
c) Os tribunais dos Estados‑Membros não podem estar vinculados a exercer a competência que lhes é atribuída pelas regras gerais do regulamento
113. Embora, nomeadamente, os tribunais do Estado‑Membro em que o demandado tenha domicílio sejam competentes para conhecer dos litígios que apresentem tais conexões com países terceiros, nos termos do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento Bruxelas I‑A, não sou da opinião, apoiada pela BSH, pelo Governo Francês e pela Comissão, que tais tribunais estão vinculados a exercer essa competência, exceto num número muito limitado de casos. Na minha opinião, tal abordagem não é exigida nem pela redação deste regulamento e correspondente jurisprudência (1), nem é conforme à finalidade do Regime de Bruxelas (2). O facto de acordos internacionais poderem, em determinadas circunstâncias, solucionar as dificuldades que essa interpretação acarretaria não justifica a sua adoção (3), nem a pretensa intenção do legislador da União (4).
1) Termos do regulamento e jurisprudência relativa
114. O principal argumento apresentado pela BSH, pelo Governo Francês e pela Comissão baseia‑se no texto do Regulamento Bruxelas I‑A. Em seu entender, decorre dos termos do artigo 4.°, n.° 1 («sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas [...] nos tribunais desse Estado‑Membro») que, em princípio, a competência é imperativa nos termos desta disposição. Implica que, quando os tribunais desse Estado são chamados a pronunciar‑se, estão, geralmente, vinculados a conhecerem e a decidirem sobre o processo. Além disso, no Acórdão Owusu, o Tribunal de Justiça, a propósito da disposição equivalente da Convenção de Bruxelas (artigo 2.°), considerou estritamente que «só em casos expressamente previstos na referida convenção é possível derrogar a regra de princípio que [o regime de Bruxelas] enuncia» (103). Nesse processo, os tribunais do Reino Unido (que era à data um Estado‑Membro) tinham sido chamados a pronunciar‑se sobre um litígio contra, inter alia, um demandado domiciliado nesse Estado, a propósito de um delito ocorrido na Jamaica. A primeira questão submetida por estes tribunais era saber se estavam autorizados a declarar‑se incompetentes a favor dos tribunais jamaicanos, em aplicação da exceção do forum non conveniens de direito consuetudinário («common law») (104). O Tribunal de Justiça respondeu negativamente, com o fundamento de que o Regime de Bruxelas não contém tal exceção (105).
115. Para estes intervenientes, uma vez que o Regulamento Bruxelas I‑A não prevê expressamente exceções para os litígios cujo objeto esteja estreitamente relacionado com países terceiros ou abrangidos por um acordo de eleição do foro a favor dos tribunais de países terceiros, daqui resulta que os tribunais do Estado‑Membro, chamados a conhecer de um litígio e competentes por força do artigo 4.°, n.° 1, estão vinculados a conhecer e a decidir sobre o processo. Só podem declarar‑se incompetentes nas circunstâncias específicas decorrentes de certas regras acrescentadas pelo legislador da União à adoção do Regulamento Bruxelas I‑A, a saber, os artigos 33.° e 34.° deste, ou seja, em caso de processos concorrentes nos tribunais de um país terceiro, e apenas quando o litígio já estava pendente nestes últimos quando os tribunais dos Estados‑Membros foram chamados a pronunciar‑se (106).
116. Trata‑se, na minha opinião, de um raciocínio simplista.
117. Primeiro, deduzir da simples inexistência no Regulamento Bruxelas I‑A de disposições relativas aos litígios fortemente relacionados com países terceiros que os tribunais dos Estados‑Membros estão, geralmente, vinculados a ignorar essas conexões e a decidir desses litígios é uma lógica errada. Com efeito, ignora o facto de, como indicado no n.° 102, supra, este instrumento não ter sido concebido tendo em conta esses litígios. Esta circunstância explica a redação omissa nesta matéria e por que razão as eventuais consequências positivas não podem, na minha opinião, ser daí retiradas (107).
118. Segundo, também não se pode razoavelmente deduzir do simples facto de os artigos 33.° e 34.° do Regulamento Bruxelas I‑A permitirem expressamente aos tribunais dos Estados‑Membros declararem‑se incompetentes, inter alia, em tais litígios, quando estejam pendentes processos concorrentes nos tribunais de um país terceiro, que está excluída em todos os demais casos qualquer possibilidade de o fazer. Mais uma vez, a redação deste regulamento é simplesmente omissa quanto a esta questão. Com efeito, nada na redação destas disposições nem nos respetivos considerandos indica que se destinam a reger exaustivamente a possibilidade de os tribunais dos Estados‑Membros de declararem incompetentes a favor dos tribunais de países terceiros (108).
119. Terceiro, o Acórdão Owusu, não permite, de facto, a interpretação literal sugerida pela BSH, pelo Governo Francês e pela Comissão. É certo que o Tribunal de Justiça formulou a sua declaração sobre as únicas possíveis derrogações ao efeito imperativo do (atual) artigo 4.° do Regulamento Bruxelas I‑A, como sendo as que aí estão expressamente previstas, sem reservas. Todavia, ao mesmo tempo, recusou responder à segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio, que tinha por objeto, mais especificamente, saber se os tribunais dos Estados‑Membros estão vinculados a exercer a competência também quando são chamados a conhecer de litígios cujo objeto apresenta uma estreita relação com países terceiros, ou apesar de acordos de eleição de foro que designem os tribunais de um país terceiro, com o fundamento de que essas situações não estavam em causa no processo principal. Evidentemente, se esta afirmação abrangesse, também, estas situações o Tribunal de Justiça teria respondido às duas questões em conjunto. Antes, especificamente, excluiu‑as do seu acórdão (109).
120. Por último, pelo menos duas outras decisões do Tribunal de Justiça, que não foram discutidas pelos intervenientes e proferidas, respetivamente, antes e depois do Acórdão Owusu, indicam (claramente, na minha opinião) que os tribunais dos Estados‑Membros não estão, de facto, vinculados a conhecerem e a decidirem sobre os litígios que tenham uma estreita relação com países terceiros, apesar da inexistência de disposições, expressamente, previstas nesse sentido no Regime de Bruxelas.
121. No Acórdão Coreck Maritime, o Tribunal de Justiça, depois de ter declarado que o artigo 17.° da Convenção de Bruxelas não é «aplicável» aos acordos de eleição do foro que designem os tribunais de um país terceiro, especificou, imediatamente, que, se for chamado a pronunciar‑se apesar de tal acordo, um tribunal do Estado‑Membro «deve apreciar a […] validade [do acordo] em função do direito aplicável, incluídas as regras de conflitos, da sua própria lex fori» (110). Este raciocínio implica logicamente que, se esse tribunal declarar a validade desse acordo, pode dar‑lhe efeito e declarar‑se incompetente a favor dos tribunais designados.
122. No Acórdão Mahamdia, o Tribunal de Justiça considerou que os tribunais de um Estado‑Membro, competentes para conhecer de um litígio em matéria de trabalho ao abrigo do regime de proteção (à data) previsto no Regulamento Bruxelas I para estas matérias, não estavam autorizados a aplicar um acordo de eleição de foro atributivo de competência aos tribunais de um país terceiro. É crucial, no entanto, que o tenha feito com o fundamento de que o acordo controvertido não respeitava os limites impostos pelo Regime de Bruxelas quanto à autonomia das partes em matéria de trabalho (111). Daqui decorre logicamente que, quando esses limites são respeitados (v., além disso, n.° 150, infra) os tribunais dos Estados‑Membros estão autorizados a aplicar os acordos atributivos de competência a favor dos tribunais de um país terceiro (112).
123. Embora esses acórdãos dissessem respeito a acordos de eleição do foro, a ideia geral que destes decorre (de que os tribunais dos Estados‑Membros estão autorizados, em determinadas circunstâncias, a não exercer a competência, mesmo na falta de disposições, expressamente, previstas nesse sentido no Regime de Bruxelas) é, na minha opinião, transponível para os litígios cujo objeto está estreitamente relacionado com países terceiros.
2) Quanto à interpretação teleológica e coerente do regulamento
124. No que diz respeito aos princípios, parece‑me que, embora, como acima indicado, não seria desejável privar totalmente os tribunais dos Estados‑Membros da competência para conhecer dos litígios que apresentem conexões do tipo das previstas no artigo 24.° ou no artigo 25.° do Regulamento Bruxelas I‑A com países terceiros, seria injustificável obrigar esses tribunais a decidirem sobre esses litígios.
125. Primeiro, tal interpretação iria contra as próprias razões, relacionadas com os princípios fundamentais, subjacentes aos artigos 24.° e 25.° do Regulamento Bruxelas I‑A.
126. A raison d’être da (maioria) das regras de competência exclusiva previstas no artigo 24.° do Regulamento Bruxelas I‑A é, recordo, a deferência devida a certos direitos e interesses soberanos. Os litígios em matéria de direitos reais sobre imóveis (artigo 24.°, ponto 1,) dizem respeito à soberania tradicional dos Estados para controlar a propriedade dentro das suas fronteiras. Em matéria de validade de inscrições em registos públicos ou de patentes (artigo 24.°, ponto 3, e ponto 4, deste regulamento), referem‑se ao funcionamento das autoridades públicas envolvidas. Em matéria de execução de decisões (artigo 24.°, ponto 5, do referido regulamento), dizem diretamente respeito ao direito, reservado aos Estados, de exercerem a competência de execução no seu território. Os Estados não aceitam que tribunais estrangeiros interfiram nestas matérias. Só podem ser decididos pelos «seus» tribunais (113). É notável que esta política foi considerada tão importante pelo legislador da União que este previu a aplicabilidade do artigo 24.° do Regulamento Bruxelas I‑A desde que estejam em jogo os direitos soberanos e os interesses de um Estado‑Membro, independentemente do domicílio do demandado (114).
127. Por conseguinte, não vejo a lógica subjacente à afirmação de que os tribunais de um Estado‑Membro estão, por um lado, proibidos de decidir sobre a validade de um título de propriedade de um imóvel situado noutro Estado‑Membro, ou sobre as adequadas medidas de execução adotadas pelas suas autoridades (e assim por diante), mas, por outro lado, de um modo geral, instruídos a decidir quando se trata de um país terceiro. A ideia de que, no processo principal, os tribunais suecos estão proibidos de decidir sobre a validade de, por exemplo, uma parte alemã da patente europeia em causa, mesmo que seja uma questão, meramente, preliminar, mas que teriam sido obrigados, se chamados a conhecer do processo nesse sentido, a decidir quanto à validade da parte turca é desconcertante, ou seja, os mesmos direitos e interesses soberanos seriam respeitados no primeiro caso, mas completamente ignorados no segundo (115).
128. Tal interpretação do Regulamento Bruxelas I‑A é criticável do ponto de vista do direito internacional público. Embora a questão seja contestada, a opinião maioritária é que o direito internacional estabelece limites à competência jurisdicional dos Estados em matéria civil (116). É certo que, como alega a Comissão, quando o demandado num litígio civil tem domicílio num Estado‑Membro, essa conexão com o seu território, normalmente, habilita este último, em direito internacional público, a decidir nesta matéria. Todavia, se o litígio violar direitos de outro Estado, é primordial a sua reivindicação de competência. A localização do domicílio do demandado dificilmente poderia servir de justificação à ingerência do primeiro Estado nos assuntos internos do segundo. Isto pode ser considerado uma violação do princípio da igualdade soberana (117). O Regulamento Bruxelas I‑A deve ser interpretado em conformidade com estes princípios fundamentais (118). Com efeito, o sistema estabelecido por este regulamento não está isolado do resto do mundo e não pode, inteiramente, invalidar as pretensões de competência exclusiva dos países terceiros.
129. Por seu turno, o artigo 25.° do Regulamento Bruxelas I‑A reflete uma política de autonomia das partes. O legislador da União considerou desejável promover a capacidade de as partes contratantes «escolherem o seu juiz» (119). Ao decidirem antecipadamente sobre a atribuição de competência ao(s) foro(s) para decidir sobre eventuais litígios decorrentes dos contratos, o acordo de eleição do foro reforça a segurança jurídica e a previsibilidade do litígio, o que, por sua vez, favorece o comércio internacional (o que explica o recurso frequente a este instrumento pelas empresas). Mais uma vez, o legislador da União considerou que esta política era de tal modo importante que, quando os tribunais de um Estado‑Membro são designados em tal acordo, estabeleceu que, em princípio (120), qualquer outro tribunal deve declarar‑se incompetente a favor dos tribunais escolhidos pelas partes e que se deve aplicar o artigo 25.° independentemente do domicílio do demandado (121).
130. Assim, uma vez mais, não vejo a lógica subjacente à afirmação segundo a qual os tribunais dos Estados‑Membros estão, por um lado, vinculados a executar os acordos de eleição do foro a favor dos tribunais de outro Estado‑Membro e, por outro, a não ter em conta, de maneira geral, acordos semelhantes que designem tribunais de um país terceiro. Isto subverteria a política prosseguida no Regime de Bruxelas. A vontade das partes é respeitada no primeiro caso e desrespeitada no segundo caso. Se os tribunais dos Estados‑Membros fossem obrigados a exercer a sua competência não obstante tais acordos, estes instrumentos perderiam o seu objetivo de garantir a segurança jurídica. A título exemplificativo, uma sociedade com sede na União Europeia e sociedade empresa com sede nos Estados Unidos poderiam não chegar a um compromisso mais vinculativo a favor dos tribunais de Nova Iorque (Estados Unidos). A sociedade americana poderia livremente violar o seu compromisso, intentando uma ação nos tribunais do Estado‑Membro em que a empresa da União Europeia tem sede. Se fossem chamados a conhecer do processo em primeiro lugar, esses tribunais não poderiam executar o acordo em questão (122).
131. Tal interpretação do Regulamento Bruxelas I‑A seria, mais uma vez, discutível de uma perspetiva de normas primordiais, a saber, desta vez, os direitos fundamentais. Com efeito, a autonomia das partes é uma expressão da liberdade contratual, que é protegida pelo direito da União, nomeadamente pelo artigo 16.° da Carta (123). Esta liberdade implica que, em princípio, a ordem jurídica de um Estado dê execução à vontade das partes contratantes. Se fosse interdito aos tribunais dos Estados‑Membros, segundo uma conceção extrema do «efeito imperativo» do Regulamento Bruxelas I‑A, dar execução aos acordos de eleição do foro a favor dos tribunais de um país terceiro, isso implicaria uma restrição grave e, na minha opinião, injustificável a essa liberdade (124). Deste modo, esta interpretação não pode ser acolhida pelo Tribunal de Justiça (125).
132. Em segundo lugar, esta interpretação seria, também, contrária aos objetivos gerais do Regime de Bruxelas. Em particular, parece‑me que o facto de obrigar os tribunais dos Estados‑Membros, quando são competentes por força das regras do Regulamento Bruxelas I‑A, a decidir sobre a validade de títulos de propriedade de bens situados em territórios de países terceiros, ou de patentes de países terceiros (e assim por diante), ou de litígios abrangidos por acordos de eleição de foro que designem tribunais de um país terceiro, não contribuiria para a segurança jurídica que este regulamento pretende alcançar em matéria de competência.
133. Isto é evidente, nomeadamente, no que respeita aos acordos de eleição do foro. As partes esperam que sejam apenas os tribunais que escolheram a conhecer e decidir sobre o seu eventual litígio. O facto de os tribunais dos Estados‑Membros poderem ser obrigados a decidir não obstante a existência de tal acordo destruiria essas expectativas.
134. Além disso, como alega a Electrolux, tal solução dificilmente contribuiria para uma boa administração da justiça. Com efeito, embora as decisões proferidas pelos tribunais dos Estados‑Membros sobre tais litígios fossem consideradas válidas na União, estas seriam (precisamente porque afetam uma questão soberana, ou mesmo porque foram proferidas em violação de um acordo de eleição do foro), muito provavelmente, ignoradas nos países terceiros em questão (126). É evidente que uma decisão sobre a validade de um título de propriedade ou de uma patente tem pouco valor se não puder ser executada no Estado em que está situado o bem ou onde está registada a patente. No que diz respeito à decisão proferida em violação de um acordo de eleição do foro, embora o demandante possa encontrar uma certa vantagem estratégica na propositura da ação no Estado‑Membro onde o demandado tem o seu domicílio (visto que, geralmente, os bens deste último estão situados nesse Estado), uma vez que a sentença não iria produzir efeitos no país terceiro, inicialmente escolhido, nada impede que o mesmo litígio seja, novamente, decidido neste último Estado se instaurado pela outra parte. Além disso, em todas estas hipóteses, podem vir a ser proferidas decisões inconciliáveis pelos tribunais de um Estado‑Membro e de um país terceiro sobre o mesmo litígio.
3) As convenções internacionais não dão uma resposta abrangente
135. O Governo Francês e a Comissão observam que, na falta de disposições específicas no Regulamento Bruxelas I‑A, pode ser encontrada uma solução para as objeções acima expressas nas convenções internacionais relativas à competência judiciária em matéria civil, que vinculam a União e os seus membros. Em determinadas condições (127), estas convenções prevalecem sobre o Regime de Bruxelas. Sempre que tais convenções sejam aplicáveis, a competência dos tribunais dos Estados‑Membros rege‑se pelas suas regras em vez das previstas no Regime de Bruxelas. Os dois principais instrumentos (128) a este respeito são a Convenção de Lugano II e a Convenção da Haia, de 30 de junho de 2005, sobre os Acordos de Eleição do Foro (129). A primeira contém disposições equivalentes aos artigos 24.° e 25.° do Regulamento Bruxelas I‑A. A segunda impõe a execução pelos tribunais das partes contratantes de acordos exclusivos de eleição do foro.
136. É certo que estas convenções internacionais preveem uma solução ideal para as questões acima analisadas. Garantem que os tribunais dos Estados‑Membros respeitam os direitos e interesses dos países terceiros envolvidos, bem como os dos particulares dispostos a confiar os seus litígios a determinados tribunais de países terceiros. Garantem, também, a reciprocidade dos Estados em causa, bem como o reconhecimento e a execução, em todas as partes contratantes, das decisões proferidas pelos tribunais dos seus homólogos.
137. No entanto, a solução que se obtém é, inevitavelmente (muito) parcial. De acordo com a sua natureza, estas convenções só prevalecem sobre o Regime de Bruxelas nos casos em que o país terceiro em causa no litígio, ou cujos tribunais tenham sido designados por um acordo de eleição do foro, sejam parte na convenção em questão (130). A este respeito, por exemplo, a Convenção Lugano II apenas vincula, além dos Estados‑Membros, os Estados da Associação Europeia de Comércio Livre e a Confederação Suíça. Não oferece solução quando a patente em causa estiver, como no caso vertente, registada na Turquia. Do mesmo modo, até à data, apenas um pequeno número de países terceiros está vinculado pela Convenção de Haia (131). Assim, só em determinadas situações é que tais convenções resolvem as questões acima analisadas.
138. É evidente que, quanto mais países terceiros participarem em tais convenções internacionais com a União Europeia, em especial a Convenção da Haia, mais relevantes serão as convenções em litígios internacionais e mais contribuirão para a segurança nesta matéria. Não obstante, pragmaticamente, não é expectável que todos os países terceiros no mundo, ou que a maioria, o façam. Por conseguinte, as soluções multilaterais não reduzem a necessidade (e nunca o farão) de soluções unilaterais sólidas no Regime de Bruxelas. Ora, a obrigação de os tribunais dos Estados‑Membros decidirem sobre litígios estreitamente relacionados a países terceiros não figura entre estas soluções.
4) Quanto à pretensa «intenção clara» do legislador da União
139. A BSH, o Governo Francês e a Comissão alegam, no entanto, ou, pelo menos, implicam que a «intenção clara» do legislador da União, aquando da adoção do Regulamento Bruxelas I‑A, era que os tribunais dos Estados‑Membros, sendo competentes por força deste instrumento, estivessem vinculados a conhecer e decidir sobre os litígios com uma forte relação com países terceiros, salvo em caso de aplicação dos artigos 33.° e 34.° deste regulamento. O Governo Francês, embora consciente das lacunas desta solução, acima elencadas, e, portanto, não satisfeito com o resultado, sustenta que não compete ao Tribunal de Justiça corrigir a vontade do legislador por via interpretativa.
140. Não posso deixar de subscrever a ideia geral subjacente a esta objeção. No entanto, não penso que seja relevante neste caso particular.
141. Em primeiro lugar, juntamente com o advogado‑geral M. Bobek nas suas Conclusões no processo BV (132), considero que a intenção do legislador da União só é, em princípio, determinante quando está, claramente, expressa na legislação adotada. Como explicado, entre outros, no n.° 118, supra, não é o que acontece no caso vertente. Se a vontade do legislador fosse a explicada pelo Governo Francês e pela Comissão, este teria tido muitas oportunidades de assim a expressar, pelo menos, num considerando específico do Regulamento Bruxelas I‑A.
142. Em segundo lugar, no que respeita ao que ocorreu durante o processo legislativo que conduziu à adoção deste regulamento, partilho da opinião do advogado‑geral M. Bobek segundo a qual, de uma maneira geral, o Tribunal de Justiça deve evitar empreender «quase a uma escavação arqueológica» dos travaux préparatoires de um instrumento e sentir‑se vinculado por acontecimentos, ideias e intenções que (re)descobriu desta maneira, tanto mais que esse exercício não revela geralmente uma imagem clara, mas uma imagem complexa e desfocada (133). É precisamente o que acontece no caso vertente.
143. Como enfatizam o Governo Francês e a Comissão, resulta dos travaux préparatoires pertinentes que o legislador da União estava consciente da problemática relativa à aplicação do Regime de Bruxelas a situações «externas» (134). Além disso, embora a proposta inicial da Comissão apenas contivesse uma nova disposição sobre os processos concorrentes, foram apresentadas várias vezes, durante o processo legislativo, propostas de inclusão de regras prevendo um poder discricionário de derrogação de competência nos processos cujo objeto esteja estreitamente relacionado com um país terceiro ou no caso de ser aplicável um acordo de eleição de foro que designe tribunais de países terceiros, tanto no Parlamento Europeu (135) e como no Conselho, em particular, pelas delegações francesa e britânica (136). Evidentemente, estas propostas não foram adotadas pelo legislador uma vez que apenas foram retidas na redação final as disposições relativas aos processos concorrentes (atuais artigos 33.° e 34.° do Regulamento Bruxelas I‑A).
144. No entanto, não se podem retirar conclusões precipitadas. Nos documentos acessíveis ao público existem poucas (ou mesmo nenhuma) explicações quanto às razões pelas quais o legislador da União não adotou estas propostas (137) ou, sobretudo, para os fins do caso vertente, quanto às consequências que a inexistência de tais regras consagradas no Regime de Bruxelas deveria, segundo este, ter na competência dos tribunais dos Estados‑Membros relativamente aos litígios estreitamente relacionados com países terceiros. Em particular, não encontrei nenhuma indicação, e muito menos uma clara afirmação, segundo a qual o legislador procurou, ao não acrescentar tais regras, privar os tribunais dos Estados‑Membros da possibilidade de derrogação de competência. Com efeito, o único documento interno do Conselho que encontrei no qual, em substância, se discutem as propostas dos Governos Francês e do Reino Unido é uma nota da delegação alemã que indica o contrário. Neste documento, esta delegação declarou opor‑se a essas propostas, mas, de forma crucial, com o fundamento de que «o Regulamento Bruxelas I não regula definitivamente a competência internacional dos tribunais dos Estados‑Membros face aos tribunais de países terceiros» e que, por conseguinte, deveria, em particular, «continuar a deixar ao direito nacional dos Estados‑Membros regulamentar de forma autónoma o efeito de um acordo atributivo de competência aos tribunais de um país terceiro» (138). Esta explicação reflete o entendimento do Acórdão Coreck Maritime, analisado no n.° 121, supra (139).
145. Além disso, o facto de o legislador não ter adotado tais regras, exceto nos artigos 33.° e 34.° do Regulamento Bruxelas I‑A deve, na minha opinião, ser considerado no seu contexto. Recordo que a intenção inicial da Comissão, com a sua proposta legislativa, era proceder a uma «internacionalização» completa do Regime de Bruxelas, alargando‑o aos demandados domiciliados em países terceiros (140). Todavia, o legislador afastou a ideia, inter alia, devido ao impacto que tal extensão poderia ter nas relações da União com os seus parceiros internacionais e às dificuldades com que os cidadãos seriam confrontados para fazer reconhecer no estrangeiro as decisões proferidas pelos tribunais dos Estados‑Membros. Neste contexto, parece que o legislador não pretendeu impor uma solução abrangente para as questões de litígios estreitamente relacionados com países terceiros. Pelo contrário, pretendia tratar a questão a minima, estatuindo apenas os processos concorrentes deixando o restante (por ora) regido pelo direito nacional (141).
146. Por último, em qualquer caso, não penso que alguma o legislador da União tenha tido o poder de obrigar os tribunais do Estado‑Membro a decidirem sobre questões que afetam os direitos soberanos e os interesses de países terceiros, nem a obrigá‑los a não dar seguimento, de maneira geral, a acordos de eleição de foro que indiquem de tal país. Evidentemente, o direito internacional público e o artigo 16.° da Carta, enquanto normas superiores, enquadram a discricionariedade do legislador quando adota um instrumento de direito derivado da União, como o Regulamento Bruxelas I‑A. Expliquei, nos n.os 128 e 131, supra, por que razão tal solução seria incompatível com essas normas superiores. Por conseguinte, embora o legislador pudesse legitimamente optar por acrescentar, nesse instrumento, regras que regulassem as condições em que um tribunal de um Estado‑Membro se pode declarar incompetente a favor dos tribunais de um país terceiro em tais situações, ou não acrescentar tais regras, a implicação desta última escolha não pode ser a defendida pelo Governo Francês e pela Comissão.
d) Os tribunais dos Estados‑Membros podem declarar‑se incompetentes para conhecer desses litígios quando «refletem» a sistemática do regulamento.
147. Juntamente com a Electrolux, considero que, embora os tribunais do Estado‑Membro possam ter competência, ao abrigo das regras do Regulamento Bruxelas I‑A, para conhecer de litígios cujo objeto esteja estreitamente relacionado com países terceiros, ou abrangidos por um acordo exclusivo de eleição de foro que designe os seus tribunais, este regulamento permite‑lhes declararem‑se incompetentes para conhecer do processo. Trata‑se, muito simplesmente, da única resposta racional, que permite alcançar o propósito deste instrumento e da sua coerência com normas superiores.
148. No caso destes litígios, em particular, deve ser reconhecida a derrogação implícita do efeito imperativo do artigo 4.°, n.° 1, deste regulamento. Uma vez que este instrumento (ainda) não contém disposições que atribuam aos tribunais dos Estados‑Membros o poder de derrogação de competência em tais hipóteses, significa que esta omissão deve ser interpretada no sentido de que permite a esses tribunais fazê‑lo com base no seu direito nacional. É o que o Tribunal de Justiça deu a entender no Acórdão Coreck Maritime.
149. Dito isto, os tribunais dos Estados‑Membros não dispõem de um poder discricionário absoluto de derrogação de competência, com base no seu direito nacional, nesses litígios (como este último acórdão, lido isoladamente, poderia implicar). Como explicado por G. Droz há muito tempo, e como, desde então, confirmaram a esmagadora maioria dos tribunais (142) e do meio académico (143) que abordaram a questão, os tribunais dos Estados‑Membros só o podem fazer quando tal «reflete» a sistemática estabelecida no Regulamento Bruxelas I‑A. Mais especificamente, podem fazê‑lo nos casos em que, se tivesse havido um elemento de conexão análogo com um Estado‑Membro, o tribunal se deveria ter declarado incompetente nos termos dos artigos 24.° ou 25.° deste regulamento (144).
150. Este pressuposto de «refletividade» implica, primeiro, que um tribunal de um Estado‑Membro só se pode declarar incompetente para conhecer de um litígio relacionado com um país terceiro quando o objeto do litígio esteja abrangido pelo âmbito de aplicação material de uma das regras de competência exclusiva previstas no artigo 24.° (145) ou quando esse tribunal é chamado a conhecer do processo apesar de haver um acordo de eleição de foro que reúne os pressupostos previstos no artigo 25.° (146) (de modo que, no âmbito de um litígio semelhante «interno à União», um destes artigos teria sido aplicável). Segundo, no que diz respeito a estes acordos, na sequência do Acórdão Mahamdia, a «refletividade» implica que tal abordagem só ocorre quando forem respeitados os limites impostos aos respetivos efeitos nos litígios «internos à União». Um tribunal de um Estado‑Membro não pode aplicar esse acordo se o litígio for da competência exclusiva dos tribunais de outro Estado‑Membro ou se o acordo não respeitar as disposições do regulamento que protegem as partes mais fracas (tomador do seguro, consumidor ou trabalhador) (147).
151. Este pressuposto de «refletividade» é simultaneamente lógico e crucial. Com efeito, o facto de um tribunal de um Estado‑Membro se poder declarar incompetente numa situação «externa», na qual, nos termos dos artigos 24.° ou 25.° do Regulamento Bruxelas I‑A, tivesse de fazer o mesmo caso a situação tivesse sido «interna à União» é uma garantia de coerência do Regime de Bruxelas. Também permite, em ambos os casos alcançar os objetivos prosseguidos nestas disposições. Em contrapartida, não há nenhuma razão para tratar as situações «externas» mais favoravelmente do que os litígios «internos à União». Se o direito da União não estatuísse sobre as competências dos tribunais nacionais as regras primordiais que atribuem competência exclusiva aos Estados‑Membros ou que protegem as partes mais fracas poderiam ser facilmente contornadas pelas empresas através da mera inserção de acordos de eleição de foro celebrados por países terceiros nos seus contratos. Portanto, essas regras perderiam uma parte significativa do seu efeito útil (148).
152. Quando estes pressupostos estejam reunidos, a exigência de «refletividade» não vai ao ponto de obrigar o tribunal de um Estado‑Membro a declarar‑se incompetente do modo requerido pelos artigos 24.° ou 25.° do regulamento nos casos a que se aplicam diretamente, ou seja, automaticamente. Expliquei no n.° 110, supra, por que razão não pode ser esse o caso, isto é, poderia ocorrer o risco de denegação de justiça, em violação do artigo 47.° da Carta. Por conseguinte, deve ser concedido um poder discricionário limitado a fim de verificar se (i) os tribunais do país terceiro em causa de facto têm competência exclusiva ao abrigo das regras de direito internacional privado e (ii) essas partes podem aí obter um recurso efetivo. Se assim não for, o tribunal do Estado‑Membro chamado a pronunciar‑se não se deverá declarar incompetente; mas deverá fazê‑lo na hipótese contrária. Se a questão não for clara, deverá suspender a instância até que as partes chamem o tribunal do país terceiro em questão a pronunciar‑se (e seja evidente que este tribunal decidirá) no âmbito de uma ação que ofereça garantias de um processo equitativo (149).
153. No processo principal, resulta das considerações precedentes que, embora o artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento de Bruxelas I‑A não se aplique diretamente à questão da validade da patente turca, contestada pela Electrolux por via de exceção, esta disposição pode ter um «efeito reflexo» quanto à competência dos tribunais suecos. Isto significa que esses tribunais podem utilizar os poderes de que dispõem ao abrigo do seu direito nacional para se declararem incompetente para decidir sobre esta questão e suspender a instância até que os tribunais turcos decidam sobre a validade desta patente, de acordo com os pressupostos acima explicados.
154. Contrariamente ao que o Governo Francês alude, o reconhecimento de tal derrogação implícita ao efeito imperativo do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento Bruxelas I‑A não é contra legem ou, dito de outra forma, não «reescreve» este regulamento. Esta solução não impõe ao Tribunal de Justiça que se afaste da redação que, recordo, é omissa quanto à questão em análise e, assim, suscetível de tal interpretação teleológica e coerente. Se tanto, poderá incentivar o legislador da União a abordar a questão aquando da revisão deste instrumento.
155. Reconhecer tal lugar (limitado) ao direito nacional também não significa afastar a jurisprudência do Acórdão Owusu, contrariamente ao que defendem a BSH e a Comissão. Recordo que o Tribunal de Justiça excluiu, especificamente, da sua análise a hipótese de litígios estreitamente relacionados com países terceiros ou de acordos de eleição do foro a favor de tribunais de países terceiros. Por conseguinte, pode perfeitamente reconhecer uma exceção, adaptada a essas situações, à sua declaração, aparentemente sem reservas, sobre o efeito imperativo do (atual) artigo 4.°, n.° 1 do Regulamento Bruxelas I‑A (150). Além disso, ao fazê‑lo, concilia este acórdão com o Acórdão Coreck Maritime. Com efeito, a interpretação sugerida nas presentes conclusões apresenta a vantagem não negligenciável de conciliar todas as decisões relativas à questão examinada (do mais antigo, o Acórdão Coreck Maritime, ao mais recente, Acórdão IRnova), quando qualquer outra interpretação obrigaria o Tribunal de Justiça a afastar‑se de alguns desses precedentes.
156. Estes intervenientes respondem, no entanto, que, se os tribunais dos Estados‑Membros fossem autorizados a declarar‑se incompetentes nas hipóteses em causa, por força dos poderes que lhes são atribuídos pelo seu direito nacional, isso seria contrário, senão à letra, pelo menos à rationale do Acórdão Owusu. Com efeito, tal solução criaria os mesmos problemas que a exceção do forum non conveniens.
157. Na minha opinião, a comparação não resiste a uma análise atenta.
158. A aplicação da exceção do forum non conveniens, em causa no Acórdão Owusu, teria dado aos tribunais dos Estados‑Membros uma ampla margem de apreciação para não exercerem a competência, nos litígios «externos», baseada no caráter apropriado do foro, tendo em conta um vasto leque de fatores. Uma abordagem tão flexível, casuística, era totalmente contrária ao espírito do Regime de Bruxelas, assente em regras claramente definidas. Teria afetado gravemente a previsibilidade da competência jurisdicional no âmbito deste regime, o que, por sua vez, teria violado o princípio da segurança jurídica e a proteção jurídica das pessoas estabelecidas na União (uma vez que o demandado não poderia razoavelmente prever onde uma ação poderia ser instaurada contra si e o demandante não teria nenhuma garantia de que o tribunal chamado a conhecer do processo, embora designado por esse regime, efetivamente o faria). Por último, a aplicação uniforme deste regime nos Estados‑Membros teria sido afetada, uma vez que esta exceção só é reconhecida nalguns deles (151).
159. Pelo contrário, neste caso, proponho reconhecer aos tribunais dos Estados‑Membros uma margem de discricionariedade estrita para que estes se possam declarar incompetentes em circunstâncias específicas quando, e desde que, tal «reflita» das soluções aplicáveis nos termos dos artigos 24.° e 25.° do Regulamento Bruxelas I‑A. Assim, os fundamentos pelos quais um tribunal de um Estado‑Membro o pode fazer (competência exclusiva de um país terceiro e acordo de eleição do foro a favor dos tribunais deste último) são limitados e precisos, por oposição à exceção do forum non conveniens. Por conseguinte, o reconhecimento dessa margem de discricionariedade não dá lugar ao tipo de incerteza que a aplicação desta exceção teria criado. O Regime de Bruxelas admite atribuir aos tribunais um poder discricionário limitado quando tal sirva os seus objetivos (152). Tal é o caso em apreço.
160. Tal poder discricionário não afeta a previsibilidade da competência jurisdicional. Um demandante razoavelmente bem informado poderá prever que poderá ter de intentar uma ação (e o demandado que poderá ser intentada uma ação contra si) em relação às matérias previstas no artigo 24.° nos tribunais de países terceiros em causa. Também não é surpreendente para essas partes em litígio que o processo deve ser intentado nos tribunais designados num acordo prévio que celebraram. Com efeito, esta solução reforça a previsibilidade da competência, uma vez que contribui para o tratamento comparável de litígios semelhantes «internos à União» e «externos».
161. Também reforça a segurança jurídica uma vez que permite aos tribunais dos Estados‑Membros, em particular, aplicar os acordos celebrados no intuito de a garantir. A proteção jurídica das pessoas estabelecidas na União Europeia também seria reforçada. Evita que o demandado deva ser sujeito, nos tribunais do seu Estado‑Membro, a processos que conduzam a decisões inúteis ou que tenham sido abusivamente instaurados em violação de tal acordo. A proteção jurídica do demandante é, também, assegurada, uma vez que poderá sempre recorrer aos tribunais dos Estados‑Membros se não tiver obtido justiça nos tribunais do país terceiro em causa.
162. Por último, quanto à aplicação uniforme das regras do Regulamento Bruxelas I‑A nos Estados‑Membros, saliento que, ainda que alguns Estados‑Membros tenham aplicado a exceção do forum non conveniens, é amplamente reconhecido, nestes Estados, que os tribunais não devem conhecer de litígios relativos a processos cujo objeto esteja estreitamente relacionado com um país terceiro e a processos em que, em princípio, deveriam ser aplicados acordos atributivos de competência que designam tribunais estrangeiros (153). Assim, os tribunais de todos os Estados‑Membros têm, geralmente, o poder, no seu direito nacional, de se declararem incompetentes em tais circunstâncias. Embora os pressupostos específicos nos termos dos quais o façam possam variar, em princípio, de um Estado‑Membro para outro, recordo que o direito da União delimita o direito nacional de maneira significativa, conforme explicitado nos n.os 150 e 152, supra. Tal garante que os tribunais dos Estados‑Membros apliquem esta solução de forma suficientemente coerente.
V. Conclusão
163. Atendendo a todas as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões prejudiciais submetidas pelo Svea hovrätt (Tribunal de Recurso de Svea, Estocolmo, Suécia):
1) O artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento (UE) n.° 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial,
deve ser interpretado no sentido de que,
quando os tribunais de um Estado‑Membro são chamados a pronunciarem‑se sobre um litígio relativo à contrafação de uma patente registada noutro Estado‑Membro e for suscitada uma exceção de invalidade pelo pretenso contrafator, esses tribunais não têm competência para decidir sobre a questão da validade.
2) O artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento n.° 1215/2012
deve ser interpretado no sentido de que
esta disposição não se aplica à validade de uma patente registada num país terceiro. No entanto, os tribunais dos Estados‑Membros, quando são competentes por força de outra disposição deste regulamento, podem não decidir sobre essa questão.
1 Língua original: inglês.
2 Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, (JO 2012, L 351, p. 1, a seguir «Regulamento Bruxelas I‑A»).
3 Acórdão de 13 de julho de 2006 (C‑4/03, a seguir «Acórdão GAT», EU:C:2006:457).
4 V. artigo 1.°, artigo 2.°, n. º1, e artigos 10.° a 25.° da CPE. O regime previsto pela CPE não faz parte do direito da União, uma vez que a União, propriamente dita, não é parte neste Tratado.
5 V. artigos 52.° a 57.° e 94.° a 97.° da CPE.
6 V. artigos 3.° a 79.° da CPE.
7 V. artigo 2.°, n.° 2, e artigo 64.°, n.° 1.°, da CPE.
8 Os artigos 99.° a 105.° da CPE preveem um processo de oposição através do qual uma pessoa pode requerer, perante o IEP, a revogação centralizada e à escala europeia de uma «patente europeia» no prazo de nove meses a contar da sua concessão.
9 V. artigo 138.° da CPE. Sublinho que, na sequência de uma tumultuosa série de debates e de propostas, foi estabelecida uma «patente europeia com efeito unitário» no âmbito de uma cooperação reforçada entre vários Estados‑Membros. Nos termos do Regulamento (UE) n.º 1257/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2012, que regulamenta a cooperação reforçada no domínio da criação da proteção unitária de patentes (JO 2012, L 361, p. 1), pode, em determinadas condições, ser atribuído um «efeito unitário», nos Estados‑Membros participantes, às «patentes europeias» concedidas pelo IEP através do procedimento centralizado da CPE. Tal patente confere ao seu titular uma proteção e direitos uniformes em todos esses Estados. Além disso, enquanto título unitário, só pode ser revogado relativamente à totalidade desses Estados. O novo regime entrou em vigor em 1 de junho de 2023, não obstante, não é pertinente para o caso vertente; de facto a questão em causa não é referente à «patente europeia com efeito unitário».
10 V. artigo 64.°, n.° 3, da CPE e o artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.º 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (a seguir «Roma II») (JO 2007, L 199, p. 40).
11 Em contrapartida, o litígio referente à «patente europeia com efeito unitário», é da competência especial do Tribunal Unificado de Patentes [v. Acordo relativo ao Tribunal Unificado de Patentes (JO 2013, C 175, p. 1)].
12 A CPE inclui, efetivamente, um Protocolo Relativo à Competência Judiciária e ao Reconhecimento de Decisões Relativas ao Direito à Obtenção da Patente Europeia (Protocolo Relativo ao Reconhecimento), de 5 de outubro de 1973. Todavia, como indica o seu título, este protocolo regula a competência numa matéria estrita, a saber, as reivindicações do «direito à patente europeia» (v. artigo 60.° da CPE), formuladas durante o processo de concessão.
13 Estas ações fazem parte da «matéria civil e comercial», na aceção do referido artigo 1.°, n.º 1, [v. Acórdão de 8 de setembro de 2022, IRnova, (C‑399/21, a seguir «Acórdão IRnova», EU:C:2022:648, n.º 30)].
14 O Regulamento Bruxelas I‑A substituiu o Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1, a seguir «Regulamento Bruxelas I»), que tinha, por seu turno, substituído a Convenção Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, assinada em Bruxelas em 27 de setembro de 1968 (JO 1978, L 304, p. 36, a seguir «Convenção de Bruxelas»). Sublinho que a interpretação que o Tribunal de Justiça dá às disposições destes instrumentos anteriores é transponível para as disposições equivalentes do Regulamento Bruxelas I‑A [v., inter alia, Acórdão IRnova (n.os 29 e 37)]. Por conseguinte, nas presentes conclusões, só os especificarei quando for necessário.
15 A competência do IEP, no âmbito do procedimento de revogação central, conforme previsto na CPE (v. nota de rodapé 8, supra) é reservada nos termos do artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A.
16 V., neste sentido, artigo 25.°, n.° 4, e artigo 26.°, n.° 1, do Regulamento Bruxelas I‑A.
17 Por último, a decisão de um tribunal em violação desta regra pode ser recusada por outro Estado‑Membro (v. artigo 45.°, n.º 1, alínea e), deste regulamento).
18 V. Acórdãos de 15 de novembro de 1983, Duijnstee (288/82, EU:C:1983:326, n.os 23 a 25); e GAT (n.os 15 e 16); e IRnova (n.os 40 e 48). V. ainda Relatório explicativo de P. Jenard sobre a Convenção de Bruxelas (JO 1979, C 59, p. 1, em p. 36) (a seguir «o relatório Jenard»).
19 O artigo 7.°, ponto 2, prevê que uma pessoa possa ser demandada em «matéria extracontratual» perante o «tribunal do lugar onde ocorreu [...] o facto danoso». A este respeito, primeiro, a violação por um terceiro dos direitos exclusivos que uma patente confere ao seu titular constitui um «delito» na aceção desta disposição. Segundo, o «lugar onde ocorreu [...] o facto danoso» situa‑se no território do Estado de registo da patente contrafeita. Com efeito, uma vez que os direitos decorrentes de uma patente só estão protegidos no território do Estado que a concedeu, esses direitos só aí podem ser violados [v., neste sentido, Acórdão de 19 de abril de 2012, Wintersteiger, (C‑523/10, EU:C:2012:220, n.os 27 e 28)].
20 V., por analogia, Acórdão de 22 de janeiro de 2015, Hejduk (C‑441/13, EU:C:2015:28, n.os 36 e 37 e jurisprudência referida).
21 V. Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no processo Pinckney (C‑170/12, EU:C:2013:400, n.º 46).
22 Exceto, ao que parece, no que diz respeito à parte sueca.
23 V. Acórdão GAT (n.º 17). Um demandado na ação de contrafação pode intentar um pedido reconvencional de declaração de nulidade, o que não é uma simples defesa, mas um pedido independente. O pretenso contrafator não pretende simplesmente que a ação de contrafação seja julgada improcedente, mas que se pronuncie separadamente sobre a validade da patente em causa. Com efeito, é uma ação de declaração de nulidade intentada durante a ação de contrafação. Inclui‑se, portanto, na primeira categoria.
24 V., relativamente às referências à jurisprudência dos tribunais de diferentes Estados‑Membros, Fawcett, J. J., e Torremans, P., Intellectual Property and Private International Law, Oxford Private International Law Series, 2.a ed., §§ 7.22 a 7.26.
25 V. Acórdão GAT (n.° 31 e dispositivo). Ou, dito de outra forma, aplica‑se «qualquer que seja o quadro processual em que [aquela questão] é suscitada, ou seja, independentemente de esta questão ser suscitada por via de ação ou por via de exceção» (v. n.º 25 deste acórdão).
26 Além disso, a hipótese de uma ação de contrafação em que a nulidade é suscitada por via de exceção foi expressamente tida em conta pelo Tribunal de Justiça em várias partes do seu raciocínio [v. Acórdão GAT (n.os 17 e 26)].
27 V., inter alia, Acórdãos de 8 de maio de 2003, Gantner Electronic (C‑111/01, EU:C:2003:257, n.os 25 e 26); de 12 de maio de 2011, Berliner Verkehrsbetriebe (C‑144/10, a seguir «acórdão BVG», EU:C:2011:300, n.os 37 e 38); e de 16 de novembro de 2016, Schmidt (C‑417/15, EU:C:2016:881, n.º 25).
28 V., neste sentido, Acórdãos de 9 de novembro de 1978, Meeth (23/78, EU:C:1978:198, n.os 7 a 9), e de 13 de julho de 1995, Danværn Production (C‑341/93, EU:C:1995:239, n.os 13 a 16). V., também, Hartley, T., Civil Jurisdiction and Judgments in Europe, Oxford University Press, Oxford, 2017, § 9.39.
29 V., inter alia, Acórdãos de 3 de outubro de 2013, Schneider (C‑386/12, EU:C:2013:633, n.° 29); de 23 de outubro de 2014, flyLAL‑Lithuanian Airlines (C‑302/13, EU:C:2013:2319, n.os 40 e 41), e de 10 de julho de 2019, Reitbauer e o. (C‑722/17, EU:C:2019:577, n.º 44). V., também, relatório Jenard, p. 34 e 39, e Gothot, P. e Holleaux, D., La Convention de Bruxelles du 27 septembre 1968: compétence judiciaire et effets des jugements dans la CEE, Paris, Jupiter, 1985, p. 83, § 141.
30 Algumas versões, como a alemã, indicam que as regras de competência exclusiva se aplicam aos litígios que tenham «por objeto» uma questão aí mencionada. Outras versões utilizam termos mais vagos.
31 V. Acórdão BVG (n.os 37 e 47).
32 Acórdão GAT (n.os 24, 26 e 27).
33 O facto de a regra controvertida de competência exclusiva ser «imperativa» nada diz, a priori, sobre o seu âmbito de aplicação nem sobre as razões pelas quais se deva aplicar a qualquer processo em que a validade das patentes seja discutida, mesmo no caso de uma simples questão prévia. O argumento do Tribunal de Justiça, segundo o qual se assim não fosse «um demandante conseguiria através da simples formulação dos seus pedidos contornar [esta] regra de competência» [Acórdão GAT, n.º 27 (o sublinhado é meu)], só é relevante em relação aos factos específicos do Acórdão GAT. Não explica por que razão esta regra se deva aplicar mesmo quando a nulidade é suscitada pelo demandado, por exemplo no âmbito de uma ação de contrafação.
34 V., inter alia, Acórdão IRnova (n.° 39 e jurisprudência referida).
35 V. considerando 15 do Regulamento Bruxelas I‑A.
36 V. acórdão BVG (n.º 32).
37 Acórdão de 12 de julho de 2012, Solvay (C‑616/10, EU:C:2012:445, n.º 47).
38 Além de uma ação de contrafação, pode ser invocada a nulidade, por via de exceção, no âmbito de uma ação por falta de pagamento de royalties previstos num contrato de licenciamento, etc.
39 V. considerando 15 do Regulamento Bruxelas I‑A, bem como, inter alia, Acórdão de 9 de dezembro de 2021, HRVATSKE ŠUME (C‑242/20, EU:C:2021:985, n.º 30).
40 Acórdão GAT (n.os 28 e 29).
41 Acordo que constitui o Anexo 1C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC), assinado em Marraquexe, em 15 de abril de 1994, e aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia, e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (JO 1994, L 336, p. 1).
42 V., inter alia, Acórdão de 5 de outubro de 2017, Hanssen Beleggingen (C‑341/16, EU:C:2017:738, n.º 32 e jurisprudência referida).
43 V., inter alia, Acórdão IRnova (n.° 36 e jurisprudência referida).
44 V., neste sentido, Acórdão GAT (n.° 22).
45 Com efeito, apesar de o Tribunal de Justiça ter entendido no n.º 48 do Acórdão IRnova, já referido, que esta «proximidade material ou jurídica» também existe no que respeita à ação de contrafação. A contrafação de uma patente é, também, decidida à luz do direito do Estado de registo. A proximidade factual entre o litígio e o território desse Estado está presente de maneira semelhante (v. n.os 22 e 28, supra). Por estas razões, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao referido artigo 7.°, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I‑A, os tribunais desse Estado estão também «em melhor posição» para conhecer de tal processo [v., inter alia, Acórdão de 19 de abril de 2012, Wintersteiger, (C‑523/10, EU:C:2012:220, n.os 27 e 28)].
46 V. Usunier, L., Compétence judiciaire, reconnaissance et exécution des décisions en matière civile et commerciale. — Compétence. — Règles de compétence exclusives. — Article 24 du règlement (UE) n° 1215/2012, JurisClasseur Droit international, Fasc. 584‑160, 2015, § 3.
47 Bem pelo contrário. O direito de patentes dos Estados‑Membros foi harmonizado por vários tratados internacionais, nomeadamente pelo Acordo ADPIC. Além disso, no que diz respeito aos litígios relativos à validade das patentes europeias, recordo que os pressupostos em matéria de patenteabilidade (que estão no cerne desses litígios) são enunciados na CPE. São, portanto, idênticos no direito nacional dos Estados Contratantes.
48 Em qualquer caso, ainda que a boa administração da justiça tenha sido a finalidade prosseguida pelo artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A, essa finalidade não poderia «requerer» a solução adotada pelo Acórdão GAT, porquanto poderá conduzir a uma má administração da justiça no que respeita à ação de contrafação (v. n.os 53 e 54, supra).
49 Relatório Jenard, p. 36
50 Ainda que tenha sido mencionado não foi discutido pelo Tribunal de Justiça no Acórdão GAT (n.° 23).
51 Esta explicação, embora válida para as patentes nacionais «ordinárias», seria menos convincente relativamente às patentes europeias. Recordo que estas patentes são concedidas pelo IEP, limitando‑se neste processo a intervenção das Administrações nacionais à exigência formal de «validação» nos respetivos Estados.
52 V., inter alia, Gothot, P. e Holleaux, D., op. cit., págs. 88 e 89, § 155; Treppoz, E., «Répertoire de droit international — Contrefaçon», Dalloz, §§ 5, 9, 10, 11 e 30; Fawcett, J. J., Torremans, P., op. cit., p. 19; Gaudemet‑Tallon, H. e Ancel, M.‑E., Compétence et exécution des jugements en Europe : matières civile et commerciale : règlements 44/2001 et 1215/2012, Conventions de Bruxelles (1968) et de Lugano (1988 et 2007), LGDJ, Paris, 6.ª ed., 2018, p. 162, § 120; e Usunier, L., op. cit., §§ 3 e 63.
53 O argumento do Tribunal de Justiça no Acórdão GAT (n.° 30) segundo o qual de acordo com certas regras de direito processual a decisão que anula uma patente numa ação de contrafação produz efeitos declarativos e erga omnes, e que a interpretação do artigo 16.°, n.° 4, da Convenção de Bruxelas não poderia variar em função do efeito incorreto de tal decisão ao abrigo da lei nacional. O Tribunal de Justiça poderia perfeitamente (e legitimamente) ter declarado, pelo contrário, que uma norma de direito processual que confere um efeito erga omnes a constatações de validade numa decisão de contrafação deve ser afastada, em razão de que a sua aplicação prejudica o efeito útil do referido artigo 16.°, n.º 4, [v. Acórdão de 15 de maio de 1990, Hagen, (C‑365/88, EU:C:1990:203, n.os 17 e 20)].
54 V., inter alia, Szychowska, K., «Quelques observations sous les arrêts de la Cour de justice dans les affaires C‑4/03 GAT et C‑539/03 Roche», Revue de Droit Commercial Belge, 2007, n.º 5; Kur, A., «A Farewell to Cross‑Border Injunctions? The ECJ decisions GAT v. LuK and Roche Nedertland v. Primus and Goldenberg», International Review of Intellectual Property and Competition Law, Vol. 37, 2006, p. 844; Treppoz, E., op. cit., e Ancel, M.‑E., «Brevet — L’arrêt GAT: une occasion manquée pour la défence de la propriété intellectuelle en Europe», Communication Commerce électronique, 2007, n.° 5, étude 10.
55 V. European Max Planck Group on Conflict of Laws in Intellectual Property, Draft Principles for Conflict of Laws in Intellectual Property, 25 de março de 2011, artigo 2:401(2) e artigo 4:202. V., nos Estados Unidos, The American Law Institute, Intellectual Property: Principles Governing Jurisdiction, Choice of Law, and Judgements in Transnational Dispute, 2008, §§ 211(2), 212(4) e 213(2).
56 A razão subjacente a esta codificação afigura‑se ser sobretudo circunstancial. Parece que, pouco tempo após ter sido proferido o Acórdão GAT, a mesma redação foi adicionada ao que viria a ser o artigo 22.°, ponto 4, da Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada a 30 de Outubro de 2007 (JO 2007, L 339, p. 3) (a seguir «Convenção Lugano II») por forma a assegurar a consistência entre esta disposição e a correspondente regra de competência exclusiva prevista no Regime de Bruxelas, conforme interpretado naquele acórdão [v. relatório explicativo de F. Pocar sobre a Convenção Lugano II (JO 2009, C 319, p. 1), n.° 102]. De seguida, quando o Conselho aprovou esta Convenção em nome da União comprometeu‑se a proceder de modo idêntico, por ocasião da reformulação do Regulamento Bruxelas I, por forma a assegurar um paralelismo entre estes dois instrumentos (v. Anexo I da Decisão 2009/430/EC do Conselho, de 27 de novembro de 2008, relativo à celebração da Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2009, L 147, p. 1).
57 Resulta desses elementos que o artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A não abrange a «questão» de validade de patentes per se, mas qualquer «processo» no qual esta questão seja suscitada. Uma ação de contrafação no âmbito da qual foi suscitada a nulidade, por via de exceção, deve ser considerada «em matéria de [...] validade de patentes», na aceção desta disposição, sendo a consequência, aparentemente, lógica desta qualificação que essa ação é da competência exclusiva do Estado‑Membro de registo.
58 No Acórdão BVG, o Tribunal de Justiça, evidentemente consciente da tensão entre as interpretações dadas a respeito da regra de competência exclusiva (atualmente) prevista no artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A e no Acórdão GAT, tentou distinguir os dois casos. Para efeitos do caso vertente, basta recordar que, neste contexto, o Tribunal de Justiça resumiu no Acórdão GAT que os tribunais do Estado‑Membro de registo têm «competência exclusiva para conhecer dos litígios em que se contesta [a] validade [da patente]» [Acórdão BVG, n.º 46 (o sublinhado é meu)].
59 Acórdão de 13 de julho de 2006 (C‑539/03, EU:C:2006:458). Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça exclui a possibilidade de o titular da patente poder apensar ações contra vários infratores nos tribunais do domicílio de um deles nos termos do artigo 6.°, ponto 1, da Convenção de Bruxelas (atual artigo 8.°, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I‑A). Entre as razões apresentadas a este respeito, o Tribunal de Justiça indicou que, mesmo que essa concentração de processos tivesse sido possível, não poderia obstar «à fragmentação, no mínimo parcial, do contencioso em matéria de patentes» quando a validade das patentes é contestada, uma vez que «essa questão constitui [...] matéria da competência exclusiva dos [tribunais] do Estado [de registo]» (n.º 40) (o sublinhado é meu).
60 Também não resulta dos travaux préparatoires desse regulamento. O legislador não rejeitou a proposta de indicar que, quando a nulidade é invocada por via de exceção numa ação de contrafação, os tribunais chamados a conhecer desse processo devem simplesmente suspender a instância até que os tribunais do Estado de registo decidam sobre a questão de validade. Esta proposta nunca foi apresentada pela Comissão nem sugerida durante o processo legislativo. Com efeito, parece que o legislador optou por brevemente discutir, se de todo discutiu, esta questão.
61 V., neste sentido, Acórdãos de 8 de maio de 2003, Gantner Electronic (C‑111/01, EU:C:2003:257, n.os 24 a 32); de 15 de maio de 2003, Préservatrice Foncière Tiard (C‑‑266/01, EU:C:2003:282); e BVG (n.° 35).
62 É certo que o titular de uma patente pode, por vezes, ter condições de antecipar que o pretenso contrafator irá invocar uma exceção de invalidade. No caso vertente, a Electrolux alega que a BSH estava perfeitamente em condições de o fazer, uma vez que o seu diferendo relativo tanto à validade como à contrafação da patente europeia em causa prossegue há mais de 10 anos. No entanto, nem sempre pode ser esse o caso. Mesmo que o titular de uma patente pudesse prever que esse meio de defesa fosse invocado, não pode ter certeza absoluta. Decidir onde intentar a ação torna‑se, assim, um jogo de aposta baseado na probabilidade de ser suscitada a nulidade.
63 Contrariamente ao que sustenta a Electrolux, também não creio que tal consequência seja compatível com o artigo 27.° do Regulamento Bruxelas I‑A. Recordo que esta disposição obriga um tribunal de um Estado‑Membro a pôr termo à instância quando tiver sido instaurada «a título principal, uma ação» (o sublinhado é meu), inter alia, em matéria de validade de uma patente registada noutro Estado‑Membro. Considerar que uma ação de contrafação é, «a título principal, uma ação» em matéria de validade, quando esta questão apenas foi suscitada enquanto questão prévia, seria abusivo.
64 O argumento da Electrolux segundo o qual a Diretiva 2004/48 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (JO 2004, L 157, p. 45, e retificação no JO 2004, L 195, p. 16), harmonizou as regras processuais aplicáveis às ações de contrafação, e, deste modo, os titulares de uma patente devem beneficiar de um nível de proteção equivalente em todos os Estados‑Membros, é inoperante. De facto, ter de instaurar vários processos em vez de um único é, por si só, um problema (mesmo que cada um dos tribunais chamados a pronunciar‑se ofereça garantias suficientes).
65 Ou, de um modo geral, pelas autoridades desse Estado. Uma ação de declaração de nulidade pode, também, ser instaurada no serviço competente de patentes.
66 V., neste sentido, artigo 49.° do Code de procédure civile (Código de Processo Civil francês)
67 De facto, considerando que é o pretenso contrafator que contesta a validade da patente em causa, é apenas lógico que seja sobre este que recaia o ónus de instaurar uma ação de declaração de nulidade. Além disso, nem todos os Estados‑Membros permitem que se intente uma ação declarativa positiva relativa à validade de uma patente (v. Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu, sobre a aplicação do Regulamento [Bruxelas I] [COM (2009) 174 final, de 21 de abril de 2009, a seguir «Relatório da Comissão 2009», págs. 6 e‑7].
68 V. Acórdão BVG (n.° 46).
69 As reivindicações da patente definem os limites da invenção patenteada e fixam, a esse título, o que a patente inclui ou não. Por conseguinte, a interpretação destas reivindicações é decisiva para determinar se os atos praticados pelo pretenso contrafator estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da patente e, portanto, violam esta última. As reivindicações da patente são, também, decisivas para decidir se a patente é ou não válida. Com efeito, um dos pressupostos habituais para a concessão de uma patente sobre uma dada invenção é a «novidade» desta última. Para apreciar este pressuposto, a invenção em causa, tal como definida nessas reivindicações, é comparada com o estado «anterior» da técnica (v., no que respeita às patentes europeias, artigo 54.° e artigo 69.°, n.° 1 da CPE).
70 Mais uma vez, esta complexidade poderia ter sido evitada se, simplesmente, se permitisse aos tribunais situados fora do Estado de registo, quando chamados a conhecer de uma ação de contrafação, decidir sobre a validade da patente como questão prévia (v. parte 1, das presentes conclusões).
71 O órgão jurisdicional de reenvio explica que, por força do segundo parágrafo do § 61 do Patentlagen, quando uma exceção de invalidade é suscitada no âmbito de uma ação de contrafação, o demandado deve intentar uma ação de declaração de nulidade distinta.
72 V. Tang, Z.S., «Validity in patent infringement proceedings — A new approach to transnational jurisdiction», The Queen Mary Journal of Intellectual Property, 2021, págs. 47 a 68.
73 V. considerando 38 do Regulamento Bruxelas I‑A e Acórdão Hypoteční banka, de 17 de novembro de 2011, (C‑327/10, EU:C:2011:745, n.º 48).
74 Isso, também, permitiria manobras estratégicas por parte do titular da patente. Poderiam avançar com uma interpretação estrita das reivindicações de patente perante o juiz que conhece da questão de validade, para evitar decidir que a patente abrange o estado da técnica anterior e, portanto, é inválida, e avançar uma interpretação diferente e mais lata dessas reivindicações perante o juiz que conhece da questão da contrafação, de modo a incluir os atos do pretenso contrafator no seu âmbito de aplicação.
75 Para ser claro, mesmo que assim seja entendido, como sustenta a Electrolux, a interpretação «estrita» do Acórdão GAT ainda não é ideal de uma perspetiva dos direitos da defesa. Para eficazmente se defender contra falsas ações de contrafação, um demandado não pode meramente invocar uma exceção no decurso de uma ação de contrafação, mas deve, além disso, instaurar uma ação de declaração de nulidade no(s) Estado(s) de registo da patente(s) (o que não é apenas inconveniente, mas, também, significativamente mais dispendioso fazê‑lo). Todavia, os direitos da defesa não constituem prerrogativas absolutas [v., inter alia, Acórdão de 15 de março de 2012, G (C‑292/10, EU:C:2012:142, n.º 49)]. O Tribunal de Justiça no Acórdão GAT (e, posteriormente, o legislador da União) considerou, evidentemente, que uma tal limitação desses direitos era necessária para garantir o respeito da competência exclusiva do Estado de registo.
76 V. European Max Planck Group on Conflict of Laws in Intellectual Property, Principles for Conflict of Laws in Intellectual Property — Draft, artigo 2:703(1).
77 V. Hess, B., Pfeiffer, T., e Schlosser, P., Report on the Application of Regulation Brussels I in the Member States (Study JLS/C4/2005/03), Ruprecht‑Karls‑Universität Heidelberg, setembro de 2007, § 818.
78 V., inter alia, Acórdão de 15 de maio de 1990, Hagen (C‑365/88, EU:C:1990:203, n.os 17, 19 e 20).
79 Obviamente, na ação de contrafação, o artigo 24.°, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A deverá ser tido em conta se o pretenso contrafator suscitar a exceção de invalidade em conformidade com os pressupostos de regras processuais relativas aos prazos e à forma requeridos pelo foro. Desde que estes pressupostos, na prática, não tornem excessivamente difícil ou impossível para o demandando fazê‑lo não são criticáveis ao nível do direito da União.
80 Em particular, órgão jurisdicional de reenvio explica que, por força das regras processuais suecas, uma ação de contrafação pode ser suspensa até ser proferida decisão sobre a ação de declaração de nulidade.
81 V., inter alia, Conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed no Acórdão GAT (C‑4/03, EU:C:2004:539, n.º 46); F. Pocar, op. cit., § 102; e T. Hartley, op. cit., § 12.34.
82 V., por analogia, Acórdão de 12 de julho de 2012, Solvay, (C‑616/10, EU:C:2012:445, n.os 49 e 50).
83 Esses tribunais também podem proferir uma decisão de contrafação provisória e executória, sob reserva de uma decisão em contrário sobre a validade.
84 V. Conclusões do Advogado‑Geral L. A. Geelhoed no Acórdão GAT (C‑4/03, EU:C:2004:539, n.° 46), e Tang, Z.S., op. cit., págs. 47 a 68.
85 Naturalmente, todas as circunstâncias devem ser tidas em conta. A ação de declaração de nulidade pode encontrar‑se de tal modo avançada que não se considere necessário suspender a ação de contrafação (e assim por diante).
86 V. artigo 9.° da Diretiva 2004/48.
87 Acórdão de 12 de julho de 2012 (C‑484/10, EU:C:2012:445, n.os 31 a 51).
88 Acórdão de 1 de março de 2005 (C‑281/02, a seguir «Acórdão Owusu», EU:C:2005:120, n.os 24 a 35).
89 Alguns peritos defendem a perspetiva contrária. Na opinião destes, embora o domicílio do demandado seja o principal critério de aplicabilidade do Regime de Bruxelas, decorre do artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento Bruxelas I‑A que, em relação a tais litígios, apenas a localização dos bens em causa (e assim por diante) ou os tribunais designados por acordo são relevantes. Por conseguinte, quando estes elementos fazem referência a países terceiros, o litígio não é abrangido pelo âmbito de aplicação do regulamento. Infelizmente, não é o que efetivamente se diz na redação deste regulamento. O artigo 6.°, n.° 1, do mesmo, prevê que o princípio segundo o qual as regras nacionais de competência são aplicáveis quando o demandado não tem domicílio na União Europeia são aplicáveis «sem prejuízo [...] dos artigos 24.° e 25.°». Resulta claramente destes termos que, nesse caso, o litígio é, no entanto, regulado pelas regras deste regulamento quando os elementos visados por estas duas disposições designem um Estado‑Membro. Não podem ser entendidos no sentido de que este regime não abrange os litígios intentados contra demandados da União quando digam respeito a bens imóveis situados num país terceiro ou a um acordo de eleição de foro que designe os tribunais de um país terceiro. A jurisprudência do Tribunal de Justiça confirma esta interpretação (v., inter alia, Acórdão de 19 de julho de 2012, Mahamdia, C‑154/11, a seguir «Acórdão Mahamdia», EU:C:2012:491, n.° 39, e no Acórdão IRnova (n.os 25 a 28).
90 Para ser justo, onde os seus predecessores foram completamente omissos, o Regulamento Bruxelas I‑A aborda a questão (v. n.º 115, infra).
91 Com efeito, o Governo Francês considera que esta solução é indesejável, mas imposta pela redação do regulamento (v. n.os 115e 139, infra).
92 V. Droz, G., Compétence judiciaire et effets des jugements dans le Marché commun, Paris, Dalloz, 1972, §§ 164 a 169 e 204.
93 V., inter alia, Mayer, P., Heuzé, V. e Remy, B., Droit international privé, LGDJ, Paris, 12.ª ed., 2019, § 360.
94 Do mesmo modo, o artigo 27.° deste regulamento obriga um tribunal de um Estado‑Membro a declarar‑se incompetente apenas em favor do «tribunal de outro Estado‑Membro».
95 Acórdão IRnova (n.os 34 e 35).
96 Acórdão de 9 de novembro de 2000 (C‑387/98, a seguir «Acórdão Coreck Maritime», EU:C:2000:606, n.os 17 e 19).
97 V. Acórdão de 9 de dezembro de 2003, Gasser (C‑295/02, EU:C:2003:657, n.º 72).
98 V. Jenard, P. e Möller, G., Relatório da Convenção de Lugano (JO 1990, C 189, p. 57), § 54, e M. Almeida Cruz, M. Desantes Real e P. Jenard, Relatório sobre a Convenção de San Sebastián (JO 1990, C 189, p. 35) § 25.
99 Parecer de 7 de fevereiro de 2006 (a seguir «Parecer 1/03», EU:C:2006:81).
100 V. Acórdão de 31 de março de 1971, Comissão/Conselho (22/70, EU:C:1971:32, n.os 17 a 22).
101 V. n.º 135, infra.
102 Parecer 1/03 (n.° 153). O facto do artigo 4.°, n.° 1, se poder aplicar a litígios que apresentam, com um país terceiro, o tipo de conexões previstas nos artigos 24.° e 25.° do Regulamento Bruxelas I‑A decorre, também, dos artigos 33.° e 34.° deste regulamento (v. nota de rodapé 107, infra).
103 V. Acórdão Owusu (n.° 37).
104 De acordo com a exceção do forum non conveniens, aplicável nos países de direito consuetudinário, um tribunal pode declarar‑se incompetente se existir outro tribunal situado noutro Estado que seja o foro apropriado para conhecer do litígio (v. Acórdão Owusu, n.° 8). Nesse processo, tratava‑se, segundo os tribunais do Reino Unido, da Jamaica.
105 O Tribunal de Justiça também rejeitou a aplicação da exceção do forum non conveniens por razões de princípio (v. n.° 156, infra).
106 Estas disposições abrangem a situação em que qualquer pedido (artigo 33.º) ou ações conexas (artigo 34.º) estejam pendentes, em simultâneo, num tribunal de um Estado‑Membro e num tribunal de um país terceiro. Com base na disposição relevante, o tribunal do Estado‑Membro, se for competente nos termos do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento Bruxelas I‑A, pode declarar‑se incompetente em favor de um tribunal de um país terceiro, caso se verifiquem determinados pressupostos, incluindo ser «necessári[o] para a correta administração da justiça». A este respeito, o considerando 24 deste regulamento parece indicar litígios estreitamente relacionados com países terceiros ao prever que «ao ter em conta a correta administração da justiça, o tribunal do Estado‑Membro em causa» deverá considerar, inter alia, «se o tribunal do país terceiro tem competência exclusiva no caso concreto nas mesmas circunstâncias em que o tribunal de um Estado‑Membro teria competência exclusiva». Por conseguinte, quando os artigos 33.° e 34.° sejam aplicáveis, os tribunais do Estado‑Membro podem, indiretamente, considerar essas conexões e declararem‑se incompetentes, não com fundamento nessas disposições per se, mas devido à circunstância lis pendens. Todavia, como foi acima referido, estas disposições só são aplicáveis quando o tribunal de um país terceiro for chamado a pronunciar‑se em primeiro lugar e não quando o for em segundo lugar.
107 O artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento Bruxelas I‑A é, na minha opinião, também, omisso na questão em apreço. Com efeito, esta disposição deve ser lida em conjugação com o artigo 5.°, n.° 1, deste regulamento. A primeira disposição indica que «deve ser» interposta ação contra um demandado nos tribunais do Estado‑Membro do seu domicílio, e a segunda disposição indica que estes «só podem ser demandad[o]s nos tribunais de outro Estado‑Membro nos termos das regras enunciadas [nesse regulamento]». Por conseguinte, estas disposições apenas dizem respeito à atribuição de competência entre Estados‑Membros. Não abordam a questão de saber se e, sendo caso disso, quais as circunstâncias em que os tribunais do domicílio do demandado podem declarar‑se incompetentes em favor dos tribunais de um país terceiro.
108 V. Briggs, A., Civil Jurisdiction and Judgments, Informa Law, Oxon, 2015, 6.ª ed., págs. 316 a 362, e p. 345, e Mills, A., Party Autonomy in Private International Law, Cambridge University Press, Cambridge, 2018, p. 217. Em particular, os artigos 33.° e 34.° do Regulamento Bruxelas I‑A não figuram numa secção fechada, sob a epígrafe «Possibilidade de ser declarada a incompetência em favor dos tribunais de países terceiros». Pelo contrário, fazem parte do capítulo II, secção 9, do regulamento, sob a epígrafe «Litispendência e conexão». Estas disposições também não indicam, por exemplo, que «um tribunal de um Estado‑Membro só pode declarar‑se incompetente em favor dos tribunais de um país terceiro quando [...]». Pelo contrário, indicam que «quando» existe uma situação de lis pendens, o tribunal do Estado‑Membro pode fazê‑lo se os pressupostos que preveem se verificarem. O mesmo deverá ser dito sobre o considerando 24 deste regulamento. Este último simplesmente indica que, em caso de processos concorrentes, o tribunal do Estado‑Membro, a fim de apreciar se deve declarar-se incompetente, deverá considerar a estreita conexão do processo com o país terceiro em causa. Não refere que essas conexões só podem ser tidas em conta naquelas circunstâncias.
109 V. Acórdão Owusu (n.os 48 a 52). Sustenta‑se, por vezes, que o Parecer 1/03 apoia esta interpretação literal. Ora, não o faz uma vez que, simplesmente, não aborda a questão de saber se os tribunais dos Estados‑Membros estão obrigados a exercer a competência que lhes é atribuída pelo Regime de Bruxelas. De modo idêntico, no Acórdão Irnova,, o Tribunal de Justiça não abordou a questão de saber de se, uma vez que o artigo 24.°, ponto 4, não é «aplicável» a litígios relativos à validade de patentes registadas em países terceiros, os tribunais do Estado‑Membro de domicilio do demandado estão vinculados a conhecerem desta matéria. O Tribunal de Justiça não tinha de o fazer uma vez que este processo não tinha por objeto a validade (v. n.os 36 a 48 deste acórdão).
110 Acórdão Coreck (n.° 19 e jurisprudência referida).
111 V. Acórdão Mahamdia (n.os 60 a 66).
112 V., neste sentido, Acórdão Mahamdia (n.° 65). V., também, Kistler, A.R.E., «Effect of exclusive choice‑of‑court agreements in favour of third States within the Brussels I Regulation Recast», Journal of Private International Law, Vol. 14, n.° 1, 2018, págs. 79 e 81 a 83; Hartley, T.C., op. cit., §§ 13.19 a 13.21. Deste modo, aceitar a perspetiva sugerida pela BSH, pelo Governo Francês e pela Comissão, implica aceitar, também, a delicada ideia de que o Tribunal de Justiça (1) implicitamente anulou o Acórdão Coreck Maritime no Acórdão Owusu e (2) que seguiu um raciocínio inteiramente irrelevante no Acórdão Mahamdia
113 V., relativamente ao artigo 24.°, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I‑A, Conclusões do Advogado‑geral M. Poiares Maduro em ČEZ (C‑343/04, EU:C:2006:13, n.os 35 a 39); relativamente ao artigo 24.°, ponto 4, do referido regulamento, n.° 60, supra; e relativamente ao artigo 24.°, ponto 5, deste regulamento, Acórdão de 26 de março de 1992, Reichert and Kockler (C‑261/90, EU:C:1992:149, n.° 26). V., de maneira geral, relatório Jenard, págs. 35 e 38; Usunier, L., op. cit., §§ 3, 43 e 59; Droz, G., op. cit., § 137 e 156; Gaudemet‑Tallon, H., e Ancel, M.‑E., op. cit., §§ 104 e 118; Hartley, T., op. cit., p. 212; e Gothot, P., e Holleaux, D., §§ 154, 155 e 158.
114 V., considerando 14, bem como artigo 6.°, n.° 1, e artigo 24.° do Regulamento Bruxelas I‑A.
115 Ou, mais precisamente, poderia ser tido em conta, mas apenas no caso de processos concorrentes, e não se os tribunais dos Estados‑Membros forem chamados a pronunciar‑se ainda que apenas um dia antes dos tribunais de um país terceiro (v. n.° 115, supra), o que seria incoerente, ou mesmo absurdo. A «relação particular» entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros não pode justificar tal diferença de tratamento. Os direitos destes Estados são tidos em conta, no artigo 24.°, não em razão da sua qualidade de membros da União Europeia, mas, simplesmente, porque são entidades soberanas na ordem internacional.
116 V., inter alia, Roorda, L. e Ryngaert, C., «Public International Law Constraints on the Exercise of Adjudicatory Jurisdiction in Civil Matters», em Forlati, S., e Franzina, P., (eds), Universal Civil Jurisdiction — Which Way Forward?, BRILL, 2020, págs. 74 a 95, e Mills, A., «Rethinking Jurisdiction in International Law», The British Yearbook of International Law, 2014, Vol. 84, n.° 1, págs. 187 a 239.
117 V., inter alia, Roorda, L., Ryngaert, C., op. cit., págs. 77, 82 e 87; Mills, A., Party Autonomy in Private International Law, p. 233; Usunier, L. op. cit., §§ 1, 43 e 67. A BSH e a Comissão alegaram, no entanto, que, se os tribunais de um Estado‑Membro tivessem, por exemplo, de declarar inválida uma patente concedida por um país terceiro, tal não interferiria com a soberania desse Estado, uma vez que esta decisão não seria aí reconhecida. Na minha opinião, este argumento é duplamente incorreto. Primeiro, um país terceiro nega qualquer autoridade a tal decisão precisamente porque é entendida como uma ingerência numa matéria soberana. Segundo, uma vez que tal decisão nunca poderia ser executada nesse Estado, a fortiori, os tribunais dos Estados‑Membros não deveriam ser, desde logo, instruídos para decidirem (v. n.° 134, infra).
118 V., inter alia, Acórdãos de 16 de junho de 1998, Racke (C‑162/96, EU:C:1998:293, n.° 46), e de 26 de abril de 2022, Polónia/Parlamento e Conselho (C‑401/19, EU:C:2022:297, n.° 70). Mesmo que o Tribunal de Justiça tivesse considerado, erradamente, que esses limites à competência jurisdicional não existem no direito internacional, como sustenta a Electrolux, seria, no entanto, contrário à cortesia internacional que um tribunal de um Estado‑Membro se pronunciasse sobre questões que afetam os direitos de um país terceiro.
119 V. considerandos 14 e 19 do Regulamento Bruxelas I‑A, bem como, inter alia, Acórdão de 7 de julho de 2016, Hőszig (C‑222/15, EU:C:2016:525, n.° 44).
120 Desde que se verifiquem os pressupostos estabelecidos no artigo 25.° e que sejam respeitados os limites impostos pelas regras de proteção de competência (v. n.° 150, infra).
121 V., considerando 14, bem como artigo 6.°, n.° 1, e artigo 25.° do Regulamento Bruxelas I‑A.
122 V. n.° 115, supra. Esta hipótese incentivaria uma «corrida» pouco saudável perante os tribunais uma vez que cada parte iria procurar ser a primeira a agir para fazer respeitar ou, pelo contrário, para neutralizar o acordo de eleição do foro.
123 V. Acórdão de 12 de janeiro de 2023, TP (Editor Audiovisual para a Televisão Pública) (C‑356/21, EU:C:2023:9, n.° 74 e jurisprudência referida).
124 Esta restrição não reúne os pressupostos estabelecidos no artigo 52.°, n.° 1, da Carta. Primeiro, não está «prevista por lei», uma vez que um resultado tão drástico decorreria da inexistência de regras específicas no Regulamento Bruxelas I‑A. Segundo, dificilmente se poderia considerar que «correspondem, efetivamente, a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União» (v., mais detalhadamente, n.° 161, infra). Terceiro, mesmo admitindo que esse objetivo existe, a incoerência, ou mesmo o absurdo, desta restrição impossibilita a sua defesa. Recordo que os tribunais dos Estados‑Membros seriam autorizados a aplicar os acordos de eleição do foro em favor de um país terceiro, em caso de processos concorrentes, mas não se os tribunais dos Estados‑Membros forem chamados a pronunciar‑se ainda que apenas um dia antes dos tribunais de um país terceiro (v. n.° 115, supra).
125 V., inter alia, Acórdão de 26 de abril de 2022, Polónia/Parlamento e Conselho (C‑626/19, EU:C:2022:297, n.º 70 e jurisprudência referida).
126 Recusar reconhecer uma decisão estrangeira proferida em violação da competência exclusiva do Estado demandado é uma medida comum no direito nacional. Também está previsto, na União, no artigo 45.°, n.° 1, alínea e), subalínea ii) do Regulamento Bruxelas I‑A, bem como em convenções internacionais, tais como na Convenção relativa ao Reconhecimento e à Execução de Decisões Estrangeiras em Matéria Civil e Comercial (v. artigo 5.°, n.° 3, e artigo 6.° desta convenção).
127 V. artigo 71.°, n.° 1, e artigo 73.°, n.os 1 e 3, do Regulamento Bruxelas I‑A, bem como Acórdão de 4 de maio de 2010, TNT Express Nederland (C‑533/08, EU:C:2010:243).
128 Em contrapartida, recordo que a CPE não contém regras de competência internacional com uma exceção, a qual é irrelevante para o caso vertente (v. n.° 23, supra). Por conseguinte, como sublinharam todos os intervenientes, um Estado, como a Turquia, que é parte da CPE, deve ser equiparado a qualquer outro país terceiro para efeitos das regras do Regulamento Bruxelas I‑A.
129 Convenção aprovada pela Decisão 2014/887/UE do Conselho, de 4 de dezembro de 2014, relativa à aprovação, em nome da União Europeia, da Convenção de Haia, de 30 de junho de 2005, sobre os Acordos de Eleição do Foro (JO 2014, L 353, p. 5) (a seguir «Convenção de Haia»).
130 V. artigos 22.° e 23.° da Convenção Lugano II e artigo 3.°, alínea a) da Convenção de Haia.
131 Nomeadamente, China, México, Montenegro, Singapura, Ucrânia e Reino Unido (v. Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, Assinaturas e ratificações n.° 37, Convenção sobre os Acordos de Eleição do Foro, de 30 de junho de 2005, disponível em https://www.hcch.net/pt/instruments/conventions/status‑table/?cid= 98.
132 C‑129/19, EU:C:2020:375, n.os 117 a 123.
133 Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo BV (C‑129/19, EU:C:2020:375, n.° 123).
134 A questão foi identificada, atenta a futura reformulação do Regime de Bruxelas, em vários estudos encomendados pela Comissão (v., inter alia, Hess, B., Pfeiffer, T., e Schlosser, P., op. cit., §§ 360 a 362 e 388) e no relatório da Comissão de 2009 (p. 5). Além disso, a Comissão consultou os interessados sobre esta questão [v. Comissão Europeia, 21 de abril de 2009, Livro Verde sobre a Revisão do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial [COM (2009) 175 final], p. 4].
135 V. Parlamento Europeu, Comissão dos Assuntos Jurídicos, doc. 2010/0383 (COD), 19 de outubro de 2011, alterações 106, 112 e 113.
136 Conselho da União Europeia, doc. 9474/11 ADD 8, de 8 de junho de 2011, Note from the United Kingdom delegation to Working Party on Civil Law Matters (Brussels I), págs.. 7 a 15; doc. 9474/11 ADD 14, 16 de junho de 2011, Note from the French delegation to Working Party on Civil Law Matters (Brussels I), págs. 8 a 18; doc. 8000/12, 22 de março de 2012, Note from the United Kingdom delegation to Working Party on Civil Law Matters (Brussels I), págs. 1 a 8; doc. 8205/12, 27 de março de 2012, Note from the French delegation to Working Party on Civil Law Matters (Brussels I), págs. 1 a 7.
137 A (então) futura aprovação, pela União Europeia, da Convenção de Haia figura aí algumas vezes [v. Conselho da União Europeia, doc. 9549/12, 4 de maio de 2012, Note from the delegation of the United‑Kingdom to Working Party on Civil Law Matters (Brussels I), p. 2)] e pode explicitar por que razão o legislador optou por não acrescentar no regulamento regras relativas às convenções de eleição de foro em favor de países terceiros.
138 Conselho da União Europeia, doc. 13756/11 ADD 1, 9 de setembro de 2011, Note from German delegation to Working Party on Civil Law Matters (Brussels I), p. 3 (o sublinhado é meu).
139 A doutrina apresenta um argumento segundo o qual o legislador da União pretendeu, efetivamente, privar os tribunais dos Estados‑Membros do direito de conceder efeito aos acordos de eleição do foro em favor dos tribunais de países terceiros uma vez que isso convidaria os países terceiros a aderir à Convenção de Haia [v. Beaumont, P., «The revived Judgments Project in The Hague», Netherlands Internationaal Privaatrecht (NiPR), 2014, vol. 4, págs. 532 a 539]. É certo que o autor era membro do grupo de trabalho do Conselho que concebeu o Regulamento Bruxelas I‑A. Todavia, essa declaração de perito dificilmente pode ser considerada suficiente para demonstrar a vontade do legislador da União, sobretudo quando é desmentida pelas declarações de outras delegações. Em todo o caso, é duvidoso que o legislador tenha tido a intenção de sacrificar a autonomia das partes no regulamento para a promover a nível internacional.
140 V. Proposta da Comissão, artigo 4.°, n.° 2.
141 Ver, inter alia, Parlamento Europeu, Comissão dos Assuntos Jurídicos, doc. A7‑0320/2012, 15 de outubro de 2012, Relatório sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (reformulação) [COM (2010) 748]; Conselho, doc. 9474/11 ADD 9, 10 de junho de 2011, Note from the Belgian delegation to Working Party on Civil Law Matters, p. 3.
142 V., inter alia, no Reino Unido, Tribunal Superior de Justiça, Secção do Foro da Rainha (Tribunal de Comércio), Konkola Copper Mines plc/Coromin [2005] 2 Lloyd’s Rep. 555; Tribunal Superior de Justiça, Secção do Foro da Rainha (Tribunal de Comércio), Ferrexpo AG/Gilson Investments [2012] EWHC 721 (Comm); em França, Tribunal de Cassação, Primeira Secção Cível, 2 de abril de 2014, 13‑11.192, FR:CCASS:2014:C100356. V., também, Nuyts, A., Study on Residual Jurisdiction, General Report, 2007, págs. 73‑80.
143 V., inter alia, Nuyts, A., «La théorie de l’effet réflexe», em Le droit processuel et judiciaire européen, Bruxelles, La Charte, 2003, págs. 73 a 89; Mills, A., Party Autonomy in Private International Law, p. 138; Harris, J., «Stay of proceedings and the Brussels Convention», ICLQ, 2005, vol. 54, págs. 933 a 950; Bachmeir, T. e Freytag, M., «Discretional elements in the Brussels Ia Regulation», Journal of Private International Law, 2022, Vol. 18, n.° 2, págs. 296 to 316; Kistler, A.R.E., op. cit., págs. 66 a 95; Fawcett, J. J. e Torremans, P., op. cit., § 7,218; Usunier, L., op. cit., § 14; De Verneuil Smith, P., Lasserson, B. e Rymkiewicz, R., «Reflections on Owusu: The Radical Decision in Ferrexpo», Journal of Private International Law, 2012, vol. 8, n.° 2, págs. 389 a 405; Dicey, A.V., Morris, J.H.C. e Collins, L.A.C., The Conflict of Laws, Sweet Williwell U.K., 2012, 15ª ed., §§ 12.021‑12.024; V. Goodwin, J., «Reflexive effet and the Brussels I Regulation», Law Quarterly Review, 2013, vol. 129, págs. 317 a 320; Takahashi, K., «Review of the Brussels I Regulation: A Comment from the Perspectives of Non‑Member States (Third States)», Journal of Private International Law, 2012, vol. 8, n.º1, págs. 8 a 11; Briggs, A., op. cit., §§ 2.305 a 2.308; Gaudemet‑Tallon, H. e Ancel, M.‑E., op. cit., § 106; e Gothot, P. e Holleaux, D., op. cit., §§ 37 e 142.
144 Naturalmente, este é um «reflexo» imperfeito da solução decorrente dos artigos 24.° e 25.° para os diferendos internos da União. Qualquer tribunal, que não o designado, fica privado de competência e é obrigado a declarar‑se incompetente.
145 Não é suficiente, por exemplo, que um litígio seja relativo a uma patente de um país terceiro. Deve ter como objeto, especificamente, a sua validade ou registo, conforme elencado no artigo 24.°, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I‑A.
146 Exceto, obviamente, quanto à designação dos tribunais de um Estado‑Membro.
147 V. artigos 15.°, 19.°, 23.° e 25.°, n.° 4, do Regulamento Bruxelas I‑A.
148 V., neste sentido, Acórdão Mahamdia (n.° 64).
149 V. Kistler, A.R.E., op. cit., págs. 89 e 90; Nuyts, A., «La théorie de l’effet reflexe», § 6; Mills, A., Party Autonomy in Private International Law, p. 233; Goodwin, J., op. cit., págs. 317 a 320; Gaudemet‑Tallon, H. e Ancel, M.‑E., op. cit., § 106; Bachmeir, T. e Freytag, M., op. cit., p. 309, e Usunier, L., op. cit., § 14.
150 Por analogia, no seu Acórdão de 27 de junho de 1991, Overseas Union Insurance e o. (C‑351/89, EU:C:1991:279), o Tribunal de Justiça estabeleceu, sem reservas, um princípio que rege o funcionamento das regras de lis pendens do Regime de Bruxelas («que o tribunal demandado em segundo lugar não se encontra, de modo algum, melhor colocado que o tribunal demandado em primeiro lugar para se pronunciar sobre a competência deste último» (n.° 23). Ao mesmo tempo, reservou expressamente a hipótese da competência exclusiva do juiz demandado em segundo lugar (v. n.° 20). Finalmente, no seu Acórdão de 3 de abril de 2014, Weber (C‑438/12, EU:C:2014:212, n.os 53 e seguintes), o Tribunal de Justiça reconheceu uma exceção a este princípio, precisamente, para a hipótese que tinha inicialmente reservado.
151 V. Acórdão Owusu (n.os 38 a 43).
152 V. artigos 30.°, 33.° e 34.° do Regulamento Bruxelas I‑A. Além disso, o (reduzido) grau de incerteza relacionado com o limitado poder discricionário é infinitamente preferível à certeza absoluta, e ao absurdo, que resultaria da solução de obrigar os tribunais da União a decidir sobre esses processos.
153 V. Nuyts, A., Study on residual jurisdiction, §§ 93 a 96 e 103.