CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

ANTHONY M. COLLINS

apresentadas em 4 de maio de 2023 ( 1 )

Processo C‑148/22

OP

contra

Município de Ans

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo tribunal du travail de Liège (Tribunal do Trabalho de Liège, Bélgica)]

«Reenvio prejudicial — Política social — Diretiva 2000/78/CE — Igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional — Proibição de discriminações baseadas na religião ou nas convicções — Artigo 2.o, n.o 2, alínea a) — Artigo 2.o, n.o 2, alínea b), i) — Artigo 2.o, n.o 5 — Artigo 4.o, n.o 1 — Regulamento de trabalho de uma entidade pública que proíbe aos seus agentes o uso de qualquer sinal visível de convicções políticas, filosóficas ou religiosas no local de trabalho — Proibição de uso do lenço islâmico imposta a uma trabalhadora — Princípio da neutralidade do Estado»

Introdução

1.

Em vários países europeus, a problemática do uso de símbolos religiosos no espaço público, em estabelecimentos de ensino e no local de trabalho tem sido regularmente objeto de debates intensos no seio da sociedade civil, da classe política e da comunicação social. Tem suscitado acesas controvérsias, nomeadamente, a questão de saber se um empregador tem o direito de impor aos seus trabalhadores restrições nesta matéria no quadro do exercício das suas funções. Esta é uma questão sensível que requer a conciliação do direito fundamental com a liberdade religiosa, que tem como corolário a proibição de qualquer discriminação com base na religião, com outras liberdades e princípios, tais como a liberdade de empresa, os princípios da laicidade, da neutralidade e da imparcialidade, bem como da proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

2.

Nos últimos anos, o Tribunal de Justiça foi diversas vezes chamado a apreciar, à luz da «proibição da discriminação em razão da religião ou das convicções», na aceção dos artigos 1.o e 2.o, da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional ( 2 ), a situação de trabalhadoras do setor privado, de confissão muçulmana, que foram proibidas pelo seu empregador de usar o lenço islâmico ( 3 ) no local de trabalho ( 4 ).

3.

O presente pedido de decisão prejudicial apresentado pelo tribunal du travail de Liège (Tribunal de Trabalho de Liège, Bélgica) inscreve‑se na linha destes processos, desta vez com a particularidade de a proibição de uso de símbolos religiosos no local de trabalho emanar, não de um empregador privado, mas sim de um empregador público, mais especificamente de um município. É a primeira vez que o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se sobre um caso que suscita, nomeadamente, a questão de saber se a natureza e as especificidades do serviço público, bem como o contexto concreto de cada Estado‑Membro, implicam a adoção, no presente caso, de uma solução diferente da que foi preconizada para os processos anteriores.

Quadro jurídico

Direito da União

4.

Nos termos do seu artigo 1.o, a Diretiva 2000/78 tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções ( 5 ), de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento.

5.

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, «entende‑se por “princípio da igualdade de tratamento” a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o» da mesma diretiva.

6.

O artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 prevê que, para efeitos da aplicação do artigo 2.o, n.o 1, desta última:

«a)

Considera‑se que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

b)

Considera‑se que existe discriminação indireta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar numa situação de desvantagem pessoas com uma determinada religião ou convicções, com uma determinada deficiência, pessoas de uma determinada classe etária ou pessoas com uma determinada orientação sexual, comparativamente com outras pessoas, a não ser que:

i)

essa disposição, critério ou prática sejam objetivamente justificados por um objetivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários […].»

7.

Segundo o seu artigo 2.o, n.o 5, a Diretiva 2000/78 não afeta as medidas previstas na legislação nacional que, numa sociedade democrática, sejam necessárias para efeitos de segurança pública, defesa da ordem e prevenção das infrações penais, proteção da saúde e proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

8.

O âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78 é determinado no seu artigo 3.o, cujo n.o 1 prevê, nomeadamente, o seguinte:

«Dentro dos limites das competências atribuídas à [União], a presente diretiva é aplicável a todas as pessoas, tanto no setor público como no privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito:

[…]

c)

às condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento e a remuneração;

[…]»

9.

O artigo 4.o, desta diretiva, com a epígrafe «Requisitos para o exercício de uma atividade profissional», prevê o seguinte, no seu n.o 1:

«Sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 2.o, os Estados‑Membros podem prever que uma diferença de tratamento baseada numa característica relacionada com qualquer dos motivos de discriminação referidos no artigo 1.o não constituirá discriminação sempre que, em virtude da natureza da atividade profissional em causa ou do contexto da sua execução, essa característica constitua um requisito essencial e determinante para o exercício dessa atividade, na condição de o objetivo ser legítimo e o requisito proporcional.»

Direito belga

10.

A Loi du 10 mai 2007 tendant à lutter contre certaines formes de discrimination ( 6 ) (Lei de 10 de maio de 2007, relativa à Luta contra certas Formas de Discriminação), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei Geral contra a Discriminação»), visa transpor a Diretiva 2000/78 para o direito belga.

11.

Nos termos do seu artigo 3.o, a Lei Geral contra a Discriminação tem por objetivo criar, nas matérias referidas no seu artigo 5.o, um quadro geral de luta contra a discriminação baseada na idade, na orientação sexual, no estado civil, no nascimento, na riqueza, nas convicções religiosas ou filosóficas, nas convicções políticas, nas convicções sindicais, na língua, no estado de saúde atual ou futuro, numa deficiência, numa característica física ou genética ou na origem social.

12.

O artigo 4.o desta lei, respeitante a definições, enuncia:

«Para efeitos da aplicação da presente lei, deve entender‑se por:

1.o relações de trabalho: as relações que incluem, nomeadamente, o emprego, as condições de acesso ao emprego, as condições de trabalho e a regulamentação do despedimento:

no setor público e no setor privado;

[…]

4.o critérios protegidos: a idade, a orientação sexual, o estado civil, o nascimento, o património, as convicções religiosas ou filosóficas, as convicções políticas, a língua, o estado de saúde atual ou futuro, uma deficiência, uma característica física ou genética, a origem social;

[…]

6.o distinção direta: situação que existe sempre que, por qualquer um dos critérios protegidos, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

7.o discriminação direta: distinção direta, baseada num dos critérios protegidos, que não pode ser justificada com fundamento nas disposições do título II;

8.o distinção indireta: situação que existe sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar, comparativamente com outras pessoas, numa situação de desvantagem específica pessoas caracterizadas por um dos critérios protegidos;

9.o discriminação indireta: distinção indireta baseada num dos critérios protegidos que não pode ser justificada com base nas disposições do título II;

[…]»

13.

O artigo 5.o, n.o 1, da Lei Geral contra a Discriminação prevê que, com exceção das matérias que são da competência das Comunidades ou das Regiões, a presente lei aplica‑se a todas as pessoas, tanto no setor público como no setor privado, incluindo os organismos públicos, no que respeita, nomeadamente, às relações de trabalho.

14.

O artigo 7.o desta lei ( 7 ) enuncia:

«Qualquer distinção direta baseada num dos critérios protegidos constitui uma discriminação direta, a menos que essa distinção direta seja objetivamente justificada por um objetivo legítimo e que os meios para alcançar esse objetivo sejam adequados e necessários.»

15.

O artigo 8.o da Lei Geral contra a Discriminação prevê o seguinte:

«§1.   Em derrogação ao artigo 7.o, e sem prejuízo das demais disposições do presente título, a distinção direta baseada na idade, na orientação sexual, nas convicções religiosas ou filosóficas, ou numa deficiência nos domínios referidos no artigo 5.o, n.os 1, 4, 5 e 7, apenas pode ser justificada por requisitos essenciais e determinantes para o exercício da atividade profissional.

§ 2.   Só existe um requisito essencial e determinante para o exercício da atividade profissional, quando:

uma determinada característica, relacionada com a idade, a orientação sexual, a convicção religiosa ou filosófica ou uma deficiência, for essencial e determinante em razão da natureza das atividades profissionais específicas em causa ou do contexto em que as mesmas são executadas, e;

o requisito em causa assentar num objetivo legítimo e for proporcional ao mesmo.

§ 3.   Cabe ao juiz verificar casuisticamente se tal característica constitui um requisito essencial e determinante para o exercício da atividade profissional.

[…]»

16.

O artigo 9.o da mesma lei, prevê:

«Qualquer distinção indireta baseada num dos critérios protegidos constitui uma discriminação indireta,

a menos que a disposição, o critério ou a prática aparentemente neutra que estão na base desta distinção indireta sejam objetivamente justificados por um objetivo legítimo e que os meios de realização de tal objetivo sejam apropriados e necessários;

[…]»

17.

Nos termos do artigo 11.o, n.o 1, da Lei Geral contra a Discriminação, «[u]ma distinção direta ou indireta baseada num dos critérios protegidos não constitui uma forma de discriminação proibida pela presente lei nos casos em que tal distinção seja imposta por lei ou decorra da mesma».

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18.

Em 11 de abril de 2016, OP, jurista de formação, foi recrutada por contrato a termo certo pelo município de Ans (Bélgica) (a seguir, «município»), na qualidade de agente contratual. No dia 11 de outubro seguinte, foi promovida ao cargo de chefe de serviço e o seu contrato foi convertido em contrato sem termo. OP é responsável pelos contratos públicos do município e exerce a maior parte das suas funções sem estar em contacto com o público, ou seja, retomando a expressão utilizada pelo órgão jurisdicional de reenvio, «em back office» ( 8 ).

19.

Em 8 de fevereiro de 2021, OP, que é de confissão muçulmana, informou oficialmente o município da sua intenção de usar o lenço islâmico no local de trabalho a partir de 22 de fevereiro seguinte.

20.

Em 18 de fevereiro de 2021, o município adotou uma primeira decisão em que proibia OP de usar «sinais de convicções pessoais» ( 9 ) no exercício da sua atividade profissional «até à adoção de uma regulamentação geral relativa ao uso de sinais de convicções na administração» ( 10 ).

21.

Em 26 de fevereiro de 2021, depois de ter ouvido OP, assistida pelo seu mandatário, o município adotou uma segunda decisão que substituiu a primeira e confirmou a proibição constante da mesma.

22.

Em 29 de março de 2021, o município alterou o artigo 9.o do seu Regulamento de Trabalho. Na sua nova versão, posterior a esta alteração, este artigo, que passou a ter a epígrafe «Obrigação de neutralidade e dever de reserva», previa, nomeadamente ( 11 ):

«O trabalhador tem liberdade de expressão no respeito pelo princípio da neutralidade, pela sua obrigação de reserva e pelo seu dever de lealdade.

O trabalhador deve respeitar o princípio da neutralidade, o que implica que o mesmo se deve abster de qualquer forma de proselitismo e que está proibido de apresentar qualquer sinal ostensivo suscetível de revelar a sua filiação ideológica ou filosófica ou as suas convicções políticas ou religiosas. O trabalhador está sujeito a esta regra tanto nos seus contactos com o público como nas suas relações com a hierarquia e os seus colegas.

[…]»

23.

Em seguida, OP intentou várias ações nos órgãos jurisdicionais de reenvio tendo em vista, nomeadamente, a declaração no sentido de que o município tinha violado a sua liberdade de religião, bem como a suspensão e anulação das Decisões deste último datadas de 18 e 26 de fevereiro de 2021.

24.

Em 26 de maio de 2021, OP instaurou uma ação inibitória ( 12 ) no órgão jurisdicional de reenvio, o tribunal du travail de Liège (Tribunal do Trabalho de Liège), através da qual pede, nomeadamente, uma declaração no sentido de que foi objeto de uma discriminação baseada na religião e no género e de que as Decisões do município de 18 e 26 de fevereiro de 2021, bem como a regra em causa no processo principal, são nulas.

25.

O órgão jurisdicional de reenvio considera que a proibição de uso do lenço islâmico, imposta a OP pelo município nas suas decisões, constitui uma «discriminação direta baseada numa distinção direta com base no critério protegido “convicção religiosa ou filosófica”». Com efeito, segundo este órgão jurisdicional, embora se possa admitir que, no seio da administração municipal, existe uma regra não escrita que proíbe o uso de qualquer sinal de convicção «fortemente ostensivo ou ostentatório», tal como o lenço islâmico, resulta no entanto de diversas fotografias apresentadas por OP que o uso de sinais de convicção discretos era tolerado. Esta distinção direta não é justificada por requisitos essenciais e determinantes para o exercício da atividade profissional, uma vez que OP exerce a maior parte das suas funções sem estar em contacto com os utilizadores do serviço público. Também não é objetivamente justificada por um objetivo legítimo cujos meios de concretização são adequados e necessários.

26.

No que respeita à regra em causa no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio conclui que a mesma tem «alcance coletivo», que se refere a todo e qualquer sinal de convicção ostensivo e que, ao adotá‑la, o município optou pela «neutralidade absoluta» ( 13 ). O órgão jurisdicional de reenvio considera que esta regra não constitui uma discriminação direta baseada na religião ou nas convicções mas, aparentemente, uma discriminação indireta baseada nesses critérios, salientando nomeadamente que, a menos que se considere que «a neutralidade absoluta é um princípio essencial e evidente do Estado de direito [na Bélgica] e que deve ser estritamente respeitado por todos», a distinção feita não parece justificada por um objetivo legítimo, uma vez que OP exerce a maioria das suas funções sem estar em contacto com os utilizadores do serviço público. Além disso, o município pratica aparentemente uma neutralidade de «geometria variável», ou seja, absoluta, no que respeita a OP, e mais inclusiva no que respeita aos seus colegas com outras convicções filosóficas ou religiosas. Em consequência, o órgão jurisdicional de reenvio autorizou, a título provisório, que OP usasse um sinal de convicção visível, exceto quando estivesse em contacto com os utilizadores do serviço público ou quando exercesse funções de autoridade.

27.

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se a imposição de uma neutralidade absoluta e plena a todos os agentes do serviço público, mesmo aos que não têm nenhum contacto direto com os utilizadores do serviço público, constitui um objetivo legítimo e se os meios utilizados para realizar este objetivo, nomeadamente a proibição do uso de qualquer sinal de convicção, são adequados e necessários.

28.

É neste contexto que o tribunal du travail de Liège (Tribunal de Trabalho de Liège) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Pode o artigo 2.o, n.o 2, alíneas a) e b) da Diretiva [2000/78/CE] ser interpretado no sentido de que autoriza uma administração pública a organizar um ambiente administrativo totalmente neutro e, por conseguinte, a proibir o uso de sinais de convicções pessoais a todos os membros do pessoal, quer estejam ou não em contacto direto com o público?

2)

Pode o artigo 2.o, n.o 2, alíneas a) e b) da Diretiva [2000/78/CE] ser interpretado no sentido de que autoriza uma administração pública a organizar um ambiente administrativo totalmente neutro e, por conseguinte, a proibir o uso de sinais de convicções pessoais a todos os membros do pessoal, quer estejam ou não em contacto direto com o público, mesmo que esta proibição neutra pareça afetar uma maioria de mulheres, e seja, portanto, suscetível de constituir uma discriminação dissimulada em função do género?»

29.

OP, o município, os Governos belga, francês e sueco, bem como a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Em 31 de janeiro de 2023 foi realizada uma audiência na qual participaram OP, o município, o Governo francês e a Comissão e na qual foram ouvidas as alegações destas últimas partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça.

Análise

30.

Começarei por analisar a segunda questão prejudicial, cuja admissibilidade é contestada pelo Governo francês e cuja pertinência é posta em causa pela maioria das partes no processo.

Quanto à segunda questão

31.

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se a regra em causa no processo principal pode ser considerada conforme ao artigo 2.o, n.o 2, alíneas a) e b), da Diretiva 2000/78, na medida em que a proibição prevista parece afetar mais as mulheres do que os homens e que a mesma é, por conseguinte, suscetível de consubstanciar uma discriminação indireta em razão do género.

32.

Segundo jurisprudência constante, o processo instituído no artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a solução dos litígios que lhes cabe decidir ( 14 ).

33.

A necessidade de obter uma interpretação do direito da União que seja útil ao juiz nacional exige que este defina o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que submete ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que essas questões assentam. Com efeito, o Tribunal de Justiça apenas tem competência para se pronunciar sobre a interpretação de um texto da União a partir dos factos que lhe são indicados pelo órgão jurisdicional nacional ( 15 ).

34.

O Tribunal de Justiça insiste também na importância da indicação, pelo juiz nacional, das razões precisas que o levaram a interrogar‑se sobre a interpretação do direito da União e a considerar necessário submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça. A este respeito, é indispensável que o juiz nacional forneça, na própria decisão de reenvio, um mínimo de explicações sobre as razões da escolha das disposições do direito da União cuja interpretação solicita e sobre o nexo que estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio que lhe foi submetido ( 16 ).

35.

No caso em apreço, partilho da opinião do Governo francês segundo o qual a decisão de reenvio não preenche estes requisitos no que diz respeito à segunda questão prejudicial, pelo que esta é inadmissível.

36.

Com efeito, por um lado, a decisão de reenvio não contém o mínimo elemento de facto que permita apreciar a existência, no presente caso, de uma eventual discriminação indireta em razão do género.

37.

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio não fornece explicações sobre as razões que o conduziram a interrogar‑se sobre a interpretação das disposições de direito da União às quais se refere no que respeita à segunda questão prejudicial nem sobre a ligação que estabelece entre estas disposições e o litígio que lhe é submetido, relativamente a tal discriminação. Resulta da decisão de reenvio que, a este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio se baseou unicamente em determinados argumentos invocados por OP sem fornecer mais especificações a respeito dos mesmos. Ora, o regime instituído pelo artigo 267.o, TFUE não constitui uma via de recurso aberta às partes num litígio pendente perante o juiz nacional e, portanto, não basta que uma das partes alegue que o litígio suscita uma questão de interpretação do direito da União para que o órgão jurisdicional em questão seja obrigado a considerar que tal questão é suscitada na aceção do referido artigo ( 17 ).

38.

Em todo o caso, importa concluir, como fizeram as partes no processo, nas suas observações escritas, com exceção do município, que a discriminação em razão do género não é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78, único ato da União referido na segunda questão prejudicial. Por conseguinte, não há que analisar a existência dessa discriminação no caso em apreço ( 18 ).

39.

À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que declare a segunda questão prejudicial inadmissível e que, em todo o caso, a mesma não deve ser examinada.

Quanto à primeira questão

Observações preliminares

40.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se a regra em causa no processo principal estabelece uma discriminação direta ou indireta, baseada na religião ou em convicções, contrária ao artigo 2.o, n.o 2, alíneas a) e b), da Diretiva 2000/78. Tal como se encontra formulada, a proibição de uso de sinais de convicções no trabalho, prevista nesta disposição, aplica‑se de modo geral e absoluto aos agentes do município, ou seja, independentemente da natureza das suas funções (quer funções de autoridade quer funções de mera execução) e das condições de exercício das mesmas (contactos diretos com o público ou não). Importa salientar que o órgão jurisdicional de reenvio não solicita que o Tribunal de Justiça aprecie a compatibilidade desta regra de aplicação geral com as disposições da Diretiva 2000/78 acima referidas, operando uma distinção em função destas últimas hipóteses. O que o mesmo pretende saber é se esta diretiva pode ser interpretada no sentido de que autoriza uma entidade pública a organizar um «ambiente administrativo totalmente neutro» e, por conseguinte, a proibir que «todos os membros do pessoal, quer estejam ou não em contacto com o público», usem estes sinais.

41.

Além disso, parece‑me útil recordar determinados elementos que podem ser considerados adquiridos ao abrigo da jurisprudência e que são pertinentes para o presente processo.

42.

Desde logo, é claro que a norma em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78. Com efeito, por um lado, conforme resulta do seu artigo 3.o, n.o 1, esta diretiva aplica‑se tanto ao setor público como ao setor privado. Por outro lado, importa considerar que uma norma que proíbe o uso de sinais visíveis de convicções, nomeadamente, filosóficas ou religiosas, no âmbito da atividade profissional, diz respeito às «condições de emprego e de trabalho», na aceção da alínea c) desta disposição.

43.

Em seguida, o conceito de «religião», constante do artigo 1.o da Diretiva 2000/78, deve ser interpretado no sentido de que abrange quer o forum internum, a saber, o facto de alguém ter convicções religiosas, quer o forum externum, ou seja, a manifestação, em público, da fé religiosa ( 19 ). O uso do lenço islâmico por uma mulher constitui uma expressão da sua pertença à religião muçulmana. No presente caso, resulta dos factos expostos pelo órgão jurisdicional de reenvio que é precisamente esse o caso de OP, sendo que a sinceridade das suas convicções não é posta em causa.

44.

Por último, há que recordar que a Diretiva 2000/78 estabelece um quadro geral a favor da igualdade de tratamento em matéria de emprego e de trabalho que deixa uma margem de apreciação aos Estados‑Membros, tendo em conta as suas diversas abordagens quanto à importância que atribuem internamente à religião ou às convicções. Por conseguinte, a referida diretiva permite ter em conta o contexto próprio de cada Estado‑Membro e reconhecer a cada um deles uma margem de apreciação no âmbito da conciliação necessária dos diferentes direitos e interesses em questão, a fim de assegurar um justo equilíbrio entre estes últimos ( 20 ).

45.

Na linha das considerações expostas no número anterior, partilho do entendimento do Governo francês segundo o qual esta margem de apreciação é ainda mais ampla quando estão em jogo princípios suscetíveis de serem uma expressão da identidade nacional dos Estados‑Membros, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, TUE ( 21 ). Ao abrigo desta disposição, incumbe à União respeitar a identidade nacional dos seus Estados‑Membros, inerente às estruturas fundamentais políticas e constitucionais, o que, de acordo com a advogada‑geral J. Kokott, pode ser entendido como uma obrigação de respeitar a pluralidade de conceções e, portanto, as diferenças que caracterizam cada Estado‑Membro ( 22 ). À semelhança do advogado‑geral N. Emiliou ( 23 ), entendo que não cabe à União Europeia determinar, para cada Estado‑Membro, os elementos que fazem parte do núcleo da identidade nacional referido no artigo 4.o, n.o 2, TUE. Os Estados‑Membros dispõem de uma ampla margem de apreciação a este respeito, que, no entanto, não pode ser ilimitada ( 24 ). Além disso, a conceção da identidade nacional invocada deve, nomeadamente, ser compatível com os valores fundadores da União (artigo 2.o, TUE) ( 25 ).

46.

A este respeito, nesta fase, sem emitir juízos prévios sobre a questão de saber se é o que sucede no caso em apreço, também concordo com o Governo francês quando alega que a previsão de restrições à liberdade dos agentes do setor público para manifestarem as suas convicções políticas, filosóficas ou religiosas no exercício das suas funções pode revestir uma importância tal em determinados Estados‑Membros que essa previsão decorre da identidade nacional inerente às estruturas fundamentais políticas e constitucionais desses Estados‑Membros.

47.

No mesmo contexto, parece‑me igualmente útil sublinhar que a identidade nacional permite, nomeadamente, «limitar o impacto do direito da União em domínios julgados essenciais para os Estados‑Membros» ( 26 ) e que, por conseguinte, a mesma deve ser devidamente tida em conta pelas instituições, pelos órgãos e pelos organismos da União quando interpretam e aplicam o direito da União ( 27 ).

48.

A minha resposta à primeira questão prejudicial será estruturada da seguinte forma. Começarei por analisar se a regra em causa no processo principal é suscetível de constituir uma discriminação direta baseada na religião ou nas convicções. Em seguida, analisarei a questão de saber se esta regra é suscetível de criar uma discriminação indireta baseada nestes mesmos critérios. Por último, embora este aspeto não tenha sido expressamente invocado na decisão de reenvio, considerarei a possibilidade de, no presente caso, aplicar algumas derrogações à proibição destas discriminações prevista na Diretiva 2000/78.

Quanto à existência de uma discriminação direta

49.

O órgão jurisdicional de reenvio, fazendo referência ao Acórdão G4S Secure Solutions, considera que a regra em causa no processo principal não é constitutiva de uma discriminação direta baseada na religião ou nas convicções. Pede, no entanto, ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre este aspeto.

50.

No processo que deu origem àquele acórdão, foi submetida ao Tribunal de Justiça a questão de saber se uma regra interna de uma empresa privada que proíbe de forma geral o uso visível de quaisquer sinais políticos, filosóficos ou religiosos no local de trabalho, constitui uma discriminação direta em razão da religião ou das convicções, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78 ( 28 ). No referido acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que a referida regra não instituía esse tipo de discriminação uma vez que visava indiferentemente qualquer manifestação dessas convicções e tratava de forma idêntica todos os trabalhadores da empresa, impondo‑lhes, de forma geral e indiferenciada, designadamente, uma neutralidade ao nível do vestuário que proibia o uso desses sinais ( 29 ).

51.

O Tribunal de Justiça confirmou essa abordagem no Acórdão WABE e MH Müller Handel e no Acórdão S.C.R.L., acrescentando que, uma vez que todas as pessoas podem ter, quer uma religião, quer convicções, essa regra, desde que seja aplicada de forma geral e indiferenciada, não cria uma diferença de tratamento baseada num critério indissociavelmente ligado à religião ou às convicções ( 30 ). No Acórdão WABE e MH Müller Handel, o Tribunal de Justiça salientou igualmente que a circunstância de certos trabalhadores observarem preceitos religiosos que impõem o uso de um certo vestuário não põe em causa estas conclusões. Segundo o Tribunal de Justiça, é certo que uma regra interna que impõe neutralidade ao nível do vestuário pode ocasionar constrangimentos a esses trabalhadores, no entanto, esta circunstância não tem incidência na conclusão de que essa mesma regra não instaura, em princípio, uma diferença de tratamento entre trabalhadores baseada num critério indissociavelmente ligado à religião ou às convicções ( 31 ).

52.

À semelhança do município e do Governo francês, partilho integralmente da abordagem adotada pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos acima referidos e não vejo nenhuma razão para a pôr em causa no presente processo, que, tal como já foi salientado, diz respeito ao setor público e não ao setor privado.

53.

Por conseguinte, uma vez que a regra interna em causa no processo principal visa indiferentemente qualquer manifestação de convicções, nomeadamente, religiosas, deve considerar‑se que a mesma trata de forma idêntica todos os agentes do município, impondo‑lhes, de um modo geral e indiferenciado, nomeadamente, uma neutralidade ao nível do vestuário que proíbe o uso de tais sinais. Assim, esta regra não institui uma discriminação direta em razão da religião ou das convicções, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78.

54.

Cumpre, no entanto, constatar que, caso se considere que a regra em causa no processo principal deve ser entendida no sentido de que apenas visa o uso de sinais ostentatórios de grande dimensão de convicções políticas, filosóficas ou religiosas, em meu entender, tal discriminação poderá abranger o lenço islâmico. Com efeito, como o Tribunal de Justiça já declarou, uma regra interna de uma empresa que apenas proíbe o uso de sinais ostentatórios pode consubstanciar uma discriminação direta, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78, nos casos em que este critério está indissociavelmente ligado a uma ou a várias religiões ou determinadas convicções ( 32 ). A regra em causa no processo principal visa qualquer sinal «ostensivo», um adjetivo qualificativo que, corretamente, em meu entender, o órgão jurisdicional de reenvio equipara a «visível» e que, por conseguinte, não me parece limitar‑se aos sinais ostentatórios de grande dimensão, circunstância que cabe a este último órgão jurisdicional verificar.

55.

Incumbe igualmente ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, de acordo com os factos, o município aplica verdadeiramente a regra em causa no processo principal de forma geral e indiferenciada e, nomeadamente, se trata OP da mesma forma que qualquer outro agente que tenha manifestado a sua religião ou as suas convicções filosóficas ou religiosas pelo uso de sinais de convicção visíveis. Com efeito, noto que, na decisão de reenvio, o órgão jurisdicional salienta que o município «pratica uma neutralidade de geometria variável no espaço e no tempo, absoluta, no que respeita a OP e menos absoluta, ou mais inclusiva, no que respeita aos seus colegas com outras convicções» e que, a este respeito, esta última apresentou «elementos de prova suficientes». Nas suas observações escritas, OP e o Governo sueco alegam que existem consequentemente razões para concluir pela existência de uma discriminação direta no presente caso.

56.

À luz destas considerações, proponho ao Tribunal de Justiça que, num primeiro momento, responda à primeira questão prejudicial que o artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que uma disposição de um regulamento de trabalho de uma entidade pública que, com o objetivo de organizar um ambiente administrativo totalmente neutro, proíbe que os agentes usem qualquer sinal visível de convicções políticas, filosóficas ou religiosas no local de trabalho, não constitui, em relação aos agentes que entendem exercer a sua liberdade de religião e de consciência com o uso visível de um sinal ou de um vestuário com conotação religiosa, uma discriminação direta baseada na religião ou nas convicções, na aceção desta diretiva, desde que esta disposição seja aplicada de forma geral e indiferenciada.

Quanto à existência de uma discriminação indireta

57.

O órgão jurisdicional de reenvio considera que a regra em causa no processo principal cria uma discriminação indireta baseada na religião ou nas convicções.

58.

É jurisprudência constante que uma regra interna como a que está em causa no processo principal pode constituir uma diferença de tratamento indiretamente baseada na religião ou nas convicções, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78, se for demonstrado, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, que a obrigação aparentemente neutra que essa regra prevê, conduz, de facto, a uma desvantagem específica para as pessoas que professam uma religião ou determinadas convicções ( 33 ).

59.

Em meu entender, e tal como o Governo sueco e a Comissão alegam, embora a regra em causa no processo principal seja aparentemente neutra, não se pode excluir que, na prática, a mesma afeta mais especificamente os agentes do município que observam preceitos religiosos que lhes impõem o uso de um certo vestuário e, nomeadamente, os trabalhadores femininos que usam um lenço em razão da sua fé muçulmana. A este respeito, subscrevo a observação formulada pela advogada‑geral E. Sharpston nas suas Conclusões no processo Bougnaoui e ADDH, segundo a qual a estes agentes, «para poderem manter‑se fiéis às suas convicções religiosas, não […] resta outra opção que não seja infringir a regra e sofrer as consequências» ( 34 ). É, contudo, ao órgão jurisdicional de reenvio que cabe, em definitivo, verificar este aspeto, atendendo aos factos que lhe foram submetidos para apreciação ( 35 ).

60.

De acordo com o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), i), da Diretiva 2000/78, tal diferença de tratamento não constitui, contudo, uma discriminação indireta, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78, se for objetivamente justificada por um objetivo legítimo e se os meios utilizados para o alcançar forem adequados e necessários. Estes requisitos devem ser interpretados de forma estrita ( 36 ).

61.

Uma vez mais, é ao órgão jurisdicional de reenvio que incumbe determinar se, e em que medida, a regra em causa no processo principal respeita as referidas condições ( 37 ). No entanto, o Tribunal de Justiça, chamado a dar respostas úteis a este órgão jurisdicional, tem competência para lhe fornecer indicações baseadas nos autos e nas observações escritas de que dispõe ( 38 ). É o que tratarei de fazer nos números seguintes.

– Quanto à existência de um objetivo legítimo

62.

No que respeita à condição relativa à existência de um objetivo legítimo ( 39 ), resulta da decisão de reenvio, bem como das observações escritas e orais do município, que este último justifica a proibição do uso de sinais de convicções políticas, filosóficas ou religiosas imposta aos seus agentes no exercício das suas funções recorrendo ao princípio da neutralidade do Estado‑Membro (ou do serviço público) ( 40 ) e com a sua vontade de organizar um «espaço administrativo integralmente neutro» ( 41 ).

63.

À semelhança da maioria das partes no processo, considero que a vontade de uma entidade pública, como o município, de adotar uma política de neutralidade política, filosófica ou religiosa é, em absoluto, suscetível de constituir um objetivo legítimo.

64.

É certo que, ao contrário do que foi declarado pelo Tribunal de Justiça nos Acórdãos G4S Secure Solutions, WABE e MH Müller Handel, e S.C.R.L. ( 42 ), num caso como o aqui em apreço, que diz respeito ao setor público e não ao setor privado, a vontade do empregador público de prosseguir essa política não diz respeito à liberdade de empresa, reconhecida no artigo 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ( 43 ). Em contrapartida, em meu entender, a mesma pode, de forma mais global, ser associada à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros, a qual implica nomeadamente o respeito por todas as convicções filosóficas ou religiosas dos cidadãos, bem como o tratamento não discriminatório e em pé de igualdade dos utilizadores do serviço público. Tal como salientou o Governo belga nas suas observações escritas, reproduzindo um excerto de um Acórdão do Conseil d’État (Conselho de Estado, Bélgica) de 27 de março de 2013, num Estado de Direito democrático, a autoridade pública deve ser neutra «porque é a autoridade de todos os cidadãos e para todos os cidadãos e porque deve, em princípio, tratá‑los de forma igual sem discriminação em razão da sua religião, da sua convicção ou da sua preferência por uma comunidade ou partido» ( 44 ).

– Quanto à existência de uma justificação objetiva

65.

Há que analisar se a vontade do empregador público, neste caso, o município, de prosseguir uma política de neutralidade é suscetível de justificar objetivamente uma potencial diferença de tratamento indiretamente baseada na religião ou nas convicções. A este respeito, no presente contexto, também me parece absolutamente pertinente a jurisprudência do Tribunal de Justiça, desenvolvida para o setor privado ( 45 ), segundo a qual o caráter objetivo dessa justificação só pode ser identificado perante uma verdadeira necessidade do empregador, necessidade essa que incumbe a este último demonstrar.

66.

Resulta das observações escritas da Comissão, bem como dos debates na audiência, que, na Bélgica, coexistem conceções diferentes, ou mesmo opostas, do princípio da neutralidade do Estado, nomeadamente, no essencial, a «neutralidade inclusiva», a «neutralidade absoluta» e conceções intermédias. A conceção inclusiva da neutralidade baseia‑se na ideia de que a aparência do agente público deve ser dissociada da forma como o mesmo assegura o serviço público. De acordo com esta conceção, é a neutralidade dos atos executados pelo agente e não a sua aparência que importa, não podendo o mesmo ser proibido de usar sinais de convicções nomeadamente filosóficas ou religiosas. A conceção absoluta da neutralidade, em contrapartida, baseia‑se no postulado de que tanto os atos executados pelo agente público como a aparência deste último devem ser estritamente neutros. De acordo com esta conceção, qualquer agente público deve ser proibido de usar esses sinais no trabalho, seja qual for a natureza das suas funções e o contexto no qual as mesmas são exercidas. Também existem conceções intermédias da neutralidade, que se situam a meio caminho entre as duas conceções acima descritas. Estas consistem, por exemplo, em reservar a proibição em causa aos agentes que estão em contacto direto com o público ou aos que exercem funções de autoridade, por oposição a simples funções de execução.

67.

No caso em apreço, tal como sublinha expressamente o órgão jurisdicional de reenvio, ao adotar a regra em causa no processo principal, o município optou voluntariamente pela «neutralidade absoluta» e fê‑lo a fim de implementar um «espaço administrativo integralmente neutro» ( 46 ). Resulta da decisão de reenvio que, para justificar este último objetivo, o município limita‑se, no essencial, a invocar uma «necessidade social imperiosa» cuja existência apenas tenta demonstrar fazendo afirmações lapidares e abstratas ( 47 ).

68.

Em meu entender, o órgão jurisdicional de reenvio deve apreciar sob dois ângulos, alternativos e não necessariamente cumulativos, se o município, a quem incumbe o ónus da prova a este respeito ( 48 ), demonstrou de forma juridicamente bastante que a sua opção por uma conceção absoluta do princípio da neutralidade do Estado responde a uma necessidade verdadeira.

69.

Importa em primeiro lugar analisar esta questão de um ponto de vista jurídico. A este respeito, uma vez que não cabe ao Tribunal de Justiça tomar posição sobre o direito nacional nem, a fortiori, arbitrar entre as diferentes interpretações de um conceito ou princípio de direito nacional e determinar qual das interpretações é correta, limitarei os meus comentários seguintes a determinadas considerações que resultam do processo e das intervenções na audiência.

70.

Constato que nenhuma das partes no processo invocou qualquer legislação nacional que obrigasse o município a adotar uma conceção absoluta da neutralidade e, por conseguinte, a impor aos seus agentes uma proibição absoluta de uso de sinais de convicções nomeadamente filosóficas ou religiosas no âmbito do exercício das suas funções.

71.

Parece igualmente que, apesar de geralmente ser qualificado como princípio constitucional, o princípio da neutralidade do Estado não está inscrito como tal na Constituição belga, com exceção do domínio muito específico do ensino e, sobretudo, que, na ordem jurídica belga, o seu alcance e o seu âmbito não estão definidos de forma clara e uniforme. Tal leva‑me a pensar que, em si mesmo, este princípio não impõe que os agentes públicos sejam proibidos de usar sinais de convicções nomeadamente filosóficas ou religiosas no local de trabalho, tal como também não exclui a possibilidade de previsão dessa proibição.

72.

A conclusão precedente leva‑me igualmente a considerar que, contrariamente ao que afirma o Governo francês, o artigo 4.o, n.o 2, TUE não tem particular relevância no presente caso. A aparente ausência, na Bélgica, de qualquer definição constitucional do âmbito e do conteúdo do princípio da neutralidade do Estado, conjugada com o facto de o Governo belga não ter considerado útil nem ter proposto uma resposta à primeira questão prejudicial, preferindo deixá‑la ao prudente arbítrio do Tribunal de Justiça, nem ter participado na audiência, parece indiciar que este princípio, pelo menos na sua conceção absoluta, não decorre da identidade nacional, na aceção desta disposição, do Reino da Bélgica.

73.

Em segundo lugar, há que verificar se a opção do município por aplicar uma conceção absoluta da neutralidade do Estado se justifica com base em elementos de ordem factual. A este respeito, saliento, por um lado, que a Comissão referiu nas suas observações escritas que esta conceção não é partilhada por todos os municípios belgas, citando como exemplos as cidades de Gand (Bélgica) e de Malines (Bélgica), que autorizam sem reservas o uso de sinais de convicções nomeadamente filosóficas ou religiosas pelo pessoal da sua administração no local de trabalho, e, por outro, que nenhuma das partes contestou este ponto na audiência. Não é de excluir que tal solução não possa ser transposta para o município devido, por exemplo, à eventual existência de grandes tensões comunitárias no seu território ou de graves problemas sociais ou, no seio da própria administração, a atos de proselitismo ou a um risco concreto de conflitos entre agentes ligados a essas convicções. A este respeito, reitero que é ao município que cabe apresentar a prova concreta de tais elementos e que é ao órgão jurisdicional de reenvio que incumbe apreciar a sua pertinência.

– Quanto ao caráter adequado e necessário dos meios utilizados para alcançar o objetivo legítimo

74.

Se, tendo em conta as indicações dos números anteriores das presentes conclusões, o órgão jurisdicional de reenvio concluir que a vontade do município de implementar um «espaço administrativo integralmente neutro», mediante a adoção de uma política de neutralidade absoluta, é suscetível de justificar de forma objetiva uma diferença de tratamento indiretamente baseada na religião ou nas convicções, o referido órgão jurisdicional deverá ainda apreciar se a proibição imposta pela regra em causa no processo principal é adequada e necessária à realização deste objetivo.

75.

No que respeita ao primeiro destes requisitos, parece‑me incontestável que, se o conjunto dos agentes do município tiver de exercer as suas funções sem exibir sinais visíveis de convicções nomeadamente filosóficas ou religiosas, tal contribuirá para pôr em prática a política de neutralidade absoluta que este último optou por prosseguir. No entanto, haveria ainda que analisar se esta política é verdadeiramente prosseguida de forma coerente e sistemática ( 49 ). Ora, tal como já sublinhei no n.o 55 das presentes conclusões, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas a este respeito. Se estas últimas se vierem a revelar fundadas, não só a regra em causa no processo principal não satisfaria o requisito relativo ao caráter apropriado dos meios utilizados para alcançar o objetivo legítimo, como além disso, constituiria uma discriminação direta baseada na religião ou nas convicções.

76.

No que diz respeito ao segundo requisito, o mesmo implica apreciar a questão de saber se a proibição prevista pela regra em causa no processo principal se limita ao «estritamente necessário» ( 50 ). A este respeito, recordo que esta proibição se aplica de modo geral e absoluto, a saber, independentemente tanto da natureza das funções exercidas pelo agente como do contexto no qual estas funções intervêm, e que se pede ao Tribunal de Justiça que aprecie a compatibilidade desta proibição, considerada na sua globalidade, com a Diretiva 2000/78 ( 51 ). É, pois, à proibição assim concebida que o teste de necessidade deve ser aplicado pelo órgão jurisdicional de reenvio. Para efeitos desse exercício, ao mesmo tempo que se procura um justo equilíbrio entre os interesses em presença, poderão ser tidas em conta as considerações de ordem factual acima expostas no n.o 73 das presentes conclusões.

77.

À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda, num segundo momento, à primeira questão prejudicial que o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que uma diferença de tratamento indiretamente baseada na religião ou em convicções resultantes de uma disposição de um regulamento de trabalho de uma entidade pública que proíbe os agentes de usar qualquer sinal visível de convicções políticas, filosóficas ou religiosas no local de trabalho pode ser justificada pela vontade desta entidade de organizar um ambiente administrativo totalmente neutro, desde que, em primeiro lugar, esta vontade responda a uma verdadeira necessidade desta entidade, o que incumbe a esta última demonstrar, que, em segundo lugar, esta diferença de tratamento seja adequada para assegurar a boa aplicação dessa vontade e que, em terceiro lugar, esta proibição seja limitada ao estritamente necessário.

Quanto às possibilidades de derrogações

78.

Caso se conclua que a regra em causa no processo principal constitui uma discriminação direta ou indireta baseada na religião ou nas convicções, a mesma poderá escapar à proibição prevista pela Diretiva 2000/78 caso seja aplicada uma das derrogações previstas nessa mesma diretiva, e, particularmente, se for aplicada uma das derrogações referidas no seu artigo 2.o, n.o 5 e no seu artigo 4.o, n.o 1.

79.

É certo que o órgão jurisdicional de reenvio não questiona expressamente o Tribunal de Justiça sobre estas duas derrogações, as quais, aliás, não parecem ter sido invocadas enquanto tais pelo município. No entanto, a questão da aplicação destas derrogações foi suscitada por OP e pelo Governo francês nas suas observações escritas, a respeito do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, e foi discutida na audiência, igualmente a respeito do artigo 2.o, n.o 5, desta diretiva. Para dar uma resposta completa ao órgão jurisdicional de reenvio, analisarei em seguida a possível aplicação destas disposições ao caso em apreço.

– Quanto ao artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78

80.

O artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78, que institui uma derrogação ao princípio da proibição das discriminações, deve ser objeto de interpretação estrita ( 52 ).

81.

O Tribunal de Justiça declarou que o conceito de «medidas previstas na legislação nacional», na aceção dessa disposição, não se limita às medidas resultantes de um ato adotado no termo de um processo legislativo, mas compreende igualmente medidas instauradas com base numa regra de habilitação suficientemente precisa ( 53 ).

82.

No caso em apreço, se se concluir pela existência de uma diferença de tratamento, esta resultará da proibição prevista pela regra em causa no processo principal.

83.

Ora, tal como a Comissão sublinhou na audiência, esta regra não constitui, com toda a evidência, um ato decorrente de um processo legislativo, a saber, uma lei em sentido formal.

84.

Além disso, embora caiba ao órgão jurisdicional de reenvio pronunciar‑se em definitivo sobre este ponto, também não me parece, à primeira vista, que se possa considerar que a proibição em causa foi imposta «com base numa regra de habilitação suficientemente precisa» na aceção da jurisprudência referida no n.o 81 das presentes conclusões. A este respeito, constato que nenhuma das partes no processo conseguiu identificar nenhuma legislação ou regulamentação nacional que se possa considerar que habilita uma entidade pública, como o município, a adotar regras «que, numa sociedade democrática, são necessárias […] para a proteção dos direitos e liberdades de terceiros». O facto, invocado pelo município na audiência, de o mesmo ter, por força da Constituição belga, o poder de regular qualquer questão de interesse municipal, sem prejuízo da intervenção da autoridade de tutela, não pode, em meu entender, ser equiparado a tal habilitação.

85.

Por conseguinte, sem prejuízo das verificações a realizar pelo órgão jurisdicional de reenvio, inclino‑me para concluir que a derrogação prevista no artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78 não é aplicável ao caso em apreço.

– Quanto ao artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78

86.

Segundo o Governo francês, a regra em causa no processo principal pode ser justificada com fundamento no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78. Com efeito, em virtude da natureza da sua atividade profissional, os agentes do setor público estão vinculados a uma obrigação estrita de neutralidade da qual resulta o requisito essencial e determinante para o exercício dessa atividade, concretamente, a proibição da manifestação das suas convicções políticas, ideológicas, filosóficas ou religiosas.

87.

OP contesta esta interpretação alegando, no essencial, que, para efeitos da aplicação desta disposição, importa ter em conta a natureza e as condições do exercício da atividade profissional em causa. Ora, no caso em apreço, a sua atividade consiste em tratar questões jurídicas relacionadas com os contratos públicos do município, sendo que a mesma é exercida sem contacto com o público. Por conseguinte, no presente caso, não está em causa um requisito essencial e determinante para o exercício da atividade profissional.

88.

Recordo que, se estiverem satisfeitos os requisitos do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, que analisarei sucessivamente em seguida, uma diferença de tratamento que, caso contrário, consubstanciaria uma discriminação, direta ou indireta, deixa de ser abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva. Recordo igualmente que, na medida em que permite derrogar o princípio da não discriminação, esta disposição, lida à luz do considerando 23 dessa diretiva, que se refere a «circunstâncias muito limitadas» que podem justificar diferenças de tratamento, deve ser objeto de interpretação estrita ( 54 ).

89.

Em primeiro lugar, é aos Estados‑Membros que cabe «prever», se necessário, que uma diferença de tratamento baseada numa característica relacionada com um dos motivos referidos no artigo 1.o, da Diretiva 2000/78 não constitui uma discriminação. No presente caso, o Reino da Bélgica parece ter feito uso desta faculdade, pelo menos no que diz respeito aos casos de diferença de tratamento direta, mediante a adoção do artigo 8.o da Lei Geral contra a Discriminação, o que, no entanto, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

90.

Em segundo lugar, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, para que possa não ser qualificada como discriminação, uma diferença de tratamento deve ser «fundada numa característica relacionada com um dos motivos referidos no artigo 1.o [desta diretiva]». A este respeito, o Tribunal de Justiça especificou que não é o motivo no qual se baseia a diferença de tratamento que deve ser entendido como requisito essencial, mas sim uma característica relacionada com esse motivo ( 55 ). Em meu entender, é o que sucede no presente processo. Com efeito, a proibição imposta aos agentes do município de uso de sinais suscetíveis de revelar a sua adesão, nomeadamente, a uma determinada religião, como é o caso do lenço islâmico, que é uma manifestação da fé muçulmana, constitui uma característica relacionada com a religião.

91.

Em terceiro lugar, a característica em causa deve constituir um «requisito essencial e determinante para o exercício da atividade profissional» e este requisito deve ser «objetivamente» ( 56 ) ditado pela natureza ou pelas condições do exercício da atividade profissional em causa. A este respeito, subscrevo inteiramente a posição da advogada‑geral E. Sharpston que considera que o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 deve ser aplicado de forma precisa e não pode ser utilizado para justificar uma exceção geral para todas as atividades que um determinado trabalhador venha potencialmente a exercer ( 57 ). Ora, no que respeita ao caso concreto em apreço, não vislumbro em que medida o facto de OP usar o lenço islâmico a impediria de alguma forma de cumprir plenamente as suas tarefas enquanto jurista empregada pela administração municipal. A decisão de reenvio não contém, além disso, nenhuma indicação nesse sentido. Isto é tanto mais válido quanto, noutros municípios belgas, as mesmas funções são exercidas por agentes, sem que lhes seja imposta nenhuma restrição em matéria de uso de vestuário, e quer os mesmos estejam ou não em contacto direto com o público.

92.

Em quarto lugar, no que diz respeito à condição segundo a qual o objetivo prosseguido deve ser legítimo e o requisito deve ser proporcionado, e na medida em que a apreciação dessa condição seja necessária, tendo em conta as considerações precedentes, permito‑me remeter para a minha análise desenvolvida nos n.os 62 a 64 e 76 das presentes conclusões.

93.

Por conseguinte, sem prejuízo das verificações a realizar pelo órgão jurisdicional de reenvio, considero que a derrogação prevista no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 também não é aplicável ao presente caso.

Conclusão

94.

Tendo em conta as considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma às questões submetidas pelo tribunal du travail de Liège (Tribunal do Trabalho de Liège, Bélgica) a título prejudicial:

1)

O artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional

deve ser interpretado no sentido de que:

uma disposição de um regulamento de trabalho de uma entidade pública que, com o objetivo de organizar um ambiente administrativo totalmente neutro, proíbe que os agentes usem qualquer sinal visível de convicções políticas, filosóficas ou religiosas no local de trabalho, não constitui, em relação aos agentes que entendem exercer a sua liberdade de religião e de consciência com o uso visível de um sinal ou de um vestuário com conotação religiosa, uma discriminação direta baseada na religião ou nas convicções, na aceção desta diretiva, desde que esta disposição seja aplicada de forma geral e indiferenciada.

2)

O artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78

deve ser interpretado no sentido de que:

uma diferença de tratamento indiretamente baseada na religião ou em convicções resultantes de uma disposição de um regulamento de trabalho de uma entidade pública que proíbe os agentes de usar qualquer sinal visível de convicções políticas, filosóficas ou religiosas no local de trabalho pode ser justificada pela vontade desta entidade de organizar um ambiente administrativo totalmente neutro, desde que, em primeiro lugar, esta vontade responda a uma verdadeira necessidade desta entidade, o que incumbe a esta última demonstrar, que, em segundo lugar, esta diferença de tratamento seja adequada para assegurar a boa aplicação dessa vontade e que, em terceiro lugar, esta proibição seja limitada ao estritamente necessário.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO 2000, L 303, p. 16.

( 3 ) Deve entender‑se por «lenço islâmico», igualmente designado pelos termos «véu islâmico» ou «hijab», uma peça de vestuário que cobre os cabelos, as orelhas e o pescoço, deixando o rosto à vista.

( 4 ) Acórdãos de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions (C‑157/15, a seguir, «Acórdão G4S Secure Solutions, EU:C:2017:203), de 14 de março de 2017, Bougnaoui e ADDH (C‑188/15, a seguir, «Acórdão Bougnaoui e ADDH, EU:C:2017:204), de 15 de julho de 2021, WABE e MH Müller Handel (C‑804/18 e C‑341/19, a seguir, «Acórdão WABE e MH Müller Handel, EU:C:2021:594), e de 13 de outubro de 2022, S.C.R.L. (Vestuário com conotação religiosa) (C‑344/20, a seguir «Acórdão S.C.R.L., EU:C:2022:774).

( 5 ) O Tribunal de Justiça precisou que, para efeitos da aplicação da Diretiva 2000/78, os termos «religião» e «convicções» devem ser analisados como as duas faces «de um mesmo e único motivo de discriminação» e que o motivo de discriminação em razão da «religião ou das convicções» abrange tanto as convicções religiosas como as convicções filosóficas ou espirituais (Acórdão S.C.R.L., n.os 26, 27 e 29 e jurisprudência referida).

( 6 ) Moniteur belge de 30 de maio de 2007, p. 29016.

( 7 ) A Lei Geral contra a Discriminação agrupa os artigos 7.o a 13.o sob o título II, intitulado «Justificação das distinções».

( 8 ) Segundo OP, os seus contactos diretos com o público limitam‑se à receção de propostas em mão própria, quando o envio por via eletrónica não é obrigatório, casos que alegadamente são residuais, e à representação pontual do município perante um órgão de recurso da Região da Valónia (Bélgica) competente em matéria de licenças de urbanismo.

( 9 ) Pela expressão «sinais de convicções pessoais», vulgarmente utilizada na Bélgica, deve entender‑se qualquer objeto, imagem, vestuário ou símbolo que exprime uma adesão a uma convicção política, filosófica ou religiosa.

( 10 ) A decisão de reenvio menciona a existência de uma regra não escrita no seio da administração municipal, comummente admitida e respeitada, por força da qual os seus agentes sempre se abstiveram de usar sinais de convicções no exercício da sua atividade profissional.

( 11 ) Nas presentes conclusões será feita referência a esta regra prevista nesta versão modificada do artigo 9.o do Regulamento de Trabalho do município através da expressão «a regra em causa no processo principal».

( 12 ) Esta ação baseia‑se na Lei Geral contra a Discriminação e na Lei de 10 de maio de 2007 de combate à discriminação entre as mulheres e os homens (Moniteur belge de 30 de maio de 2007, p. 29031).

( 13 ) Quanto à distinção entre neutralidade absoluta e neutralidade inclusiva, v. n.o 66 das presentes conclusões.

( 14 ) Acórdão de 1 de agosto de 2022, Vyriausioji tarnybinės etikos komisija (C‑184/20, EU:C:2022:601, n.o 47 e jurisprudência referida).

( 15 ) Acórdão de 2 de março de 2023, Bursa Română de Mărfuri (C‑394/21, EU:C:2023:146, n.o 60 e jurisprudência referida).

( 16 ) Acórdão de 9 de setembro de 2021, Toplofikatsia Sofia e o. (C‑208/20 e C‑256/20, EU:C:2021:719, n.o 19).

( 17 ) Despacho de 3 de julho de 2014, Talasca (C‑19/14, EU:C:2014:2049, n.o 22).

( 18 ) Acórdão WABE e MH Müller Handel, n.o 58.

( 19 ) Acórdão WABE e MH Müller Handel, n.o 45 e jurisprudência referida.

( 20 ) Acórdão S.C.R.L., n.os 48 a 50 e jurisprudência referida.

( 21 ) V., neste sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2022, Cilevičs e o. (C‑391/20, EU:C:2022:638, n.o 83 e jurisprudência referida).

( 22 ) Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Stolichna obshtina, rayon Pancharevo (C‑490/20, EU:C:2021:296, n.o 71).

( 23 ) Conclusões do advogado‑geral N. Emiliou no processo Cilevičs e o. (C‑391/20, EU:C:2022:166, n.o 86).

( 24 ) Conclusões do advogado‑geral N. Emiliou no processo Cilevičs e o. (C‑391/20, EU:C:2022:166, n.o 86).

( 25 ) Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Stolichna obshtina, rayonPancharevo (C‑490/20, EU:C:2021:296, n.o 73), e Conclusões do advogado‑geral N. Emiliou no processo Cilevičs e o. (C‑391/20, EU:C:2022:166, n.o 87).

( 26 ) Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Stolichna obshtina, rayonPancharevo (C‑490/20, EU:C:2021:296, n.o 86).

( 27 ) V., neste sentido, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo G4S Secure Solutions (C‑157/15, EU:C:2016:382, n.o 32), e do advogado‑geral N. Emiliou no processo Cilevičs e o. (C‑391/20, EU:C:2022:166, n.o 83). V. igualmente, por analogia, Acórdão de 15 de julho de 2021, Ministrstvo za obrambo (C‑742/19, EU:C:2021:597, n.os 43 a 45).

( 28 ) Neste processo, a recorrente, de confissão muçulmana, tinha sido despedida pela empresa privada que a empregava, por se recusar a renunciar ao uso do lenço islâmico durante as horas de trabalho, ignorando assim uma disposição do regulamento interno da empresa nos termos da qual «é proibido aos trabalhadores usar, no local de trabalho, sinais visíveis das suas convicções políticas, filosóficas ou religiosas ou praticar qualquer ritual decorrente de tais convicções».

( 29 ) Acórdão G4S Secure Solutions, n.os 30 e 32.

( 30 ) Acórdão WABE e MH Müller Handel, n.o 52, e Acórdão S.C.R.L., n.os 33 e 34. O primeiro destes Acórdãos dizia, nomeadamente, respeito às instruções de serviço de uma empresa que explorava creches, segundo as quais os empregados não podiam usar, no seu local de trabalho, nenhum sinal visível das suas convicções políticas, filosóficas ou religiosas, perante os pais, as crianças ou terceiros. O segundo dizia respeito a uma disposição do regulamento de trabalho de uma empresa privada que proibia que os trabalhadores manifestassem por palavras, através do vestuário ou de qualquer outra maneira, as suas convicções religiosas, filosóficas ou políticas, fossem elas quais fossem.

( 31 ) Acórdão WABE e MH Müller Handel, n.o 53.

( 32 ) Acórdão WABE e MH Müller Handel, n.os 72 e 73, e Acórdão S.C.R.L., n.o 31.

( 33 ) Acórdão S.C.R.L., n.o 37 e jurisprudência referida.

( 34 ) Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Bougnaoui e ADDH (C‑188/15, EU:C:2016:553, n.o 110).

( 35 ) Acórdão G4S Secure Solutions, n.o 34, e Acórdão WABE e MH Müller Handel, n.o 59.

( 36 ) V., neste sentido, Acórdão WABE e MH Müller Handel, n.os 61 e 62.

( 37 ) Acórdão G4S Secure Solutions, n.o 36.

( 38 ) Acórdão de 2 de fevereiro de 2023, Freikirche der Siebenten‑Tags‑Adventisten in Deutschland (C‑372/21, EU:C:2023:59, n.o 38 e jurisprudência referida).

( 39 ) A Diretiva 2000/78 não define este conceito para efeitos do seu artigo 2.o, n.o 2, alínea b), i).

( 40 ) Nas suas observações escritas e orais, o município também invoca o princípio da imparcialidade. Etimologicamente, o conceito de «neutralidade» evoca o estado de uma pessoa ou de uma entidade que se abstém de escolher, que adota uma postura de retaguarda, ao passo que o de «imparcialidade» implica uma tomada de decisão sem, no entanto, fazer prova de uma preferência pessoal. Contudo, não creio que, para efeitos do presente processo, seja necessário estabelecer uma distinção clara entre os dois conceitos. O princípio da neutralidade, tal como é invocado no presente caso, parece estar intrinsecamente ligado ao da imparcialidade, na medida em que é concebido como garante da imparcialidade da autoridade pública.

( 41 ) Na motivação da alteração ao regulamento de trabalho do município, é nomeadamente referido o seguinte: «o princípio segundo o qual os agentes da administração municipal se devem abster de manifestar, por sinais exteriores, as suas convicções ideológicas, religiosas e filosóficas inscreve‑se […] na vontade de afirmar o valor fundamental da neutralidade do serviço público sendo que, entre as diferentes declinações possíveis do princípio da neutralidade, a autoridade pretende promover na organização dos seus serviços um espaço administrativo integralmente neutro.»

( 42 ) Acórdão G4S Secure Solutions, n.o 38, Acórdão WABE e MH Müller Handel, n.o 63, e Acórdão S.C.R.L., n.o 39.

( 43 ) Tal como precisa a advogada‑geral J. Kokott nas suas Conclusões no processo G4S Secure Solutions (C‑157/15, EU:C:2016:382, n.o 81), no uso desta liberdade, «o empresário pode, em princípio, determinar de que forma e em que condições é organizado e realizado o trabalho na sua empresa, bem como de que forma os seus produtos e serviços são apresentados».

( 44 ) C.E., Acórdão n.o 223.042, de 27 de março de 2013, n.o VI.2.6.

( 45 ) Acórdão S.C.R.L., n.o 40 e jurisprudência referida. A este respeito, não posso deixar de aderir à clarificação prestada pelo Tribunal de Justiça no n.o 41 deste acórdão, segundo a qual «[e]sta interpretação inspira[‑se] na preocupação de encorajar, por princípio, a tolerância e o respeito, bem como a aceitação de um maior grau de diversidade, e de evitar um desvio ao estabelecimento de uma política de neutralidade na empresa em detrimento de trabalhadores que observam preceitos religiosos que impõem o uso de um certo vestuário».

( 46 ) V. nota de pé de página 41 das presentes conclusões.

( 47 ) O município refere‑se assim à «estrutura própria dos locais» que implica que os agentes podem, a todo o momento, cruzar‑se com um munícipe, e ao facto de «a neutralidade de aparência imposta a todos os agentes não ter apenas uma função exemplificativa quanto à atitude a adotar em relação ao público, mas igualmente uma garantia quanto ao bom funcionamento do serviço e uma maneira de evitar que surjam tensões entre agentes».

( 48 ) V., a este respeito, artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, que prevê que «[o]s Estados‑Membros tomam as medidas necessárias, de acordo com os respetivos sistemas judiciais, para assegurar que, quando uma pessoa que se considere lesada pela não aplicação, no que lhe diz respeito, do princípio da igualdade de tratamento apresentar, perante um tribunal ou outra instância competente, elementos de facto constitutivos da presunção de discriminação direta ou indireta, incumba à parte requerida provar que não houve violação do princípio da igualdade de tratamento».

( 49 ) Acórdão WABE e MH Müller Handel, n.o 68 e jurisprudência referida.

( 50 ) Acórdão WABE e MH Müller Handel, n.o 68 e jurisprudência referida.

( 51 ) V. n.o 40 das presentes conclusões.

( 52 ) Acórdão de 12 de janeiro de 2023, TP (Montador de audiovisuais para a televisão pública) (C‑356/21, EU:C:2023:9, n.o 71 e jurisprudência referida).

( 53 ) Acórdão de 7 de novembro de 2019, Cafaro (C‑396/18, EU:C:2019:929, n.o 44). A regra de habilitação deve ser suficientemente precisa para garantir que as medidas em questão respeitam as exigências previstas no referido artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78 (Acórdão de 13 de setembro de 2011, Prigge e o., C‑447/09, EU:C:2011:573, n.o 61).

( 54 ) Acórdão de 15 de julho de 2021, Tartu Vangla (C‑795/19, EU:C:2021:606, n.o 33 e jurisprudência referida).

( 55 ) Acórdão Bougnaoui e ADDH, n.o 37 e jurisprudência referida.

( 56 ) Acórdão Bougnaoui e ADDH, n.o 40.

( 57 ) Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Bougnaoui e ADDH (C‑188/15, EU:C:2016:553, n.o 95).