CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

ATHANASIOS RANTOS

apresentadas em 6 de junho de 2024 ( 1 )

Processo C‑255/22 P

Orlen S.A., anteriormente Polski Koncern Naftowy Orlen S.A.,

anteriormente Polskie Górnictwo Naftowe i Gazownictwo S.A

contra

Comissão Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Artigo 102.o TFUE — Artigo 54.o do Acordo EEE — Abuso de posição dominante — Mercados do gás da Europa Central e Oriental — Artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 — Decisão da Comissão que torna obrigatórios os compromissos individuais assumidos por uma empresa — Recurso de anulação — Adequação dos compromissos face às preocupações em matéria de concorrência identificadas na comunicação de objeções — Natureza da fiscalização do juiz da União — Renúncia da Comissão a exigir compromissos relativos a certas preocupações iniciais — Dever de fundamentação — Objetivos da política energética da União — Artigo 194.o TFUE — Princípio da solidariedade energética — Aplicabilidade»

I. Introdução

1.

No presente recurso, a Orlen S.A. (a seguir «Orlen» ou «recorrente»), que sucedeu à Polskie Górnictwo Naftowe i Gazownictwo S.A., pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 2 de fevereiro de 2022, Polskie Górnictwo Naftowe i Gazownictwo/Comissão (Compromissos da Gazprom) (T‑616/18, a seguir acórdão recorrido, EU:T:2022:43), pelo qual este órgão jurisdicional negou provimento ao seu recurso de anulação da Decisão C(2018) 3106 final da Comissão, de 24 de maio de 2018, relativa a um processo nos termos do artigo 102.o TFUE e do artigo 54.o do Acordo EEE (Processo AT.39816 — Abastecimento de gás a montante na Europa Central e Oriental) ( 2 ) (a seguir «decisão controvertida»). Esta decisão tornou obrigatórios os compromissos apresentados pela Gazprom PJSC e pela Gazprom export LLC (a seguir, conjuntamente, «Gazprom») e pôs termo ao procedimento administrativo conduzido pela Comissão, o qual examinou, à luz da proibição dos abusos de posição dominante enunciada no artigo 102.o TFUE, a conformidade de determinadas práticas da Gazprom que afetavam o setor do gás em certos países da Europa Central e Oriental (a seguir «PECO»), a saber, na Bulgária, na República Checa, na Estónia, na Letónia, na Lituânia, na Hungria, na Polónia e na Eslováquia.

2.

Paralelamente, foi interposto um recurso subordinado, igualmente destinado a obter a anulação do acórdão recorrido, pela Overgas Inc., interveniente na primeira instância em apoio da Orlen (a seguir «interveniente» e «recorrente no recurso subordinado»).

3.

O presente processo confere ao Tribunal de Justiça a ocasião de desenvolver a sua jurisprudência relativa ao contencioso suscitado pelas decisões que tornam os compromissos obrigatórios para as empresas em aplicação do artigo 9.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 ( 3 ). Embora este processo suscite a problemática já conhecida do Tribunal de Justiça da fiscalização jurisdicional das decisões adotadas pela Comissão em matéria de direito da concorrência e, nomeadamente, ao abrigo deste artigo 9.o, à luz do princípio da proporcionalidade, suscita também as problemáticas mais inéditas, por um lado, da conformidade de uma decisão adotada com base no referido artigo 9.o com o princípio da solidariedade energética enunciado no artigo 194.o TFUE e, por outro, das regras processuais que regulam o conteúdo das comunicações de objeções, nomeadamente quanto à eventual falta de fundamentação relativa ao abandono de uma ou de várias objeções durante o procedimento de adoção de uma decisão com base no mesmo artigo 9.o

4.

Em conformidade com o pedido do Tribunal de Justiça, as presentes conclusões visarão a análise da terceira parte do primeiro fundamento bem como dos segundo e terceiro fundamentos do recurso, que dizem respeito, em substância, às duas problemáticas acima mencionadas. As presentes conclusões trarão também alguns esclarecimentos sobre a interpretação do conceito de «erro manifesto de apreciação», que está no cerne da primeira parte do terceiro fundamento da recorrente no recurso, bem como do segundo fundamento do recurso subordinado.

II. Quadro jurídico

5.

O artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, sob a epígrafe «Compromissos», tem a seguinte redação:

«Quando a Comissão tencione aprovar uma decisão que exija a cessação de uma infração e as empresas em causa assumirem compromissos suscetíveis de dar resposta às objeções expressas pela Comissão na sua apreciação preliminar, esta pode, mediante decisão, tornar estes compromissos obrigatórios para as empresas. Esta decisão pode ser aprovada por um período de tempo determinado e deve concluir pela inexistência de fundamento para que a Comissão tome medidas.»

III. Antecedentes do litígio

6.

Os antecedentes do litígio e o conteúdo da decisão controvertida são expostos nos n.os 1 a 36 do acórdão recorrido e podem, para efeitos das presentes conclusões restritas, ser resumidos da seguinte forma.

A.   Procedimento administrativo

7.

Durante o período compreendido entre 2011 e 2015, a Comissão tomou diversas medidas para investigar a forma como funcionavam os mercados do gás na Europa Central e Oriental. Em especial, ao abrigo dos artigos 18.o e 20.o do Regulamento n.o 1/2003, endereçou pedidos de informações a diversos atores do mercado, nomeadamente à Gazprom e a alguns dos seus clientes, entre os quais a recorrente, e procedeu a inspeções, inclusive nas instalações desta, no decorrer de 2011 ( 4 ).

8.

Nesse contexto, a Comissão deu formalmente início, em 31 de agosto de 2012, a um processo, em conformidade com o artigo 11.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1/2003 e do artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o 773/2004 ( 5 ), tendo em vista a adoção de uma decisão em aplicação do capítulo III do Regulamento n.o 1/2003.

9.

Em 22 de abril de 2015, a Comissão, em conformidade com o artigo 10.o do Regulamento n.o 773/2004, enviou à Gazprom uma comunicação de objeções (a seguir «CO»), na qual concluía, a título preliminar, que a Gazprom detinha uma posição dominante nos mercados nacionais de fornecimento grossista de gás a montante nos PECO em causa e abusava dessa posição ao pôr em prática uma estratégia anticoncorrencial com o intuito de fragmentar e isolar esses mercados e, assim, impedir a livre circulação de gás, em violação do artigo 102.o TFUE.

10.

Segundo a Comissão, a estratégia da Gazprom englobava três conjuntos de práticas anticoncorrenciais que afetavam os seus clientes nos PECO em causa e os contratos que com ela tinham celebrado.

11.

Primeiro, a Gazprom impusera restrições territoriais no quadro dos seus contratos de abastecimento de gás que celebrara com grossistas e com determinados clientes industriais nos PECO em causa, restrições que resultavam de cláusulas contratuais que proibiam a exportação para fora do território de fornecimento ou obrigavam à utilização do gás fornecido num dado território. Além disso, a Gazprom recorrera a outras medidas que impediam os fluxos transfronteiriços de gás.

12.

Segundo, essas restrições territoriais tinham permitido à Gazprom praticar uma política de preços desleal em cinco dos PECO em causa, a saber, na Bulgária, na Estónia, na Letónia, na Lituânia e na Polónia, ao impor preços excessivos, na medida em que eram claramente superiores ao nível dos seus custos ou de determinados preços considerados como preços de referência.

13.

Terceiro, a Gazprom, em relação à Bulgária e à Polónia, subordinara os seus fornecimentos de gás à obtenção de determinadas garantias, da parte dos grossistas, no que toca às infraestruturas de transporte de gás. Essas garantias diriam respeito, por um lado, aos investimentos do grossista búlgaro no projeto de gasoduto South Stream e, por outro, sobre a aceitação pelo grossista polaco, ou seja, a recorrente, do reforço do controlo da Gazprom sobre a gestão do troço polaco do gasoduto Yamal, um dos principais gasodutos de trânsito da Polónia (a seguir «objeções Yamal»).

14.

Em 29 de setembro de 2015, a Gazprom respondeu à CO contestando as preocupações em matéria de concorrência expressas pela Comissão, e foi depois ouvida, em conformidade com o artigo 12.o do Regulamento n.o 773/2004, numa audição que teve lugar em 15 de dezembro de 2015. Em 14 de fevereiro de 2017, a Gazprom, embora continuando a contestar as preocupações em matéria de concorrência constantes da CO, apresentou, em aplicação do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, um projeto formal de compromissos (a seguir «compromissos iniciais») que foi precedido de propostas informais de compromissos.

15.

Em 16 de março de 2017, tendo em vista recolher as observações das partes interessadas sobre os compromissos iniciais, a Comissão publicou, em conformidade com o artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003, uma comunicação que continha um resumo do Processo AT.39816, bem como o essencial do conteúdo dos compromissos iniciais.

16.

Em 15 de março de 2018, após ter recebido as versões não confidenciais das observações das partes interessadas sobre os compromissos iniciais, a Gazprom apresentou um projeto de compromissos alterado (a seguir «compromissos finais»).

17.

Em 24 de maio de 2018, a Comissão adotou a decisão controvertida, à qual foram juntos os compromissos finais. Com essa decisão, aprovou e tornou obrigatórios esses compromissos, encerrando, assim, o procedimento administrativo, tendo concluído que tinham deixado de existir motivos para intervir no que respeitava às práticas potencialmente abusivas inicialmente identificadas na CO.

B.   Quanto à decisão controvertida

18.

Na decisão controvertida, a Comissão começou por apresentar uma apreciação preliminar das práticas da Gazprom e, depois, apresentou os compromissos iniciais, os resultados da consulta do mercado e os compromissos finais. Em seguida, expôs a sua avaliação dos compromissos finais e as razões que a levaram a considerá‑los satisfatórios face às suas preocupações em matéria de concorrência.

1. Quanto à apreciação preliminar das práticas em causa

19.

Em primeiro lugar, quanto à apreciação preliminar das práticas em causa, na secção 4 da decisão controvertida, a Comissão definiu como mercados pertinentes os mercados nacionais de fornecimento grossista de gás a montante. A este respeito, também observou que a Gazprom detinha uma posição dominante nos mercados pertinentes dos PECO em causa.

20.

De acordo com a Comissão, a Gazprom pode ter abusado da sua posição dominante, em violação do artigo 102.o TFUE, ao pôr em prática uma estratégia anticoncorrencial destinada a impedir a livre circulação de gás nos PECO em causa e, dessa forma, a isolar os mercados pertinentes desses países. Mais concretamente, considerou, que essa estratégia englobava três conjuntos de práticas anticoncorrenciais que correspondiam, no essencial, às preocupações em matéria de concorrência identificadas na CO ( 6 ).

21.

No que respeita às objeções Yamal, embora, no quadro da consulta do mercado, algumas das partes interessadas tivessem salientado a inexistência de compromissos para pôr cobro a essas objeções, a Comissão considerou, no considerando 138 da decisão controvertida, que, depois de ter investigado um pouco mais, as suas preocupações preliminares em matéria de concorrência não se tinham confirmado. Por um lado, observou que a Entidade Reguladora da Energia polaca tinha concluído que o operador de rede independente do troço polaco do gasoduto Yamal exercia um controlo decisivo sobre as decisões em matéria de investimentos relativas a este troço e à sua implementação, e que a Gazprom não estava em posição de bloquear as decisões referentes a este gasoduto. Por outro lado, a Comissão destacou o caráter intergovernamental das relações entre as partes em atividade no setor do gás na Polónia, nomeadamente no que diz respeito à construção e à gestão do troço polaco do gasoduto Yamal, e concluiu que esta circunstância podia, em grande medida, ter determinado o comportamento das partes em causa.

2. Quanto ao conteúdo dos compromissos finais

22.

Em segundo lugar, o conteúdo dos compromissos finais, que foram juntos à decisão controvertida e que pretendem dar resposta às preocupações da Comissão em matéria de concorrência, pode ser resumido da seguinte forma.

23.

Primeiro, no que toca aos compromissos referentes às preocupações relativas às restrições territoriais, a Gazprom, antes de mais, comprometeu‑se, em substância, a suprimir, dos contratos de fornecimento de gás celebrados com clientes estabelecidos nos PECO em causa, todas as cláusulas que proíbem ou entravam, direta ou indiretamente, a livre circulação de gás entre esses países. Além disso, para permitir um fluxo de gás entre, por um lado, a Bulgária e os países bálticos e, por outro, os demais PECO, apesar do isolamento infraestrutural dos primeiros, a Gazprom comprometeu‑se a tomar medidas para conceder aos clientes afetados a possibilidade de pedir que a totalidade ou parte dos respetivos volumes de gás contratados fornecidos em determinados pontos de entrega na Hungria, na Polónia e na Eslováquia sejam entregues noutro ponto de entrega na Bulgária ou nos países bálticos. Na sequência da consulta do mercado, a Gazprom, nomeadamente nos compromissos finais, reforçou a sua proposta relativa à alteração dos pontos de entrega.

24.

Segundo, no que respeita aos compromissos atinentes às preocupações em matéria de preços, a Gazprom obrigou‑se a introduzir novas cláusulas ou a alterar as existentes nos contratos com os clientes afetados na Bulgária, na Estónia, na Letónia, na Lituânia e na Polónia.

25.

Terceiro, quanto aos compromissos concernentes às preocupações em matéria de concorrência relativas à subordinação do fornecimento de gás a um determinado preço à obtenção de garantias, da parte do grossista búlgaro, no que respeita a investimentos no projeto de gasoduto South Stream, a Gazprom comprometeu‑se a permitir aos parceiros búlgaros envolvidos nesse projeto retirar‑se deste sem pôr em causa a sua responsabilidade civil e sem recuperar os descontos sobre os preços do gás que ela tinha concedido em contrapartida da sua participação no referido projeto.

3. Quanto à avaliação e à aplicação dos compromissos finais

26.

Em terceiro e último lugar, quanto à avaliação e à aplicação dos compromissos finais indicados na decisão controvertida, a Comissão concluiu, em substância, que os compromissos finais eram eficazes e necessários, sem serem desproporcionados, para responder às suas preocupações em matéria de concorrência, referindo que teve em conta, a este respeito, a evolução nos mercados do gás desde a notificação da CO. Por conseguinte, a Comissão decidiu tornar obrigatórios os compromissos finais, em aplicação do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003.

C.   Quanto à denúncia relativa às objeções Yamal

27.

Paralelamente ao procedimento administrativo iniciado pela Comissão e que deu lugar à decisão controvertida, a recorrente, em 9 de março de 2017, em aplicação do artigo 5.o do Regulamento n.o 773/2004, apresentou uma denúncia sobre alegadas práticas abusivas por parte da Gazprom ( 7 ). Essas práticas, que coincidiam, em grande parte, com as preocupações em matéria de concorrência já expostas na CO, incluíam, nomeadamente, alegações relativas a abusos cometidos pela Gazprom relacionados com o troço polaco do gasoduto Yamal.

28.

Considerando que a decisão controvertida tinha respondido às preocupações da recorrente e que esta decisão tinha em conta as observações apresentadas por esta no quadro da consulta do mercado efetuada no Processo AT.40497, a Comissão adotou, em 17 de abril de 2019, a Decisão C(2019) 3003 final, relativa à rejeição de uma denúncia (Processo AT.40497 — Preços polacos do gás).

29.

Em 25 de junho de 2019, a recorrente interpôs recurso dessa decisão de rejeição da sua denúncia no Tribunal Geral, recurso esse que ficou registado sob o número de processo T‑399/19.

IV. Tramitação no Tribunal Geral e acórdão recorrido

30.

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de outubro de 2018, a recorrente pediu a anulação da decisão controvertida. Em apoio do seu recurso, invocou seis fundamentos relativos, em substância, os três primeiros, a uma violação do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, lido em conjugação com o artigo 102.o TFUE, e do princípio da proporcionalidade, na medida em que a Comissão teria cometido um erro manifesto de apreciação ao aceitar compromissos finais insuficientes e inadequados, e, o quarto, a uma violação do artigo 194.o, n.o 1, TFUE, lido em conjugação com o artigo 7.o TFUE, na medida em que a decisão controvertida é contrária aos objetivos da política energética da União e em que a Comissão não terá tido em conta os efeitos negativos dessa decisão para o mercado europeu do fornecimento de gás. O quinto fundamento era relativo à discriminação efetuada pela Comissão entre os clientes da Gazprom com atividade nos Estados‑Membros da Europa Ocidental e os com atividade nos PECO em causa. O sexto fundamento dizia respeito à violação, pela Comissão, do objetivo visado pelo artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, bem como dos limites dos seus poderes na gestão do procedimento administrativo.

31.

Em 2 de fevereiro de 2022, o Tribunal Geral proferiu o acórdão recorrido declarando improcedentes todos esses fundamentos e, consequentemente, o recurso de anulação na sua totalidade.

V. Tramitação no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

32.

Em 8 de abril de 2022, a recorrente interpôs recurso do acórdão recorrido. Pede que o Tribunal de Justiça se digne anular o acórdão recorrido e a decisão controvertida; a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral para que este decida em conformidade com o acórdão do Tribunal de Justiça, e condenar a Comissão nas despesas incorridas na presente instância e no Tribunal Geral.

33.

Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca quatro fundamentos, relativos, o primeiro, à violação do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003; o segundo, à violação do princípio da solidariedade energética enunciado no artigo 194.o TFUE, conjugado com o artigo 9.o desse regulamento; o terceiro, à violação do artigo 9.o, n.o 1, do referido regulamento, na medida em que o Tribunal Geral interpretou erradamente o conceito de «erro manifesto de apreciação» quando examinou a apreciação pela Comissão das questões económicas e técnicas complexas referentes à análise do caráter adequado dos compromissos, e, o quarto, à violação do artigo 9.o, n.o 2, do mesmo regulamento, que teria levado o Tribunal Geral a considerar, erradamente, que a Comissão não tinha cometido um erro manifesto de apreciação quanto ao caráter adequado dos compromissos.

34.

Por seu lado, a Comissão, apoiada pela Gazprom, pede que seja negado provimento ao recurso e que a recorrente seja condenada nas despesas. Por seu turno, a Overgas e a República da Polónia pedem que o Tribunal de Justiça dê provimento ao recurso.

35.

Em 3 de agosto de 2022, a Overgas interpôs um recurso subordinado, pedindo a anulação do acórdão recorrido e a condenação da Comissão nas despesas. A Comissão, apoiada pela Gazprom, pede que o Tribunal de Justiça negue provimento ao recurso subordinado e condene a Overgas nas despesas desse recurso. Por seu lado, a recorrente pede que o Tribunal de Justiça dê provimento ao recurso subordinado quanto ao seu primeiro fundamento e anule o acórdão recorrido.

VI. Análise

36.

O presente processo suscita principalmente a problemática da fiscalização jurisdicional das decisões adotadas pela Comissão em matéria de direito da concorrência e, nomeadamente, das tomadas em aplicação do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003. Mais concretamente, a análise dos fundamentos do recurso e do recurso subordinado levarão o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se sobre três problemáticas principais:

a primeira diz respeito à articulação entre o princípio da solidariedade energética instituído no artigo 194.o TFUE e uma decisão tomada em aplicação do artigo 9.o desse regulamento, para responder a preocupações relativas à violação do artigo 102.o TFUE (B);

a segunda é relativa ao tratamento processual de uma CO no âmbito de um procedimento previsto no artigo 9.o do referido regulamento que, em princípio, não a exige (C);

a terceira refere‑se à intensidade da fiscalização jurisdicional do juiz da União relativamente às decisões da Comissão adotadas com base no artigo 9.o do mesmo regulamento ( 8 ) e, consequentemente, à forma de interpretar o conceito de «erro manifesto de apreciação» (D).

37.

Antes de proceder à análise das duas primeiras problemáticas que são objeto das presentes conclusões limitadas ( 9 ), considero útil recordar, sucintamente, o quadro jurídico no qual se insere a fiscalização jurisdicional das decisões tomadas ao abrigo do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 e formular as observações preliminares que se seguem (A).

A.   Observações preliminares

38.

Importa recordar, em primeiro lugar, que o mecanismo introduzido pelo artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 se inspira em considerações de economia processual e visa assegurar uma aplicação eficaz das regras de concorrência, proporcionando uma solução mais rápida para as preocupações em matéria de concorrência identificadas pela Comissão, em vez de agir por via da declaração formal de uma infração ( 10 ). Assim, contrariamente às decisões adotadas ao abrigo do artigo 7.o desse regulamento (que visa por termo à infração constatada), no âmbito do procedimento regulado pelo artigo 9.o do referido regulamento, a Comissão é dispensada da obrigação de qualificar e de concluir pela existência de uma infração, limitando‑se a proceder ao exame e à aceitação eventual dos compromissos propostos pelas empresas em causa, à luz dos problemas que identificou na sua apreciação preliminar e dos objetivos por ela prosseguidos ( 11 ).

39.

Há que salientar, em segundo lugar, que a Comissão dispõe de uma ampla margem de apreciação, no âmbito da aceitação dos compromissos ao abrigo do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, na medida em que é chamada a efetuar uma análise prospetiva que requer a tomada em consideração de vários fatores económicos para avaliar a adequação dos compromissos propostos pela empresa em causa ( 12 ). Por isso, o critério apropriado, face às preocupações expressas pela Comissão na sua apreciação preliminar, consiste em saber se os compromissos são suficientes para responder adequadamente às referidas preocupações, sem que a Comissão seja obrigada a procurar, ela própria, soluções menos rigorosas ou mais moderadas do que os compromissos que lhe foram propostos ( 13 ).

40.

É necessário referir, em terceiro lugar, que, quanto à natureza e ao alcance da fiscalização jurisdicional nesta matéria, decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o facto de a Comissão dispor de uma margem de apreciação em matéria económica para efeitos de aplicação das regras da concorrência e, em especial, do artigo 9.o do Regulamento 1/2003, justifica que a fiscalização pelo juiz da União de uma decisão da Comissão em matéria de compromissos se limite à verificação da inexistência de um erro manifesto de apreciação ( 14 ). Daqui resulta que, no quadro da fiscalização que exerce sobre tais situações económicas complexas, o juiz da União não pode substituir a apreciação económica da Comissão pela sua própria apreciação apresentando a sua própria avaliação das circunstâncias económicas complexas ( 15 ).

41.

Contudo, como o Tribunal de Justiça já salientou repetidamente no contexto dos domínios que dão origem a apreciações complexas, como o direito da concorrência, a margem de apreciação de que a Comissão dispõe não implica que o juiz da União deva abster‑se de fiscalizar a interpretação, efetuada por esta instituição, de dados de natureza económica ( 16 ). Segundo os princípios enunciados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, o juiz da União deve, designadamente, não só verificar a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se esses elementos constituem o conjunto dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de fundamentar as conclusões que deles se retira ( 17 ).

42.

Daqui decorre que a fiscalização jurisdicional das decisões adotadas pela Comissão por força do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 assenta, assim, na verificação pelo juiz da União do caráter suficiente dos compromissos para responder adequadamente às preocupações em matéria de concorrência identificadas pela Comissão, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, isto é, a gravidade das preocupações em matéria de concorrência, o seu alcance e os interesses de terceiros ( 18 ).

43.

Importa salientar, em quarto e último lugar, que a jurisprudência do Tribunal de Justiça neste domínio é relativamente limitada ( 19 ) e incide principalmente sobre a análise do caráter adequado e suficiente dos compromissos, nomeadamente à luz do princípio da proporcionalidade ( 20 ), e sobre a tomada em consideração e a proteção dos interesses de terceiros na aceitação dos compromissos pela Comissão ( 21 ).

B.   Quanto à articulação do princípio da solidariedade energética enunciado no artigo 194.o TFUE com uma decisão tomada nos termos do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 (terceira parte do primeiro fundamento e segundo fundamento)

44.

Tanto na terceira parte do seu primeiro fundamento como no seu segundo fundamento, que devem ser analisados conjuntamente, a recorrente acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito na fiscalização da apreciação efetuada pela Comissão do caráter adequado dos compromissos, ao não tomar em consideração os objetivos prosseguidos pelo artigo 194.o TFUE, incluindo, nomeadamente, o princípio da solidariedade energética.

45.

Segundo a recorrente, o Tribunal Geral, à semelhança da Comissão, terá efetuado, uma interpretação errada do artigo 194.o TFUE, que seria contrária à interpretação acolhida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 15 de julho de 2021, Alemanha/Polónia (C‑848/19 P, a seguir Acórdão Alemanha/Polónia, EU:C:2021:598) e que priva essa disposição de qualquer efeito útil no que respeita à atuação da Comissão destinada a aplicar quer os objetivos do direito da concorrência em sentido amplo quer os objetivos relacionados com o bom funcionamento do mercado energético da União.

46.

Em tal contexto, há que analisar se, ao proceder como procedeu, o Tribunal Geral não teria cometido um erro de direito, como alega a recorrente. Antes de tomar posição sobre a análise efetuada pelo Tribunal Geral, parece‑me útil fazer algumas observações preliminares relativamente ao artigo 194.o, bem como sobre a interação desta disposição com a análise em matéria de concorrência que a Comissão é chamada a efetuar no âmbito do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003.

1. Quanto ao princípio da solidariedade energética e à sua interação com o direito da concorrência

47.

Importa recordar, a título preliminar, que, nos termos do artigo 7.o TFUE, a União está obrigada a assegurar a coerência entre as suas diferentes políticas e ações, tendo em conta o conjunto dos seus objetivos e de acordo com o princípio da atribuição de competências.

48.

Há que salientar, primeiro, quanto ao artigo 194.o TFUE, que esta disposição elenca, no seu n.o 1, os principais objetivos prosseguidos pela política energética de União, incluindo o da solidariedade energética ( 22 ). A este respeito, decorre do Acórdão Alemanha/Polónia que o princípio da solidariedade energética engloba e está subjacente a todos os objetivos elencados no artigo 194.o, n.o 1, alíneas a) a d), TFUE, que a política energética da União visa realizar agrupando‑os e conferindo‑lhes coerência ( 23 ), e que os atos adotados pelas instituições da União, incluindo pela Comissão ao abrigo dessa política, devem ser interpretados, e a sua legalidade apreciada, à luz do princípio da solidariedade energética ( 24 ).

49.

Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça esclareceu igualmente, no n.o 69, que esse princípio «deve ser tomado em consideração pelas instituições da União e pelos Estados‑Membros no âmbito do estabelecimento ou do funcionamento do mercado interno, nomeadamente do mercado interno do gás natural, velando por assegurar a segurança do aprovisionamento energético da União, o que implica não só fazer face a situações de emergência no momento em que ocorrem mas também adotar medidas destinadas a prevenir situações de crise. Para tal, [será] necessário avaliar a existência de riscos para os interesses energéticos dos Estados‑Membros e da União, nomeadamente para a segurança do abastecimento energético».

50.

Segundo, decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que os objetivos prosseguidos por outras disposições do Tratado FUE devem, se as circunstâncias o exigirem, ser tidos em conta na aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE. A análise em matéria de concorrência impõe, assim, a tomada em consideração do contexto e o exame dos efeitos na apreciação de uma restrição da concorrência à luz das condições reais do funcionamento do mercado, tendo em conta todos os elementos relevantes a esse respeito ( 25 ).

51.

Terceiro, no que respeita ao procedimento a seguir na aplicação do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, não está excluído que a Comissão esteja obrigada, no âmbito da sua apreciação preliminar e quando as circunstâncias do processo o exijam, a ter em conta os objetivos prosseguidos por outras disposições do Tratado FUE, em especial para concluir, a título provisório, pela inexistência de infração às regras da concorrência ( 26 ).

52.

No contexto do presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado a confirmar se tal é também o caso no que respeita, não à declaração da existência de um comportamento problemático do ponto de vista do direito da concorrência, mas à análise dos compromissos pela Comissão e à forma segundo a qual considerações que não estão relacionadas com o direito da concorrência, como, no caso em apreço, os princípios e os objetivos prosseguidos pelo artigo 194.o TFUE, devem ser tomadas em consideração na análise efetuada pela Comissão conducente à aceitação de compromissos ao abrigo do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003.

2. Quanto à tomada em consideração do artigo 194.o TFUE no âmbito de uma decisão adotada com base no artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003

53.

Em primeiro lugar, importa salientar que, no que respeita à fiscalização jurisdicional dos compromissos, o Tribunal Geral seguiu o modelo de apreciação clássico que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, descrita nos n.os 40 a 42 das presentes conclusões, recordando, no n.o 420 do acórdão recorrido, que o papel da Comissão (e, a fortiori, o do juiz de União no quadro da análise de um erro manifesto de apreciação) é assegurar que esses compromissos sejam suficientes para responder adequadamente às preocupações em matéria de concorrência verificadas, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, ou seja, a gravidade dessas preocupações, o seu alcance e os interesses de terceiros ( 27 ).

54.

Em segundo lugar, ainda que, no n.o 420 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não se refira expressamente ao princípio da segurança energética na análise dos compromissos assumidos pela Gazprom, este salientou expressamente que os compromissos assumidos na sequência de um procedimento baseado no artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 «não [podem] conduzir a um resultado contrário às disposições específicas dos Tratados» ( 28 ). Daqui decorre, assim, que o Tribunal Geral, por um lado, considerou que o poder discricionário da Comissão estava limitado pelo dever de agir em conformidade com as disposições do Tratado FUE e os princípios gerais do direito da União e, por outro, reconheceu a competência da Comissão para verificar se os compromissos, enquanto tais, não violavam outras disposições do Tratado, incluindo o artigo 194.o, n.o 1, TFUE.

55.

Em terceiro lugar, importa observar que, no n.o 422 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que, no caso em apreço, na medida em que a Comissão considerara que os compromissos assumidos pela Gazprom eram suficientes e adequados face às preocupações em matéria de concorrência verificadas, esta «não era obrigada, para ter em conta os objetivos da política energética da União, a inquirir sobre outras práticas da Gazprom, nem a exigir‑lhe compromissos mais severos». Esse órgão jurisdicional concluiu, assim, que, no contexto do presente processo, a «eventual tomada em consideração desses objetivos na aplicação das regras de concorrência da União não podia justificar a imposição à Comissão dessas obrigações de fazer».

56.

Concordo com este ponto de vista.

57.

Com efeito, a circunstância de o poder discricionário da Comissão estar limitado pelo seu dever de agir em conformidade com as disposições dos Tratados traduz‑se, em substância, num dever que recai sobre esta instituição, quando esta atue no âmbito do procedimento previsto no artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, de verificar se os compromissos que tenciona aceitar e que considera que podem responder adequadamente às preocupações em matéria de concorrência formuladas pela Comissão não são suscetíveis de violar outras disposições do Tratado FUE, incluindo, no caso concreto, o artigo 194.o TFUE.

58.

Daqui decorre que a Comissão não pode aceitar compromissos que possam implicar uma violação do artigo 194.o TFUE e colocar, assim, em risco os objetivos prosseguidos pelo princípio da solidariedade energética ou a segurança do aprovisionamento energético da União, não obstante o facto de esses compromissos poderem corresponder às preocupações em matéria de concorrência da Comissão no mercado em causa ( 29 ). Porém, tal não significa que a Comissão, atuando como regulador da concorrência no âmbito do procedimento previsto no Regulamento n.o 1/2003, tenha competência para exigir obrigações independentes e que vão além do necessário para resolver os problemas de concorrência constatados no seu inquérito (e que se fundamentem noutras políticas que não as do direito da concorrência), impondo, por esse motivo, compromissos mais exigentes.

59.

Por conseguinte, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao recusar, no n.o 422 do acórdão recorrido, equiparar a aplicação do princípio da solidariedade energética pela Comissão à imposição, a esta última, de obrigações de fazer que vão além do âmbito das objeções suscitadas contra a Gazprom, ou à imposição de obrigações mais exigentes.

60.

Importa salientar, a este respeito, que, ao admitir, quer no quadro do seu recurso quer na audiência, que o princípio da solidariedade energética não deve ser equiparado à imposição de obrigações de fazer que ultrapassem o âmbito das competências da Comissão em matéria de política de concorrência, a recorrente parece não contestar a posição tomada pelo Tribunal Geral no n.o 422 do acórdão recorrido. Ora, embora a recorrente chame a atenção para o facto de tanto a Comissão como o Tribunal Geral não terem tido em conta o princípio da solidariedade energética enunciado no artigo 194.o, n.o 1, TFUE, não indica claramente de que forma a decisão controvertida ou o acórdão recorrido desrespeitariam os objetivos específicos da política energética da União, nem de que modo os compromissos violam esta disposição ou são, enquanto tais, contrários ao princípio da segurança energética. Com efeito, essa parte limita‑se a recordar a importância deste princípio e a constatar que a Comissão e o Tribunal Geral estavam obrigados a tê‑lo em conta na sua análise dos compromissos assumidos pela Gazprom, sem conseguir estabelecer o quadro de análise e a interpretação exata que a Comissão devia ter adotado e de que forma esta podia ter chegado a uma conclusão diferente daquela a que a Comissão ou o Tribunal Geral chegaram.

61.

O Tribunal Geral também não cometeu nenhum erro de direito ao considerar, nos n.os 423 e 424 do acórdão recorrido, que a decisão controvertida e esses compromissos não obstam a que as instituições da União ou os Estados‑Membros atuem por outras vias para responder aos problemas identificados pela recorrente ( 30 ). Efetivamente, nada impede as instituições da União ou as autoridades nacionais de regulação, que, de resto, têm competências paralelas às da Comissão em matéria de política energética e estão, por isso, por definição, mais bem colocadas, para intervir a fim de alterar a regulamentação nesse setor ou, se necessário, para assegurar o respeito pelas regulamentações específicas em matéria de energia ( 31 ).

62.

Em quarto e último lugar, na medida em que a recorrente sustenta que o Tribunal Geral não tinha sancionado a Comissão por não ter fundamentado, de forma suficiente, a decisão controvertida quanto à questão da sua conformidade com o artigo 194.o, n.o 1, TFUE, este fundamento deve ser, igualmente, considerada improcedente. Assim, contrariamente ao que sustenta a recorrente, o facto de a Comissão não ter referido expressamente o artigo 194.o TFUE e os objetivos prosseguidos por esta disposição não pode ser interpretado como uma recusa ou uma omissão por parte dessa instituição em tomar em consideração o setor energético. Como foi salientado, corretamente, pelo Tribunal Geral, no n.o 427 do acórdão recorrido, não se pode esperar que a Comissão exponha sistematicamente as razões pelas quais uma decisão é conforme ao conjunto das disposições específicas dos Tratados que, sem constituir a base jurídica do ato em causa, teriam eventualmente um nexo com o contexto factual e jurídico em que esse ato se enquadra.

63.

Face ao exposto, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedentes a terceira parte do primeiro fundamento bem como o segundo fundamento.

C.   Quanto ao tratamento processual de uma CO no âmbito do procedimento previsto no artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003

64.

A segunda problemática que deve ser abordada, a pedido do Tribunal de Justiça, nas presentes conclusões restritas é relativa ao tratamento processual de uma CO no âmbito do procedimento previsto no artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, atendendo às conclusões do Tribunal Geral a este respeito, que importa, sucintamente, recordar.

1. Quanto à abordagem acolhida pelo Tribunal Geral

65.

Importa recordar, a título preliminar, que, no presente processo, a Comissão começara por dar início a um procedimento em aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE, devido à alegada violação deste último artigo pela Gazprom nos mercados do gás da Europa Central e Oriental, o que pressupunha o envio de uma CO ( 32 ). No caso concreto, a notificação desta comunicação levou a Gazprom a propor compromissos à Comissão com base no artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003. Importa também salientar que os compromissos finais aprovados pela decisão controvertida não continham nenhuma referência às objeções Yamal, uma vez que estas, embora constassem inicialmente da CO, foram abandonadas durante o procedimento pela Comissão porquanto as suas preocupações preliminares em matéria de concorrência não se tinham confirmado ( 33 ).

66.

No âmbito do seu recurso para o Tribunal Geral, a recorrente, apoiada pela República da Polónia, tinha criticado a Comissão pelo abandono das objeções Yamal e, consequentemente, pela inexistência de compromissos relativos a essas objeções ( 34 ). Estas partes consideravam, por outro lado, que, contrariamente à abordagem seguida pela Comissão, esta estava obrigada a justificar a inexistência de compromisso(s) que respondessem às objeções Yamal.

67.

Ainda que o Tribunal Geral tenha negado provimento ao recurso da recorrente sobre o mérito do abandono das objeções iniciais relativas ao gasoduto Yamal e a inexistência de compromisso(s) relativo(s) a essas objeções, entendendo que a Comissão não tinha cometido nenhum erro manifesto de apreciação a este respeito, considerou, no n.o 83 do acórdão recorrido, que «nas condições do presente caso e, em especial, não existindo uma apreciação preliminar revista, o artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 obrigava a Comissão, contrariamente ao que esta sustenta, a ter motivos capazes de justificar a inexistência de compromissos suscetíveis de responder às objeções Yamal» ( 35 ). O Tribunal Geral considerou, porém, no n.o 85 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha cumprido o seu dever de fundamentação ao expor, no n.o 138 da decisão controvertida, as razões pelas quais não tinha imposto compromissos que respondessem às objeções Yamal.

68.

Por seu lado, a Comissão, embora contestando a interpretação do Tribunal Geral quanto a este aspeto, sustenta, porém, que o erro que este cometeu não pode levar à anulação, ainda que parcial, do acórdão recorrido, uma vez que apenas afeta os fundamentos do acórdão, estando a parte decisória deste fundada noutras considerações jurídicas. Por isso, se necessário, haveria apenas que proceder a uma substituição dos fundamentos na medida adequada.

2. Quanto às regras gerais que regulam o tratamento processual de uma CO no quadro do Regulamento n.o 1/2003

69.

Importa recordar, em primeiro lugar, que a CO constitui uma etapa formal dos inquéritos realizados pela Comissão sobre as suspeitas de infração às regras do direito da concorrência da União, que precede a adoção de uma decisão que declara a existência de uma infração a essas regras. No âmbito do procedimento administrativo, conforme estabelecido no Regulamento n.o 1/2003, a CO consiste num ato de caráter processual e preparatório que circunscreve o objeto do procedimento administrativo iniciado pela Comissão, pelo qual esta informa, por escrito, a empresa em causa das objeções suscitadas contra ela ( 36 ).

70.

Enquanto etapa preliminar do procedimento, o envio de uma CO em nada prejudica o resultado de um inquérito realizado pela Comissão. Por conseguinte, é inerente à natureza da CO ser provisória e suscetível de sofrer alterações no momento da avaliação que a Comissão faz posteriormente com base nas observações que lhe tenham sido apresentadas em resposta pelas partes e no apuramento de outros factos. Daqui decorre que a Comissão não está vinculada às apreciações de facto ou de direito efetuadas na CO, pelo que pode perfeitamente abandonar determinadas objeções, que, por isso, já não poderão, por definição, ser objeto de impugnação contenciosa ( 37 ).

71.

Importa sublinhar, por outro lado, que decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, desde o Acórdão de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão ( 38 ), que uma CO não pode, pela sua natureza e pelos seus efeitos jurídicos, ser considerada uma decisão na aceção do artigo 263.o TFUE, suscetível de um recurso de anulação ( 39 ). Decorre, efetivamente, dessa jurisprudência que só constituem atos ou decisões suscetíveis de ser objeto de um recurso de anulação as medidas que fixam definitivamente a posição da instituição no termo do procedimento em causa, com exclusão das medidas intermédias cujo objetivo é preparar a decisão final, uma vez que as medidas finais são as únicas que podem produzir efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses das empresas visadas por esse inquérito ( 40 ).

72.

No que respeita, em segundo lugar, aos direitos respetivos das partes envolvidas no procedimento administrativo conduzido pela Comissão no âmbito da aplicação do artigo 102.o TFUE, importa salientar que, embora a Comissão esteja obrigada a respeitar os direitos de terceiros, esse procedimento refere‑se, principalmente, à empresa objeto do inquérito, sendo esta, de resto, o único destinatário da CO [e, posteriormente, da decisão final]. A CO constitui, assim, uma garantia processual fundamental que tem como objetivo informar essa parte das objeções que lhe são imputadas a fim de lhe permitir exercer o seu direito de defesa ( 41 ).

73.

Assim, embora o envio de uma CO complementar se imponha quando a Comissão pretenda adotar novas objeções, que não constavam da CO inicial, para garantir e proteger os direitos de defesa da empresa em causa dando‑lhe a possibilidade de responder formalmente aos novos elementos de prova suscitados ( 42 ), não existe tal obrigação na hipótese inversa, de a Comissão tencionar abandonar uma ou várias objeções ( 43 ). Além disso, não é necessário a Comissão fundamentar, na sua decisão final, o abandono de objeções que figuram na CO inicial ( 44 ).

3. Quanto ao tratamento processual de uma CO no âmbito do procedimento previsto no artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003

74.

No que respeita ao procedimento de compromisso, o artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 prevê que os compromissos assumidos pelas partes devem ser suscetíveis de dar resposta às preocupações que figuram na apreciação preliminar efetuada pela Comissão.

75.

No caso em apreço, o Tribunal Geral concluiu, no n.o 79 do acórdão recorrido, que, no presente processo, a CO desempenhou o papel de apreciação preliminar ( 45 ) e considerou, no n.o 83 desse acórdão, que, não existindo uma apreciação preliminar revista que confirmasse o abandono das objeções Yamal, o artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 obrigava a Comissão a fundamentar a inexistência de compromissos relativos a essas objeções ( 46 ).

76.

Apesar de o artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 estabelecer, efetivamente, uma ligação entre os compromissos e a apreciação preliminar efetuada pela Comissão, na medida em que estes devem dar resposta às preocupações que figuram nessa apreciação, a verdade é que a abordagem preconizada pelo Tribunal Geral parece ser dificilmente conciliável tanto com a redação do Regulamento n.o 1/2003 ( 47 ) como com a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao direito de ser ouvido, recordada no n.o 73 das presentes conclusões.

77.

Impor à Comissão uma obrigação que consiste em dirigir um documento suplementar ao destinatário da decisão relativa aos compromissos, entre a notificação da CO e a adoção da decisão final, traduzir‑se‑ia, como sustenta a Comissão, num excesso de formalismo, se esse documento se limitasse a indicar que a Comissão abandonou alguma das objeções. Além de tal iniciativa não ser necessária para garantir os direitos processuais da empresa em causa, não teria nenhum interesse para esta ( 48 ). Uma interpretação diferente do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 poria, igualmente, em causa a qualificação da CO como documento preparatório, quando esta é, por natureza, provisória, e poderia pôr termo, em determinadas circunstâncias, ao procedimento de compromisso, como o próprio Tribunal Geral reconhece nos n.os 81 e 82 do acórdão recorrido ( 49 ).

78.

Decorre, por outro lado, da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao direito de ser ouvido, recordada nos n.os 72 e 73 das presentes conclusões, que não é exigida uma fundamentação suplementar das razões pelas quais, em definitivo, a Comissão não mantém, na decisão final, uma parte das suas objeções expressas anteriormente na CO. Com efeito, o dever de fundamentação que recai sobre a Comissão, no que respeita às decisões adotadas ao abrigo do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, impõe unicamente que esta instituição exponha, de maneira clara e inequívoca, os elementos de facto e as considerações jurídicas que a levaram a concluir que os compromissos eram suficientes para responder às preocupações em matéria de concorrência identificadas no termo do procedimento administrativo encerrado com a adoção da sua decisão final, sem que essa instituição esteja obrigada a explicar as eventuais diferenças em relação às apreciações provisórias que ela formulou na CO ( 50 ).

79.

Importa também salientar que a inexistência quer de uma apreciação preliminar revista quer de fundamentação pela Comissão do abandono das objeções Yamal e a inexistência de compromissos a elas respeitantes não é, além disso, suscetível de afetar os direitos processuais de terceiros ( 51 ).

80.

Há que sublinhar, a este respeito, que, no âmbito do procedimento administrativo que levou à adoção da decisão controvertida, apenas a Gazprom pode ser qualificada como «parte em causa» na aceção do Regulamento n.o 1/2003, dispondo todas as outras, incluindo a recorrente, apenas de direitos processuais mais restritos do que um «terceiro interessado» ( 52 ). Com efeito, como o Tribunal Geral recordou, no n.o 78 do acórdão recorrido, o único destinatário da apreciação preliminar evocada ao abrigo do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 (sob a forma de uma CO ou de outro documento) é a empresa objeto do inquérito da Comissão, devendo essa apreciação servir‑lhe de base para apreciar a oportunidade de propor compromissos adequados que resolvam os problemas de concorrência identificados pela Comissão e permitir‑lhe definir melhor esses compromissos ( 53 ). Além disso, como o Tribunal Geral salientou, com razão, no n.o 137 do acórdão recorrido, nenhuma disposição dos Regulamentos n.o 1/2003 e n.o 773/2004 obriga a Comissão a informar formalmente os terceiros interessados quando, no decurso do procedimento, abandone determinadas objeções em relação à empresa em causa.

81.

Cabe também observar, que, no que respeita ao procedimento administrativo que levou à adoção da decisão controvertida, a Comissão comunicou uma versão não confidencial da CO à recorrente, que, aliás, foi ouvida enquanto parte interessada no âmbito do procedimento de consulta do mercado previsto no artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003, uma vez que essa consulta é uma condição prévia para que a Comissão possa tornar obrigatórios os compromissos mediante decisão ( 54 ). Além disso, a recorrente contestou a decisão controvertida com base no artigo 263.o TFUE, incluindo no que se refere ao abandono das objeções Yamal e à inexistência de compromissos a elas respeitantes ( 55 ).

82.

A circunstância de, no presente processo, a CO ter desempenhado o papel de apreciação preliminar na aceção do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 não pode pôr em causa as conclusões precedentes. Efetivamente, nenhuma disposição deste regulamento nem, de resto, a interpretação feita pelo Tribunal de Justiça justifica que se trate de forma diferente uma CO consoante esta sirva de fundamento a uma decisão adotada com base no artigo 7.o ou no artigo 9.o do referido regulamento ( 56 ).

83.

Não obstante estas considerações, nada impede a Comissão, se considerar necessário, atendendo às circunstâncias específicas de um processo, de expor as razões pelas quais decidiu abandonar uma objeção e de fundamentar a inexistência de compromissos relativos a essa objeção, como fez nos n.os 184 e 185 da decisão controvertida. Ainda que tal obrigação não decorra expressamente dos Regulamentos n.o 1/2003 e n.o 773/2004 nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça nessa matéria, resta dizer que o princípio da boa administração, como a Comissão salientou na audiência, pode justificar essa abordagem atendendo às especificidades de cada processo ( 57 ).

84.

Tendo em conta as considerações precedentes, há que concluir que é errada a abordagem preconizada pelo Tribunal Geral, no n.o 83 do acórdão recorrido, segundo a qual a Comissão está obrigada a alterar o alcance da CO que desempenhou o papel de apreciação preliminar antes da adoção da decisão final (incluindo na hipótese de abandono de uma objeção) ou, se for caso disso, a fundamentar o abandono de objeções que não são retomadas nesta última.

85.

Importa recordar, a este respeito, que, se os fundamentos de uma decisão do Tribunal Geral revelarem uma violação do direito da União, mas se concluir que o seu dispositivo se baseia noutros fundamentos jurídicos, essa violação não é suscetível de acarretar a anulação dessa decisão e há que proceder, quando determinadas condições estejam preenchidas, à substituição da fundamentação ( 58 ). Há que salientar, neste sentido, que, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um pedido de substituição de fundamentos jurídicos é admissível quando constitua uma defesa contra um fundamento apresentado pela parte recorrente ( 59 ). Ora, no caso em apreço, no âmbito do terceiro fundamento do recurso, a recorrente sustenta que o abandono das objeções Yamal contribuiu para a existência de um erro manifesto de apreciação cometido pela Comissão, que não foi sancionado pelo Tribunal Geral, pelo que existe um nexo suficiente entre esse fundamento e o pedido de substituição de fundamentos formulado pela Comissão, que há que aceitar no presente processo.

86.

Por último, cabe salientar que a fiscalização jurisdicional para apreciar se a Comissão reconheceu, com razão, que os compromissos correspondiam às preocupações que ela tinha suscitado deve ter em conta as preocupações que a Comissão ainda mantém no momento da adoção da decisão que põe termo ao procedimento, e não as preocupações que a Comissão possa ter abandonado depois de ouvir a empresa em causa e de tomar conhecimento da sua posição a este respeito ( 60 ). Daqui decorre que, contrariamente ao que sustenta a recorrente, as preocupações em matéria de concorrência expostas na CO não podem ser consideradas como critério de análise da legalidade de uma decisão da Comissão (incluindo uma decisão ao abrigo do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003). Como foi explicado nos n.os 69 a 73 das presentes conclusões, uma outra interpretação, que considere que a Comissão está vinculada às suas preocupações preliminares, conforme expressas na CO, é contrário ao direito do destinatário de ser ouvido, e, em especial, à própria função do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003.

87.

Por conseguinte, há que rejeitar grande parte da argumentação que a recorrente desenvolve em apoio das duas primeiras partes do primeiro fundamento e do seu terceiro fundamento de recurso, que assentam na premissa errada de que o caráter adequado dos compromissos assumidos pela Gazprom deve ser apreciado à luz das preocupações em matéria de concorrência identificadas pela Comissão na CO.

D.   Quanto à fiscalização pelo Tribunal Geral da existência de um erro manifesto de apreciação (primeira parte do terceiro fundamento)

88.

Na primeira parte do seu terceiro fundamento, a recorrente alega que a inexistência de uma análise global do caráter adequado dos compromissos pelo Tribunal Geral origina uma interpretação errada do conceito de «erro manifesto de apreciação». Na sua opinião, o Tribunal Geral não procedeu a um exame global, por um lado, de todas as circunstâncias do caso concreto e, em especial, dos diferentes compromissos e objeções suscitadas, independentemente da análise individual de cada um deles, e, por outro, do efeito cumulativos de todas as irregularidades (ou erros não manifestos) que o próprio Tribunal Geral tinha constatado no quadro da sua fiscalização jurisdicional do caráter adequado dos compromissos.

89.

Há que recordar, em primeiro lugar, que incumbe à recorrente que pede a anulação de uma decisão adotada pela Comissão ao abrigo do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 demonstrar que esta cometeu um erro manifesto de apreciação ( 61 ). Ora, se a recorrente se limita a afirmar, de forma abstrata, que uma análise global conduziria a um resultado diferente daquele a que o Tribunal Geral chegou, a verdade é que não faz prova disso e, sobretudo, não demonstra a existência de um erro manifesto de apreciação por parte do Tribunal Geral ( 62 ).

90.

Importa salientar, em segundo lugar, que, contrariamente ao que sustenta a recorrente, não decorre nem da decisão controvertida nem do acórdão recorrido que a Comissão ou o Tribunal Geral tenham deixado de efetuar uma análise global dos compromissos assumidos pela Gazprom.

91.

Há que observar, antes de mais, no que respeita à Comissão, que a abordagem global que esta adotou no quadro da análise dos compromissos é confirmada pelos considerandos 160 a 164 da decisão controvertida. Importa, depois, esclarecer, a este respeito, que a escolha desta instituição de apresentar de forma pormenorizada a proporcionalidade de cada compromisso em relação às preocupações que identificou, não pode pôr em causa a sua abordagem global. Com efeito, tendo em conta as várias práticas anticoncorrenciais identificadas pela Comissão e a natureza complexa e técnica dos mercados em causa, não se pode criticar a Comissão por ter procurado por cobro à estratégia anticoncorrencial da Gazprom de forma gradual, por meio de medidas que pusessem especificamente termo a cada uma dessas práticas, a fim de desativar a referida estratégia ( 63 ). Tal não significa que, ao proceder dessa forma, a Comissão teria renunciado a uma análise global.

92.

O mesmo se aplica no que respeita ao Tribunal Geral, na medida em que decorre, respetivamente, dos n.os 195 a 202 e 310 a 319 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral procedeu a uma apreciação global tanto dos compromissos relativos às práticas tarifárias como dos relativos às restrições territoriais. Em relação, mais concretamente, aos compromissos relativos aos pontos de entrega (que fazem parte dos compromissos respeitantes às restrições territoriais), há que observar que, após ter julgado improcedentes, nos n.os 322 a 397 do acórdão recorrido, as objeções invocadas pela recorrente, pela Overgas, pela República da Lituânia e pela República da Polónia quanto à sua eficácia e proporcionalidade, o Tribunal Geral declarou, no n.o 398 do acórdão recorrido, que, mesmo consideradas no seu conjunto, essas acusações não permitem concluir pela existência de um erro manifesto.

93.

Contrariamente às críticas formuladas pela recorrente, que sustenta que o Tribunal Geral considerou, erradamente, que o resultado de uma análise global não pode ser diferente do que resulta da análise de cada uma das acusações considerada individualmente, a abordagem do Tribunal Geral não padece de erro de direito.

94.

Com efeito, na medida em que, na sequência de uma apreciação individual e pormenorizada de cada uma das acusações suscitadas pelas partes, o Tribunal Geral considera que não existe nenhum erro na apreciação da Comissão e confirma o caráter adequado dos compromissos em relação às preocupações desta em matéria de concorrência, uma apreciação global desses compromissos não pode conduzir a um resultado diferente do que procede da sua análise individual, muito menos à conclusão de que existe um erro manifesto. Daqui decorre que só poderia existir, conceptualmente, um erro manifesto de apreciação se o Tribunal Geral tivesse concluído pelo caráter inadequado de, pelo menos, um dos compromissos aceites pela Comissão suscetível de pôr em causa, igualmente, outros compromissos se tivesse sido demonstrado que estes apresentavam um nexo entre eles. Ora, tal não é caso no presente processo.

95.

Em terceiro lugar, importa rejeitar o argumento da recorrente de que, abstraindo do efeito cumulativo de todos os erros que o Tribunal Geral constatou na apreciação dos compromissos, este cometeu um erro de direito na interpretação do conceito de erro manifesto de apreciação.

96.

Há que salientar, a este respeito, que, no âmbito da sua análise do caráter adequado dos compromissos relativos aos pontos de entrega, o Tribunal Geral constatou, efetivamente, certas irregularidades que afetavam a avaliação desses compromissos pela Comissão, sem, porém, considerar que essas circunstâncias podiam ter qualquer impacto na eficácia dos referidos compromissos. Cabe concluir que as considerações críticas em relação à apreciação da Comissão, constantes, nomeadamente, dos n.os 295, 358 e 362, na decisão controvertida, dizem mais respeito à abordagem metodológica acolhida pela Comissão no âmbito da sua análise do que à insuficiência dos compromissos.

97.

Importa, também, recordar que o erro manifesto de apreciação implica, como a própria designação indica, a existência, não de qualquer irregularidade ou omissão por parte da Comissão, mas de um erro que pode atingir um certo grau de gravidade capaz pôr em causa o mérito da análise por esta efetuada e, assim, a própria legalidade da uma decisão por esta adotada. Daqui decorre que a fiscalização do erro manifesto de apreciação não se destina, portanto, a que a análise da Comissão esteja isenta de irregularidades, sendo‑lhe reconhecida uma certa margem de apreciação, desde que o limiar do manifesto não seja ultrapassado ( 64 ).

98.

Em todo o caso, na medida em que o Tribunal Geral concluiu que essas irregularidades não punham em causa o caráter adequado dos compromissos ou a legalidade da decisão controvertida, não pode ser acusado de não ter concluído pela existência de um erro manifesto de apreciação. Portanto, contrariamente ao que sustentam a Orlen e a Overgas, nenhum elemento permite concluir que erros menores acumulados conduziam (considerados) conjuntamente, a um erro manifesto de apreciação.

99.

Face ao exposto, considero que o Tribunal Geral teve razão ao concluir pela inexistência de erro manifesto a este respeito.

VII. Conclusão

100.

Tendo em conta as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedentes a terceira parte do primeiro fundamento, o segundo fundamento e a primeira parte do terceiro fundamento do recurso.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO 2018, C 258, p. 6. A versão consolidada da decisão da Comissão (disponível apenas em língua inglesa) está disponível no seguinte endereço: https://ec.europa.eu/competition/antitrust/cases/dec_docs/39816/39816_10148_3.pdf.

( 3 ) Regulamento do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1).

( 4 ) O procedimento administrativo correspondente a esse inquérito foi registado sob a referência «Processo AT.39816 — Abastecimento de gás a montante na Europa Central e Oriental» (a seguir «Processo AT.39816»).

( 5 ) Regulamento da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2004, L 123, p. 18).

( 6 ) V. n.os 10 a 12 das presentes conclusões.

( 7 ) O procedimento administrativo correspondente a este inquérito foi registado sob a referência «Processo AT.40497 — Preços polacos do gás».

( 8 ) A problemática referente à intensidade da fiscalização jurisdicional das decisões adotadas com base no artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003, à luz do princípio da proporcionalidade, não é objeto das presentes conclusões.

( 9 ) As presentes conclusões suscitarão, também, nos n.os 88 a 97 destas, algumas observações sobre a interpretação do conceito de «erro manifesto de apreciação», que foi discutida na audiência e que está no cerne da primeira parte do terceiro fundamento do recurso.

( 10 ) V. Acórdão de 29 de junho de 2010, Comissão/Alrosa (C‑441/07 P, a seguir Acórdão Alrosa, EU:C:2010:377, n.o 35).

( 11 ) V. Acórdão Alrosa, n.os 40 e 41.

( 12 ) V. Acórdão Alrosa, n.o 94.

( 13 ) V. Acórdão Alrosa, n.o 61.

( 14 ) V. Acórdão Alrosa, n.o 42, e, por analogia, Acórdão de 13 de julho de 2023, Comissão/CK Telecoms UK Investments (C‑376/20 P, EU:C:2023:561, n.o 124).

( 15 ) V. Acórdãos Alrosa, n.os 60 e 67, de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão (C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 46) e, por analogia, no domínio das concentrações, Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala (C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 145).

( 16 ) V., nesse sentido, Acórdãos de 13 de julho de 2023, Comissão/CK Telecoms UK Investments (C‑376/20 P, EU:C:2023:561, n.o 126), e de 10 de julho de 2014, Telefónica e Telefónica de España/Comissão (C‑295/12 P, EU:C:2014:2062, n.o 54 e jurisprudência referida).

( 17 ) V., nesse sentido, Acórdãos de 10 de julho de 2014, Telefónica e Telefónica de España/Comissão (C‑295/12 P, EU:C:2014:2062, n.o 54), de 6 de novembro de 2012, Otis e o. (C‑199/11, EU:C:2012:684, n.o 59), e de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão (C‑386/10 P, EU:C:2011:815, n.o 54).

( 18 ) V. Acórdão Alrosa, n.os 60 a 67, e de 9 de dezembro de 2020, Groupe Canal +/Comissão (C‑132/19 P, a seguir  Acórdão Canal + , EU:C:2020:1007, n.os 121 e 122).

( 19 ) Até ao presente, apenas cinco processos foram trazidos à apreciação dos órgãos jurisdicionais da União, em recursos de terceiros contra decisões adotadas pela Comissão. V., nesse sentido, os dois Acórdãos do Tribunal de Justiça Alrosa e Canal+ e os Acórdãos do Tribunal Geral de 6 de fevereiro de 2014, CEEES e Asociación de Gestores de Estaciones de Servicio/Comissão (T‑342/11, EU:T:2014:60), de 15 de setembro de 2016, Morningstar/Comissão (T‑76/14, a seguir Acórdão MorningstarEU:T:2016:481), e de 2 de fevereiro de 2022, Polskie Górnictwo Naftowe i Gazownictwo/Comissão (Rejeição de denúncia) (T‑399/19, EU:T:2022:44).

( 20 ) V., nesse sentido, Acórdão Alrosa, n.os 60 a 67.

( 21 ) V. Acórdão Canal+,, n.os 121 e 122.

( 22 ) Entre esses objetivos constam, nomeadamente, os que visam garantir a segurança do aprovisionamento energético na União e promover a interconexão das redes de energia.

( 23 ) Acórdão Alemanha/Polónia, n.os 43 e 47.

( 24 ) Acórdão Alemanha/Polónia, n.o 44.

( 25 ) V., nesse sentido, Acórdãos de 4 de julho de 2023, Meta Platforms e o. (Condições gerais de utilização de uma rede social) (C‑252/21, EU:C:2023:537, n.o 47 e jurisprudência referida), de 21 de fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão (6/72, EU:C:1973:22, n.o 24) e conclusões do advogado‑geral Jacobs nos processos Albany (C‑67/96, C‑115/97 e C‑219/97, EU:C:1999:28, n.o 179).

( 26 ) V., nesse sentido, Acórdão Canal +, n.os 46 a 54.

( 27 ) A este respeito, o Tribunal Geral refere‑se, nomeadamente, aos n.os 40 e 41 do Acórdão Alrosa e ao n.o 45 do Acórdão Morningstar.

( 28 ) De resto, o Tribunal Geral tinha recordado anteriormente, no n.o 418 do acórdão recorrido, que, «[n]os termos do artigo 7.o TFUE, a União assegura a coerência entre as suas diferentes políticas e ações, tendo em conta o conjunto dos seus objetivos […] [, incluindo] os enunciados no artigo 194.o, n.o 1, TFUE, ou seja, designadamente, os objetivos de assegurar a segurança do aprovisionamento energético da União e de promover a interconexão das redes de energia».

( 29 ) O mesmo se aplica na hipótese inversa, na medida em que um compromisso que esteja em conformidade com o princípio da segurança energética, mas que não responda, suficiente e adequadamente, às preocupações em matéria de concorrência não pode, como é evidente, ser aceite pela Comissão no âmbito do procedimento previsto no artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003.

( 30 ) V., nesse sentido, igualmente, considerando 13 do Regulamento n.o 1/2003.

( 31 ) Importa salientar, a este respeito, que, com base na Diretiva 2009/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural e que revoga a Diretiva 2003/55/CE (JO 2009, L 211, p. 94), foram conferidas às autoridades nacionais competências específicas para promover e assegurar o bom funcionamento do mercado interno do gás natural. Além disso, como salientou o Tribunal Geral no n.o 424 do acórdão recorrido, a Diretiva (UE) 2019/692 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, que altera a Diretiva 2009/73 (JO 2019, L 117, p. 1), pretende, designadamente, nos termos do seu considerando 3, eliminar os obstáculos à plena realização do mercado interno do gás natural que decorrem da não aplicação, antes da sua adoção, das regras de mercado da União aos gasodutos com início e término em países terceiros.

( 32 ) V. n.os 6 a 13 do acórdão recorrido.

( 33 ) V., n.o 138 da decisão controvertida.

( 34 ) Esta alegação é retomada no âmbito do terceiro fundamento do recurso, no qual a recorrente, sempre apoiada pela República da Polónia, sustenta que o abandono das referidas objeções contribuiu para a existência de um erro manifesto de apreciação cometido pela Comissão e que não foi sancionado pelo Tribunal Geral.

( 35 ) O Tribunal Geral decidiu, por outro lado, que esse erro «faz[ia] efetivamente parte do dispositivo dessa decisão, pois, embora essas objeções não [fossem] alvo do artigo 1.o, tornando obrigatórios os compromissos finais, est[avam] abrangidas pelo artigo 2.o que afirma não haver mais lugar a intervenção no Processo AT.39816».

( 36 ) V. Comunicação da Comissão sobre boas práticas para a instrução de processos de aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE (JO 2011, C 308, p. 6, a seguir «comunicação sobre boas práticas»), em especial, n.o 81.

( 37 ) V. Acórdãos de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala (C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 63), e de 28 de janeiro de 2021, Qualcomm e Qualcomm Europe/Comissão (C‑466/19 P, EU:C:2021:76, n.o 66).

( 38 ) Acórdão de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão (60/81, EU:C:1981:264).

( 39 ) V. Acórdão de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão (60/81, EU:C:1981:264, n.os 10 a 12).

( 40 ) V., nesse sentido, Acórdão de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão (60/81, EU:C:1981:264, n.o 10).

( 41 ) Saliente-se, a este respeito, que, quando definiu o direito de ser ouvido, o legislador da União estabeleceu, conscientemente, no artigo 27.o do Regulamento n.o 1/2003 e nos artigos 10.o e 15.o do Regulamento n.o 773/2004, níveis de hierarquização das diferentes pessoas que podem estar envolvidas, de uma forma ou de outra, num procedimento de aplicação do direito da concorrência. Os direitos das partes no procedimento administrativo (também designadas «partes em causa») são mais amplos do que os direitos de terceiros, que, embora tenham um interesse na resolução do procedimento, não serão, eles próprios, os destinatários da decisão que será adotada pela Comissão. V., nesse sentido, conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Comissão/Alrosa (C‑441/07 P, EU:C:2009:555, n.o 173).

( 42 ) O mesmo se aplica, em princípio, quando a Comissão tencione alterar significativamente os elementos de prova das infrações impugnadas. V., nesse sentido, comunicação sobre boas práticas, n.os 109 e 110.

( 43 ) Com efeito, tal obrigação não decorre nem do Regulamento n.o 1/2003 nem da comunicação sobre boas práticas, muito menos da jurisprudência do Tribunal de Justiça nessa matéria.

( 44 ) V. Acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.os 192 e 193), e de 28 de janeiro de 2021, Qualcomm e Qualcomm Europe/Comissão (C‑466/19 P, EU:C:2021:76, n.o 66).

( 45 ) Importa observar, a este respeito, que, embora o artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 não especifique os requisitos formais e substantivos que a apreciação preliminar deve preencher, decorre do n.o 121 da comunicação sobre boas práticas que esse documento deve resumir os principais factos do processo e identificar as preocupações de concorrência que justificariam uma decisão que ordene que seja posto termo à infração. Além disso, o n.o 123 da comunicação sobre boas práticas especifica que, em determinados casos, a CO pode cumprir os requisitos de uma apreciação preliminar desde que contenha um resumo dos factos principais e uma apreciação das preocupações de concorrência identificadas.

( 46 ) Não obstante o facto de o Tribunal ter recordado, nos n.os 81 e 82 do acórdão recorrido, que a CO é um documento provisório e preparatório, bem como as consequências daí decorrentes à luz da jurisprudência relativa ao direito de ser ouvido ou do dever de fundamentação.

( 47 ) Com efeito, nenhuma disposição do Regulamento n.o 1/2003 prevê a revisão da apreciação preliminar efetuada pela Comissão quando esta decida abandonar uma objeção, aliás, o próprio conceito de «apreciação preliminar revista» não consta desse regulamento, nem do Regulamento n.o 773/2004.

( 48 ) Com efeito, essa sociedade não teria qualquer interesse em contestar tal diligência.

( 49 ) O Tribunal salienta, corretamente, no n.o 81 do acórdão recorrido, que as exigências associadas ao respeito pelo princípio da proporcionalidade não podem implicar a obrigatoriedade de todas as preocupações em matéria de concorrência constantes de uma apreciação preliminar, mesmo quando essa apreciação assuma a forma de CO, obterem resposta nos compromissos propostos pelas empresas em causa.

( 50 ) V., nesse sentido, Acórdãos Morningstar, n.os 100 e 101, e de 28 de janeiro de 2021, Qualcomm e Qualcomm Europe/Comissão (C‑466/19 P, EU:C:2021:76, n.o 66), no que diz respeito, mais concretamente, ao dever de fundamentação no âmbito do procedimento previsto no artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003.

( 51 ) Importa sublinhar, a este respeito, que a abordagem preconizada no n.o 83 do acórdão recorrido não parece ser motivada por considerações relacionadas com a proteção dos direitos de terceiros.

( 52 ) V. Acórdão Alrosa, n.o 91, e Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Comissão/Alrosa (C‑441/07 P, EU:C:2009:555, n.os 172 a 175).

( 53 ) V. n.o 122 da comunicação sobre boas práticas.

( 54 ) Importa salientar, a este respeito, que, no comunicado de imprensa que acompanha o anúncio de consulta do mercado publicado pela Comissão no Jornal Oficial da União Europeia em conformidade com o artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003, a Comissão tinha manifestado a sua intenção de não manter as objeções Yamal, tendo em conta os elementos do inquérito que lhe tinham sido dados a conhecer posteriormente ao envio da CO.

( 55 ) Como foi especificado no n.o 27 das presentes conclusões, paralelamente ao procedimento administrativo iniciado pela Comissão e que esteve na origem da decisão controvertida, a recorrente utilizou também a faculdade que lhe é conferida ao abrigo do artigo 5.o do Regulamento n.o 773/2004 de apresentar uma denúncia relativa, nomeadamente, a alegações de abusos da Gazprom relacionados com o troço polaco do gasoduto Yamal.

( 56 ) Como decorre dos n.os 69 a 73 das presentes conclusões, a Comissão não está obrigada, no âmbito de um procedimento conduzido com base no artigo 7.o do Regulamento n.o 1/2003, a justificar as diferenças existentes entre a CO e a decisão que declara a infração, que põe termo ao procedimento administrativo, e, nomeadamente, a fundamentar o abandono de objeções inicialmente formuladas na CO, mas que não sejam retomadas na referida decisão.

( 57 ) A Comissão sustentou na audiência que, dado que algumas partes interessadas a tinham interpelado sobre a inexistência de compromissos relativamente ao gasoduto Yamal, ela incluiu, de acordo com os princípios da boa administração e da transparência, as razões pelas quais as suas preocupações preliminares não tinham sido confirmadas.

( 58 ) V. Acórdão de 18 de janeiro de 2024, Jenkinson/Conselho e o. (C‑46/22 P, EU:C:2024:50, n.o 264 e jurisprudência referida).

( 59 ) V., nesse sentido, Acórdãos de 27 de março de 2019, Canadian Solar Emea e o./Conselho (C‑236/17 P, EU:C:2019:258, n.o 159), e de 9 de novembro de 2017, TV2/Danmark/Comissão (C‑649/15 P, EU:C:2017:835, n.o 61 e jurisprudência referida).

( 60 ) Em suma, o ato impugnado é, efetivamente, a decisão adotada ao abrigo do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, e não a CO.

( 61 ) V. Acórdão de 28 de janeiro de 2021, Qualcomm e Qualcomm Europe/Comissão (C‑466/19 P, EU:C:2021:76, n.o 107).

( 62 ) Com efeito, parece que, sob o pretexto da existência de um erro manifesto de apreciação, certos argumentos apresentados pela recorrente visam, na realidade, um reexame dos factos.

( 63 ) V., nesse sentido, n.o 309 do acórdão recorrido.

( 64 ) V., neste sentido, conclusões do advogado‑geral Poiares Maduro no processo Arcelor Atlantique e Lorraine e.o. (C‑127/07, EU:C:2008:292, n.o 37).