ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

13 de julho de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Saúde pública — Legislação nacional que impõe uma obrigação de vacinação ao pessoal de saúde — Suspensão de funções sem remuneração para o pessoal que recusa a vacina — Regulamento (CE) n.o 726/2004 — Medicamentos para uso humano — Vacinas contra a COVID‑19 — Regulamento (CE) n.o 507/2006 — Validade das autorizações condicionais de introdução no mercado — Regulamento (UE) 2021/953 — Proibição de discriminação entre pessoas vacinadas e não vacinadas — Inadmissibilidade»

No processo C‑765/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunale ordinario di Padova (Tribunal Comum de Pádua, Itália), por Decisão de 7 de dezembro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de dezembro de 2021, no processo

D. M.

contra

Azienda Ospedale‑Università di Padova,

sendo interveniente:

C. S.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal (relatora), presidente de secção, M. L. Arastey Sahún, F. Biltgen, N. Wahl e J. Passer, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: D. Dittert, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 18 de janeiro de 2023,

vistas as observações apresentadas:

em representação de D. M., por R. Martina, L. Minisci, A. Sinagra e A. Veneziano, avvocati,

em representação da Azienda Ospedale‑Università di Padova, por C. Cester, I. Gianesini, L. Miazzi, A. Rampazzo e C. Tomiola, avvocati,

em representação de C. S., por P. Piva e F. Rossi Dal Pozzo, avvocati,

em representação do Governo Italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. De Bellis e F. Urbani Neri, avvocati dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por G. Gattinara e A. Sipos, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o do Regulamento (CE) n.o 507/2006 da Comissão, de 29 de março de 2006, relativo à autorização condicional de introdução no mercado de medicamentos para uso humano abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento (CE) n.o 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2006, L 92, p. 6), do Regulamento (UE) 2021/953 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2021, relativo a um regime para a emissão, verificação e aceitação de certificados interoperáveis de vacinação, teste e recuperação da COVID‑19 (Certificado Digital COVID da UE), a fim de facilitar a livre circulação durante a pandemia de COVID‑19 (JO 2021, L 211, p. 1), bem como dos artigos 3.°, 35.° e 41.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe D. M. à Azienda Ospedale‑Università di Padova (Hospital Universitário de Pádua, Itália) (a seguir «Hospital Universitário»), a respeito da suspensão de D. M. das suas funções como enfermeira profissional neste hospital, sem direito a remuneração durante a sua suspensão, devido ao incumprimento, por parte desta, da legislação nacional que impõe uma obrigação de vacinação ao pessoal de saúde.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 507/2006

3

O artigo 1.o do Regulamento n.o 507/2006 dispõe:

«O presente regulamento estabelece as regras relativas à concessão de uma autorização de introdução no mercado sujeita a obrigações específicas, em conformidade com o n.o 7 do artigo 14.o do Regulamento (CE) n.o 726/2004 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos (JO 2004, L 136, p. 1)], doravante denominada “autorização condicional de introdução no mercado”.»

4

O artigo 4.o do Regulamento n.o 507/2006 tem a seguinte redação:

«1.   Pode ser concedida uma autorização condicional de introdução no mercado se o Comité [dos Medicamentos para Uso Humano], considerar que, embora os dados clínicos fornecidos sobre a segurança e a eficácia do medicamento estejam incompletos, estão cumpridos todos os seguintes requisitos:

a)

a relação risco‑benefício do medicamento, tal como se encontra definida no ponto 28‑A do artigo 1.o da Diretiva 2001/83/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO 2001, L 311, p. 67)], é positiva;

b)

É provável que o requerente venha a estar em posição de fornecer os dados clínicos completos;

c)

As necessidades médicas não satisfeitas sê‑lo‑ão;

d)

As vantagens para a saúde pública decorrentes da disponibilidade imediata no mercado do medicamento em questão são superiores ao risco inerente ao facto de serem necessários mais dados.

Em situações de emergência como as referidas no n.o 2 do artigo 2.o, poderá ser concedida uma autorização condicional de introdução no mercado, sujeita às condições definidas nas alíneas a) a d) do presente número, inclusivamente nos casos em que os dados pré‑clínicos ou farmacêuticos fornecidos estejam incompletos.

2.   Para efeitos da alínea c) do n.o 1, entende‑se por “necessidades médicas não satisfeitas” uma doença para a qual não exista um método satisfatório de diagnóstico, prevenção ou tratamento autorizado na Comunidade ou, mesmo nos casos em que tal método exista, em relação ao qual o medicamento em questão constitua uma vantagem terapêutica substancial para as pessoas afetadas.»

Regulamento 2021/953

5

Os considerandos 6, 14 e 36 do Regulamento 2021/953 enunciam:

«(6)

Os Estados‑Membros podem, em conformidade com o direito da União, limitar o direito fundamental de livre circulação por razões de saúde pública. Quaisquer restrições à livre circulação de pessoas na União [Europeia] que sejam adotadas com o objetivo de limitar a propagação do SARS‑CoV‑2 deverão assentar em razões de interesse público, específicas e limitadas, a saber, a salvaguarda da saúde pública, tal como realçado na Recomendação (UE) 2020/1475 [do Conselho, de 13 de outubro de 2020, sobre uma abordagem coordenada das restrições à liberdade de circulação em resposta à pandemia de COVID‑19 (JO 2020, L 337, p. 3)]. É necessário que essas restrições sejam aplicadas em conformidade com os princípios gerais do direito da União, nomeadamente a proporcionalidade e a não discriminação. Por conseguinte, todas as medidas adotadas deverão ser estritamente limitadas no seu âmbito de aplicação e no tempo, em consonância com os esforços envidados para restabelecer a livre circulação na União, e não deverão exceder o estritamente necessário para salvaguardar a saúde pública. […]

[…]

(12)

A fim de facilitar o exercício do direito de livre circulação e residência no território dos Estados‑Membros, deverá ser estabelecido um regime comum para a emissão, verificação e aceitação de certificados interoperáveis de vacinação, teste e recuperação da COVID‑19 (Certificado Digital COVID da [União]). […].

(13)

Embora o presente regulamento se aplique sem prejuízo da competência dos Estados‑Membros de imporem restrições à livre circulação, em conformidade com o direito da União, para limitar a propagação do SARS‑CoV‑2, deverá contribuir para facilitar o levantamento gradual dessas restrições de forma coordenada sempre que possível, nos termos da Recomendação (UE) 2020/1475. Essas restrições poderão ser levantadas, em especial para as pessoas vacinadas, em conformidade com o princípio da precaução, na medida em que os dados científicos sobre os efeitos da vacinação contra a COVID‑19 se encontram cada vez mais disponíveis e são cada vez mais consistentemente conclusivos no que diz respeito à quebra das cadeias de transmissão.

(14)

O presente regulamento destina‑se a facilitar a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da não discriminação no que diz respeito a restrições à livre circulação durante a pandemia de COVID‑19, prosseguindo simultaneamente um elevado nível de proteção da saúde pública. O presente regulamento não deverá ser entendido como facilitando ou incentivando a imposição de restrições à livre circulação, ou de restrições a outros direitos fundamentais, em resposta à pandemia de COVID‑19, devido aos seus efeitos prejudiciais para os cidadãos e as empresas da União. […]

[…]

(36)

É necessário evitar a discriminação direta ou indireta de pessoas que não estão vacinadas, por exemplo, por razões médicas, por não fazerem parte do grupo‑alvo para o qual a vacina contra a COVID‑19 é atualmente administrada ou autorizada, como as crianças, ou por não terem ainda tido a oportunidade de ser vacinadas ou porque optaram por não ser vacinadas. Por conseguinte, a posse de um certificado de vacinação ou de um certificado de vacinação que indique uma vacina contra a COVID‑19 não deverá constituir uma condição prévia para o exercício do direito de livre circulação, ou para a utilização de serviços transfronteiriços de transporte de passageiros, como companhias aéreas, comboios, autocarros, ferries ou qualquer outro meio de transporte. Além disso, o presente regulamento não pode ser interpretado como estabelecendo um direito ou uma obrigação de vacinação.»

6

Nos termos do artigo 1.o do Regulamento 2021/953:

«O presente regulamento estabelece um regime para a emissão, verificação e aceitação de certificados interoperáveis de vacinação, teste e recuperação da COVID‑19 («Certificado Digital COVID da [União]»), para o efeito de facilitar o exercício do direito de livre circulação dos seus titulares durante a pandemia de COVID‑19. O presente regulamento também contribui para facilitar o levantamento gradual das restrições à livre circulação adotadas pelos Estados‑Membros, em conformidade com o direito da União, para limitar a propagação do SARS‑CoV‑2, de forma coordenada.

[…]»

7

O artigo 3.o, n.o 1, deste regulamento prevê:

«1. O regime relativo ao Certificado Digital COVID da [União] permite a emissão, verificação transfronteiriça e aceitação de qualquer um dos seguintes certificados:

a)

Um certificado que confirme que foi administrada ao titular uma vacina contra a COVID‑19 no Estado‑Membro que emite o certificado (“certificado de vacinação”);

[…]

c)

um certificado que confirme que, na sequência do resultado positivo num teste [de amplificação dos ácidos nucleicos moleculares] realizado por profissionais de saúde ou por pessoal habilitado a realizar este tipo de testes, o titular recuperou de uma infeção pelo SARS‑CoV‑2 (“certificado de recuperação”);

[…]»

8

O artigo 5.o do referido regulamento dispõe:

«1.   Cada Estado‑Membro emite, automaticamente ou a pedido das pessoas em causa, os certificados de vacinação referidos no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), a pessoas a quem tenha sido administrada uma vacina contra a COVID‑19. Essas pessoas são informadas do seu direito a um certificado de vacinação.

[…]»

9

O artigo 7.o do mesmo regulamento enuncia:

«1.   Cada Estado‑Membro emite, mediante pedido, os certificados de recuperação referidos no artigo 3.o, n.o 1, alínea c).

[…]»

Direito italiano

10

O artigo 4.o do decreto‑legge n.o 44 — Misure urgenti per il contenimento dell’epidemia da COVID‑19, in materia di vacinazioni anti SARS‑CoV‑2, di giustizia e di concorsi pubblici (Decreto‑Lei n.o 44, de 1 de abril de 2021, que adota Medidas Urgentes para a Contenção da Epidemia por COVID‑19, em matéria de vacinação anti‑Sars‑CoV‑2, de justiça e de concursos públicos) [convertido pela Lei n.o 76, de 28 de maio de 2021 (GURI n.o 79, de 31 de maio de 2021, p. 1) (a seguir «Decreto‑lei n.o 44/2021»), prevê, no n.o 1, que:

«Tendo em conta a situação de emergência epidemiológica relacionada com o SARS‑CoV‑2, a fim de proteger a saúde pública e manter condições adequadas de segurança no âmbito da prestação de cuidados de saúde e de assistência, até à execução completa do plano referido no artigo 1.o, n.o 457, da Lei n.o 178, de 30 de dezembro de 2020, mas nunca após 31 de dezembro de 2021, os profissionais de saúde e os agentes de saúde pública […], que operam em estabelecimentos públicos e privados de cuidados de saúde, de assistência e de saúde e de assistência social, nas farmácias, nas parafarmácias e nos consultórios profissionais, devem submeter‑se à vacinação gratuita para a prevenção da infeção pelo SARS‑CoV‑2. A vacinação é uma condição essencial para o exercício da profissão e para a execução das prestações profissionais das pessoas sujeitas à obrigação. […]»

11

O n.o 2 deste artigo 4.o enuncia que «só em caso de perigo comprovado para a saúde, relacionado com patologias específicas comprovadas por um médico generalista, é que a vacinação referida no n.o 1 não é obrigatória e pode ser omitida ou adiada».

12

Nos termos do n.o 6 do referido artigo 4.o:

«[A]pós o termo dos prazos de certificação do cumprimento da obrigação de vacinação […], a autoridade sanitária local competente verificará o incumprimento da obrigação de vacinação e, após ter obtido as eventuais informações complementares junto das autoridades competentes, comunicá‑las‑á imediatamente por escrito ao interessado, ao empregador e à ordem profissional a que pertence o interessado. A adoção do auto pela autoridade sanitária local implica a suspensão do direito de realizar prestações ou tarefas que impliquem contactos com outras pessoas ou comportem, sob qualquer outra forma, um risco de propagação do vírus SARS‑CoV‑2.»

13

O n.o 7 do mesmo artigo 4.o dispõe que «a suspensão referida no n.o 6 é imediatamente comunicada ao interessado pela ordem profissional a que ele pertence».

14

Nos termos do artigo 4.o, n.o 8, do Decreto‑Lei n.o 44/2021:

«Após a receção da comunicação referida no n.o 6, o empregador atribui ao trabalhador, na medida do possível, tarefas, ainda que de categoria inferior, para além das referidas no n.o 6, com a remuneração correspondente às funções exercidas e que, de qualquer modo, não comportam qualquer risco de propagação do vírus. Sempre que não seja possível atribuir‑lhe outras funções, não são devidas quaisquer remunerações ou emolumentos, seja qual for a sua denominação, durante [a suspensão].»

15

O n.o 10 deste artigo 4.o prevê que, «no período durante o qual a vacinação referida no n.o 1 é omitida ou adiada, mas nunca depois de 31 de dezembro de 2021, o empregador atribui tarefas às pessoas referidas no n.o 2, mesmo que sejam diferentes, sem redução da remuneração, a fim de evitar o risco de propagação do vírus SARS‑CoV‑2».

16

O n.o 11 do referido artigo 4.o dispõe:

«[P] ara o mesmo período que o referido no n.o 10, a fim de conter o risco de contágio, no exercício da atividade profissional liberal, as pessoas referidas no n.o 2 adotam as medidas de prevenção sanitária e de higiene indicadas no protocolo específico de segurança adotado por decreto do Ministro da Saúde, em acordo com os ministros da Justiça e do Trabalho e das Políticas Sociais, no prazo de vinte dias a contar da data de entrada em vigor do presente decreto.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17

D. M. trabalha no Hospital Universitário como enfermeira profissional no serviço de neurocirurgia desde 1 de janeiro de 2017.

18

Em 16 de setembro de 2021, o Hospital Universitário informou‑a de que estava suspensa das suas funções com efeitos imediatos e sem direito a remuneração, com o fundamento de que tinha violado a obrigação de vacinação prevista no artigo 4.o do Decreto‑Lei n.o 44/2021 e de que era impossível atribuir‑lhe outras tarefas que não implicassem risco de propagação do vírus. A suspensão devia terminar na data em que teria sido cumprida a obrigação de vacinação ou, na sua falta, a conclusão do plano de vacinação, mas não podia em caso algum ser mantida além de 31 de dezembro de 2021, tendo esta última data sido, no entanto, adiada várias vezes.

19

Mediante um pedido de medidas provisórias interposto em 14 de outubro de 2021, D. M. apresentou ao órgão jurisdicional de reenvio um pedido para que fosse reintegrada no seu serviço no Hospital Universitário, alegando, nomeadamente, por um lado, que o artigo 4.o do Decreto‑Lei n.o 44/2021 era contrário, sob vários aspetos, à Constituição italiana e ao direito da União e, por outro, que gozava de imunidade natural adquirida pelo facto de se ter restabelecido de uma infeção pelo SARS‑CoV‑2.

20

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que as autorizações de introdução no mercado das vacinas COVID‑19 são condicionais na aceção do Regulamento n.o 507/2006. Segundo este órgão jurisdicional, tendo em conta os novos progressos terapêuticos e as novas aquisições em matéria de medicamentos disponíveis, é razoável questionar a validade, à luz do artigo 4.o deste regulamento, dessas autorizações concedidas pela Comissão Europeia após parecer da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), tendo em conta, nomeadamente, os direitos fundamentais em causa, a saber, a integridade física e a saúde, protegidas nomeadamente pelos artigos 3.° e 35.° da Carta.

21

Além disso, embora as partes no litígio no processo principal não tenham invocado o Regulamento 2021/953, o órgão jurisdicional de reenvio considera que este é, porém, pertinente para efeitos desse litígio. Esse órgão jurisdicional sublinha que este regulamento precisa, nomeadamente, que «é necessário que [as restrições à livre circulação de pessoas] sejam aplicadas em conformidade com os princípios gerais do direito da União, nomeadamente [os princípios da] proporcionalidade e [da] não discriminação». A este respeito, é particularmente problemático o facto de o artigo 4.o, n.o 11, do Decreto‑Lei n.o 44/2021 apenas permitir que os profissionais de saúde isentos da obrigação de vacinação continuem a exercer a sua profissão sem terem sido vacinados, desde que respeitem as regras de segurança, ao passo que os prestadores de cuidados que não estão abrangidos por esta disposição já não podem exercer a sua profissão, seja como trabalhador ou como profissional independente, embora esteja disposto a seguir exatamente as mesmas regras de segurança.

22

Por último, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça resultante do Acórdão de 14 de novembro de 2018, Memoria e Dall’Antonia (C‑342/17, EU:C:2018:906), o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a medida de vacinação obrigatória, no caso de o Estado‑Membro de acolhimento a impor igualmente a um profissional de saúde de outro Estado‑Membro da União que se encontre no primeiro Estado‑Membro por razões profissionais, é compatível com o princípio da proporcionalidade expressamente recordado no Regulamento 2021/953.

23

Nestas condições, o Tribunale ordinario di Padova (Tribunal Comum de Pádua, Itália) decidiu suspender a instância e pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Podem as autorizações condicionais da Comissão, emitidas mediante parecer favorável da EMA [Agência Europeia de Medicamentos], relativas às vacinas atualmente comercializadas, continuar a ser consideradas válidas, na aceção do artigo 4.o do Regulamento n.o 507/2006, tendo em conta que, em vários Estados‑Membros [por exemplo, em Itália, aprovação AIFA (Agenzia italiana del fármaco; Agência Italiana do Medicamento) do método terapêutico com anticorpos monoclonais e/ou antivirais], foram aprovados tratamentos alternativos contra a COVID SARS 2 eficazes e, em tese, menos perigosos para a saúde das pessoas, e isto também à luz dos artigos 3.° e 35.° da [Carta]?

2)

Relativamente aos profissionais de saúde aos quais a legislação do Estado‑Membro impôs a vacina obrigatória, podem as vacinas aprovadas condicionalmente pela Comissão nos termos e para os efeitos do Regulamento n.o 507/2006 ser utilizadas para efeitos da vacinação obrigatória mesmo nos casos em que esses profissionais de saúde já foram infetados e, portanto, já obtiveram uma imunização natural, podendo, por conseguinte, pedir uma derrogação a essa obrigação?

3)

Relativamente aos profissionais de saúde aos quais a legislação do Estado‑Membro impôs a vacina obrigatória, podem as vacinas aprovadas condicionalmente pela Comissão nos termos e para os efeitos do Regulamento n.o 507/2006 ser utilizadas para efeitos da vacinação obrigatória sem serem previstos procedimentos preventivos ou, tendo em conta o caráter condicional da autorização, podem esses profissionais de saúde opor‑se à inoculação, pelo menos enquanto a autoridade de saúde competente tiver excluído em concreto, e com razoável certeza, por um lado, que não há contraindicações nesse sentido e, por outro lado, que os benefícios daí decorrentes são superiores aos resultantes de outros medicamentos atualmente disponíveis? Nesse caso, as autoridades de saúde competentes devem atuar em cumprimento do artigo 41.o da Carta [dos Direitos Fundamentais da União Europeia]?

4)

No caso da vacina autorizada condicionalmente pela Comissão, pode a eventual não administração dessa vacina ao pessoal médico ao qual a lei impõe a vacinação obrigatória implicar automaticamente a suspensão do posto de trabalho sem remuneração ou deve prever‑se uma gradação das medidas sancionatórias em conformidade com o princípio fundamental da proporcionalidade?

5)

Quando a legislação nacional permite formas de dépeçage [fracionamento de tarefas], deve a verificação da possibilidade de utilização do trabalhador de modo alternativo respeitar o contraditório na aceção e para os efeitos do artigo 41.o da Carta [dos Direitos Fundamentais da União Europeia], com o consequente direito a indemnização no caso de tal não acontecer?

6)

À luz do Regulamento [2021/953], que proíbe qualquer discriminação entre as pessoas que tomaram a vacina e as que não quiseram ou que, por razões médicas, não puderam tomá‑la, é lícita uma regulamentação nacional, como a que resulta do artigo 4.o, n.o 11, do Decreto Legge n.o 44/2021 (Decreto‑Lei n.o 44/2021), que permite aos profissionais da saúde, declarados isentos da obrigação de vacinação, exercer a sua atividade em contacto com o paciente, embora respeitando as normas de segurança impostas pela legislação em vigor, ao passo que os profissionais de saúde que, como a recorrente — que está naturalmente imune na sequência do contágio — não querem submeter‑se à vacina sem estudos médicos mais aprofundados são automaticamente suspensos de qualquer ato profissional e privados de remuneração?

7)

É compatível com o Regulamento 2021/953 e com os princípios da proporcionalidade e da não discriminação nele estabelecidos a legislação de um Estado‑Membro que impõe obrigatoriamente a vacina contra a COVID — autorizada condicionalmente pela Comissão — a todos os profissionais da saúde, mesmo que sejam provenientes de outro Estado‑Membro e estejam presentes em Itália no exercício da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento?»

Tramitação processual no Tribunal de Justiça

24

Em 13 de dezembro de 2021, o órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente reenvio prejudicial fosse submetido a tramitação acelerada ao abrigo do artigo 105.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Em apoio desse pedido, esse órgão jurisdicional alegou que, enquanto aguardava o desfecho do processo prejudicial, D. M. continuava suspensa e privada da sua remuneração, pelo que não dispunha de meio de subsistência.

25

O artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo prevê que, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio ou, a título excecional, oficiosamente, o presidente do Tribunal de Justiça pode, quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, decidir submeter um reenvio prejudicial a tramitação acelerada.

26

Importa recordar que tal tramitação acelerada constitui um instrumento processual destinado a responder a uma situação de urgência extraordinária (Acórdão de 16 de junho de 2022, Port de Bruxelles e Région de Bruxelles‑Capitale, C‑229/21, EU:C:2022:471, n.o 40 e jurisprudência referida).

27

No caso em apreço, em 1 de fevereiro de 2022, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, que não havia que deferir o pedido referido no n.o 24 do presente acórdão.

28

Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio não forneceu todos os elementos que permitissem apreciar o alcance do risco que representava a suspensão de D. M. para a sua subsistência financeira nem expôs as razões pelas quais a aplicação da tramitação acelerada ao presente processo permitia evitar esse risco, tendo em conta, nomeadamente, a duração, em princípio limitada, dessa suspensão. Por conseguinte, estes elementos não permitem caracterizar uma situação de urgência extraordinária que justifique que este processo seja submetido a tramitação acelerada.

Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

29

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em substância, sobre a validade, à luz do artigo 4.o do Regulamento n.o 507/2006, lido à luz dos artigos 3.° e 35.° da Carta, das autorizações condicionais de introdução no mercado concedidas para as vacinas destinadas a prevenir a infeção e a propagação da COVID‑19, bem como a severidade das manifestações desta patologia, disponíveis à data do pedido de decisão prejudicial, pelo facto de, nessa data, já terem sido aprovados em vários Estados‑Membros tratamentos alternativos eficazes contra a COVID‑19 e menos perigosos para a saúde.

30

A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, a necessidade de se chegar a uma interpretação ou a uma apreciação de validade do direito da União que seja útil ao juiz nacional exige que este respeite escrupulosamente as exigências de conteúdo de um pedido de decisão prejudicial e que figurem expressamente no artigo 94.o do Regulamento de Processo, presumindo‑se que o órgão jurisdicional de reenvio delas tem conhecimento. Estes requisitos são, aliás, recordados nas Recomendações do Tribunal de Justiça à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (JO 2019, C 380, p. 1) (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi, C‑561/19, EU:C:2021:799, n.o 68, e jurisprudência referida).

31

Assim, é indispensável, como enuncia o artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo, que a decisão de reenvio contenha a exposição das razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação ou a validade de certas disposições do direito da União, bem como o nexo que esse órgão estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal (Acórdão de 6 de outubro de 2021, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi, C‑561/19, EU:C:2021:799, n.o 69, e jurisprudência referida).

32

No caso em apreço, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, este é chamado, no litígio no processo principal, a pronunciar‑se sobre o mérito da decisão do Hospital Universitário de suspender D. M. das suas funções sem direito a remuneração, decisão tomada com o fundamento de que esta se tinha recusado a sujeitar‑se à obrigação de vacinação contra a COVID‑19 prevista no artigo 4.o do Decreto‑Lei n.o 44/2021.

33

Ora, em primeiro lugar, mesmo admitindo que os «progressos terapêuticos» e «as novas aquisições em matéria de medicamentos disponíveis», referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, são suscetíveis de pôr em causa a validade das autorizações condicionais de introdução no mercado relativas às vacinas destinadas a prevenir a infeção por COVID‑19 e a sua propagação, bem como a severidade das manifestações desta patologia, importa no entanto salientar que esse órgão jurisdicional não identificou concretamente essas autorizações nem abordou o seu conteúdo à luz dos requisitos de validade decorrentes do artigo 4.o do Regulamento n.o 507/2006, eventualmente lido à luz dos artigos 3.° e 35.° da Carta.

34

Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio limitou‑se a referir a sua apreciação geral de que, tendo em conta as evoluções mencionadas no número anterior, não é «irrazoável» alimentar dúvidas quanto à validade das referidas autorizações, sem no entanto se ter pronunciado sobre a natureza concreta dessas dúvidas. Assim, a decisão de reenvio não permite ao Tribunal de Justiça identificar as autorizações em causa e os elementos precisos dessas autorizações que estão na origem dessas dúvidas nem, por conseguinte, compreender em que medida essas autorizações poderiam, segundo esse órgão jurisdicional, deixar de ser válidas à luz dos requisitos decorrentes do artigo 4.o do Regulamento n.o 507/2006 ou dos artigos 3.° e 35.° da Carta, não tendo também, aliás, o referido órgão jurisdicional exposto na decisão de reenvio o eventual impacto, neste contexto, das duas últimas disposições.

35

Em segundo lugar, nem a decisão de reenvio nem os autos de que o Tribunal de Justiça dispõe permitem compreender em que medida o facto de pôr em causa a validade das autorizações condicionais poderia ter impacto na resolução do litígio no processo principal, o qual parece, com efeito, depender, não da validade destas autorizações, mas da legalidade — contestada por D. M. — da obrigação de vacinação prevista no artigo 4.o do Decreto‑Lei n.o 44/2021 e das sanções que esta disposição prevê para a sua inobservância.

36

Neste contexto, importa sublinhar que, embora a emissão de tais autorizações constitua uma condição prévia para o direito dos seus titulares de colocarem as vacinas em questão no mercado em cada Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 16 de março de 2023, Comissão e o./Pharmaceutical Works Polpharma, C‑438/21 P a C‑440/21 P, EU:C:2023:213, n.o 81), a emissão dessas autorizações condicionais não implica, enquanto tal, nenhuma obrigação, a cargo dos potenciais destinatários dessas vacinas, de estas lhes serem administradas, tanto mais que o órgão jurisdicional de reenvio não esclareceu a questão de saber se as pessoas sujeitas à obrigação de vacinação prevista no artigo 4.o do Decreto‑Lei n.o 44/2021 eram obrigadas a recorrer unicamente às vacinas objeto das referidas autorizações condicionais.

37

Assim, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio não expôs as razões pelas quais se questiona sobre a validade das autorizações de introdução no mercado condicionais nem sobre as relativas ao nexo que pode existir entre, por um lado, a validade dessas autorizações, e, por outro, a obrigação de vacinação contra a COVID‑19 prevista no artigo 4.o do Decreto‑Lei n.o 44/2021, não se pode deixar de observar que o presente pedido de decisão prejudicial não cumpre os requisitos recordados no n.o 31 do presente acórdão no que respeita à primeira questão.

38

Daqui resulta que esta é inadmissível.

Quanto às questões segunda a quinta

39

Com a segunda a quinta questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, em primeiro lugar, se o Regulamento n.o 507/2006 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, para efeitos do cumprimento de uma obrigação de vacinação contra a COVID‑19 imposta por uma legislação nacional aos profissionais de saúde, possam ser utilizadas vacinas que foram objeto de uma autorização condicional concedida ao abrigo do artigo 4.o deste regulamento, mesmo na situação em que, por um lado, esses profissionais tenham desenvolvido imunidade contra o vírus que provoca essa doença e, por outro, a autoridade sanitária não tenha especificamente demonstrado que não existe nenhuma contraindicação a essa vacinação. Em segundo lugar, pretende saber se a sanção em que incorrem esses profissionais em caso de incumprimento desta obrigação pode, tendo em conta, se for caso disso, o artigo 41.o da Carta, consistir na suspensão das suas funções sem remuneração e não em medidas sancionatórias graduadas, adotadas em conformidade com o princípio da proporcionalidade e com o princípio do contraditório.

40

A este respeito, importa sublinhar, a título preliminar, que o artigo 168.o, n.o 7, TFUE não impõe aos Estados‑Membros nenhuma exigência relativa à vacinação obrigatória de certas categorias de pessoas, uma vez que, por força deste artigo 168.o, n.o 7, o direito da União não põe em causa a competência dos Estados‑Membros para adotarem disposições destinadas a definir a sua política de saúde. Todavia, no exercício dessa competência, os Estados‑Membros devem respeitar o direito da União (v., por analogia, Acórdão de 28 de abril de 2022, Gerencia Regional de Salud de Castilla y León, C‑86/21, EU:C:2022:310, n.o 18 e jurisprudência referida, bem como o Despacho de 17 de julho de 2014, Široká, C‑459/13, EU:C:2014:2120, n.o 19).

41

Ora, afigura‑se que a segunda a quinta questões assentam na premissa de que o Regulamento n.o 507/2006 ou as autorizações condicionais concedidas ao abrigo deste regulamento são suscetíveis de enquadrar, por um lado, as condições que regulam a imposição, no direito interno, de uma obrigação de vacinação, como a prevista no artigo 4.o do Decreto‑Lei n.o 44/2021, quando esse direito prevê a utilização para esse fim de vacinas que tenham sido objeto dessa autorização condicional, bem como, por outro, as consequências que podem decorrer, segundo esse direito interno, do incumprimento da referida obrigação, incluindo o procedimento a seguir para esse efeito.

42

No entanto, como foi salientado no n.o 36 do presente acórdão, a emissão de tais autorizações não tem por efeito impor aos potenciais destinatários das vacinas em questão uma obrigação de estas lhes serem administradas. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio não expõe, na sua decisão de reenvio, o nexo que estabelece entre, por um lado, o conteúdo ou o objeto dessas autorizações, concedidas em conformidade com o artigo 4.o do Regulamento n.o 507/2006 e, por outro, a previsão, no seu direito interno, das condições e das modalidades da obrigação de vacinação mencionadas nas suas segunda a quinta questões, conforme aplicáveis ao litígio no processo principal.

43

Por outro lado, no que respeita ao artigo 41.o da Carta, que consagra o direito a uma boa administração, evocado pelo órgão jurisdicional de reenvio no âmbito das suas terceira e quinta questões, há que recordar que este artigo não se dirige aos Estados‑Membros, mas unicamente às instituições, órgãos e organismos da União, pelo que não é pertinente para a resolução do litígio no processo principal. Em contrapartida, o referido artigo reflete um princípio geral do direito da União aplicável aos Estados‑Membros quando aplicam este direito [v., neste sentido, Acórdão de 10 de fevereiro de 2022, Bezirkshauptmannschaft Hartberg‑Fürstenfeld (Prazo de prescrição), C‑219/20, EU:C:2022:89, n.os 36 e 37].

44

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio não explicou em que medida o princípio geral do direito da União relativo ao direito a uma boa administração tem um nexo de ligação com a implementação da obrigação de vacinação prevista no artigo 4.o do Decreto‑Lei n.o 44/2021, uma vez que esse órgão jurisdicional não demonstrou que esta disposição constitui uma aplicação do direito da União.

45

Daqui decorre que o presente pedido de decisão prejudicial não preenche, no que respeita à segunda a quinta questões, as exigências enunciadas no artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo e recordadas no n.o 31 do presente acórdão.

46

Tendo em conta o que precede, a segunda a quinta questões são inadmissíveis.

Quanto às questões sexta e sétima

47

Com a sexta e sétima questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Regulamento 2021/953, lido em conjugação com os princípios da proporcionalidade e da não discriminação, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que impõe uma obrigação de vacinação contra a COVID‑19 aos profissionais de saúde, quando, por um lado, permite a uma categoria de profissionais que dela estão isentos por razões médicas continuar a exercer as suas atividades sob reserva do respeito das medidas cautelares previstas nessa legislação sem, contudo, dar a mesma possibilidade aos profissionais que não queiram ser vacinados, e, por outro lado, é igualmente suscetível de se aplicar aos nacionais de outros Estados‑Membros que exerçam uma atividade profissional em Itália.

48

Antes de mais, cabe salientar que o órgão jurisdicional de reenvio não identifica, na redação das suas questões nem, de forma mais ampla, na própria decisão de reenvio, as disposições do Regulamento 2021/953 cuja interpretação solicita. Com efeito, refere‑se unicamente aos princípios da proporcionalidade e da não discriminação «que [este] regulamento prevê», bem como ao considerando 6 do referido regulamento, na parte em que precisa que «é necessário que [as restrições à livre circulação de pessoas] sejam aplicadas em conformidade com os princípios gerais do direito da União, nomeadamente [os princípios da] proporcionalidade e [da] não discriminação».

49

A este respeito, por um lado, embora os considerandos façam parte integrante do regulamento em questão, explicitando os objetivos que o regulamento prossegue, não têm, em si mesmos, força vinculativa (v., neste sentido, Acórdão de 24 de fevereiro de 2022, Glavna direktsia Pozharna bezopasnost i zashtita na naselenieto, C‑262/20, EU:C:2022:117, n.o 34). A referência ao considerando 6 do Regulamento 2021/953 não pode, portanto, enquanto tal, bastar para evidenciar o nexo de ligação entre este regulamento e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal.

50

Por outro lado, no respeitante aos princípios da proporcionalidade e da não discriminação referidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, importa salientar que resulta dos considerandos 12 a 14 e do artigo 1.o do Regulamento 2021/953 que, se este regulamento pretende aplicar esses princípios, é com o objetivo de facilitar o exercício do direito à livre circulação pelos titulares desse direito, estabelecendo um regime para a emissão, verificação e aceitação de certificados interoperáveis de vacinação, teste e recuperação da COVID‑19.

51

Assim, o referido regulamento não visa, nomeadamente, em aplicação desses princípios, definir critérios que permitam apreciar a adequação das medidas sanitárias adotadas pelos Estados‑Membros para fazer face à pandemia de COVID‑19 quando estas são suscetíveis de restringir a livre circulação, como a obrigação de vacinação prevista no artigo 4.o do Decreto‑Lei n.o 44/2021 em causa no processo principal, nem de facilitar ou incentivar a sua adoção, precisando o considerando 36 do mesmo regulamento que este «não pode ser interpretado como estabelecendo um direito ou uma obrigação de vacinação».

52

Por conseguinte, nem as precisões que figuram na decisão de reenvio nem, aliás, os outros elementos constantes dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça permitem determinar com exatidão as disposições do Regulamento 2021/953, lido em conjugação com os princípios da proporcionalidade e da não discriminação, cuja interpretação é pedida e é necessária para a resolução do litígio no processo principal.

53

Daqui decorre que o presente pedido de decisão prejudicial não preenche, no que respeita à sexta e sétima questões, as exigências enunciadas no artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo e recordadas no n.o 31 do presente acórdão.

54

Importa acrescentar que, em todo o caso, deve existir entre o litígio no processo principal e as disposições do direito da União cuja interpretação é solicitada um nexo de ligação tal que essa interpretação responda a uma necessidade objetiva para a decisão que o órgão jurisdicional de reenvio tem de proferir (Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny, C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 48).

55

Ora, o litígio no processo principal tem por objeto o pedido de D. M., assente no caráter alegadamente ilícito da obrigação de vacinação prevista no artigo 4.o do Decreto‑Lei n.o 44/2021, de reintegração no serviço de neurocirurgia do Hospital Universitário. Por conseguinte, este litígio não diz respeito à aplicação das disposições do Regulamento 2021/953, nomeadamente do seu artigo 5.o, n.o 1, que confere às pessoas vacinadas o direito de obter um certificado de vacinação, ou do seu artigo 7.o, n.o 1, que confere às pessoas restabelecidas de uma infeção pelo SARS‑CoV‑2 o direito de obter um certificado de recuperação.

56

Quanto à eventualidade, salientada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de a obrigação de vacinação prevista no artigo 4.o do Decreto‑Lei n.o 44/2021 também poder ser aplicada a pessoas que tenham feito uso do seu direito à livre circulação, cabe constatar, em primeiro lugar, que o órgão jurisdicional de reenvio não precisou que o litígio nele pendente diz respeito a uma situação transfronteiriça, tendo, aliás, o Hospital Universitário indicado que D. M. não é nacional de outro Estado‑Membro que veio para Itália para aí trabalhar.

57

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio não explicou em que medida essa eventualidade seria pertinente para efeitos da aplicação do Regulamento 2021/953 nas circunstâncias que caracterizam o litígio no processo principal.

58

Em terceiro lugar, embora, com a sua referência ao Acórdão de 14 de novembro de 2018, Memoria e Dall’Antonia (C‑342/17, EU:C:2018:906), esse órgão jurisdicional tenha pretendido observar que o direito nacional lhe impõe, no que se refere ao direito à liberdade de estabelecimento e ao direito à livre prestação de serviços previstos nos artigos 49.° e 56.o TFUE, permitir que D. M. beneficie dos mesmos direitos de que dispõem, por força do direito da União, os nacionais de outros Estados‑Membros na mesma situação, há que recordar que a sexta e sétima questões têm por objeto a interpretação do Regulamento 2021/953 e não, como o Governo italiano também sublinhou na audiência, a interpretação dessas liberdades fundamentais.

59

Além disso, o Tribunal de Justiça não pode, em todo o caso, considerar, sem indicação do órgão jurisdicional de reenvio além do facto de a regulamentação nacional em causa ser indistintamente aplicável aos nacionais do Estado‑Membro em questão e aos nacionais de outros Estados‑Membros, que necessita de uma interpretação das disposições do Tratado FUE relativas às liberdades fundamentais para a resolução do litígio que se encontra pendente perante si [v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten (C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 54)].

60

Nestas condições, não resulta da decisão de reenvio que exista entre o Regulamento 2021/953 e o litígio no processo principal um nexo de ligação na aceção do n.o 54 do presente acórdão.

61

Tendo em conta as considerações precedentes, a sexta e sétima questões são inadmissíveis.

62

Decorre de todo o exposto que o pedido de decisão prejudicial apresentado pelo órgão jurisdicional de reenvio é inadmissível.

Quanto às despesas

63

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

O pedido de decisão prejudicial submetido pelo Tribunale ordinario di Padova (Tribunal Comum de Pádua, Itália) através da Decisão de 7 de dezembro de 2021, é julgado inadmissível.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.