CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NICHOLAS EMILIOU

apresentadas em 5 de outubro de 2023 ( 1 )

Processo C‑54/22 P

Roménia

contra

Comissão Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Iniciativa de Cidadania Europeia (“ICE”) — ICE “A política de coesão para a igualdade das regiões e a sustentabilidade das culturas regionais” — Competência da Comissão Europeia para proceder a um registo parcial ao abrigo do Regulamento (UE) n.o 211/2011»

I. Introdução

1.

A Iniciativa de Cidadania Europeia (a seguir «ICE») é um instrumento de democracia participativa bastante conhecido que foi acrescentado ao sistema institucional da União, apesar do seu impacto aparentemente modesto até à data ( 2 ). Recorde‑se que este mecanismo foi introduzido pelo Tratado de Lisboa, para dar aos cidadãos da União a possibilidade de influenciar diretamente a ordem jurídica da União, convidando a Comissão Europeia a preparar uma proposta de ato jurídico da União Europeia. Como o Tribunal de Justiça sublinhou, o valor acrescentado deste mecanismo «reside não na certeza do seu resultado, mas nos meios e nas oportunidades que cria para os cidadãos da União desencadearem um debate político nas instituições desta» ( 3 ).

2.

Para que uma ICE progrida, deve passar, com sucesso, várias etapas, sendo a primeira o seu «registo». Durante esta fase de «admissibilidade», a Comissão verifica, nomeadamente, se a questão sobre a qual é convidada a agir está manifestamente fora da sua competência para apresentar uma proposta de ato jurídico da União Europeia. Esta primeira fase conduz, em princípio, a uma decisão pela qual a Comissão regista uma ICE ou, pelo contrário, recusa o seu registo.

3.

O presente processo diz respeito a esta fase específica e constitui a continuação de um anterior contencioso nas jurisdições da União Europeia relativo à ICE «A política de coesão para a igualdade das regiões e a sustentabilidade das culturas regionais». Esta ICE pretendia, em substância, a preparação de atos jurídicos que davam às regiões, cujas características nacionais, étnicas, culturais, religiosas ou linguísticas são diferentes daquelas das regiões circundantes, uma igualdade de oportunidades de acesso aos fundos da União.

4.

O presente litígio teve início com a recusa pela Comissão do registo desta ICE porque o seu objeto estava manifestamente fora do seu âmbito de competências para apresentar uma proposta de ato jurídico. O Tribunal Geral negou provimento ao recurso interposto desta decisão. No entanto, no âmbito de um recurso interposto pelos organizadores desta ICE, o Tribunal de Justiça anulou o Acórdão do Tribunal Geral, bem como a decisão da Comissão.

5.

Posteriormente, a Comissão adotou uma nova decisão através da qual registou a ICE controvertida, abrindo assim caminho à recolha de apoio junto dos cidadãos da União. Para esse efeito, a Comissão limitou o âmbito de aplicação desta ICE aos dos seus elementos iniciais que, em seu entender, não eram manifestamente «inadmissíveis».

6.

No entanto, à primeira vista, as regras aplicáveis, em vigor à época dos factos, conferiam à Comissão competência «dicotómica» para registar uma ICE ou recusar o seu registo. A questão que se coloca no caso em apreço é a de saber se esta lógica binária impedia a Comissão de registar a ICE controvertida de maneira «qualificada».

II. Quadro jurídico

7.

Nos termos do seu artigo 1.o, o Regulamento (UE) n.o 211/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, sobre a iniciativa de cidadania (a seguir «Regulamento ICE de 2011») ( 4 ) estabeleceu os procedimentos e as condições detalhadas para a apresentação de uma iniciativa de cidadania, como previsto no artigo 11.o TUE e no artigo 24.o TFUE ( 5 ).

8.

O artigo 2.o, n.o 1, deste instrumento define uma ICE como «uma iniciativa apresentada à Comissão nos termos do [Regulamento ICE de 2011] pela qual esta é convidada a apresentar, no âmbito das suas atribuições, uma proposta adequada sobre matérias em relação às quais os cidadãos consideram necessário um ato jurídico da União para aplicar os Tratados, e que tenha recebido o apoio de pelo menos um milhão de subscritores elegíveis, provenientes de pelo menos um quarto dos Estados‑Membros».

9.

O artigo 4.o do Regulamento ICE de 2011 enuncia:

«1.   Antes de dar início à recolha das declarações de apoio dos subscritores de uma proposta de iniciativa de cidadania, compete aos organizadores registá‑la junto da Comissão, prestando as informações constantes do anexo II, em especial sobre o objeto e os objetivos da iniciativa de cidadania proposta.

[…]

2.   No prazo de dois meses a contar da receção das informações constantes do anexo II, a Comissão deve registar uma proposta de iniciativa de cidadania com um número de registo único e enviar uma confirmação aos organizadores, desde que estejam preenchidas as seguintes condições:

[…]

(b)

A proposta de iniciativa de cidadania não está manifestamente fora da competência da Comissão para apresentar uma proposta de ato jurídico da União para efeitos de aplicação dos Tratados;

[…]

3.   A Comissão recusa o registo se as condições estabelecidas no n.o 2 não estiverem preenchidas.

Caso se recuse a registar uma proposta de iniciativa de cidadania, a Comissão informa os organizadores dos fundamentos dessa recusa e de todas as vias de recurso judiciais e extrajudiciais de que dispõem.

[…]»

10.

O anexo II do Regulamento ICE de 2011 dizia respeito às «informações para o registo de uma proposta de iniciativa de cidadania» e exigia que «[p]ara inscrever uma proposta de iniciativa de cidadania» no registo eletrónico da Comissão, [fossem] prestadas as seguintes informações:

«1.

Título da proposta de iniciativa de cidadania, até 100 caracteres;

2.

Objeto, até 200 carateres;

3.

Descrição dos objetivos da proposta de iniciativa de cidadania com base na qual a Comissão é convidada a tomar medidas, até 500 caracteres;

4.

As disposições dos Tratados que, segundos os organizadores, são relevantes para a medida proposta;

[…]»

Este anexo indicava igualmente que «[o]s organizadores podem apresentar, em anexo, informações mais pormenorizadas sobre o objeto, os objetivos e os antecedentes da proposta de iniciativa de cidadania. Podem também, se assim o desejarem, apresentar um projeto de ato jurídico.»

III. Antecedentes do litígio, tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

11.

Em 18 de junho de 2013, uma ICE intitulada «A política de coesão para a igualdade das regiões e a sustentabilidade das culturas regionais» foi apresentada à Comissão para efeitos do seu registo.

12.

Os organizadores desta ICE forneceram tanto as informações mínimas exigidas, previstas no anexo II do Regulamento ICE de 2011 (a seguir «informações exigidas»), como informações mais pormenorizadas na aceção deste anexo (a seguir «informações adicionais»).

13.

Resultava dos elementos fornecidos a título das informações exigidas que o objeto desta iniciativa era assegurar que a política de coesão da União prestasse especial atenção às regiões com características nacionais, étnicas, culturais, religiosas ou linguísticas diferentes daquelas das regiões circundantes ( 6 ).

14.

Os objetivos desta iniciativa, igualmente descritos no âmbito das informações exigidas, foram apresentados, nomeadamente, do seguinte modo: «Para essas regiões, incluindo áreas geográficas sem competências administrativas, a prevenção dos atrasos económicos, o apoio ao desenvolvimento e a preservação das condições de coesão económica, social e territorial deverão ser assegurados de modo a que as suas características permaneçam inalteradas. Para o efeito, as regiões devem ter as mesmas oportunidades de acesso aos vários fundos da UE e há que assegurar a preservação das suas características e o seu adequado desenvolvimento económico, de modo a que o desenvolvimento da UE possa ser sustentado e a sua diversidade cultural mantida.» ( 7 )

15.

Além disso, resultava das informações adicionais (conforme resumidas posteriormente pelo Tribunal de Justiça) que, segundo os organizadores desta ICE, «para responder aos valores fundamentais definidos nos artigos 2.o e 3.o TUE, a política de coesão regulada pelos artigos 174.o a 178.o TFUE devia contribuir para a manutenção das características étnicas, culturais, religiosas ou linguísticas específicas das regiões com uma minoria nacional, que estavam ameaçadas pela integração económica europeia, e para a correção das desvantagens e das discriminações que afetam o desenvolvimento económico dessas regiões. Por conseguinte, o ato proposto devia conceder às regiões com uma minoria nacional uma possibilidade de aceder aos fundos, aos recursos e aos programas da política de coesão da União igual à das regiões atualmente elegíveis, como as enumeradas no anexo I do [Regulamento n.o 1059/2003]. [ ( 8 )] Segundo os [organizadores], essas garantias podiam incluir a criação de instituições regionais autónomas, investidas de poderes suficientes para ajudar as regiões com uma minoria nacional a manter as suas características nacionais, linguísticas e culturais, bem como a sua identidade» ( 9 ).

16.

Com a sua Decisão de 25 de julho de 2013, a Comissão recusou o registo da ICE controvertida, com o fundamento de que a proposta de ICE estava manifestamente fora da sua competência para apresentar uma proposta de ato jurídico da União Europeia para efeitos de aplicação dos Tratados (na aceção do artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento ICE de 2011) ( 10 ).

17.

O Tribunal Geral negou provimento ao recurso através do qual os organizadores desta ICE, apoiados pela Hungria, visavam a anulação desta decisão ( 11 ). No entanto, esse acórdão foi anulado pelo Tribunal de Justiça, que também se pronunciou definitivamente sobre o litígio e anulou a Decisão da Comissão de 25 de julho de 2013 ( 12 ). Verifica‑se que o Tribunal de Justiça, inter alia, considerou como demasiado restritiva a interpretação dada pela Comissão às disposições do Tratado relativas à política de coesão da União, que foi analisada como a possível base jurídica para os atos jurídicos que a Comissão foi convidada a preparar ( 13 ).

18.

Em 30 de abril de 2019, a Comissão adotou a decisão impugnada através da qual a ICE em causa foi registada ( 14 ).

19.

No entanto, embora este registo tenha sido executado pelo artigo 1.o, n.o 1, da decisão impugnada, o artigo 1.o, n.o 2 da mesma, previa que podem ser recolhidas «declarações de apoio à presente proposta de iniciativa de cidadania, com base no pressuposto de que a mesma visa a apresentação, pela Comissão, de propostas de atos jurídicos que definam as missões, os objetivos prioritários e a organização dos fundos estruturais e de que as ações a financiar conduzam ao reforço da coesão económica, social e territorial da União». ( 15 )

20.

Através de uma petição que deu entrada em 8 de julho de 2019, a Roménia interpôs um recurso de anulação da decisão impugnada, invocando dois fundamentos. Primeiro, invocou uma violação do artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento ICE de 2011, uma vez que, em seu entender, a ICE controvertida estava manifestamente fora da competência da Comissão para apresentar uma proposta de ato jurídico na aceção da disposição acima referida. Segundo, a Roménia invocou a violação do dever de fundamentação.

21.

Em 10 de novembro de 2021, o Tribunal Geral negou provimento a esse recurso (a seguir «acórdão recorrido») ( 16 ).

IV. Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

22.

A Roménia interpôs recurso desse acórdão em 27 de janeiro de 2022, pedindo a sua anulação, solicitando ao Tribunal de Justiça que se pronunciasse sobre o litígio ou que remetesse o processo ao Tribunal Geral para nova decisão. Pede igualmente que a Comissão seja condenada nas despesas.

23.

A Roménia invoca um único fundamento de recurso relativo à violação do artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento ICE de 2011, em conjugação com o artigo 5.o, n.o 2, TUE (que consagra o princípio da atribuição de competências) ( 17 ). Este fundamento divide‑se, além disso, em duas partes.

24.

A primeira parte diz respeito aos n.os 105 e 106 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral indicou que a Comissão «apenas pode recusar o registo de uma proposta de ICE se […] chegar à conclusão de que pode ser totalmente excluída a possibilidade de apresentar uma proposta de ato jurídico da União para efeitos de aplicação dos Tratados» e que, por conseguinte, regista uma ICE «mesmo perante fortes dúvidas» quanto à questão de saber se a proposta de ICE está abrangida no âmbito da sua competência pertinente.

25.

A segunda parte invocada pela Roménia diz respeito às afirmações feitas pelo Tribunal Geral no n.o 116 do acórdão recorrido segundo as quais, em substância, a abordagem da Comissão, que consiste em registar a ICE controvertida com base num certo pressuposto sobre o seu possível âmbito de aplicação, estava em conformidade com o Regulamento ICE de 2011 e com a sua interpretação feita no Acórdão do Tribunal de Justiça, Izsák e Dabis/Comissão.

26.

A Comissão apresentou uma resposta na qual pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e que condene a Roménia nas despesas.

27.

Ambas as partes apresentaram igualmente réplica e tréplica. O Governo Húngaro interveio em apoio da Comissão e apresentou uma contestação ao recurso, bem como uma tréplica.

V. Apreciação

28.

Em conformidade com o pedido do Tribunal de Justiça, as presentes conclusões centrar‑se‑ão nos argumentos invocados pela Roménia no âmbito da segunda parte do fundamento, relativo à questão de saber se a Comissão tinha competência para «qualificar» (e restringir) o âmbito da ICE controvertida, enquanto procedia com o seu registo.

29.

Para avaliar esta questão, comentarei as características relevantes do mecanismo da ICE (1) e descreverei a prática da Comissão (da qual a ICE controvertida faz parte) que consiste em registar determinadas ICE com base num pressuposto específico sobre o seu possível âmbito de aplicação (2). Explicados estes elementos de contexto mais geral, abordarei os argumentos da Roménia apresentados no âmbito da segunda parte do seu fundamento de recurso e exporei as razões que me levam a concluir que a Comissão tinha o direito de registar uma ICE, restringindo o seu âmbito de aplicação apenas a alguns dos seus aspetos (3).

1.   Características relevantes do mecanismo da ICE

30.

O mecanismo da ICE, introduzido no artigo 11.o, n.o 4, TUE, foi implementado pelo Regulamento ICE de 2011, posteriormente revogado pelo Regulamento ICE de 2019, que está atualmente em vigor. Ambos estabelecem as condições em que uma iniciativa pode ser apresentada à Comissão, bem como o procedimento através do qual a Comissão a deve tratar.

31.

Note‑se que, para que uma iniciativa desencadeie um debate político nas instituições da União, deve passar com sucesso três principais fases sucessivas.

32.

Primeiro, deve respeitar as condições de registo (por vezes denominadas «admissibilidade» ( 18 )), especificamente enumeradas. Segundo, uma vez registada uma ICE, os organizadores dessa ICE devem obter o apoio necessário (de, pelo menos, um milhão de subscritores provenientes de, pelo menos, um quarto dos Estados‑Membros) ( 19 ). Terceiro, a Comissão deve, em substância, chegar à conclusão de que a adoção de um ato jurídico sobre a questão identificada é efetivamente necessária — e começar a sua preparação — o que, no entanto, é da sua inteira competência ( 20 ).

33.

No que respeita à fase de registo, que está em causa no presente processo, o atual Regulamento ICE de 2019 sujeita o registo, nomeadamente, à condição (negativa) de que nenhuma das partes da iniciativa apresentada caia manifestamente fora da competência da Comissão para apresentar propostas de ato jurídico da União Europeia para efeitos de aplicação dos Tratados ( 21 ).

34.

Se esta condição não for cumprida, a Comissão deve informar desse facto os organizadores e dar‑lhes a possibilidade de alterar a iniciativa. Quando mantêm a versão inicial e, ao mesmo tempo, uma parte desta iniciativa não cair manifestamente fora da competência da Comissão, o Regulamento ICE de 2019 prevê que a Comissão registe parcialmente essa iniciativa ( 22 ).

35.

No entanto, as condições de registo do Regulamento ICE de 2019 não se aplicam ratione temporis ao presente processo, que é, a esse respeito, regido pelo Regulamento ICE de 2011 ( 23 ). Embora este último instrumento contivesse uma condição de registo negativa semelhante, essa condição foi expressa de forma diferente, visto que não especificava que nenhuma das partes da iniciativa proposta podia estar fora das competências da Comissão na matéria. O artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do mesmo limita‑se a exigir que proposta de iniciativa (enquanto tal) não esteja manifestamente fora destas competências ( 24 ). É importante notar que o Regulamento ICE de 2011 não abordou a situação em que a proposta de ICE preenchia apenas parcialmente esta condição negativa. Por outras palavras, não previa nenhuma consequência concreta a retirar de uma proposta que continha uma combinação de elementos, alguns dos quais estavam manifestamente fora da competência da Comissão, ao passo que outros não o eram.

36.

No caso em apreço, coloca‑se a questão de saber se o silêncio do referido regulamento quanto a esta questão impediu a Comissão de adotar a decisão impugnada através da qual a ICE controvertida foi registada com base num pressuposto específico sobre o seu possível âmbito de aplicação. Antes de abordar mais pormenorizadamente esta questão, debruçar‑me‑ei sobre a prática que a Comissão desenvolveu a este respeito (e que, de facto, parece ter inspirado em seguida o sistema de registo parcial atualmente em vigor).

2.   Prática de registo que limita o âmbito de aplicação das propostas de iniciativas ao abrigo do Regulamento ICE de 2011

37.

Com efeito, a ICE controvertida não foi a primeira a ter sido registada, ao abrigo do Regulamento ICE de 2011, de maneira «qualificada», ou seja, com a Comissão a indicar, na sua decisão de registo, qual o seu eventual âmbito de aplicação para efeitos das fases posteriores do processo.

38.

Tanto quanto sei, a Comissão procedeu deste modo, no âmbito do Regulamento ICE de 2011, em nove outros casos ( 25 ) que parecem representar, aproximadamente, 14 % dos registos obtidos ao abrigo deste instrumento ( 26 ).

39.

Com uma exceção, a decisão de registo adotada em cada um deles contém uma disposição equivalente ao artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada, na qual a Comissão observa que podem ser recolhidas declarações de apoio «com base no pressuposto» de que a iniciativa em causa visa a apresentação de uma proposta de ato jurídico da União Europeia que teria uma finalidade específica, como brevemente descrita na referida disposição ( 27 ). Isto difere das decisões de registo «completo», cujo artigo 1.o prevê simplesmente que a ICE em questão seja registada ( 28 ).

40.

Tanto quanto sei, a questão de saber se a Comissão podia registar parcialmente, ao abrigo do Regulamento ICE de 2011, uma ICE «muito abrangente» (em vez de a rejeitar na sua totalidade) foi abordada pelo juiz da União relativamente a uma única ICE, e apenas de maneira bastante limitada.

41.

Mais especificamente, a ICE intitulada «Minority SafePack — Um milhão de assinaturas pela diversidade na Europa» convidou a adoção de 11 atos para melhorar, em última análise, a proteção das pessoas pertencentes a minorias nacionais e linguísticas ( 29 ).

42.

Antes de mais, a Comissão considerou que esta iniciativa estava manifestamente fora da sua competência para apresentar uma proposta de ato jurídico da União Europeia e recusou o seu registo ( 30 ). No contencioso subsequente, o Tribunal Geral anulou essa decisão de recusa, nomeadamente, com o fundamento de que a Comissão não tinha cumprido o seu dever de fundamentação relativamente ao qual os atos sugeridos não estavam manifestamente fora da sua competência, observando simultaneamente que certos temas podiam efetivamente inserir‑se no âmbito das suas competências ( 31 ).

43.

Em seguida, a Comissão adotou uma nova decisão através da qual registou a ICE controvertida, no que respeita a 9 dos 11 atos jurídicos de que a Comissão tinha sido convidada a preparar ( 32 ).

44.

A Roménia contestou sem sucesso essa nova decisão de registo, invocando, em primeiro lugar, a violação do artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento ICE de 2011 e, em segundo lugar, a falta de fundamentação.

45.

No âmbito do primeiro fundamento, o Tribunal Geral rejeitou, nomeadamente, o argumento da Roménia segundo o qual o registo parcial comprometia a autonomia dos organizadores da ICE e alterava indevidamente o objeto declarado da mesma. Sublinhou que os próprios organizadores expressaram a vontade de que a Comissão procedesse a um registo parcial, caso chegasse à conclusão de que algumas das medidas propostas não estavam manifestamente abrangidas pelas suas competências na matéria ( 33 ).

46.

No âmbito do segundo fundamento, o Tribunal Geral rejeitou a alegada falta de fundamentação da decisão de registo parcial da ICE e referiu‑se, nomeadamente, à explicação da Comissão quanto a uma alteração da sua prática (e a um afastamento em relação à sua posição inicial segundo a qual não era possível um registo parcial nos termos do Regulamento ICE de 2011).

47.

No âmbito do recurso que a Roménia apresentou, também sem sucesso, estes pontos específicos não foram suscitados ( 34 ).

48.

Saliento que nem o acórdão do Tribunal Geral nem o do Tribunal de Justiça abordaram expressamente a questão subjacente de saber se a Comissão tinha competência, ao abrigo do Regulamento ICE de 2011, de registar uma ICE apenas parcialmente ( 35 ). Dito isto, considero que existem efetivamente boas razões a favor da abordagem da Comissão. É esta a questão sobre a qual me debruçarei agora, no âmbito da análise dos argumentos apresentados pela Roménia em apoio da segunda parte do fundamento único do presente recurso.

3.   Presente processo

49.

Na presente secção, começarei por examinar mais detalhadamente os argumentos apresentados pela Roménia (a) e clarificarei a terminologia utilizada pelo Tribunal Geral para descrever a prática da Comissão em questão (b). Em seguida, debruçar‑me‑ei sobre o que constitui, na minha opinião, o cerne da segunda parte do fundamento da Roménia, a saber, a alegada impossibilidade de a Comissão registar uma ICE de maneira «qualificada» ao abrigo do Regulamento ICE de 2011 (c).

a) Segunda parte do fundamento único de recurso

50.

Recorde‑se que, com a segunda pare do seu fundamento de recurso (que é única parte do fundamento analisada nas presentes conclusões, como explicado, supra), a Roménia contesta as afirmações feitas pelo Tribunal Geral no n.o 116 do acórdão recorrido, nas quais este julgou improcedente o argumento da Roménia segundo o qual a existência de certas «reservas» na decisão impugnada era, em substância, contrária ao Regulamento ICE de 2011 ( 36 ).

51.

Mais precisamente, no referido número, o Tribunal Geral confirmou a decisão da Comissão de registar a ICE controvertida com base num certo pressuposto sobre o seu possível âmbito de aplicação, em conformidade com o Regulamento ICE de 2011 e com a jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 37 ), com o fundamento de que a Comissão deve interpretar e aplicar a condição de registo em causa para assegurar um acesso fácil às ICE.

52.

O Tribunal Geral deduziu, no n.o 116 do acórdão recorrido, que «[a] Comissão pode, por conseguinte, se for caso disso, proceder a um “enquadramento”, a uma “qualificação” ou mesmo a um registo parcial da proposta de ICE em causa a fim de assegurar o acesso fácil a esta, desde que cumpra o dever de fundamentação que lhe incumbe e que o conteúdo dessa proposta não seja desvirtuado.»

53.

Considerou, ainda no mesmo número, que isso «permite à Comissão, em vez de recusar o registo de uma proposta de ICE, registá‑la de maneira qualificada, a fim de preservar o efeito útil do objetivo prosseguido pelo [Regulamento ICE de 2011]». Acrescentou que «[e]sta conclusão impõe‑se sobretudo porque os organizadores de tal proposta não são obrigatoriamente juristas que tenham o sentido de precisão na expressão escrita e os conhecimentos sobre a competência da União e a competência da Comissão» ( 38 ).

54.

Com a segunda parte do seu fundamento de recurso, a Roménia alega, em substância, que, ao aprovar a decisão da Comissão de registar a ICE de maneira «qualificada», o Tribunal Geral violou o artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento ICE de 2011 (em conjugação com o artigo 5.o, n.o 2, TUE), uma vez que não teve em conta, como fez a Comissão na decisão impugnada, a totalidade das informações apresentadas à Comissão pelos organizadores da ICE controvertida.

55.

A este respeito, a Roménia faz referência a determinados elementos das informações «adicionais» (na aceção do anexo II do Regulamento ICE de 2011) que os organizadores da ICE controvertida tinham apresentado. Refere‑se, mais especificamente, ao convite para: primeiro, definir, num ato jurídico, as «regiões minoritárias/étnicas»; segundo, tornar esta definição igualmente aplicável às regiões que não dispõem de competências administrativas mas que manifestaram a sua vontade de autonomia; e, terceiro, prever, num anexo do ato jurídico a adotar, uma lista destas regiões. Além disso, a Roménia alega que a referência ao Regulamento n.o 1059/2003 foi igualmente ignorada ( 39 ).

56.

Segundo a Roménia, se todas estas informações tivessem sido tidas em conta, a ICE controvertida não teria sido adotada, porque se teria chegado à conclusão de que uma ação baseada nos artigos 174.o a 178.o TFUE (relativos à política de coesão da União) não permitiria a prossecução dos objetivos visados por esta ICE.

57.

Por último, a Roménia considera que a conclusão do Tribunal Geral se baseou num argumento geral relativo à necessidade de garantir um acesso fácil às ICE. No entanto, segundo a Roménia, esse argumento geral não pode conduzir, per se, ao registo de uma ICE quando as condições de registo não estão preenchidas.

58.

Em resposta, a Comissão observa, em substância, que foi precisamente porque teve em conta todas as informações apresentadas pelos organizadores que chegou à decisão de registar a ICE controvertida de maneira «qualificada».

59.

Saliento que o Tribunal de Justiça deixou claro, como recorda corretamente a Roménia, que, quando os organizadores forneceram à Comissão não só as informações exigidas sobre o objeto e o objetivo de determinada iniciativa, mas também as informações adicionais, na aceção do anexo II do Regulamento ICE de 2011, sobre o objeto, os objetivos e os antecedentes da proposta, a Comissão deve analisá‑la ( 40 ).

60.

Na minha opinião, quando o Tribunal Geral examinou as informações que a Comissão tinha tido em conta antes de adotar a decisão impugnada, fê‑lo sem deixar de ter em consideração os elementos descritos pela Roménia. Como o próprio Estado‑Membro reconhece, o Tribunal Geral referiu‑se, em substância, a estes elementos no n.o 113 do acórdão recorrido considerando que constituem meios identificados pelos organizadores para alcançar os objetivos declarados da ICE controvertida. Tendo em conta este elemento, não considero, em conformidade com a posição expressa pela Hungria (como interveniente) na sua contestação, que o Tribunal Geral não tenha tido em conta estes elementos.

61.

Dito isto, afigura‑se que, com a segunda parte do seu fundamento de recurso, a Roménia contesta mais fundamentalmente a confirmação, pelo Tribunal Geral, da escolha subjacente da Comissão de registar a ICE controvertida de maneira «qualificada». Com efeito, uma vez que, segundo este Estado‑Membro, a presença dos elementos acima referidos tornou impossível o registo desta ICE sem violação do princípio da atribuição de competências, a sua argumentação equivale, na minha opinião, a dizer que o registo «qualificado» a que a Comissão procedeu, e que o Tribunal Geral aprovou no n.o 116 do acórdão recorrido, simplesmente não era uma opção permitida pelo artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento ICE de 2011.

62.

Antes de expor as razões que me levam a considerar que o Tribunal Geral não cometeu um erro a este respeito, apresentarei algumas observações breves sobre os termos utilizados pelo Tribunal Geral para descrever a situação em causa.

b) Qualificação, enquadramento ou registo parcial?

63.

Como já foi salientado, tendo em conta, nomeadamente, a necessidade de assegurar um acesso fácil à ICE, o Tribunal Geral indicou, no n.o 116 do acórdão recorrido, que a Comissão pode proceder a um enquadramento, a uma qualificação ou mesmo a um registo parcial da proposta de ICE ( 41 ). Esta formulação e esta redação parecem referir‑se a diferentes cenários.

64.

À primeira vista, pode efetivamente haver uma certa diferença, nomeadamente, entre o registo parcial e o registo qualificado. O primeiro enquadra‑se perfeitamente, a meu ver, no cenário que estava em causa no Acórdão Roménia/Comissão — Minority SafePack. Este acórdão dizia respeito, como já expliquei, a uma ICE que acabou por ser registada em relação a 9 dos 11 atos jurídicos inicialmente propostos. Estes atos foram apresentados numa lista na qual a Comissão selecionou os que não estavam manifestamente fora das suas competências.

65.

Em contrapartida, a ICE controvertida visa, de modo mais geral e em substância, uma ação destina a garantir que as regiões, denominadas «regiões minoritárias/étnicas», dispõem de um acesso equitativo aos fundos da União. As informações adicionais exigem, em diferentes secções do texto apresentado, um novo quadro regulamentar sobre determinados aspetos específicos relacionados com estas regiões, sem prever uma lista comparável de atos que a Comissão seria convidada a preparar. De um modo, esta ICE parece apelar a um determinado plano de ação para assegurar a promoção e a manutenção das «regiões minoritárias nacionais/étnicas», para as quais se refere a determinadas medidas, descritas de modo geral. Nessa situação, a escolha que daí resulta dos elementos que, segundo a Comissão, poderiam ser abrangidos pela sua competência para apresentar uma proposta de ato jurídico pode parecer menos simples, pelo menos formalmente, do que a que foi efetuada no que respeita à ICE Minority SafePack ( 42 ).

66.

Todavia, após uma análise mais aprofundada, considero que, in fine, não há muita diferença entre estas duas hipóteses. O modo como a Comissão limitou o âmbito de aplicação das duas ICE acima referidas parece refletir, em cada um desses processos, a maneira como estas iniciativas foram especificamente redigidas. Além disso, as duas decisões de registo partilham o facto de a Comissão ter reduzido, em ambos os casos, o âmbito de aplicação em comparação ao que foi inicialmente sugerido pelos organizadores.

67.

Por esta razão, e pelo menos no contexto do presente processo, não vejo grande interesse em distinguir entre as situações em que a Comissão procede a um «enquadramento», a uma «qualificação» ou «mesmo a um registo parcial» de uma iniciativa.

68.

Na minha opinião, estes diferentes conceitos são utilizados indistintamente para descrever a mesma situação subjacente em que a Comissão decide limitar o âmbito de aplicação de uma determinada iniciativa, ao proceder ao seu registo, por considerar que algumas das suas partes não estão manifestamente abrangidas pela sua competência para apresentar uma proposta de ato jurídico. Por uma questão de simplificação, e para descrever a situação em si, considero, portanto, adequado utilizar apenas um destes conceitos. A este respeito, o conceito de «registo parcial» parece ser o candidato natural, uma vez que é precisamente este que figura no Regulamento ICE de 2019, no qual o legislador da União parece ter codificado a prática que a Comissão tinha desenvolvido (como explicarei mais pormenorizadamente a seguir).

69.

Com estas observações, abordarei agora a questão de saber se esta prática era efetivamente admissível antes dessa alteração legislativa.

c) Decisões de registo que limitam o alcance das propostas de iniciativas ao abrigo do Regulamento ICE de 2011

70.

Como já salientei, contrariamente ao quadro regulamentar atualmente aplicável, nenhuma disposição do Regulamento ICE de 2011 previa um registo com base num determinado pressuposto sobre o âmbito de aplicação de uma ICE. Com efeito, o artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento ICE de 2011 previa simplesmente que a Comissão «recusa o registo» se as respetivas condições de registo não estiverem preenchidas. Assim, nesta perspetiva, pode argumentar‑se que esta base regulamentar condicionou a Comissão a escolher apenas uma de duas opções: registar a ICE em questão ou recusar o seu registo, sem possibilidade de «terceira via».

71.

Em primeiro lugar, embora a jurisprudência acima referida relativa à ICE Minority SafePack não tenha abordado expressamente a competência da Comissão para registar uma ICE em parte, como já observei ( 43 ), é possível argumentar que uma resposta afirmativa estava implícita. Com efeito, se essa competência da Comissão fosse excluída, poder‑se‑ia argumentar que não é muito útil criticar a Comissão por não ter explicado, na sua decisão inicial de recusa, quais dos (11) atos propostos não estavam manifestamente fora das suas competências para apresentar uma proposta de ato jurídico da União Europeia. Dito isto, é verdade que a apresentação de uma fundamentação suficiente serve de fundamento a uma fiscalização jurisdicional posterior e permite igualmente aos organizadores redigir uma nova proposta inteiramente «admissível» ( 44 ).

72.

Independentemente deste aspeto, sou de opinião que a consideração da redação do artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento ICE, do seu «contexto interno» (composto por outras disposições do referido regulamento) e, especialmente, dos objetivos específicos visados por este regulamento, permite considerar que o registo parcial é compatível com o referido regulamento ( 45 ).

73.

Primeiro, embora a redação do artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento ICE de 2011 seja omissa quanto à possibilidade de um registo parcial enquanto tal, considero que a utilização do termo «manifesto» (para descrever a falta de competências na matéria por parte da Comissão, que conduz a uma decisão de recursa do registo) indica que o critério a aplicar deve ser «adequadamente restringido» ( 46 ).

74.

Neste contexto, observou‑se que a utilização deste adjetivo significa que a Comissão pode registar uma ICE que está eventualmente fora do âmbito de aplicação da sua competência para apresentar uma proposta de ato jurídico, mas quando essa conclusão não é «manifesta» ( 47 ). Concordo que esta parece ser a consequência lógica da utilização desta formulação. Nesta perspetiva, no entanto, parece um pouco incoerente sustentar que o registo deve ser recusado quando apenas uma parte da proposta de iniciativa está manifestamente fora do âmbito da competência da Comissão, ao passo que noutros aspetos (eventualmente a maioria), pode estar abrangida pelo seu âmbito de aplicação.

75.

Segundo, a interpretação do artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento ICE de 2011 no sentido de que permite um registo parcial é corroborada tendo em consideração o contexto (interno) relevante e, mais especificamente, as respetivas margens de apreciação de que dispõe a Comissão nos dois extremos de todo o processo.

76.

A este respeito, resulta das disposições do Regulamento ICE de 2011 relativas à fase final, na qual a Comissão toma posição sobre o «mérito» de determinada ICE, que a margem de apreciação da Comissão é, nesta fase, muito ampla. Mais especificamente, o artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento ICE de 2011 prevê que a Comissão apresente, por meio de uma comunicação, as suas «conclusões jurídicas e políticas sobre a iniciativa de cidadania, as medidas que tenciona tomar, se for caso disso, e os motivos que a levam a tomar ou não tomar essas medidas» ( 48 ). Daqui resulta, como confirmou o Tribunal de Justiça, que o facto de uma ICE ter sido bem‑sucedida em termos de registo e de recolha do apoio necessário não garante ainda que a Comissão tome qualquer ação posterior, uma vez que a introdução do mecanismo da ICE pelo Tratado de Lisboa não afetou o quase monopólio da Comissão da iniciativa legislativa ( 49 ).

77.

Esta ampla margem de apreciação difere fundamentalmente daquela de que dispõe a Comissão na fase do registo e que é limitada, como recordou o Tribunal Geral, o que significa que a Comissão deve registar cada proposta de ICE que preencha as condições de registo exigidas ( 50 ).

78.

Esta margem de apreciação limitada levou o Tribunal de Justiça a considerar que a condição de registo em causa no caso em apreço não pode ser interpretada de uma maneira que, em substância, recaia excessivamente sobre os organizadores. Mais precisamente, o Tribunal de Justiça rejeitou a abordagem adotada pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido nesse processo, que tinha examinado essa condição de registo como uma questão de facto e de provas a apresentar pelos organizadores ( 51 ). Em contrapartida, o Tribunal de Justiça considerou que a análise da condição de registo prevista no artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento ICE de 2011 deve limitar‑se a «analisar […] se, de um ponto de vista objetivo, tais medidas, consideradas em abstrato, podem ser adotadas com base nos Tratados» ( 52 ).

79.

Considero que a margem de discrição limitada da Comissão na fase de registo deve igualmente impedir que um obstáculo semelhante seja colocado aos organizadores das ICE no contexto do presente processo. Isso aconteceria se fossem obrigados a respeitar estritamente a delimitação das competências da Comissão, o que teria como consequência que até o mínimo erro quanto ao seu alcance implicaria a desqualificação da ICE enquanto tal.

80.

Este último ponto diz respeito, terceiro, aos objetivos prosseguidos pelo Regulamento ICE de 2011, que, na minha opinião, apoiam fortemente a interpretação de que o artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento ICE de 2011 permite o registo parcial.

81.

Estes objetivos são expressos nos considerandos 1 e 2 deste regulamento e consistem, «nomeadamente, em incentivar a participação dos cidadãos e tornar a União mais acessível» ( 53 ). O considerando 2 exige também, mais especificamente, que os procedimentos e condições aplicáveis sejam «claros, simples, de fácil aplicação e adequados à natureza da [ICE]» ( 54 ).

82.

Estes objetivos devem naturalmente guiar também, como o Tribunal de Justiça declarou, e como o Tribunal Geral recordou, em substância, no n.o 116 do acórdão recorrido, a condição de registo em causa.

83.

Nesta perspetiva, saliento, primeiro, que o mecanismo ICE foi concebido como um instrumento de democracia participativa de que dispõem os cidadãos da União que pretendam promover a adoção de um ato sobre todas as questões abrangidas pela competência da Comissão na matéria ( 55 ).

84.

Neste contexto, a decisão de tornar possível um acesso geral ao processo político de definição da atividade profissional tem por corolário necessário, como o Tribunal Geral salientou, em substância, no n.o 116 do acórdão recorrido, o facto de os textos propostos à Comissão para efeitos de registo não serem necessariamente redigidos por pessoas com conhecimento aprofundado das complexidades do direito da União, do alcance das competências da União, em geral, e dos limites das competências da Comissão para propor um ato jurídico da União, em particular.

85.

Tendo em conta os objetivos descritos no n.o 81, supra, e a própria finalidade do mecanismo das ICE em estabelecer uma ligação entre as instituições da União e os cidadãos da União, sou de opinião que a aplicação demasiado estrita da condição de registo prevista no artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento ICE de 2011 privaria o mecanismo da sua eficácia, uma vez que faria com que muitas ICE falhassem na primeira fase do processo.

86.

Por outras palavras, exigir que a Comissão só podia registar, ao abrigo do Regulamento ICE de 2011, as ICE cujo conteúdo era, na sua totalidade, abrangido pela competência da Comissão para apresentar uma proposta de ato jurídico, e que a Comissão devia recusar o registo de uma ICE que contivesse elementos que estivessem fora destas competências, conduziria a um formalismo excessivo e a resultados desproporcionados.

87.

Por exemplo, isso significaria que o registo de uma ICE que contenha simultaneamente elementos admissíveis e elementos inadmissíveis seria necessariamente recusado, ao passo que se obteria um resultado diferente, para as partes admissíveis dessa iniciativa, se o mesmo objeto fosse simplesmente apresentado formalmente sob a forma de duas iniciativas separadas: um cujo objeto estava «completamente fora» e outro cujo objeto estava «completamente dentro» das suas competências. Na mesma ordem de ideias, a presença de um elemento menor inadmissível numa ICE que, de outro modo, seria admissível, implicaria sempre uma recusa total do registo. Além disso, esse resultado seria obtido mesmo que os «erros que levam à desqualificação» fossem incluídos nas informações adicionais, que, no entanto, segundo o anexo II do Regulamento ICE, são meramente facultativas.

88.

Afigura‑se que foi precisamente uma taxa elevada de recusas que inspirou a prática de registo parcial que a Comissão desenvolveu (e à qual já me referi) ( 56 ), afastando‑se da sua posição inicial segundo a qual tal abordagem era incompatível com as disposições do Regulamento ICE de 2011 ( 57 ). Neste contexto, a Comissão parece ter reagido às dificuldades com que os organizadores se depararam para propor ICE cujo objeto preenchesse a condição de registo específica prevista no artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento ICE de 2011.

89.

Na minha opinião, é evidente que o registo parcial está, assim, em conformidade com os objetivos prosseguidos pelo mecanismo da ICE, porque favorece a participação democrática dos cidadãos porque permite um maior número de iniciativas passar às fases posteriores do processo. É também com este objetivo que a prática da Comissão em matéria de registo parcial parece ter sido codificada no atual Regulamento ICE de 2019 ( 58 ).

90.

Ao mesmo tempo, embora o objetivo de assegurar um amplo acesso às ICE deva ser promovido, esta abordagem é talvez a única maneira de resolver o problema de elementos inadmissíveis (numa ICE que, de outro modo, seria admissível), uma vez que evita expectativas irrealistas dos potenciais apoiantes e garante o respeito do princípio da atribuição de competências desde o início do processo.

91.

Assim, longe de violar o princípio da atribuição de competências, como parece sustentar a Roménia, esta abordagem adotada pela Comissão está perfeitamente em conformidade com este princípio, uma vez que só conduz ao registo de uma ICE porque, precisamente, não está manifestamente fora da competência da Comissão para apresentar uma proposta de ato jurídico.

92.

A este respeito, os potenciais subscritores são informados do âmbito do registo da iniciativa e do facto de que é apenas em relação ao âmbito mais restrito do registo que são recolhidas as declarações de apoio ( 59 ). Em suma, a decisão de registar parcialmente uma iniciativa (muito abrangente) parece ser um meio eficaz para a Comissão cumprir o objetivo de assegurar um acesso fácil ao mecanismo da ICE, assegurando simultaneamente que o apoio não seja recolhido e que o debate não seja iniciado entre os cidadãos da União sobre questões relativamente às quais a Comissão não tem competência para agir.

93.

Neste contexto, acrescento que a decisão impugnada constitui uma reação ao Acórdão do Tribunal de Justiça, Izsák e Dabis/Comissão, do qual decorre, em substância, e como já salientei, que a recusa inicial da Comissão de registar a ICE controvertida resultava de uma interpretação errada das disposições do Tratado relativas à política de coesão da União que eram referidas como possíveis bases do ato jurídico ou dos atos jurídicos que a Comissão foi convidada a propor.

94.

Mais precisamente, ao passo que a posição inicial da Comissão consistia em manter a lista das desvantagens que necessitam de uma atenção especial em relação a uma determinada região, conforme prevista no artigo 174.o TFUE, era exaustiva, o Tribunal de Justiça declarou, no acórdão acima referido, que essa lista era, na realidade, indicativa. Entendo que foi sob este ângulo que a Comissão decidiu registar a ICE controvertida ( 60 ), considerando igualmente que alguns dos elementos apresentados estavam manifestamente fora da sua competência para apresentar uma proposta de ato jurídico. Por conseguinte, a sua decisão de subordinar o registo da iniciativa controvertida à constatação de que «a mesma visa a apresentação, […] de propostas de atos jurídicos que definam as missões, os objetivos prioritários e a organização dos fundos estruturais e de que as ações a financiar conduzam ao reforço da coesão económica, social e territorial da União» ( 61 ) clarificou, para os potenciais signatários desta iniciativa, qual poderia ser o objeto da ação da Comissão. Deste modo, e como já observei, a Comissão pretendeu, sem dúvida, assegurar que fosse dada aos cidadãos da União a possibilidade de apoiarem esta iniciativa e, caso se encontre o apoio necessário ( 62 ), desencadear uma discussão política sobre o referido tema. Ao mesmo tempo, como também já referi, ao enquadrar assim a iniciativa, a Comissão parece ter procurado evitar uma situação em que se procura apoio e se criam expectativas com base em premissas erradas, quanto às competências conferidas à União e, mais precisamente, à Comissão no âmbito da proposta de iniciativa controvertida.

95.

À luz destas considerações, sou de opinião que o Tribunal Geral interpretou corretamente o artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento ICE de 2011 ao considerar, no n.o 116 do acórdão recorrido, que a Comissão podia registar, através da decisão impugnada, a ICE controvertida com base num pressuposto específico sobre o possível âmbito de aplicação dessa ICE.

VI. Conclusão

96.

Sem prejuízo do mérito da outra parte do fundamento único de recurso interposto pela Roménia, ou da fixação das despesas, proponho que Tribunal de Justiça julgue improcedente a segunda parte do fundamento único de recurso no processo C‑54/22.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Isto é, a julgar pelos números: o sítio Internet da Comissão Europeia consagrado às ICE indica que, desde 2012, quando este instrumento entrou em vigor, nove iniciativas chegaram a uma fase que permitiu à Comissão tomar posição sobre o seu resultado. V. https://citizens‑initiative.europa.eu/find‑initiative/eci‑lifecycle‑statistics_pt.

( 3 ) Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Puppinck e o./Comissão (C‑418/18 P, EU:C:2019:1113, a seguir «Acórdão Puppinck», n.o 70).

( 4 ) JO 2011, L 65, p. 1. Este regulamento foi substituído pelo Regulamento (UE) 2019/788 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, sobre a iniciativa de cidadania europeia (JO 2019, L 130, p. 55) (a seguir «Regulamento ICE de 2019»), que, nos termos do artigo 28.o do mesmo, é aplicável, em princípio, após 1 de janeiro de 2020, enquanto a ICE controvertida no presente processo foi registada em 30 de abril de 2019.

( 5 ) Respetivamente, introduzem a ICE enquanto tal e constituem a base jurídica do Regulamento ICE de 2011.

( 6 ) V. considerando 1 da Decisão (UE) 2019/721 da Comissão, de 30 de abril de 2019, sobre a proposta de iniciativa de cidadania intitulada «A política de coesão para a igualdade das regiões e a sustentabilidade das culturas regionais» (JO 2019, L 122, p. 55) (a seguir «decisão impugnada»). V., também, Acórdão de 7 de março de 2019, Izsák e Dabis/Comissão (C‑420/16 P, EU:C:2019:177, a seguir «Acórdão do Tribunal de Justiça, Izsák e Dabis/Comissão», n.o 9).

( 7 ) Considerando 2 da decisão impugnada. V., também, Acórdão de 10 de maio de 2016, Izsák e Dabis/Comissão (T‑529/13, EU:T:2016:282, a seguir «Acórdão do Tribunal Geral, Izsák e Dabis/Comissão», n.o 3).

( 8 ) Regulamento (CE) n.o 1059/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de maio de 2003, relativo à instituição de uma Nomenclatura Comum das Unidades Territoriais Estatísticas (NUTS) (JO 2003, L 154, p. 1). Como resulta do artigo 1.o deste regulamento, este tem por objetivo estabelecer uma Nomenclatura Estatística Comum das Unidades Territoriais, designada por «NUTS», para permitir a recolha, organização e difusão de estatísticas regionais harmonizadas na União Europeia.

( 9 ) Acórdão do Tribunal de Justiça, Izsák e Dabis/Comissão, n.os 11 e 56. V., para uma descrição mais completa destas informações adicionais, Acórdão do Tribunal Geral Izsák e Dabis/Comissão, n.os 3 e 5 a 8. O conteúdo integral das informações exigidas e as informações adicionais podem ser consultados em https://citizens‑initiative.europa.eu/initiatives/details/2019/000007_pt.

( 10 ) Decisão C(2013) 4975 final. Os motivos de recusa do registo estão expostos no n.o 12 do Acórdão do Tribunal de Justiça, Izsák e Dabis/Comissão. V., também, Acórdão do Tribunal Geral, Izsák e Dabis/Comissão, n.o 9.

( 11 ) Acórdão do Tribunal Geral, Izsák e Dabis/Comissão, referido na nota de rodapé n.o 7, supra.

( 12 ) Acórdão do Tribunal de Justiça, Izsák e Dabis/Comissão, referido na nota de rodapé n.o 6, supra.

( 13 ) Como resulta do n.o 64 do Acórdão do Tribunal Geral, Izsák e Dabis/Comissão, a decisão inicial de «recusa» precisava que a lista das limitações suscetíveis de afetar diversas regiões e que, em suma, podem ser objeto da política de coesão da União, na aceção do artigo 174.o, terceiro parágrafo, TFUE, é exaustiva (e, a meu ver, não inclui, assim, as especificidades das «regiões com uma minoria» identificadas pelos organizadores da ICE controvertida como estando na origem das preocupações a abordar). Em contrapartida, o Tribunal de Justiça precisou que esta lista não tem caráter exaustivo, mas indicativo. V. Acórdão do Tribunal de Justiça, Izsák e Dabis/Comissão, n.o 69.

( 14 ) Decisão impugnada referida na nota de rodapé n.o 6, supra.

( 15 ) O sublinhado é meu.

( 16 ) Acórdão de 10 de novembro de 2021, Roménia/Comissão (T‑495/19, EU:T:2021:781)

( 17 ) Recorde‑se que o artigo 5.o, n.o 2, TUE estabelece que «[e]m virtude do princípio da atribuição, a União acua unicamente dentro dos limites das competências que os Estados‑Membros lhe tenham atribuído nos Tratados para alcançar os objetivos fixados por estes últimos. As competências que não sejam atribuídas à União nos Tratados pertencem aos Estados‑Membros.»

( 18 ) V., por exemplo, Dougan, M., «What are we to make of the citizens’ initiative?», Common Market Law Review, vol. 48, número 6, 2011, p. 1839.

( 19 ) Artigo 2.o, n.o 1, e artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento ICE de 2011 e artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento ICE de 2019.

( 20 ) V., neste sentido, Artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento ICE de 2011 e artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento ICE de 2019. V. também Acórdão Puppinck, n.o 70. Para um exemplo de comunicação das conclusões políticas e jurídicas da Comissão, v. Comunicação da Comissão sobre a Iniciativa de Cidadania Europeia «Minority SafePack — Um milhão de assinaturas pela diversidade na Europa», COM(2021) 171 final, ponto 3, pp. 18 a 21.

( 21 ) Artigo 6.o, n.o 3, alínea c), do Regulamento ICE de 2019. O sublinhado é meu.

( 22 ) Artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento ICE de 2019.

( 23 ) Recordo que a ICE controvertida foi registada em 30 de abril de 2019, enquanto o Regulamento ICE de 2019 se aplica, nos termos do seu artigo 28.o, e para o que é relevante, a partir de 1 de janeiro de 2020.

( 24 ) Artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento ICE de 2011.

( 25 ) Decisão (UE) 2017/599 da Comissão, de 22 de março de 2017, sobre a iniciativa de cidadania proposta com o título «Cidadania da UE para os europeus: unidos na diversidade apesar do jus soli e do jus sanguinis» (JO 2017, L 81, p. 18); Decisão (UE) 2017/652 da Comissão, de 29 de março de 2017, sobre a proposta de iniciativa de cidadania europeia intitulada «Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe» (JO 2017, L 92, p. 100); Decisão (UE) 2017/877 da Comissão, de 16 de maio de 2017, sobre a proposta de iniciativa de cidadania intitulada «Let us reduce the wage and economic differences that tear the EU apart!» (JO 2017, L 134, p. 38); Decisão (UE) 2017/1002 da Comissão, de 7 de junho de 2017, sobre a iniciativa de cidadania proposta intitulada «Stop Extremism» (JO 2017, L 152, p. 1); Decisão (UE) 2017/1254 da Comissão, de 4 de julho de 2017, sobre a iniciativa de cidadania proposta com o título «Stop TTIP» (JO 2017, L 179, p. 16); Decisão (UE) 2018/1222 da Comissão, de 5 de setembro de 2018, sobre a iniciativa de cidadania proposta com o título «End the Cage Age» (JO 2018, L 227, p. 7); Decisão (UE) 2018/1471 da Comissão, de 19 de setembro de 2018, relativa à iniciativa de cidadania proposta intitulada «ALTO À FRAUDE e ao abuso nos FUNDOS DA UE através de um melhor controlo das decisões, da execução e das sanções» (JO 2018, L 246, p. 46); Decisão (UE) 2019/435 da Comissão, de 12 de março de 2019, sobre a proposta de iniciativa de cidadania intitulada «Habitação para todos» (JO 2019, L 75, p. 105); e Decisão (UE) 2019/569 da Comissão, de 3 de abril de 2019, sobre a proposta de iniciativa de cidadania intitulada «Respeito pelo Estado de direito na União Europeia» (JO 2019, L 99, p. 39).

( 26 ) O Regulamento ICE de 2011 manteve‑se em vigor entre 1 de abril de 2012 e 31 de dezembro de 2019. O sítio Internet da Comissão consagrado às ICE enumera 70 registos efetuados durante esse período.

( 27 ) A exceção diz respeito à Decisão (UE) 2017/877 da Comissão, de 16 de maio de 2017, sobre a proposta de iniciativa de cidadania intitulada «Let us reduce the wage and economic differences that tear the EU apart!» (JO 2017, L 134, p. 38), que utiliza uma redação ligeiramente diferente.

( 28 ) Durante os primeiros anos de funcionamento da ICE, o conteúdo das decisões de registo não foi organizado em disposições. Em vez disso, estas decisões assumiram a forma de uma carta dirigida aos respetivos organizadores.

( 29 ) V. https://citizens‑initiative.europa.eu/initiatives/details/2017/000004_pt. Esta iniciativa é uma das nove ICE sobre as quais a Comissão se pronunciou sobre o resultado. V. supra, notas de rodapé n.os 2 e 20.

( 30 ) Decisão C(2013) 5969 final, de 13 de setembro de 2013.

( 31 ) Acórdão de 3 de fevereiro de 2017, Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe/Comissão (T‑646/13, EU:T:2017:59, n.os 27, 28 e 34).

( 32 ) Decisão (UE) 2017/652 da Comissão, de 29 de março de 2017, sobre a proposta de iniciativa de cidadania europeia intitulada «Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe» (JO 2017, L 92, p. 100).

( 33 ) Acórdão de 24 de setembro de 2019, Roménia/Comissão (T‑391/17, EU:T:2019:672, n.o 58).

( 34 ) Acórdão de 20 de janeiro de 2022, Roménia/Comissão (C‑899/19 P, EU:C:2022:41).

( 35 ) Saliento que, no seu Acórdão de 3 de fevereiro de 2017, Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe/Comissão (T‑646/13, EU:T:2017:59), o Tribunal Geral salientou, em substância, no n.o 29, que as lacunas quanto ao dever de fundamentação que incumbe à Comissão eram válidas «mesmo que se admita que procede a tese da Comissão de que uma proposta de ICE, seja qual for o seu conteúdo, não pode ser registada se […] a julgar parcialmente inadmissível».

( 36 ) n.o 115 do acórdão recorrido.

( 37 ) Referindo‑se, mais especificamente, ao Acórdão do Tribunal de Justiça, Izsak e Dabis/Comissão, referido na nota de rodapé n.o 6 e no n.o 17, supra.

( 38 ) O Tribunal Geral concluiu este número declarando que «a alegação da Roménia segundo a qual a existência de uma “reserva” na apreciação da Comissão indica a existência de dúvidas e de interrogações da sua parte […] não só não está demonstrada como também é inoperante, uma vez que, como já foi observado, a existência de tais dúvidas e interrogações não deve impedir a Comissão de registar a proposta de ICE controvertida». Observo que esta afirmação diz respeito aos argumentos invocados pela Roménia no âmbito da primeira parte do seu fundamento de recurso e, como tal, não é abordada pela Roménia no contexto da segunda parte do fundamento.

( 39 ) Embora a Roménia não desenvolva este argumento, considero que o mesmo faz referência ao que tinha sublinhado no processo que deu origem ao acórdão recorrido, a saber, que a ICE controvertida tinha sugerido uma reconfiguração do sistema estatístico previsto no Regulamento n.o 1059/2003 (mencionado, supra, na nota de rodapé n.o 8) que teria em conta o critério étnico, religioso, linguístico e cultural. Acórdão recorrido, n.o 97.

( 40 ) Acórdão de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão (C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 35) e, neste sentido, Acórdão do Tribunal de Justiça, Izsák e Dabis/Comissão, n.o 54. V. também considerando 10 do Regulamento ICE de 2011, cujo último período estabelece que «[a] Comissão deverá gerir este registo de acordo com os princípios gerais da boa administração.» A este respeito, v. Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Izsák e Dabis/Comissão (C‑420/16 P, EU:C:2018:816, n.o 18 e jurisprudência referida).

( 41 ) O sublinhado é meu.

( 42 ) Comparar também a descrição destes elementos adicionais no Acórdão do Tribunal de Justiça, Izsák e Dabis/Comissão, n.o 11, com os que figuram no Acórdão do Tribunal Geral, Izsák e Dabis/Comissão, n.os 5 a 8.

( 43 ) V. n.o 48, supra.

( 44 ) Acórdão de 3 de fevereiro de 2017, Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe/Comissão (T‑646/13, EU:T:2017:59, n.o 29).

( 45 ) Recordo que, segundo jurisprudência constante, «na interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte». V., por exemplo, recentemente, Acórdão de 13 de julho de 2023, Mensing (C‑180/22, EU:C:2023:565, n.o 22 e jurisprudência referida).

( 46 ) Dougan, M., «What are we to make of the citizens’ initiative?», Common Market Law Review, vol. 48, número 6, 2011, p. 1840. V., igualmente, neste sentido, Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Izsák e Dabis/Comissão (C‑420/16 P, EU:C:2018:816, n.o 36).

( 47 ) Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Izsák e Dabis/Comissão (C‑420/16 P, EU:C:2018:816, n.os 38 e 57).

( 48 ) V., igualmente, artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento ICE de 2019. V., igualmente, n.os 101 a 105 do acórdão recorrido.

( 49 ) Acórdão Puppinck, n.o 70, referido no n.o 1 das presentes conclusões, bem como n.os 57 a 65 e jurisprudência referida. V., também, Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Puppinck e o./Comissão (C‑418/18 P, EU:C:2019:640, n.os 34 a 42).

( 50 ) V. os termos utilizados pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 20 de janeiro de 2022, Roménia/Comissão (C‑899/19 P, EU:C:2022:41, n.o 71).

( 51 ) V. Acórdão do Tribunal de Justiça, Izsák e Dabis/Comissão, n.os 57 a 60. Mais precisamente, o Tribunal de Justiça refutou as conclusões do Tribunal Geral segundo as quais os organizadores da ICE controvertida não tinham demonstrado «que a execução da política de coesão da União […] ameaçava as características específicas das regiões com uma minoria nacional» e não tinham demonstrado «que as características étnicas, culturais, religiosas ou linguísticas específicas das regiões com uma minoria nacional podiam ser consideradas uma limitação demográfica grave e permanente, na aceção do artigo 174.o, terceiro parágrafo, TFUE».

( 52 ) V. Acórdão do Tribunal de Justiça, Izsák e Dabis/Comissão, n.o 62.

( 53 ) Acórdão do Tribunal de Justiça, Izsák e Dabis/Comissão, n.o 53 e jurisprudência referida.

( 54 ) O sublinhado é meu.

( 55 ) V., também, Livro verde relativo a uma iniciativa de cidadania europeia, COM(2009) 622 final, p. 3.

( 56 ) V., neste sentido, Relatório Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a aplicação do Regulamento (UE) n.o 211/2011 sobre a iniciativa de cidadania, COM(2018) 157 final, p. 2. Além disso, ao debater os aspetos que necessitam de ser aperfeiçoados, a Comissão observou, na proposta que conduziu ao Regulamento ICE de 2019, que «tem vindo a aplicar […] uma série de medidas não legislativas para facilitar a utilização do instrumento [da ICE] por organizadores e cidadãos […] incluindo a possibilidade de registo parcial das iniciativas». Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a iniciativa de cidadania europeia, COM(2017) 482 final, p. 3, v. também p. 10.

( 57 ) Acórdão de 24 de setembro de 2019, Roménia/Comissão (T‑391/17, EU:T:2019:672, n.o 90, em conjugação com o Acórdão de 3 de fevereiro de 2017, Minority SafePack ‑ one million signatures for diversity in Europe/Comissão (T‑646/13, EU:T:2017:59, n.os 14, 21, 28 e 29).

( 58 ) O considerando 19 do Regulamento ICE de 2019 enuncia que «é conveniente proceder ao seu registo parcial nos casos em que só uma parte ou algumas partes cumprem os requisitos de inscrição no registo» para «assegurar o registo do maior número possível de iniciativas».

( 59 ) É verdade que, no âmbito da prática anterior, um registo parcial não parecia ser acompanhado de uma adaptação posterior do texto apresentado, mas esta lacuna aparece agora abordada no artigo 6.o, n.o 5, do Regulamento ICE de 2019. V. também, neste sentido, Athanasiadou, N., «The European citizens’ initiative: Lost in admissibility?»Maastricht Journal of European and Comparative Law, vol. 26, número 2, 2019, p. 269.

( 60 ) V., também, n.os 117, 125 e 129 do acórdão recorrido.

( 61 ) Como referido no artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada, v. n.o 19, supra.

( 62 ) Segundo as informações que figuram no sítio Internet da Comissão consagrado às ICE, a recolha do apoio necessário parece ter sido concluída e as assinaturas estão a ser verificadas. V. https://citizens‑initiative.europa.eu/initiatives/details/2019/000007_pt.