ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

29 de junho de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política comum em matéria de asilo e de proteção subsidiária — Diretiva 2004/83/CE — Normas mínimas relativas às condições para a concessão do estatuto de refugiado ou do estatuto conferido pela proteção subsidiária — Artigo 4.o, n.o 1, segundo período — Cooperação do Estado‑Membro com o requerente para avaliar os elementos pertinentes do seu pedido — Alcance — Credibilidade geral de um requerente — Artigo 4.o, n.o 5, alínea e) — Critérios de avaliação — Procedimentos comuns de concessão do estatuto de proteção internacional — Diretiva 2005/85/CE — Apreciação adequada — Artigo 8.o, n.os 2 e 3 — Fiscalização jurisdicional — Artigo 39.o — Alcance — Autonomia processual dos Estados‑Membros — Princípio da efetividade — Prazo razoável para a adoção de uma decisão — Artigo 23.o, n.o 2, e artigo 39.o, n.o 4 — Consequências de uma eventual violação»

No processo C‑756/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela High Court (Tribunal Superior, Irlanda), por Decisão de 23 de novembro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de dezembro de 2021, no processo

X

contra

International Protection Appeals Tribunal,

Minister for Justice and Equality,

Ireland,

Attorney General,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Arabadjiev (relator), presidente de secção, P. G. Xuereb, T. von Danwitz, A. Kumin e I. Ziemele, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 16 de novembro de 2022,

vistas as observações apresentadas:

em representação de X, por B. Burns, solicitor, H. Hofmann, Rechtsanwalt, e P. O’Shea, BL,

em representação do International Protection Appeals Tribunal, Minister for Justice and Equality, Ireland, e do Attorney General, por M. Browne, C. Aherne e A. Joyce, na qualidade de agentes, assistidos por C. Donnelly, SC, E. Doyle, BL, e A. McMahon, BL,

em representação do Governo alemão, por J. Möller e A. Hoesch, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por M.K. Bulterman e J.M. Hoogveld, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Azéma e L. Grønfeldt, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de fevereiro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.o 1, e n.o 5, alínea e), da Diretiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida (JO 2004, L 304, p. 12, e retificação no JO 2005, L 204, p. 24), bem como do artigo 8.o, n.os 2 e 3, do artigo 23.o, n.o 2, e do artigo 39.o, n.o 4, da Diretiva 2005/85/CE do Conselho, de 1 de dezembro de 2005, relativa a normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos Estados‑Membros (JO 2005, L 326, p. 13).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe X, primeiro, ao International Protection Appeals Tribunal (Tribunal de Recurso para a Proteção Internacional, Irlanda, a seguir «IPAT»), segundo, ao Minister for Justice and Equality (Ministro da Justiça e da Igualdade, Irlanda), terceiro, à Irlanda e, quarto, ao Attorney General (Procurador‑Geral, Irlanda) (a seguir, em conjunto, «IPAT e o.»), a propósito da negação de provimento pelo IPAT dos seus recursos contra o indeferimento dos seus pedidos de asilo e de proteção subsidiária.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2004/83

3

A Diretiva 2004/83 foi substituída e revogada pela Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária[,] e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9). Todavia, uma vez que a Irlanda não participou na adoção desta última diretiva e não está por ela vinculada, a Diretiva 2004/83 continua a aplicar‑se a esse Estado‑Membro.

4

O artigo 2.o, alíneas a), d), e), f), g) e k), da Diretiva 2004/83 contém as seguintes definições:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)

“Proteção internacional”, o estatuto de refugiado e o estatuto de proteção subsidiária, definidos nas alíneas d) e f);

[…]

d)

“Estatuto de refugiado”, o reconhecimento por parte de um Estado‑Membro de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida como refugiado;

e)

“Pessoa elegível para proteção subsidiária”, o nacional de um país terceiro ou apátrida que não possa ser considerado refugiado, mas em relação ao qual se verificou existirem motivos significativos para acreditar que, caso volte para o seu país de origem ou, no caso de um apátrida, para o país em que tinha a sua residência habitual, correria um risco real de sofrer ofensa grave na aceção do artigo 15.o, e ao qual não se apliquem os n.os 1 e 2 do artigo 17.o, e que não possa ou, em virtude dos referidos riscos, não queira pedir a proteção desse país;

f)

“Estatuto de proteção subsidiária”, o reconhecimento por parte de um Estado‑Membro de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida como pessoa elegível para proteção subsidiária;

g)

“Pedido de proteção internacional”, o pedido de proteção apresentado a um Estado‑Membro por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, o qual dê a entender que pretende beneficiar do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária e não solicite expressamente outra forma de proteção não abrangida pelo âmbito de aplicação da presente diretiva e que seja suscetível de ser objeto de um pedido separado;

[…]

k)

«País de origem», o país ou países de nacionalidade ou, para os apátridas, o país em que tinha a sua residência habitual.»

5

Nos termos do artigo 4.o desta diretiva:

«1.   Os Estados‑Membros podem considerar que incumbe ao requerente apresentar o mais rapidamente possível todos os elementos necessários para justificar o pedido de proteção internacional. Incumbe ao Estado‑Membro apreciar, em cooperação com o requerente, os elementos pertinentes do pedido.

2.   Os elementos mencionados no n.o 1 consistem nas declarações do requerente e em toda a documentação de que o requerente disponha sobre a sua idade, história pessoal, incluindo a dos familiares pertinentes, identidade, nacionalidade(s), país(es) e local(is) de residência anteriores, pedidos de asilo anteriores, itinerários, documentos de identificação e de viagem, e os motivos pelos quais solicita a proteção internacional.

3.   A apreciação do pedido de proteção internacional deve ser efetuada a título individual e ter em conta:

a)

Todos os factos pertinentes respeitantes ao país de origem à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação, assim como a maneira como são aplicadas;

b)

As declarações e a documentação pertinentes apresentadas pelo requerente, incluindo informações sobre se o requerente sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave;

c)

A situação e as circunstâncias pessoais do requerente, incluindo fatores como a sua história pessoal, sexo e idade, por forma a apreciar, com base na situação pessoal do requerente, se os atos a que foi ou possa vir a ser exposto podem ser considerados perseguição ou ofensa grave;

[…]

4.   O facto de o requerente já ter sido perseguido ou diretamente ameaçado de perseguição, ou ter sofrido ou sido diretamente ameaçado de ofensa grave, constitui um indício sério do receio fundado do requerente de ser perseguido ou do risco real de sofrer ofensa grave, a menos que haja motivos sérios para considerar que essa perseguição ou ofensa grave não se repetirá.

5.   Sempre que os Estados‑Membros aplicarem o princípio segundo o qual incumbe ao requerente justificar o seu pedido de proteção internacional e sempre que houver elementos das declarações do requerente que não sejam sustentados por provas documentais ou de outra natureza, esses elementos não têm de ser confirmados quando estiverem reunidas as seguintes condições:

a)

For autêntico o esforço envidado pelo requerente para justificar o seu pedido;

b)

Tenham sido apresentados todos os elementos pertinentes ao dispor do requerente e tenha sido dada uma explicação satisfatória para a eventual falta de outros elementos pertinentes;

c)

As declarações do requerente tenham sido consideradas coerentes e plausíveis, não contradizendo informações gerais ou particulares disponíveis pertinentes para o seu pedido;

d)

O requerente tenha apresentado o seu pedido de proteção internacional com a maior brevidade possível, a menos que possa motivar seriamente por que o não fez;

e)

Tenha sido apurada a credibilidade geral do requerente.»

6

O artigo 15.o, alínea c), da referida diretiva tem a seguinte redação:

«São ofensas graves:

[…]

c)

A ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física de um civil, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno.»

Diretiva 2005/85

7

A Diretiva 2005/85 foi substituída e revogada pela Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60). Todavia, uma vez que a Irlanda não participou na adoção desta última diretiva e não está por ela vinculada, a Diretiva 2005/85 continua a aplicar‑se a esse Estado‑Membro.

8

O considerando 11 da Diretiva 2005/85 enuncia:

«É do interesse tanto dos Estados‑Membros como dos requerentes de asilo que a decisão sobre os pedidos de asilo seja proferida o mais rapidamente possível. A organização da tramitação dos pedidos de asilo deverá ser deixada à discricionariedade dos Estados‑Membros, para que estes possam, de acordo com as necessidades nacionais, considerar prioritário ou acelerar a tramitação de qualquer pedido, tendo em conta as normas previstas na presente diretiva.»

9

O artigo 2.o, alíneas b) a e), desta diretiva contém as seguintes definições:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

b)

“Pedido” ou “pedido de asilo”, um pedido apresentado por um nacional de país terceiro ou apátrida que possa ser considerado um pedido de proteção internacional dirigido a um Estado‑Membro, ao abrigo da Convenção [Relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.o 2545 (1954)), conforme completada pelo Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967]. Presume‑se que qualquer pedido de proteção internacional é um pedido de asilo, salvo se a pessoa em questão requerer expressamente outro tipo de proteção que possa ser objeto de um pedido distinto;

c)

“Requerente” ou “requerente de asilo”, o nacional de país terceiro ou apátrida que apresentou um pedido de asilo relativamente ao qual não foi ainda proferida uma decisão final;

d)

“Decisão final”, a decisão que determina se o estatuto de refugiado pode ser concedido ao nacional de país terceiro ou apátrida, por força da Diretiva 2004/83/CE, e que já não é suscetível de recurso no âmbito do capítulo V da presente diretiva, independentemente de esse recurso permitir aos requerentes permanecer no Estado‑Membro em causa na pendência da respetiva conclusão, sob reserva do anexo III da presente diretiva;

e)

“Órgão de decisão”, qualquer órgão parajudicial ou administrativo de um Estado‑Membro, responsável pela apreciação dos pedidos de asilo e competente para proferir uma decisão em primeira instância sobre esses pedidos, sob reserva do anexo I».

10

O artigo 8.o, n.o 2 e 3, da referida diretiva prevê:

«2.   Os Estados‑Membros asseguram que as decisões sobre os pedidos de asilo sejam proferidas pelo órgão de decisão após apreciação adequada. Para o efeito, os Estados‑Membros asseguram que:

a)

Os pedidos sejam apreciados e as decisões proferidas de forma individual, objetiva e imparcial;

b)

Sejam obtidas informações precisas e atualizadas junto de várias fontes, tal como o Alto‑Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), sobre a situação geral nos países de origem dos requerentes de asilo e, sempre que necessário, nos países por onde estes tenham transitado, e que tais informações sejam transmitidas aos agentes responsáveis pela apreciação dos pedidos e pela pronúncia de decisões;

c)

Os agentes responsáveis pela apreciação dos pedidos e pela pronúncia de decisões tenham conhecimento das normas pertinentes aplicáveis em matéria de direito de asilo e de refugiados.

3.   As autoridades a que se refere o capítulo V têm, através do órgão de decisão, do requerente ou de outro meio, acesso às informações de caráter geral referidas na alínea b) do n.o 2, necessárias ao desempenho das suas funções.»

11

O artigo 23.o, n.os 1 e 2, da mesma diretiva dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros tratam os pedidos de asilo mediante um procedimento de apreciação conforme com os princípios e garantias fundamentais enunciados no capítulo II.

2.   Os Estados‑Membros asseguram a conclusão desse procedimento o mais rapidamente possível, sem prejuízo da adequação e exaustividade da apreciação.

Os Estados‑Membros asseguram que, nos casos em que não seja possível proferir uma decisão no prazo de seis meses, o requerente em causa seja:

a)

Informado do atraso; ou

b)

Receba, a seu pedido, informações sobre o prazo no qual é de prever que seja proferida uma decisão sobre o seu pedido. Essa informação não obriga o Estado‑Membro a proferir uma decisão nesse prazo.»

12

O artigo 28.o, n.o 1, da Diretiva 2005/85 especifica:

«Sem prejuízo do disposto nos artigos 19.o e 20.o, os Estados‑Membros só podem considerar um pedido de asilo infundado se o órgão de decisão verificar que o requerente não preenche as condições para beneficiar do estatuto de refugiado nos termos da Diretiva 2004/83/CE.»

13

Nos termos do artigo 39.o, n.o 1, alínea a), e n.o 4, da Diretiva 2005/85:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que os requerentes de asilo tenham direito a interpor recurso efetivo perante um órgão jurisdicional:

a)

Da decisão proferida sobre o seu pedido de asilo […]

[…]

4.   Os Estados‑Membros podem fixar prazos para o órgão jurisdicional, apreciar a decisão do órgão de decisão, nos termos do n.o 1.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14

X é um nacional paquistanês, que entrou na Irlanda em 1 de julho de 2015, após ter residido, durante o período compreendido entre 2011 e 2015, no Reino Unido, onde não apresentou nenhum pedido de proteção internacional.

15

Em 2 de julho de 2015, X apresentou na Irlanda um pedido de concessão do estatuto de refugiado. Esse pedido, inicialmente baseado num elemento falso, do qual X se retratou na sua primeira entrevista, assentava no facto de ter encontrado na proximidade imediata da explosão de uma bomba num incidente terrorista ocorrido durante um funeral no Paquistão e que matou cerca de quarenta pessoas, entre as quais duas que X conhecia. Afirma ter ficado profundamente afetado por esse acontecimento, pelo que tem medo de viver no Paquistão e receia vir a sofrer ofensas graves se for expulso para esse país. Declara sofrer de ansiedade, depressão e perturbações do sono. O referido pedido foi indeferido pelo Refugee Appeals Commissioner (Comissário para o recurso dos refugiados, Irlanda) por Decisão de 14 de novembro de 2016.

16

Em 2 de dezembro de 2016, X interpôs recurso dessa decisão para o Refugee Appeals Tribunal (Tribunal de Recurso para os Refugiados, Irlanda). O processo relativo a esse recurso foi suspenso devido a alterações legislativas ocorridas em 31 de dezembro de 2016, com a entrada em vigor do International Protection Act 2015 (Lei de 2015 relativa à Proteção Internacional) que unificou os diversos procedimentos de proteção internacional anteriormente instituídos e criou, nomeadamente, o International Protection Office (Serviço da Proteção Internacional, Irlanda, a seguir «IPO») e o IPAT.

17

Em 13 de março de 2017, X apresentou um pedido de proteção subsidiária. O indeferimento desse pedido pelo IPO foi também objeto de recurso para o IPAT.

18

Por Decisão de 7 de fevereiro de 2019, o IPAT negou provimento a ambos os recursos.

19

Em 7 de abril de 2019, X interpôs recurso na High Court (Tribunal Superior, Irlanda) pedindo a anulação dessa decisão do IPAT.

20

Em apoio desse recurso, alega, primeiro, que o IPAT consultou informações sobre o país de origem incompletas e ultrapassadas, que datam de 2015 a 2017, pelo que não teve em conta a situação existente no Paquistão aquando da adoção da Decisão de 7 de fevereiro de 2019. Entende ainda que o IPAT não apreciou de forma adequada as informações de que dispunha.

21

Segundo, o prazo para decidir o pedido de 2 de julho de 2015 é manifestamente irrazoável e viola o princípio da efetividade, o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e as normas processuais mínimas estabelecidas pela Diretiva 2005/85.

22

Terceiro, afirma que o IPAT foi informado do estado de saúde mental de X, mas que nada fez para se assegurar de que dispunha de todos os elementos de prova necessários para poder decidir corretamente os pedidos. Em especial, o IPAT deveria ter solicitado uma peritagem médico‑legal, geralmente utilizada como fundamento do pedido de asilo de uma pessoa que tenha sofrido atos de tortura, ou mesmo outra perícia sobre o seu estado de saúde mental.

23

Quarto, no que se refere a outros elementos pertinentes para o seu pedido, não foi concedido o benefício da dúvida a X, apesar de o seu estado de saúde mental não ter sido devidamente verificado e tomado em consideração. Assim, não foram verificados, ou foram ignorados, elementos pertinentes da sua argumentação e não houve nenhuma cooperação entre ele e as autoridades competentes, e designadamente no que respeita à referida peritagem médico‑legal.

24

Quinto, nas circunstâncias do processo, caracterizadas pelo facto de o requerente ter admitido que uma versão anterior dos acontecimentos alegados era falsa e de existir pelo menos a possibilidade de o mesmo sofrer de problemas de saúde mental, é irrazoável concluir que X não é credível no que se refere aos aspetos essenciais da sua argumentação.

25

A este respeito, a High Court (Tribunal Superior) observa, antes de mais, que o IPAT não tentou obter as informações atualizadas sobre o país de origem nem uma peritagem médico‑legal. Contudo, questiona‑se se o IPAT era obrigado, por força do direito da União, a obter essa peritagem e se é compatível com o direito de a União exigir, em conformidade com o direito nacional, que, para obter a anulação da decisão do IPAT, X demonstre, além disso, a existência de um prejuízo decorrente desse incumprimento.

26

Em seguida, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre quais as consequências a retirar do facto de terem decorrido mais de três anos e seis meses entre a apresentação do pedido de 2 de julho de 2015 e a adoção da decisão do IPAT em 7 de fevereiro de 2019, prazo de decisão que poderia considerar ser irrazoável.

27

Por último, esse órgão jurisdicional tem dúvidas quanto ao facto de que uma única declaração falsa, que foi objeto de uma explicação por parte de X antes de este se retratar logo que a ocasião se proporcionou, possa bastar para justificar que seja posta em causa a credibilidade geral de X.

28

Nestas circunstâncias, a High Court (Tribunal Superior) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

No caso de ter ocorrido uma violação absoluta do dever de cooperação, conforme descrito no n.o 66 do Acórdão [do Tribunal de Justiça, de 22 de novembro de 2012, M. (C‑277/11, EU:C:2012:744)], no âmbito de um pedido de proteção subsidiária, fica a avaliação desse pedido privada de “qualquer efeito útil”, na aceção do Acórdão do Tribunal de Justiça proferido no processo C‑137/14[, EU:C:2015:683)], Comissão/Alemanha?

2)

Em caso de resposta afirmativa [à primeira questão] da mencionada violação do dever de cooperação assiste, sem mais, ao requerente um direito de pedir a anulação da decisão [que recusou a proteção subsidiária]?

3)

Em caso de resposta negativa [à segunda questão] no caso de ser aplicável, sobre quem recai o ónus de provar que a decisão de recusa podia ter sido diferente se a autoridade competente tivesse cooperado de maneira adequada [no âmbito do pedido de proteção subsidiária]?

4)

O facto de uma decisão sobre um pedido de proteção internacional não ser tomada num prazo razoável confere ao requerente um direito de pedir a anulação de uma decisão [de recusa] depois de esta ser adotada?

5)

O tempo despendido para introduzir alterações ao regime jurídico de proteção de asilo aplicável num Estado‑Membro constitui uma justificação para que esse Estado‑Membro não aplique um regime de proteção internacional que teria permitido adotar uma decisão sobre esse pedido de proteção num prazo razoável?

6)

Quando os elementos de prova submetidos a uma autoridade competente [de proteção internacional] sejam insuficientes para provar o estado de saúde mental de um requerente, mas existam alguns elementos de prova relativos à possibilidade de um requerente padecer desse tipo de dificuldades, está essa mesma autoridade competente obrigada, ao abrigo do dever de cooperação referido no Acórdão [do Tribunal de Justiça, de 22 de novembro de 2012, M. (C‑277/11, EU:C:2012:744, n.o 66)], ou de alguma outra forma, a levar a cabo uma investigação adicional, ou sujeita a uma qualquer outra obrigação, antes de tomar uma decisão final?

7)

Quando um Estado‑Membro dá cumprimento ao seu dever, ao abrigo do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva [2004/83], de apreciar os elementos pertinentes de um pedido, pode esse Estado‑Membro declarar sem mais que a credibilidade geral de um requerente não foi provada devido a uma mentira, a qual foi posteriormente explicada e da qual o requerente se retratou na primeira oportunidade em que tal foi razoavelmente possível?»

Quanto à tramitação do processo no Tribunal de Justiça

29

O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o processo fosse submetido à tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 23.o‑A do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

30

Em 17 de dezembro de 2021, o Tribunal de Justiça decidiu, sob proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, que não havia que deferir este pedido, uma vez que esse órgão jurisdicional não tinha fornecido nenhum elemento que permitisse concluir que era urgente decidir sobre o presente processo. Em especial, o referido órgão jurisdicional não referiu uma situação de detenção de X nem, a fortiori, expôs as razões pelas quais as respostas do Tribunal de Justiça poderiam ter sido determinantes para uma eventual libertação deste.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

31

Em primeiro lugar, o IPAT e o. salientam que, contrariamente ao que dá a entender a redação da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio não declarou uma violação absoluta do dever de cooperação que incumbe às autoridades competentes nem pôde efetuar essa verificação com base nos factos do processo nele pendente. Por conseguinte, esta questão é hipotética e convida o Tribunal de Justiça, por outro lado, a proferir uma decisão determinante sobre a factualidade no processo principal, o que não lhe compete. Ora, tais considerações afetam igualmente a segunda e terceira questões, devido à sua estreita ligação com a primeira questão.

32

Em segundo lugar, entendem ainda que a quarta e quinta questões são igualmente hipotéticas, uma vez que a High Court (Tribunal Superior) não declarou o incumprimento da obrigação de tomar uma decisão num prazo razoável.

33

Em terceiro lugar, não é necessária uma resposta à sexta questão, uma vez que o IPAT teve em conta as provas médicas fornecidas por X, sem as pôr em causa.

34

Em quarto lugar, a sétima questão é hipotética, uma vez que X especificou que não contestava as conclusões do IPAT relativas à sua credibilidade e que a mentira admitida não foi, contrariamente ao que insinuava esta questão, o único elemento que levou o IPAT a considerar que a credibilidade de X não estava demonstrada. Com efeito, X só muito tardiamente mencionou elementos‑chave relativos aos acontecimentos passados e não solicitou proteção internacional no seu pedido inicial.

35

Segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo instituído pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 20 de setembro de 2022, VD e SR, C‑339/20 e C‑397/20, EU:C:2022:703, n.o 56).

36

Este só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 20 de setembro de 2022, VD e SR, C‑339/20 e C‑397/20, EU:C:2022:703, n.o 57).

37

Por outro lado, no âmbito da repartição das competências entre os órgãos jurisdicionais da União Europeia e nacionais, incumbe ao Tribunal de Justiça ter em conta o contexto factual e regulamentar em que se inserem as questões prejudiciais, como definido pela decisão de reenvio [Acórdão de 20 de outubro de 2022, Centre public d’action sociale de Liège (Revogação ou suspensão de uma decisão de regresso), C‑825/21, EU:C:2022:810, n.o 35].

38

Por conseguinte, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio definiu o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que submete, não cabe ao Tribunal de Justiça verificar a sua exatidão (Acórdão de 5 de março de 2019, Eesti Pagar,C‑349/17, EU:C:2019:172, n.o 50).

39

No caso em apreço, em primeiro lugar, resulta da primeira a terceira questões que o órgão jurisdicional de reenvio se interroga sobre a questão de saber se os elementos de facto relatados constituem uma violação do dever de cooperação e que consequências deve, sendo caso disso, retirar dessa constatação, tendo em conta os limites que o direito nacional impõe às competências desse órgão jurisdicional. Contrariamente ao que alegam o IPAT e o., estas questões não têm nada de hipotético, uma vez que estão no cerne do litígio no processo principal. Além disso, o Tribunal de Justiça é convidado a responder a estas questões interpretando o direito da União e, por conseguinte, pode fazê‑lo sem tomar uma decisão determinante sobre os factos no processo principal.

40

Em segundo lugar, uma vez que resulta inequivocamente da decisão de reenvio que a High Court (Tribunal Superior) pretende declarar um incumprimento da obrigação de proferir uma decisão num prazo razoável, a quarta e quinta questões não podem ser hipotéticas pelo simples facto de esse órgão jurisdicional ainda não ter feito tal declaração.

41

Em terceiro lugar, o facto de o IPAT ter tido em conta as provas médicas apresentadas por X, sem as pôr em causa, não invalida de modo algum a pertinência da sexta questão, que diz respeito à eventual obrigação de realizar uma peritagem médico‑legal complementar.

42

Em quarto lugar, com as suas objeções à admissibilidade da sétima questão, o IPAT e o. impugnam os factos apurados pelo órgão jurisdicional de reenvio, bem como a apreciação deste último quanto à pertinência desta questão para a decisão da causa principal. Ora, não compete ao Tribunal de Justiça substituir‑se ao órgão jurisdicional de reenvio nem no que respeita ao apuramento dos factos nem em relação a essa apreciação.

43

Decorre destas considerações que as objeções formuladas pelo IPAT e o. à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial devem ser julgadas improcedentes.

Quanto à primeira e sexta questões, relativas ao dever de cooperação

44

Com a sua primeira e sexta questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2004/83 deve ser interpretado no sentido de que o dever de cooperação previsto nessa disposição impõe que o órgão de decisão obtenha, por um lado, informações atualizadas sobre todos os factos relevantes relativos à situação geral existente no país de origem de um requerente de asilo e de proteção internacional e, por outro, uma peritagem médico‑legal sobre a sua saúde mental, quando existam indícios de problemas de saúde mental que possam resultar de um acontecimento traumatizante ocorrido nesse país de origem.

45

Antes de mais, importa salientar que o artigo 4.o da Diretiva 2004/83 é, como resulta da sua epígrafe, relativo à «apreciação dos factos e circunstâncias».

46

Nos termos do n.o 1 desta disposição, por um lado, os Estados‑Membros podem considerar que cabe ao requerente apresentar o mais rapidamente possível todos os elementos necessários para justificar o pedido de proteção internacional. Por outro, incumbe ao Estado‑Membro apreciar, em cooperação com o requerente, os elementos pertinentes do pedido.

47

Como o Tribunal de Justiça já declarou, a apreciação dos factos e das circunstâncias desenrola‑se em duas fases distintas. A primeira fase diz respeito ao apuramento das circunstâncias factuais suscetíveis de constituir os elementos de prova em apoio do pedido, enquanto a segunda fase é relativa à apreciação jurídica desses elementos e consiste em decidir se, atendendo aos factos que caracterizam um caso concreto, estão preenchidos os requisitos materiais previstos nos artigos 9.o e 10.o ou 15.o da Diretiva 2004/83 para a concessão de uma proteção internacional (Acórdão de 22 de novembro de 2012, M.,C‑277/11, EU:C:2012:744, n.o 64).

48

Ora, embora, por força do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2004/83, incumba ao requerente apresentar o mais rapidamente possível todos os elementos necessários para justificar o pedido de proteção internacional, o Tribunal de Justiça já esclareceu que as autoridades dos Estados‑Membros devem, sendo caso disso, cooperar ativamente com o requerente para determinar e completar os elementos pertinentes do pedido, uma vez que essas autoridades estão, aliás, frequentemente mais bem colocadas do que o requerente para aceder a certo tipo de documentos (Acórdão de 22 de novembro de 2012, M.,C‑277/11, EU:C:2012:744, n.os 65 e 66).

49

No que respeita ao alcance desta cooperação, resulta do contexto em que se inscreve esta disposição, e, nomeadamente, por um lado, do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2005/85, que o órgão de decisão está encarregado de proceder a uma apreciação adequada dos pedidos no fim da qual proferirá a sua decisão sobre os mesmos (Acórdão de 25 de janeiro de 2018, F,C‑473/16, EU:C:2018:36, n.o 40).

50

Em especial, como salientou o advogado‑geral no n.o 59 das suas conclusões, a apreciação que incide sobre a questão de saber se as circunstâncias estabelecidas constituem ou não uma ameaça tal que a pessoa em causa possa com razão recear, tendo em conta a sua situação individual, ser efetivamente objeto de atos de perseguição deve, em todos os casos, ser efetuada com vigilância e prudência, uma vez que estão em causa questões de integridade da pessoa humana e de liberdades individuais, questões que fazem parte dos valores fundamentais da União (Acórdão de 2 de março de 2010, Salahadin Abdulla e o., C‑175/08, C‑176/08, C‑178/08 e C‑179/08, EU:C:2010:105, n.os 89 e 90).

51

Resulta, por outro lado, do artigo 4.o, n.o 3, alíneas a) a c), e n.o 5, da Diretiva 2004/83, que a apreciação do pedido de proteção internacional deve incluir uma apreciação individual desse pedido que tenha em conta, designadamente, todos os factos relevantes respeitantes ao país de origem do interessado à data da decisão sobre o pedido, as declarações e a documentação pertinentes apresentadas por ele, bem como sua a situação e as suas circunstâncias pessoais. Sendo caso disso, a autoridade competente deve igualmente tomar em consideração as explicações dadas quanto à falta de elementos de prova e à credibilidade geral do requerente (v., por analogia, Acórdão de 25 de janeiro de 2018, F,C‑473/16, EU:C:2018:36, n.o 41).

52

Importa igualmente recordar que, como salientou o advogado‑geral no n.o 58 das suas conclusões, nos termos do artigo 28.o, n.o 1, da Diretiva 2005/85, os Estados‑Membros só podem considerar um pedido de asilo infundado se o órgão de decisão verificar que o requerente não preenche as condições exigidas para beneficiar do estatuto de refugiado nos termos da Diretiva 2004/83.

53

Por conseguinte, quando uma pessoa preenche os requisitos materiais previstos nos artigos 9.o e 10.o ou 15.o da Diretiva 2004/83 para beneficiar da concessão de proteção internacional, os Estados‑Membros devem, sob reserva das causas de exclusão previstas por esta diretiva, conceder a proteção internacional solicitada, não dispondo esses Estados de um poder discricionário a este respeito (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Torubarov (C‑556/17, EU:C:2019:626, n.o 50 e jurisprudência referida).

54

Resulta da jurisprudência recordada nos n.os 48 a 53 do presente acórdão que o dever de cooperação previsto no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2004/83 implica que o órgão de decisão, no caso em apreço o IPO, não pode proceder a uma apreciação adequada dos pedidos nem, portanto, declarar um pedido infundado sem tomar em consideração, à data da decisão sobre o pedido, por um lado, todos os factos relevantes relativos à situação geral existente no país de origem e, por outro, todos os elementos pertinentes relacionados com a situação e as circunstâncias pessoais do requerente.

55

Quanto aos factos relevantes relativos à situação geral existente no país de origem, decorre de uma leitura conjugada do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2004/83 e do artigo 8.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2005/85 que os Estados‑Membros devem assegurar que sejam obtidas informações precisas e atualizadas sobre a situação geral nos países de origem dos requerentes de asilo e, sempre que necessário, nos países por onde estes tenham transitado (Acórdão de 22 de novembro de 2012, M.,C‑277/11, EU:C:2012:744, n.o 67).

56

No que respeita aos elementos pertinentes relacionados com a situação e as circunstâncias pessoais do requerente, importa recordar que as disposições da Diretiva 2005/85 não limitam os meios de que as autoridades competentes podem dispor e, especialmente, não excluem o recurso a peritagens no âmbito do processo de apreciação dos factos e das circunstâncias destinado a determinar com maior precisão as necessidades reais de proteção internacional do requerente, desde que as modalidades de um eventual recurso, nesse âmbito, a uma peritagem sejam conformes com outras disposições pertinentes de direito da União, nomeadamente com os direitos fundamentais garantidos pela Carta (v., neste sentido, Acórdão de 25 de janeiro de 2018, F,C‑473/16, EU:C:2018:36, n.os 34 e 35).

57

A avaliação individual assim exigida pode, portanto, nomeadamente incluir o recurso a uma peritagem médico‑legal, se essa peritagem for necessária ou pertinente para apreciar, com a vigilância e a prudência exigidas, as necessidades reais de proteção internacional do requerente, desde que as modalidades desse recurso estejam em conformidade, nomeadamente, com os direitos fundamentais garantidos pela Carta.

58

Daqui decorre que o órgão de decisão dispõe de uma margem de apreciação relativa à necessidade e à pertinência dessa peritagem e que, quando verifica essa necessidade ou essa pertinência, incumbe‑lhe cooperar com o requerente para a obter, dentro dos limites evocados no número anterior.

59

Por último, na medida em que resulta da decisão de reenvio que a High Court (Tribunal Superior) se interroga, mais especificamente, sobre a questão de saber se as constatações efetuadas nos n.os 54 a 58 do presente acórdão se aplicam igualmente ao IPAT, há que salientar que esse órgão jurisdicional especificou, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça, que resulta da legislação irlandesa aplicável que o IPAT é chamado a efetuar uma fiscalização exaustiva e ex nunc das decisões do IPO, que tem, especialmente, o poder de exigir ao Ministro da Justiça e da Igualdade que realize inquéritos ou lhe forneça informações e que o IPAT possa, nomeadamente em função desses elementos, confirmar as decisões da IPO ou anulá‑las e recomendar, de forma vinculativa, que o estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária seja concedido.

60

Nestas condições, não se pode deixar de observar que as referidas considerações se aplicam igualmente ao IPAT. Com efeito, essa fiscalização do mérito dos fundamentos da decisão do IPO implica a obtenção e a apreciação das informações precisas e atualizadas sobre a situação existente no país de origem do requerente que está, nomeadamente, na base dessa decisão, bem como a possibilidade de ordenar diligências de instrução, a fim de poder decidir ex nunc. Por conseguinte, o IPAT pode ser obrigado a obter e a apreciar essas informações precisas e atualizadas, incluindo uma peritagem médico‑legal considerada pertinente ou necessária.

61

Tendo em conta estas considerações, há que responder à primeira e sexta questões que o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2004/83 83 deve ser interpretado no sentido de que o dever de cooperação previsto nesta disposição impõe que o órgão de decisão obtenha, por um lado, informações precisas e atualizadas sobre todos os factos relevantes relativos à situação geral existente no país de origem de um requerente de asilo e de proteção internacional e, por outro, uma peritagem médico‑legal sobre a sua saúde mental, quando existam indícios de problemas de saúde mental que possam resultar de um acontecimento traumatizante ocorrido nesse país de origem e que o recurso a tal peritagem se revele necessário ou pertinente para apreciar as necessidades reais de proteção internacional do referido requerente, desde que as modalidades de recurso a tal peritagem estejam em conformidade, nomeadamente, com os direitos fundamentais garantidos pela Carta.

Quanto à segunda e terceira questões, relativas às consequências processuais decorrentes de uma violação do dever de cooperação

62

Com a segunda e terceira questões, a examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2004/83 deve ser interpretado no sentido de que a declaração, no âmbito do exercício de um segundo grau de fiscalização jurisdicional previsto pelo direito nacional, de uma violação do dever de cooperação previsto nesta disposição deve implicar, por si só, a anulação da decisão que nega provimento ao recurso interposto de uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional, ou se pode ser imposto ao requerente da proteção internacional que demonstre que a decisão que nega provimento ao recurso poderia ter sido diferente se essa violação não existisse.

63

A título preliminar, importa salientar que, segundo as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio no seu pedido de decisão prejudicial e na sua resposta à questão colocada pelo Tribunal de Justiça, o IPAT deve ser considerado um tribunal de primeira instância ao qual foram confiadas as tarefas de fiscalização jurisdicional previstas no artigo 39.o da Diretiva 2005/85. É a este título que o IPAT é chamado a efetuar a fiscalização exaustiva evocada no n.o 59 do presente acórdão, que implica que é competente para proferir uma decisão ex nunc em função dos elementos que lhe foram apresentados, sendo caso disso, por seu pedido, e que está habilitado a confirmar ou a anular, em função desses elementos, uma decisão do IPO, e, sendo necessário, recomendar, de forma vinculativa, que o estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária seja concedido. Importa acrescentar que não foi alegado no Tribunal de Justiça e que não resulta de nenhum elemento dos autos de que o mesmo dispõe que a fiscalização jurisdicional que o IPAT é assim chamado a exercer sobre as decisões do IPO de indeferimento de um pedido de proteção internacional não satisfaz as exigências desse artigo 39.o.

64

Decorre deste pedido e desta resposta que o órgão jurisdicional de reenvio deve, por sua vez, ser considerado um órgão jurisdicional de segundo grau encarregado, como o mesmo especificou, de uma fiscalização das decisões do IPAT limitada, por um lado, ao abuso de poder, aos erros de direito ou substanciais de facto, ao caráter irracional ou desproporcionado dessa decisão e à violação dos princípios da equidade dos processos ou da proteção da confiança legítima, bem como, por outro, em caso de declaração dessa ilegalidade, à anulação dessas decisões e à devolução dos processos a este último.

65

Como também precisou, esse órgão jurisdicional deve, no entanto, abster‑se de proferir essa anulação e essa devolução se se afigurar que, mesmo na falta de uma ilegalidade declarada, a decisão do IPAT não poderia ter sido diferente. Com efeito, o direito irlandês impõe à parte que pede a anulação dessa decisão o ónus de demonstrar que a referida decisão poderia ter sido diferente se essa ilegalidade não existisse.

66

Ora, uma vez que a Diretiva 2005/85 não contém nenhuma regra relativa à possibilidade de interpor recurso da decisão que se pronuncia sobre o recurso interposto de uma decisão que indefere um pedido de proteção internacional ou que regula expressamente o regime de um eventual recurso, há que considerar que a proteção conferida pelo referido artigo 39.o, lido à luz do artigo 18.o, e do artigo 47.o da Carta, se limita à existência de uma via de recurso jurisdicional e não exige a instauração de vários graus de jurisdição [v., neste sentido, Acórdão de 26 de setembro de 2018, Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie (Efeito suspensivo do recurso),C‑180/17, EU:C:2018:775, n.o 33].

67

Na falta de regulamentação da União na matéria, cabe, por conseguinte, por força do princípio da autonomia processual, ao ordenamento jurídico interno de cada Estado‑Membro decidir a eventual instauração de um segundo grau de jurisdição de uma sentença que decide sobre um recurso de uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional e regular, se for caso disso, as modalidades processuais desse segundo grau de jurisdição, desde que, no entanto, essas modalidades não sejam, nas situações abrangidas pelo direito da União, menos favoráveis do que situações semelhantes submetidas ao direito interno (princípio da equivalência) e não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União (princípio da efetividade) [v., neste sentido, Acórdãos de 26 de setembro de 2018, Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie (Efeito suspensivo do recurso),C‑180/17, EU:C:2018:775, n.os 34 e 35, e de 15 de abril de 2021, État belge (Elementos posteriores à decisão de transferência),C‑194/19, EU:C:2021:270, n.o 42].

68

No que respeita ao princípio da equivalência, resulta da resposta do órgão jurisdicional de reenvio à questão que lhe foi submetida pelo Tribunal de Justiça que as modalidades processuais evocadas nos n.os 64 e 65 do presente acórdão se aplicam sempre à fiscalização de segundo grau que esse órgão jurisdicional exerce, tanto quando a situação é abrangida pelo direito da União como quando é abrangida pelo direito interno.

69

No que respeita ao princípio da efetividade, não se verifica que o ónus de demonstrar que, na falta de uma violação declarada do dever de cooperação, a decisão do IPO e/ou a do IPAT poderiam ter sido diferentes tornaria impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União, o que incumbe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

70

Com efeito, por um lado, esse ónus não parece implicar que um requerente de proteção internacional deva demonstrar que a decisão teria sido diferente se essa violação não existisse, mas apenas que não se pode excluir que a decisão poderia ter sido diferente.

71

Por outro lado, se resultar desde logo ou se a autoridade competente conseguir demonstrar perante o órgão jurisdicional de reenvio, eventualmente em resposta às alegações do requerente da proteção internacional, que, mesmo sem a referida violação, a decisão não poderia, em caso nenhum, ter sido diferente, não se afigura que existam direitos conferidos pelo direito da União cujo exercício se torne impossível na prática ou excessivamente difícil. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio apresenta‑se como exercendo, ele próprio, uma fiscalização sobre o mérito da referida decisão, pelo que, nesse caso, a anulação e a devolução do processo ao IPAT correriam o risco de se limitar a duplicar essa fiscalização e a prolongar inutilmente o procedimento.

72

Tendo em conta estas considerações, há que responder à segunda e terceira questões que o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2004/83 deve ser interpretado no sentido de que a declaração, no âmbito do exercício de um segundo grau de fiscalização jurisdicional previsto pelo direito nacional, de uma violação do dever de cooperação previsto nesta disposição não tem necessariamente que implicar, por si só, a anulação da decisão que nega provimento ao recurso interposto de uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional, quando se puder impor ao requerente da proteção internacional que demonstre que a decisão que nega provimento ao recurso poderia ter sido diferente se essa violação não existisse.

Quanto à quarta e quinta questões, relativas ao prazo razoável

73

Com a quarta e quinta questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União, nomeadamente, o artigo 23.o, n.o 2, e o artigo 39.o, n.o 4, da Diretiva 2005/85, deve ser interpretado no sentido de que os prazos decorridos entre, por um lado, a apresentação do pedido de asilo e, por outro, a adoção das decisões da autoridade competente para a determinação e o órgão jurisdicional de primeira instância competente, podem ser justificados por alterações legislativas ocorridas no Estado‑Membro no decurso desses prazos e, se assim não for, se o caráter eventualmente irrazoável de um ou de outro desses prazos pode implicar, por si só, a anulação da decisão do órgão jurisdicional de primeira instância competente.

74

Como salientou o advogado‑geral nos n.os 89 a 93 das suas conclusões, resulta da estrutura, da sistemática e dos objetivos da Diretiva 2005/85, antes de mais, que os prazos previstos, respetivamente, no seu artigo 23.o, n.o 2, e no seu artigo 39.o, n.o 4, devem ser distinguidos, aplicando‑se o primeiro ao procedimento administrativo, enquanto o segundo visa o processo judicial.

75

Em seguida, como resulta igualmente da redação dessas disposições, os referidos prazos não têm caráter vinculativo para a decisão.

76

Por último, uma vez que a primeira dessas disposições prevê que os Estados‑Membros asseguram a conclusão do procedimento administrativo o mais rapidamente possível, que a segunda das mesmas permite expressamente aos Estados‑Membros fixarem prazos para a apreciação pelo órgão jurisdicional competente da decisão do órgão de decisão e que o considerando 11 da Diretiva 2005/85 indica que é do interesse tanto dos Estados‑Membros como dos requerentes que a decisão sobre os pedidos seja proferida o mais rapidamente possível, esta diretiva apela à celeridade na apreciação tanto dos pedidos de proteção internacional como dos recursos interpostos, nomeadamente, das decisões de indeferimento de tais pedidos.

77

Com efeito, a efetividade do acesso ao estatuto conferido pela proteção internacional exige que a análise do pedido ocorra no termo de um prazo razoável (v., neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2014, N.,C‑604/12, EU:C:2014:302, n.o 45). Além disso, decorre dos próprios termos do artigo 47.o da Carta que a tutela jurisdicional efetiva exige que a causa de uma pessoa seja julgada, nomeadamente, num prazo razoável por um tribunal.

78

Caberá, portanto, ao órgão jurisdicional de reenvio examinar se as decisões tomadas, respetivamente, no termo da fase administrativa pelo IPO e no termo do processo judicial de primeira instância pelo IPAT o foram num prazo razoável, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto.

79

Quanto a estas circunstâncias, resulta da jurisprudência que, quando a duração do processo não é fixada por uma disposição do direito da União, o caráter «razoável» do prazo para adotar o ato em causa deve ser apreciado em função de todas as circunstâncias próprias de cada processo, designadamente da importância do litígio para o interessado, da complexidade do processo e do comportamento das partes em presença (v., neste sentido, Acórdão de 25 de junho de 2020, CSUE/KF (C‑14/19 P, EU:C:2020:492, n.o 122 e jurisprudência referida).

80

Ora, não figuram entre essas circunstâncias próprias de cada processo alterações legislativas ocorridas num Estado‑Membro no decurso das fases administrativa ou jurisdicional do tratamento de um processo. Com efeito, resulta dos elementos salientados nos n.os 76 e 77 do presente acórdão que os Estados‑Membros são obrigados a assegurar que esses procedimentos sejam concluídos o mais rapidamente possível e, em todo o caso, num prazo razoável. Não podem, portanto, invocar circunstâncias que são da sua competência, tais como alterações legislativas, para justificar eventuais violações dessa exigência.

81

Disto isto, como salientou o advogado‑geral nos n.os 103 a 105 das suas conclusões, a eventual inobservância da exigência de tratamento dos processos num prazo razoável em matéria de proteção internacional, durante a fase quer administrativa quer jurisdicional, não pode ter como consequência, por si só, a anulação de uma decisão que nega provimento a um recurso de anulação de uma decisão que não deferiu um pedido de proteção internacional, a menos que a ultrapassagem do prazo razoável tenha tido como consequência uma violação dos direitos de defesa.

82

Com efeito, uma vez que as decisões relativas ao caráter fundado ou não dos pedidos de proteção internacional devem ser tomadas tendo em consideração os critérios materiais de concessão dessa proteção, previstos na Diretiva 2004/83, o incumprimento de um prazo razoável não pode conduzir, na falta de qualquer indício de que a duração excessiva de um procedimento administrativo ou jurisdicional teria tido incidência na solução do litígio, à anulação da decisão administrativa ou da decisão judicial impugnada (v., neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2014, Bolloré/Comissão (C‑414/12 P, não publicado, EU:C:2014:301, n.o 84).

83

Em contrapartida, quando existam indícios de que a duração excessiva de um procedimento administrativo ou jurisdicional pode ter tido incidência na solução do litígio, o incumprimento de um prazo razoável pode conduzir à anulação da decisão administrativa ou da decisão jurisdicional impugnada, nomeadamente quando esse incumprimento tenha como consequência a violação dos direitos de defesa, que são direitos fundamentais que fazem parte integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça (v., por analogia, Acórdão de 25 de outubro de 2011, Solvay/Comissão,C‑110/10 P, EU:C:2011:687, n.os 47 a 52).

84

Por conseguinte, embora os autos apresentados ao Tribunal de Justiça não contenham nenhum elemento destinado a demonstrar que o caráter eventualmente irrazoável de um ou de outro dos dois prazos em causa no processo principal teve como consequência a violação dos direitos de defesa de X, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar esta circunstância.

85

Tendo em conta estas considerações, há que responder à quarta e quinta questões que o direito da União, nomeadamente o artigo 23.o, n.o 2, e o artigo 39.o, n.o 4, da Diretiva 2005/85, deve ser interpretado no sentido de que:

os prazos decorridos entre, por um lado, a apresentação do pedido de asilo e, por outro, a adoção das decisões do órgão de decisão e do órgão jurisdicional de primeira instância competente não podem ser justificados por alterações legislativas nacionais ocorridas durante esses prazos, e

o caráter irrazoável de um ou de outro dos referidos prazos não pode justificar, por si só e na falta de qualquer indício de que a duração excessiva do procedimento administrativo ou judicial teria tido incidência na solução do litígio, a anulação da decisão do órgão jurisdicional de primeira instância competente.

Quanto à sétima questão, relativa à credibilidade geral de um requerente

86

Com a sétima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 5, alínea e), da Diretiva 2004/83 deve ser interpretado no sentido de que uma declaração falsa, que figura no pedido inicial de proteção internacional, que foi objeto de uma explicação e de uma retratação por parte do requerente de asilo logo que a ocasião se proporcionou, é suscetível de impedir, por si só, o estabelecimento da credibilidade geral deste, na aceção desta disposição.

87

Em conformidade com o artigo 4.o, n.o 5, da Diretiva 2004/83, sempre que os Estados‑Membros aplicarem o princípio segundo o qual incumbe ao requerente justificar o seu pedido de proteção internacional e caso existam elementos das declarações do requerente não sustentados por provas documentais ou de outra natureza, esses elementos não têm de ser confirmados quando estiverem reunidas as condições enunciadas nas alíneas a) a e) dessa disposição.

88

Estas condições cumulativas prendem‑se com o facto de o requerente ter apresentado o seu pedido de proteção internacional logo que possível, de ser autêntico o esforço envidado pelo requerente para justificar o seu pedido, de ter apresentado todos os elementos pertinentes ao seu dispor, de ter fornecido uma explicação satisfatória quanto à inexistência de outros elementos de prova, de as declarações do requerente serem consideradas coerentes e plausíveis, de não contradizerem informações gerais ou particulares disponíveis e pertinentes para o seu pedido e de ter sido apurada a credibilidade geral do requerente.

89

Por conseguinte, resulta do artigo 4.o, n.o 5, da Diretiva 2004/83 que, quando as condições enumeradas nas alíneas a) a e) dessa disposição não estão cumulativamente preenchidas, as declarações dos requerentes de asilo não justificadas por elementos de prova podem necessitar de confirmação (v., neste sentido, Acórdão de 2 de dezembro de 2014, A e o., C‑148/13 a C‑150/13, EU:C:2014:2406, n.o 51).

90

Daqui decorre que a credibilidade geral do requerente de asilo é um elemento, entre outros, a ter em conta para verificar, na primeira etapa de avaliação, prevista no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2004/83, que diz respeito à determinação das circunstâncias factuais suscetíveis de constituir os elementos de prova em apoio do pedido, se as declarações dos requerentes de asilo necessitam de confirmação.

91

Ora, há que considerar que as constatações efetuadas, num caso particular, relativas às condições enunciadas no artigo 4.o, n.o 5, alíneas a) a d), da Diretiva 2004/83 são suscetíveis de influenciar a apreciação da credibilidade geral do requerente referida na alínea e) desta disposição.

92

Dito isto, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 109 das suas conclusões, a apreciação da credibilidade geral do requerente de asilo não se pode limitar à consideração das referidas condições enunciadas no artigo 4.o, n.o 5, alíneas a) a d), da Diretiva 2004/83, devendo ser efetuada, como salientou o Governo alemão, tendo em conta, no âmbito de uma apreciação global e individual, qualquer outro elemento pertinente do caso em apreço.

93

É certo que, no âmbito dessa análise, uma declaração falsa que figura no pedido inicial de proteção internacional constitui um elemento pertinente a ter em conta. Todavia, este não pode, por si só, impedir que seja demonstrada a credibilidade geral do requerente. Com efeito, são igualmente pertinentes o facto de esta declaração falsa ter sido objeto de uma explicação e de uma retratação por parte do requerente de asilo desde que a ocasião se proporcionou, as declarações que substituíram essa declaração falsa e o comportamento posterior do requerente de asilo.

94

Por último, se a apreciação de todos os elementos pertinentes do processo principal levar a que a credibilidade geral do requerente de asilo não possa ser demonstrada, as declarações deste que não se baseiem em provas podem, portanto, necessitar de confirmação, caso em que pode incumbir ao Estado‑Membro em causa cooperar com esse requerente, como foi recordado, nomeadamente, nos n.os 47 e 48 do presente acórdão, para permitir a reunião de todos os elementos suscetíveis de justificar o pedido de asilo.

95

Tendo em conta estas considerações, há que responder à sétima questão que o artigo 4.o, n.o 5, alínea e), da Diretiva 2004/83 deve ser interpretado no sentido de que uma declaração falsa, que figura no pedido inicial de proteção internacional, que foi objeto de uma explicação e de retratação por parte do requerente de asilo logo que a ocasião se proporcionou, não é suscetível de impedir, por si só, o estabelecimento da credibilidade geral deste, na aceção desta disposição.

Quanto às despesas

96

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

O artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida,

deve ser interpretado no sentido de que:

o dever de cooperação previsto nesta disposição impõe que o órgão de decisão obtenha, por um lado, informações precisas e atualizadas sobre todos os factos relevantes relativos à situação geral existente no país de origem de um requerente de asilo e de proteção internacional e, por outro, uma peritagem médico‑legal sobre a sua saúde mental, quando existam indícios de problemas de saúde mental que possam resultar de um acontecimento traumatizante ocorrido nesse país de origem e de que o recurso a tal peritagem se revele necessário ou pertinente para apreciar as necessidades reais de proteção internacional do referido requerente, desde que as modalidades de recurso a tal peritagem estejam em conformidade, nomeadamente, com os direitos fundamentais garantidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia;

a declaração, no âmbito do exercício de um segundo grau de fiscalização jurisdicional previsto pelo direito nacional, de uma violação do dever de cooperação previsto nesta disposição não tem necessariamente que implicar, por si só, a anulação da decisão que nega provimento ao recurso interposto de uma decisão de recusa de um pedido de proteção internacional, quando se puder impor ao requerente da proteção internacional que demonstre que a decisão que nega provimento ao recurso poderia ter sido diferente se essa violação não existisse.

 

2)

O direito da União, nomeadamente o artigo 23.o, n.o 2, e o artigo 39.o, n.o 4, da Diretiva 2005/85/CE do Conselho, de 1 de dezembro de 2005, relativa a normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos Estados‑Membros, deve ser interpretado no sentido de que:

os prazos decorridos entre, por um lado, a apresentação do pedido de asilo e, por outro, a adoção das decisões do órgão de decisão e do órgão jurisdicional de primeira instância competente não podem ser justificados por alterações legislativas nacionais ocorridas durante esses prazos, e

o caráter irrazoável de um ou de outro dos referidos prazos não pode justificar, por si só e na falta de qualquer indício de que a duração excessiva do procedimento administrativo ou judicial teria tido incidência na solução do litígio, a anulação da decisão do órgão jurisdicional de primeira instância competente.

 

3)

O artigo 4.o, n.o 5, alínea e), da Diretiva 2004/83

deve ser interpretado no sentido de que:

uma declaração falsa, que figura no pedido inicial de proteção internacional, que foi objeto de uma explicação e de retratação por parte do requerente de asilo logo que a ocasião se proporcionou, não é suscetível de impedir, por si só, o estabelecimento da credibilidade geral deste, na aceção desta disposição.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.