ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

2 de fevereiro de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Imposições internas — Artigo 110.o TFUE — Veículos automóveis — Imposto sobre veículos — Veículos usados importados dos outros Estados‑Membros — Veículos usados exportados para outros Estados‑Membros — Restituição à exportação desse imposto — Limitação desta restituição aos veículos que tenham sido postos em circulação há menos de dez anos»

No processo C‑676/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo, Finlândia), por Decisão de 2 de novembro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de novembro de 2021, no processo instaurado por

A

sendo intervenientes:

Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: M. Safjan, presidente de secção, N. Jääskinen e M. Gavalec (relator), juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo finlandês, por A. Laine, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por A. Armenia, M. Björkland e T. Sevón, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação das disposições do título II da parte III do Tratado FUE relativas à livre circulação de mercadorias e do artigo 110.o TFUE.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo instaurado por A, a respeito da decisão da Verohallinto (Administração Fiscal, Finlândia), pela qual esta recusou a restituição à exportação do imposto sobre veículos, solicitado por A após a venda do seu veículo automóvel, matriculado na Finlândia, noutro Estado‑Membro.

Quadro jurídico

3

Por força do artigo 1.o, primeiro parágrafo, da autoverolaki (1482/1994) [Lei do Imposto sobre Veículos (1482/1994)], de 29 de dezembro de 1994, conforme alterado pela laki (5/2009) [Lei (5/2009)], de 9 de janeiro de 2009, e pela laki (561/2016) [Lei (561/2016)], de 29 de junho de 2016 (a seguir «Lei do Imposto sobre Veículos»), os veículos de passageiros (categoria M1) devem, antes da sua matrícula no registo da circulação automóvel ou da sua entrada em circulação na Finlândia, pagar ao Estado o imposto sobre veículos.

4

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, da Lei do Imposto sobre Veículos, para efeitos desta lei, a entrada em circulação na Finlândia significa a utilização de um veículo destinado a circular no território finlandês, mesmo quando não esteja matriculado na Finlândia.

5

Segundo o artigo 4.o, n.o 1, da referida lei, a pessoa inscrita no registo como proprietário do veículo é responsável pelo pagamento do imposto sobre veículos. O artigo 4.o, n.o 5, da mesma lei dispõe que, no caso de um veículo ser posto em circulação sem estar registado, a pessoa que o pôs em circulação é responsável pelo pagamento do imposto, mas se essa pessoa não puder ser identificada ou o imposto não puder ser cobrado, o proprietário do veículo posto em circulação é responsável pelo pagamento do imposto.

6

Por força do artigo 8.oa da Lei do Imposto sobre Veículos, no que respeita a um veículo tributado na Finlândia como veículo usado, o montante do imposto sobre os veículos corresponde ao montante mais baixo do imposto residual sobre um veículo registado na Finlândia que se considere semelhante, tendo em conta os elementos referidos nos artigos 11.oc e 11.od desta lei.

7

Nos termos do artigo 11.oc, n.o 1, da referida lei, para determinar o valor comercial geral da venda a retalho de um veículo na Finlândia, são tidas em conta as informações disponíveis sobre os fatores que determinam o valor comercial da venda a retalho do veículo no mercado automóvel, e sobre o valor do veículo e as características distintivas do veículo que são suscetíveis de influenciar esse valor, como a marca, o modelo, o tipo, a propulsão e o equipamento do mesmo. Além disso, podem ser tidas em conta a idade, a quilometragem e o estado do veículo e outras características individuais.

8

Por força do artigo 11.od da mesma lei, os veículos podem ser considerados semelhantes se forem de uma marca, modelo e equipamento idênticos. Quando os veículos matriculados são comparados em diferentes países, devem, além dos dados documentados, ser de facto tecnicamente semelhantes. No entanto, diferenças menores não impedem que esses veículos sejam considerados semelhantes se puderem ser considerados irrelevantes tendo em conta o valor do veículo em causa ou as necessidades do consumidor em relação a esse veículo.

9

O artigo 34.od, n.o 1, da Lei do Imposto sobre Veículos enuncia que o imposto sobre veículos é objeto de restituição mediante pedido se um veículo tributado na Finlândia for exportado para utilização permanente num país diferente da Finlândia.

10

O artigo 34.od, n.o 2, desta lei dispõe que, nesse caso, é devolvido o montante do imposto que seria cobrado sobre um veículo semelhante se este fosse tributado como veículo usado no momento da exportação a partir da Finlândia. É devolvido, no máximo, o montante do imposto pago sobre o veículo. Na medida em que o valor do veículo ou o imposto a pagar sobre o veículo tenha aumentado devido a alterações ou melhorias no equipamento após a tributação, o imposto não é reembolsado. Se o veículo não tiver sido devidamente declarado para efeitos de tributação ou se o montante a ser devolvido for inferior a 500 euros, o referido imposto não é reembolsado. Além disso, o imposto também não é reembolsado relativamente a um veículo que tenha entrado em circulação pela primeira vez há pelo menos dez anos no momento da exportação. A condição para a restituição é que o veículo esteja em condições de circular no termo da sua utilização na Finlândia, e já não esteja em circulação na Finlândia.

11

O artigo 34.od, n.o 3, da referida lei dispõe que a restituição à exportação do imposto sobre veículos pode ser pedida por qualquer pessoa que, na qualidade de proprietária do veículo em causa, o exporte para utilização fora do território finlandês.

12

O artigo 34.od, n.o 4, da mesma lei precisa que o pedido de restituição à exportação deste imposto deve ser apresentado à Administração Fiscal o mais tardar catorze dias antes da exportação do veículo em causa e que a pessoa que a solicita deve dar a essa Administração a possibilidade de verificar o veículo antes da exportação e fornecer os documentos necessários para demonstrar que as condições da referida restituição estão preenchidas.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13

Em 20 de julho de 2015, A importou para a Finlândia um veículo automóvel usado proveniente de outro Estado‑Membro, cuja primeira entrada em circulação tinha tido lugar em 24 de novembro de 2004.

14

Por aviso de liquidação de 5 de outubro de 2015, a Administração Fiscal cobrou, relativamente a esse veículo, o imposto sobre veículos no montante de 4146,29 euros, montante que foi fixado, com base no valor tributável de 16519,10 euros, aplicando uma taxa de imposto de 25,10 %.

15

Em 7 de agosto de 2017, tendo vendido esse veículo automóvel noutro Estado‑Membro, A pediu à Administração Fiscal a restituição à exportação do imposto sobre veículos, cujo montante corresponde, por força do artigo 34.od, n.o 2, da Lei do Imposto sobre Veículos, ao que seria cobrado relativamente a um veículo semelhante se este último fosse tributado como veículo usado no momento da exportação do veículo em causa.

16

Por Decisão de 21 de agosto de 2017, a Administração Fiscal indeferiu esse pedido de restituição, com o fundamento de que, por força dessa disposição, este imposto não é restituído relativamente a um veículo que tenha entrado em circulação pela primeira vez há pelo menos dez anos no momento da exportação.

17

Não tendo sido deferida a reclamação apresentada por A contra esta decisão, bem como o seu recurso interposto no Helsínquia hallinto‑oikeus (Tribunal Administrativo de Helsínquia, Finlândia), o interessado interpôs recurso para o órgão jurisdicional de reenvio, o Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo, Finlândia), pedindo, nomeadamente, a restituição do imposto sobre veículos.

18

Esse órgão jurisdicional indica que o veículo automóvel usado, importado de outro Estado‑Membro, foi matriculado por A na Finlândia e utilizado por este último durante um período inferior a três anos, antes da revenda desse veículo noutro Estado‑Membro. Observa que A foi sujeito, relativamente a esse veículo, à totalidade do imposto sobre veículos à data da sua matrícula e que o montante desse imposto não foi proporcional ao período de utilização real do referido veículo na Finlândia, uma vez que o referido imposto não é restituído, no momento da exportação do veículo em causa, no caso dos veículos com dez ou mais anos.

19

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, para resolver o litígio que lhe é submetido, há que examinar se a limitação relativa à antiguidade do veículo que se aplica à restituição à exportação do imposto sobre veículos é contrária ao direito primário da União, pelo que, no momento da exportação do seu veículo automóvel, deveria ter sido restituída a A a parte do imposto residual incorporado no valor do referido veículo.

20

Neste contexto, em primeiro lugar, há que identificar a disposição do Tratado FUE à luz da qual há que apreciar a possibilidade de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal no que respeita à importação e à exportação de veículos privados. Este órgão jurisdicional menciona, a este respeito, as disposições do título II da parte III do Tratado FUE relativas à livre circulação de mercadorias e o artigo 110.o TFUE. Além disso, pergunta‑se, em substância, se é possível considerar que, quando um veículo automóvel importado, privado, é utilizado no território do Estado‑Membro de matrícula durante um período consideravelmente mais curto do que o período de vida económica desse veículo, este último não se destina a ser essencialmente utilizado no território desse Estado‑Membro a título permanente.

21

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio indica que, diversamente dos veículos tomados em aluguer ou em locação financeira, não existe um meio de verificar de maneira objetiva e antecipadamente o destino ou a utilização a título provisório dos veículos privados. O período de utilização de um veículo privado no território do Estado‑Membro de matrícula só pode ser apreciado a posteriori.

22

Em terceiro lugar, na hipótese de as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de mercadorias se oporem, em princípio, a uma regulamentação nacional por força da qual o imposto sobre veículos, incorporado no valor do veículo usado em causa, não é restituído quando este é exportado para utilização permanente noutro Estado‑Membro, esse órgão jurisdicional pretende saber se essa restrição pode ser justificada com o fundamento de que visa travar a exportação de «veículos automóveis antigos». Acrescenta que o legislador finlandês invocou o objetivo de proteção do ambiente quando da adoção das Leis (5/2009) e (561/2016) e que este imposto é cobrado sobre os veículos usados importados para a Finlândia, independentemente da data da sua primeira matrícula noutro Estado‑Membro.

23

Foi nestas condições que o Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

As disposições sobre a livre circulação de mercadorias do título II da parte III do Tratado [FUE] ou o artigo 110.o TFUE opõem‑se à legislação de um Estado‑Membro que prevê que o imposto sobre veículos automóveis incluído no valor de um veículo na aceção da [Lei do Imposto sobre Veículos] não é reembolsável ao proprietário do veículo em circunstâncias como as do processo principal, em que o proprietário exporta o veículo para utilização permanente noutro Estado‑Membro? É pertinente, nesse contexto, saber se o veículo se destinava a ser utilizado a título permanente principalmente no território do Estado‑Membro que cobrou o imposto sobre veículos e se era de facto utilizado a título permanente principalmente nesse Estado?

2)

No caso de o propósito de utilização e a utilização efetiva do veículo serem pertinentes para a resposta à primeira questão, como deve ser comprovado o propósito de utilização e a utilização não permanente em causa, se o período de utilização do veículo privado no Estado‑Membro não puder ser antecipadamente determinado?

3)

No caso de a recusa de conceder uma restituição à exportação na aceção da Lei do Imposto sobre Veículos constituir uma restrição à livre circulação de mercadorias em circunstâncias como as do processo principal, pode essa restrição ser justificada pelo objetivo de limitar a exportação de veículos antigos, frequentemente em mau estado e poluentes? Deve a limitação da restituição à exportação a veículos com menos de dez anos ser considerada incompatível com o direito da União Europeia, pelo facto de o imposto sobre veículos ser aplicado aos veículos usados importados, independentemente da duração da sua utilização?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

24

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito primário da União, nomeadamente o artigo 110.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, segundo a qual um imposto sobre veículos, incorporado no valor de cada veículo, não é restituído ao proprietário de um veículo automóvel, em caso de exportação desse veículo, com vista à sua utilização permanente noutro Estado‑Membro, quando o referido veículo tenha entrado em circulação pela primeira vez há pelo menos dez anos no momento dessa exportação e que, a este respeito, é pertinente que esse veículo se tenha destinado, não apenas a ser essencialmente utilizado a título permanente no território do Estado‑Membro que cobrou o imposto sobre veículos, mas também que tenha sido utilizado de facto dessa maneira.

25

A título liminar, importa recordar que, sem prejuízo de determinadas exceções não pertinentes para o presente processo, a tributação dos veículos automóveis não foi harmonizada a nível da União. Os Estados‑Membros são, portanto, livres de exercer a sua competência fiscal neste domínio, na condição de o fazerem respeitando o direito da União [Acórdão de 19 de setembro de 2017, Comissão/Irlanda (Imposto de matrícula), C‑552/15, EU:C:2017:698, n.o 71 e jurisprudência referida].

26

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um imposto sobre veículos automóveis cobrado por um Estado‑Membro quando do registo desses veículos com vista à sua entrada em circulação no seu território não constitui um direito aduaneiro nem um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro, na aceção dos artigos 28.o e 30.o TFUE. Além disso, tal imposto também não pode ser apreciado à luz do artigo 34.o TFUE, que proíbe as restrições quantitativas à importação e as medidas de efeito equivalente a essas restrições. Com efeito, um imposto como o que está em causa no processo principal constitui uma imposição interna e deve, portanto, ser examinado à luz do artigo 110.o TFUE (Acórdãos de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.os 32 e 33 e jurisprudência referida, e de 17 de dezembro de 2015, Viamar, C‑402/14, EU:C:2015:830, n.o 33). A este respeito, importa recordar que o Tribunal de Justiça já examinou, no Acórdão de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin (C‑101/00, EU:C:2002:505), a conformidade com o direito primário do imposto sobre veículos previsto na Lei (1482/1994) do Imposto sobre Veículos, conforme aplicável à época, à luz do artigo 95.o CE, que corresponde ao artigo 110.o TFUE.

27

Por conseguinte, como sustenta a Comissão Europeia, a conformidade com o direito primário da União tanto do imposto sobre veículos como da restituição à exportação desse imposto quando da exportação de um veículo automóvel matriculado na Finlândia deve ser apreciada unicamente com base neste último artigo.

28

O artigo 110.o TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados‑Membros, em condições normais de concorrência. Esta disposição visa eliminar todas as formas de proteção que possam resultar da aplicação de imposições internas, designadamente daquelas que são discriminatórias para produtos provenientes de outros Estados‑Membros (Acórdão de 14 de abril de 2015, Manea, C‑76/14, EU:C:2015:216, n.o 28 e jurisprudência referida).

29

Para este efeito, o artigo 110.o, primeiro parágrafo, TFUE proíbe os Estados‑Membros de fazerem incidir sobre os produtos dos outros Estados‑Membros imposições internas superiores às que incidem sobre os produtos nacionais semelhantes. Esta disposição pretende garantir a neutralidade das imposições internas no tocante à concorrência entre os produtos que se encontram já no mercado nacional e os produtos importados (Acórdão de 14 de abril de 2015, Manea, C‑76/14, EU:C:2015:216, n.o 29 e jurisprudência referida).

30

O imposto sobre veículos, previsto na Lei do Imposto sobre Veículos, é cobrado uma única vez, relativamente a qualquer veículo automóvel destinado a ser matriculado ou posto em circulação na Finlândia, quer se trate de veículos novos ou de veículos usados. Parece resultar dos elementos de que o Tribunal de Justiça dispõe, tal como foram apresentados no pedido de decisão prejudicial, que a Lei do Imposto sobre Veículos garante, em princípio, que o montante do imposto sobre veículos que incide sobre veículos usados importados corresponde ao do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados semelhantes nacionais, tendo em conta a taxa e à matéria coletável deste imposto.

31

Em matéria de tributação dos veículos automóveis usados importados, o artigo 110.o TFUE visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que respeita à concorrência entre os produtos que já se encontram no mercado nacional e os produtos importados e obriga, pois, cada Estado‑Membro a escolher e a estruturar os impostos que incidem sobre os veículos automóveis de modo a que estes não tenham por efeito favorecer a venda de veículos usados nacionais e desencorajar assim a importação de veículos usados semelhantes (v., neste sentido, Despacho de 7 de março de 2019, Elliniko Dimosio, C‑689/18, não publicado, EU:C:2019:185, n.os 20 a 22).

32

A este respeito, importa salientar que, no contexto do artigo 110.o TFUE, não pode ser qualificada de discriminatória uma modalidade especial, como a prevista no artigo 34.od, n.o 2, da Lei do Imposto sobre Veículos, segundo a qual este imposto não é restituído, a título da exportação definitiva de um veículo automóvel usado, quando esse veículo tenha entrado pela primeira vez em circulação, na Finlândia ou noutro Estado‑Membro, há, pelo menos, dez anos no momento da exportação em causa.

33

Com efeito, como a Comissão sublinha, esta modalidade aplica‑se a todos os veículos quando a sua primeira entrada em circulação remonta a mais de dez anos, na medida em que fixa um critério objetivo, a saber, o ano da primeira entrada em circulação do veículo em causa, com base no qual se estabelece uma distinção entre os casos em que é concedido um reembolso do imposto sobre veículos e aqueles em que esse reembolso não é concedido.

34

A referida modalidade não comporta, portanto, uma diferença de tratamento, quando os veículos automóveis em causa têm mais de dez anos, entre os veículos usados importados e os veículos usados nacionais, no que respeita à possibilidade de serem vendidos no mercado dos veículos usados na Finlândia, uma vez que não altera de modo algum o montante do imposto correspondente incluído no valor de mercado destes dois tipos de veículos.

35

Além disso, é irrelevante, à luz do artigo 110.o TFUE, que os veículos automóveis matriculados pela primeira vez noutro Estado‑Membro, e depois, na Finlândia, relativamente aos quais a restituição à exportação desse imposto é recusada, aquando da sua exportação definitiva da Finlândia para outro Estado‑Membro, em aplicação da limitação da restituição à exportação do referido imposto aos veículos com menos de dez anos, tenham sido, do ponto de vista estatístico, matriculados na Finlândia durante um período mais curto do que os veículos automóveis matriculados desde a primeira vez na Finlândia, cuja exportação definitiva para outro Estado‑Membro não dá direito a uma restituição à exportação do mesmo imposto, em aplicação dessa limitação.

36

Com efeito, no exercício da sua competência fiscal, um Estado‑Membro pode prever a aplicação de um imposto sobre veículos, cujo facto gerador é a matrícula e a entrada em circulação de um veículo automóvel, que não está ligado ao período de utilização efetiva deste nesse Estado‑Membro.

37

É igualmente irrelevante, à luz do artigo 110.o TFUE, que um veículo automóvel, devido à recusa de restituição à exportação de um imposto sobre veículos quando da sua exportação definitiva da Finlândia para outro Estado‑Membro, esteja sujeito, em diferentes momentos e em diferentes Estados‑Membros, a várias tributações relativas aos veículos automóveis.

38

Na situação atual, o direito da União não contém uma regra destinada a proibir os efeitos de dupla tributação que se produzem no caso de tais impostos, que são regulados por legislações nacionais autónomas e, embora a eliminação de tais efeitos seja desejável no interesse da livre circulação de mercadorias, ela só pode resultar, no entanto, da harmonização dos sistemas nacionais (v., por analogia, Acórdão de 23 de abril de 2002, Nygård, C‑234/99, EU:C:2002:244, n.o 38 e jurisprudência referida).

39

Cada Estado‑Membro pode cobrar um imposto sobre veículos de acordo com as suas próprias apreciações, desde que tais apreciações, bem como as medidas adotadas para a sua execução, não desencorajem a venda de produtos importados em benefício da venda de produtos semelhantes disponíveis no mercado nacional (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.os 53 e 54).

40

Há que acrescentar que as pessoas singulares que pretendam importar para a Finlândia veículos automóveis, novos ou usados, têm outras soluções além da importação desses veículos privados. Podem, além dos casos abrangidos pela aplicação da Diretiva 83/182/CEE do Conselho, de 28 de março de 1983, relativa às isenções fiscais aplicáveis na Comunidade em matéria de importação temporária de certos meios de transporte (JO 1983, L 105, p. 59), como sublinha o Governo finlandês, importar um veículo automóvel para aí ser utilizado a título temporário, ao abrigo de um contrato de locação financeira ou de aluguer, o que implica o pagamento de um imposto sobre os veículos calculado proporcionalmente ao período de utilização prevista nesse contrato (v., neste sentido, Despacho de 29 de setembro de 2010, VAV‑Autovermietung, C‑91/10, não publicado, EU:C:2010:558, n.o 26 e jurisprudência referida).

41

Essas pessoas podem, portanto, decidir, com pleno conhecimento de causa, importar para a Finlândia veículos automóveis privados, o que implica a sua sujeição integral ao imposto sobre veículos, ou importar um veículo automóvel a fim de o utilizar a título temporário, o que acarreta o pagamento desse imposto num montante proporcional ao período de utilização do veículo nesse Estado‑Membro.

42

É, portanto, a escolha das referidas pessoas que determina o regime fiscal aplicável ao veículo automóvel importado e, como sublinha a Comissão, na hipótese de uma importação de um veículo automóvel privado, as eventuais intenções daquelas relativamente à utilização posterior do veículo em causa, cuja restituição à exportação do imposto sobre veículos está prevista na Lei do Imposto sobre Veículos, são irrelevantes para efeitos da apreciação, nos termos do artigo 110.o TFUE, dessa restituição à exportação.

43

Por último, é igualmente irrelevante, para efeitos desta apreciação, o facto, invocado pelo Governo finlandês, segundo o qual, em caso de exportação de um veículo automóvel tributado na Finlândia, com vista a uma utilização permanente fora desse Estado‑Membro, o montante do imposto restituído corresponde, em conformidade com o artigo 34.od, n.o 2, da Lei do Imposto sobre Veículos, ao montante do imposto que seria cobrado sobre um veículo semelhante se este fosse tributado como veículo usado no momento dessa exportação.

44

Com efeito, essa restituição do imposto não afeta o mercado dos veículos usados na Finlândia, mas é suscetível de, não obstante o facto de o montante do imposto restituído não ultrapassar o valor residual do imposto pago no momento do registo na Finlândia, desencadear um efeito no mercado dos veículos usados do Estado‑Membro de exportação, na medida em que reduz o valor do veículo usado importado da Finlândia.

45

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o direito primário da União, nomeadamente o artigo 110.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional segundo a qual um imposto sobre veículos, incorporado no valor de cada veículo, não é restituído ao proprietário de um veículo automóvel, em caso de exportação desse veículo, com vista à sua utilização permanente noutro Estado‑Membro, quando o referido veículo tenha entrado em circulação pela primeira vez há pelo menos dez anos no momento dessa exportação. A este respeito, é irrelevante que esse veículo se destine a ser essencialmente utilizado no território do Estado‑Membro que cobrou o imposto sobre veículos a título permanente e que esse veículo tenha, de facto, sido igualmente utilizado dessa maneira.

Quanto à segunda e terceira questões

46

Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder às segunda e terceira questões.

Quanto às despesas

47

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

 

O direito primário da União, nomeadamente o artigo 110.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional segundo a qual um imposto sobre veículos, incorporado no valor de cada veículo, não é restituído ao proprietário de um veículo automóvel, em caso de exportação desse veículo, com vista à sua utilização permanente noutro Estado‑Membro, quando o referido veículo tenha entrado em circulação pela primeira vez há pelo menos dez anos no momento dessa exportação. A este respeito, é irrelevante que esse veículo se destine a ser essencialmente utilizado no território do Estado‑Membro que cobrou o imposto sobre veículos a título permanente e que esse veículo tenha, de facto, sido igualmente utilizado dessa maneira.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: finlandês.