ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

16 de fevereiro de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política social — Proteção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador — Diretiva 2008/94/CE — Artigo 9.o, n.o 1 — Empresa com sede num Estado‑Membro e que presta serviços noutro Estado‑Membro — Trabalhador residente nesse outro Estado‑Membro — Trabalho realizado no Estado‑Membro da sede do empregador e, de duas em duas semanas, no Estado‑Membro de residência — Determinação do Estado‑Membro cuja instituição de garantia é competente para o pagamento dos créditos salariais em dívida»

No processo C‑710/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça, Áustria), por Decisão de 14 de setembro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 25 de novembro de 2021, no processo

IEF Service GmbH

contra

HB,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: M. L. Arastey Sahún (relatora), presidente de secção, N. Wahl e J. Passer, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de HB, por C. Orgler, Rechtsanwalt,

em representação do Governo austríaco, por A. Posch, J. Schmoll e F. Werni, na qualidade de agentes,

em representação do Governo checo, por O. Serdula, M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, por J. Möller e A. Hoesch, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por B.‑R. Killmann e D. Recchia, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO 2008, L 283, p. 36).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a IEF Service GmbH a HB a propósito da atribuição a HB de uma indemnização pela insolvência do seu empregador com base em créditos salariais em dívida.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2008/94

3

Nos termos do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2008/94:

«A presente diretiva aplica‑se aos créditos dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho existentes em relação a empregadores que se encontrem em estado de insolvência, na aceção do n.o 1 do artigo 2.o»

4

O artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva prevê:

«Para efeitos do disposto na presente diretiva, considera‑se que um empregador se encontra em estado de insolvência quando tenha sido requerida a abertura de um processo coletivo, com base na insolvência do empregador, previsto pelas disposições legislativas, regulamentares e administrativas de um Estado‑Membro, que determine a inibição total ou parcial desse empregador da administração ou disposição de bens e a designação de um síndico, ou de uma pessoa que exerça uma função análoga, e quando a autoridade competente por força das referidas disposições tenha:

a)

Decidido a abertura do processo; ou

b)

Declarado o encerramento definitivo da empresa ou do estabelecimento do empregador, bem como a insuficiência do ativo disponível para justificar a abertura do processo.»

5

O artigo 3.o, primeiro parágrafo, da referida diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para que as instituições de garantia assegurem, sob reserva do artigo 4.o, o pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho, incluindo, sempre que o direito nacional o estabeleça, as indemnizações pela cessação da relação de trabalho.»

6

O artigo 9.o da mesma diretiva, que faz parte do seu capítulo IV, sob a epígrafe «Disposições relativas às situações transnacionais», enuncia, no n.o 1:

«Sempre que uma empresa com atividades no território de dois ou mais Estados‑Membros se encontre em estado de insolvência na aceção do n.o 1 do artigo 2.o, a instituição responsável pelo pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados é a do Estado‑Membro em cujo território o trabalhador exerce ou exercia habitualmente a sua profissão.»

Regulamento (CE) n.o 883/2004

7

O artigo 3.o do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1, e retificação no JO 2004, L 200, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 465/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012 (JO 2012, L 149, p. 4) (a seguir «Regulamento n.o 883/2004»), sob a epígrafe «Âmbito de aplicação material», prevê, no n.o 1:

«O presente regulamento aplica‑se a todas as legislações relativas aos ramos da segurança social que digam respeito a:

a)

Prestações por doença;

b)

Prestações por maternidade e por paternidade equiparadas;

c)

Prestações por invalidez;

d)

Prestações por velhice;

e)

Prestações por sobrevivência;

f)

Prestações por acidentes de trabalho e por doenças profissionais;

g)

Subsídios por morte;

h)

Prestações por desemprego;

i)

Prestações por pré‑reforma;

j)

Prestações familiares.»

8

O artigo 12.o deste regulamento, sob a epígrafe «Regras especiais», dispõe, no n.o 1:

«A pessoa que exerça uma atividade por conta de outrem num Estado‑Membro ao serviço de um empregador que normalmente exerce as suas atividades nesse Estado‑Membro, e que seja destacada por esse empregador para realizar um trabalho por conta deste noutro Estado‑Membro, continua sujeita à legislação do primeiro Estado‑Membro, desde que a duração previsível do referido trabalho não exceda 24 meses e que essa pessoa não seja enviada em substituição de outra pessoa destacada.»

9

O artigo 13.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Exercício de atividades em dois ou mais Estados‑Membros», enuncia, no n.o 1:

«A pessoa que exerça normalmente uma atividade por conta de outrem em dois ou mais Estados‑Membros está sujeita:

a)

À legislação do Estado‑Membro de residência, se exercer uma parte substancial da sua atividade nesse Estado‑Membro; ou

b)

Se não exercer uma parte substancial da sua atividade no Estado‑Membro de residência:

i)

à legislação do Estado‑Membro no qual a empresa ou o empregador tem a sede ou o centro de atividades, se depender de uma empresa ou empregador, ou

ii)

à legislação do Estado‑Membro no qual as empresas ou os empregadores têm a sede ou o centro de atividades, se depender de duas ou mais empresas ou dois ou mais empregadores que tenham a sua sede ou o seu centro de atividades num único Estado‑Membro, ou

iii)

à legislação do Estado‑Membro no qual a empresa ou o empregador tem a sede ou o centro de atividades, excluindo o Estado‑Membro de residência, se depender de duas ou mais empresas ou de dois ou mais empregadores que tenham a sua sede ou o seu centro de atividades em dois Estados‑Membros, um dos quais seja o Estado‑Membro de residência, ou

iv)

à legislação do Estado‑Membro de residência se depender de duas ou mais empresas ou de dois ou mais empregadores e, pelo menos, duas dessas empresas ou empregadores tiverem a sua sede ou o seu centro de atividades em diferentes Estados‑Membros, excluindo o Estado‑Membro de residência.»

Regulamento (CE) n.o 987/2009

10

O artigo 5.o do Regulamento (CE) n.o 987/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.o 883/2004 relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2009, L 284, p. 1), sob a epígrafe «Valor jurídico dos documentos e dos comprovativos emitidos noutro Estado‑Membro», prevê, no n.o 1:

«Os documentos emitidos pela instituição de um Estado‑Membro que comprovem a situação de uma pessoa para efeitos da aplicação do [Regulamento n.o 883/2004] e do [presente regulamento], bem como os comprovativos que serviram de base à emissão de documentos, devem ser aceites pelas instituições dos outros Estados‑Membros enquanto não forem retirados ou declarados inválidos pelo Estado‑Membro onde foram emitidos.»

11

O artigo 19.o deste regulamento, sob a epígrafe «Informação das pessoas interessadas e dos empregadores», dispõe, no n.o 2:

«A pedido da pessoa interessada ou do empregador, a instituição competente do Estado‑Membro cuja legislação é aplicável por força do disposto no título II do [Regulamento n.o 883/2004] atesta que essa legislação é aplicável e indica, se for caso disso, até que data e em que condições.»

Direito austríaco

12

O § 1, n.o 1, da Insolvenz‑Entgeltsicherungsgesetz (Lei sobre a Garantia dos Salários em Caso de Insolvência, BGBl., 324/1977), com a última redação dada pelo BGBl. I, 218/2021 (a seguir «IESG»), tem o seguinte teor:

«Têm direito a indemnização por insolvência os trabalhadores dependentes, os trabalhadores independentes na aceção do § 4, n.o 4, da Allgemeines Sozialversicherungsgesetz [(Lei Geral Relativa à Segurança Social, BGBl., 189/1955) (a seguir “ASVG”)], os trabalhadores domiciliários, os respetivos dependentes sobrevivos e os seus sucessores por morte (titulares do direito), relativamente aos direitos garantidos nos termos do n.o 2, sempre que estejam ou tenham estado numa relação de trabalho (de trabalho freelance, de mandato) e sejam (ou foram) considerados trabalhadores no território nacional nos termos do § 3, n.o 1, ou n.o 2, alíneas a) a d), da ASVG, e que tenha sido instaurado no território nacional um dos processos previstos na legislação sobre a insolvência, tendo por objeto o património do empregador (mandante).»

13

Nos termos do § 12, n.o 1, desta lei:

«As despesas do fundo de garantia salarial em caso de insolvência são suportadas a partir de:

[…]

4)

[…] uma sobretaxa a suportar sobre a parte da contribuição para o fundo de desemprego devida pelo empregador […]»

14

O § 3 da ASVG dispõe:

«1.   Considera‑se que exercem a sua atividade no território nacional os trabalhadores dependentes cujo local do exercício da atividade […] se situe no território nacional e os trabalhadores independentes cujo centro de atividade se situe no território nacional.

2.   Considera‑se ainda que exercem a sua atividade no território nacional:

a)

os trabalhadores pertencentes à tripulação de uma empresa de navegação internacional por via fluvial ou lacustre […]

d)

os trabalhadores, ao serviço de empresas com sede na Áustria, destacados para o estrangeiro, desde que a respetiva atividade no estrangeiro não exceda a duração de cinco anos; […]»

15

O § 4 desta lei dispõe, no n.o 1:

«Estão cobertos (integralmente cobertos) ao abrigo da presente lei federal pelo seguro de doença, pelo seguro de acidentes e pelo seguro de pensões, quando o emprego em causa não esteja excluído da cobertura integral nos termos dos §§ 5 e 6 nem confira apenas uma cobertura parcial nos termos do § 7:

1)

os trabalhadores que exercem a sua atividade para um ou mais empregadores; […]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16

HB trabalhou a partir de 1 de julho de 2017 como diretor do desenvolvimento comercial estratégico da S GmbH, cuja sede se situa em Graz (Áustria). Esta sociedade também prestava serviços na Alemanha, onde colaborava com um engenheiro comercial independente, sem empregar mais colaboradores.

17

O contrato de trabalho de HB previa que o cerne da sua atividade e o seu local de trabalho habitual se situavam na Áustria. HB dirigia dois departamentos e era responsável pelos trabalhadores do escritório de Graz. HB trabalhava nesse local, de facto, em alternância, uma semana, e uma semana a partir do seu domicílio, na Alemanha, onde tinha a sua residência principal.

18

HB dispõe de um certificado emitido por um organismo de seguros alemão em conformidade com o artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, informando‑o de que a legislação alemã lhe é aplicável em matéria de segurança social.

19

Em 4 de junho de 2019, foi instaurado contra S um processo de insolvência com nomeação de um administrador externo.

20

A IEF Service representa o fundo de indemnização em caso de insolvência do empregador, a saber, a instituição de garantia austríaca, na aceção da Diretiva 2008/94.

21

HB apresentou um pedido de indemnização por insolvência com base nos seus créditos salariais ainda em dívida à data da abertura do processo de insolvência. Este pedido foi apresentado tanto à IEF Service como à instituição de garantia alemã. Como resulta da decisão de reenvio, ainda se desconhece a decisão final do processo na Alemanha.

22

Por Sentença de 14 de outubro de 2019, o Landesgericht für Zivilrechtssachen Graz (Tribunal Cível Regional de Graz, Áustria) julgou procedente o pedido de HB.

23

A IEF Service interpôs recurso dessa sentença para o Oberlandesgericht Graz (Tribunal Regional Superior de Graz, Áustria), que, por Acórdão de 18 de junho de 2020, confirmou a referida sentença.

24

Nestas condições, a IEF Service interpôs recurso de «Revision» desse acórdão para o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça, Áustria), o órgão jurisdicional de reenvio.

25

Esse órgão jurisdicional considera que, como decorre da Acórdão de 6 de setembro de 2018, Alpenrind e o. (C‑527/16, EU:C:2018:669), um certificado A1 válido, emitido pela instituição competente de um Estado‑Membro em conformidade com o artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 987/2009, vincula não só as instituições do Estado‑Membro em que a atividade é exercida mas também os órgãos jurisdicionais desse Estado‑Membro.

26

Assim, embora tenha celebrado o seu contrato de trabalho na Áustria e exercido uma atividade dependente a tempo parcial na sede da sociedade S, na Áustria, HB preenche as condições da obrigatoriedade de seguro no seu Estado de residência, ou seja, a Alemanha, sendo a legislação alemã aplicável in casu. Além disso, em conformidade com essa legislação, tinha provavelmente, pelo menos ficticiamente, um local de trabalho na Alemanha.

27

O legislador austríaco transpôs as disposições da Diretiva 2008/94/CE através do § 1, n.o 1, da IESG, prevendo que se verifica o exercício de uma atividade no território nacional caso se esteja perante uma «relação laboral», na aceção do § 3, n.o 1, ou n.o 2, alíneas a) a d), da ASVG. A este respeito, existe uma obrigação de seguro no território austríaco.

28

De acordo com a jurisprudência do Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça), o § 1, n.o 1, da IESG não dá direito a indemnização por insolvência quando, em virtude dessa atividade, o trabalhador dependente que exerce a sua atividade no estrangeiro não está sujeito à obrigação de seguro na Áustria.

29

No caso em apreço, dado que HB divide o seu tempo de trabalho igualmente entre a Áustria e a Alemanha e está sujeito ao regime de segurança social alemão, coloca‑se a questão de saber se o artigo 9.o da Diretiva 2008/94, que trata das situações transnacionais, deve ser aplicado. O órgão jurisdicional de reenvio considera que a resposta a esta questão depende de saber se as prestações de serviços propostas por S na Alemanha, a colaboração verificada com um engenheiro comercial independente nesse Estado‑Membro e o trabalho realizado com regularidade por HB a partir do seu domicílio na Alemanha são elementos de conexão suficientes para concluir por uma «presença económica estável» do empregador na Alemanha, na aceção dos Acórdãos de 16 de outubro de 2008, Holmqvist (C‑310/07, EU:C:2008:573), e de 10 de março de 2011, Defossez (C‑477/09, EU:C:2011:134).

30

A ser este o caso, haveria que determinar, em face da igual distribuição do tempo de trabalho e de igual conteúdo da atividade, e em aplicação dos critérios do lugar de residência e da obrigatoriedade de seguro imposta a HB, em que Estado este exercia «habitualmente» a sua profissão, na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2008/94/CE, para então poder determinar a competência da instituição de garantia nacional.

31

O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que, mesmo assumindo que não existe necessariamente um nexo entre a obrigação de quotização e a garantia de créditos (v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 2016, Stroumpoulis e o., C‑292/14, EU:C:2016:116, n.o 68), afigura‑se conforme ao objetivo das liberdades fundamentais evitar impor um duplo encargo aos empregadores cujos trabalhadores trabalham em dois Estados‑Membros e, por essa razão, lhes é garantida a atribuição de uma indemnização em caso de insolvência, financiada por quotizações.

32

Nestas condições, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 9.o, n.o 1, da [Diretiva 2008/94] ser interpretado no sentido de que uma empresa, na aceção [desta disposição], tem atividades no território de dois ou mais Estados‑Membros quando oferece os seus serviços noutro Estado‑Membro, onde dispõe, para o efeito, de um engenheiro de vendas, contratado como trabalhador independente, e um seu trabalhador assalariado, contratado para exercer funções no local da sede da empresa, trabalha regularmente, a cada segunda semana, a partir do seu “home office” nesse outro Estado‑Membro?

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

2)

Deve o artigo 9.o, n.o 1, da [Diretiva 2008/94] ser interpretado no sentido de que um trabalhador assalariado de uma empresa como a indicada, que reside no segundo Estado‑Membro e que nele cumpre as suas obrigações em matéria de segurança social, mas que trabalha alternadamente uma semana no Estado‑Membro no qual o empregador tem a sua sede e outra semana no Estado‑Membro da sua residência e no qual cumpre as suas obrigações em matéria de segurança social, exerce “habitualmente” a sua profissão em ambos os Estados‑Membros no sentido do referido artigo?

Em caso de resposta afirmativa à segunda questão:

3)

Deve o artigo 9.o, n.o 1, da [Diretiva 2008/94] ser interpretado no sentido de que a responsabilidade pelo pagamento dos créditos em dívida ao trabalhador assalariado que exerce ou exercia habitualmente a sua profissão em dois Estados‑Membros recai:

a)

sobre a instituição de garantia do Estado‑Membro a cujas regras se encontra sujeito de acordo com o modelo de coordenação dos regimes de segurança social (previdência social), quando, em conformidade com o artigo 3.o da [Diretiva 2008/94], as instituições de garantia estejam organizadas, em ambos os Estados‑Membros, de modo tal que as contribuições do empregador para o financiamento da instituição de garantia sejam pagas como parte das contribuições obrigatórias para a segurança social, ou

b)

sobre a instituição de garantia do outro Estado‑Membro, no qual a empresa insolvente tem a sua sede, ou

c)

sobre as instituições de garantia de ambos os Estados‑Membros, podendo assim o trabalhador escolher a qual das instituições de garantia dirige o seu pedido?»

Sobre as questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

33

Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2008/94 deve ser interpretado no sentido de que, para determinar o Estado‑Membro cuja instituição de garantia é competente para o pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores, deve considerar‑se que o empregador que se encontra em estado de insolvência exerce atividades no território de dois ou mais Estados‑Membros, na aceção desta disposição, quando o contrato de trabalho do trabalhador em causa prevê que o cerne da sua atividade e o seu local de trabalho habitual se situam no Estado‑Membro da sede do empregador, mas esse trabalhador executa, em igual proporção do seu tempo de trabalho, as suas tarefas à distância, a partir de outro Estado‑Membro no qual tem a sua residência principal.

34

Para responder a esta questão, cabe desde logo recordar que, em conformidade com o artigo 3.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/94, os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para que as instituições de garantia assegurem, sob reserva do artigo 4.o, o pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho, incluindo, sempre que o direito nacional o estabeleça, as indemnizações pela cessação da relação de trabalho.

35

O artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2008/94, que versa sobre as «situações transnacionais», prevê que, sempre que uma empresa com atividades no território de dois ou mais Estados‑Membros se encontre em estado de insolvência na aceção do n.o 1 do artigo 2.o desta diretiva, a instituição responsável pelo pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados é a do Estado‑Membro em cujo território o trabalhador exerce ou exercia habitualmente a sua profissão.

36

Para apreciar se, num caso como o referido no n.o 33 do presente acórdão, o mencionado artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2008/94 é aplicável, cumpre examinar se se trata de um empregador «com atividades no território de dois ou mais Estados‑Membros», na aceção desta disposição.

37

A este respeito, há que observar que, no processo que deu origem ao Acórdão de 16 de outubro de 2008, Holmqvist (C‑310/07, EU:C:2008:573), o Tribunal de Justiça foi chamado a interpretar o artigo 8.oA, n.o 1, da Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO 1980, L 283, p. 23), conforme alterada pela Diretiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002 (JO 2002, L 270, p. 10), cujo teor é idêntico ao do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2008/94.

38

O Tribunal de Justiça declarou que, embora o artigo 8.oA, n.o 1, da Diretiva 80/987, conforme alterada pela Diretiva 2002/74, não implique condições estritas de conexão e se refira a um elemento de conexão mais frágil do que a presença da empresa através de uma sucursal ou de um estabelecimento estável, nem por isso há necessariamente que seguir a argumentação segundo a qual o facto de um trabalhador executar qualquer forma de trabalho noutro Estado‑Membro por conta do seu empregador e este trabalho resultar de uma necessidade e de uma instrução do empregador é suficiente para que se considere que uma empresa exerce atividades no território deste outro Estado‑Membro (Acórdão de 16 de outubro de 2008, Holmqvist,C‑310/07, EU:C:2008:573, n.o 29).

39

Com efeito, deve entender‑se que o conceito de «atividades» constante da referida disposição se refere a elementos que implicam um certo grau de permanência no território de um Estado‑Membro. Esta permanência traduz‑se pelo emprego duradouro de um trabalhador ou de trabalhadores no referido território (Acórdão de 16 de outubro de 2008, Holmqvist, C‑310/07, EU:C:2008:573, n.o 30).

40

É certo que, atendendo às diversas formas que pode assumir o trabalho transfronteiriço e tendo em conta as modificações ocorridas nas condições de trabalho e os progressos do setor das telecomunicações, não pode sustentar‑se que uma empresa deve necessariamente dispor de uma infraestrutura física para assegurar uma presença económica estável num Estado‑Membro diferente do da sua sede social. Com efeito, os diversos aspetos de uma relação de trabalho, nomeadamente a comunicação das instruções ao trabalhador e a transmissão de relatórios deste ao empregador, bem como o pagamento das remunerações, podem agora ser feitos à distância (Acórdão de 16 de outubro de 2008, Holmqvist, C‑310/07, EU:C:2008:573, n.o 32).

41

No entanto, para se poder considerar que uma empresa estabelecida num Estado‑Membro exerce atividades no território de outro Estado‑Membro, deve ter neste último Estado uma presença económica estável, caracterizada pela existência de meios humanos que lhe permitam aí exercer atividades (Acórdão de 16 de outubro de 2008, Holmqvist, C‑310/07, EU:C:2008:573, n.o 34).

42

No caso em apreço, como resulta dos elementos dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe, embora HB tenha realizado, de facto, metade do trabalho, no que respeita à dimensão temporal, a partir do seu domicílio na Alemanha, o cerne desse trabalho, que consistia em dirigir dois departamentos e em assumir a responsabilidade pelos trabalhadores do escritório do empregador na Áustria, situava‑se, em conformidade com o contrato de trabalho e na prática, neste último Estado‑Membro.

43

Além disso, a circunstância de o empregador de HB não ter outros trabalhadores na Alemanha, com exceção de um engenheiro comercial independente com o qual esse empregador colaborava nesse Estado‑Membro, confirma que as atividades da HB não puderam estar ligadas a qualquer presença duradoura desse empregador no referido Estado‑Membro.

44

Importa observar que, à luz da jurisprudência referida nos n.os 38 a 41 do presente acórdão, nestas circunstâncias, um empregador como o de HB não exerce atividades no território de dois ou mais Estados‑Membros na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2008/94.

45

Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de HB dispor de um certificado emitido em conformidade com o artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, por força do qual está sujeito à legislação alemã. Com efeito, como salientou a Comissão Europeia nas suas observações escritas, embora seja verdade que, como resulta do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 987/2009, este certificado tem efeito vinculativo quanto às obrigações impostas pelas legislações nacionais em matéria de segurança social objeto da coordenação instituída pelo Regulamento n.o 883/2004, esse certificado não tem, porém, incidência na determinação do Estado‑Membro no qual HB deve fazer valer os seus créditos salariais em dívida, em conformidade com a Diretiva 2008/94.

46

Atendendo a todas as considerações anteriores, há que responder à primeira questão que o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2008/94 deve ser interpretado no sentido de que, para determinar o Estado‑Membro cuja instituição de garantia é competente para o pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores, deve considerar‑se que o empregador que se encontra em estado de insolvência não exerce atividades no território de dois ou mais Estados‑Membros, na aceção desta disposição, quando o contrato de trabalho do trabalhador em causa prevê que o cerne da sua atividade e o seu local de trabalho habitual se situam no Estado‑Membro da sede do empregador, mas esse trabalhador executa, em igual proporção do seu tempo de trabalho, as suas tarefas à distância a partir de outro Estado‑Membro no qual tem a sua residência principal.

Quanto à segunda e terceira questões

47

Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda e terceira questões.

Quanto às despesas

48

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

 

O artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador,

 

deve ser interpretado no sentido de que:

 

para determinar o Estado‑Membro cuja instituição de garantia é competente para o pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores, deve considerar‑se que o empregador que se encontra em estado de insolvência não exerce atividades no território de dois ou mais Estados‑Membros, na aceção desta disposição, quando o contrato de trabalho do trabalhador em causa prevê que o cerne da sua atividade e o seu local de trabalho habitual se situam no Estado‑Membro da sede do empregador, mas esse trabalhador executa, em igual proporção do seu tempo de trabalho, as suas tarefas à distância a partir de outro Estado‑Membro no qual tem a sua residência principal.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.