Processo C‑615/21

Napfény‑Toll Kft.

contra

Nemzeti Adó‑ és Vámhivatal Fellebbviteli Igazgatósága

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Szegedi Törvényszék)

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 13 de julho de 2023

«Reenvio prejudicial — Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) — Regulamentação nacional que prevê a possibilidade de suspender, sem limite de tempo, o prazo de prescrição da ação da Administração Fiscal em caso de processo judicial — Processo fiscal reiterado — Regulamento n.o 2988/95 — Âmbito de aplicação — Princípios da segurança jurídica e da efetividade do direito da União»

  1. Recursos próprios da União Europeia — Regulamento relativo à proteção dos interesses financeiros da União — Combate à fraude e outras atividades ilícitas — Normas de prescrição em matéria de direito de a administração fiscal apurar o IVA devido — Inexistência de disposições do direito da União aplicáveis — Aprovação e aplicação das normas de prescrição, de suspensão e interrupção da prescrição — Obrigação de os Estados‑Membros exercerem essa competência no respeito do direito da União

    (cf. n.os 34‑37)

  2. Harmonização das legislações fiscais — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado — Procedimento tributário — Ação da administração fiscal em caso de processo jurisdicional — Aplicabilidade das normas nacionais de prescrição — Pressuposto — Respeito dos princípios da segurança jurídica e da efetividade — Prazo suspenso durante todo o tempo das fiscalizações jurisdicionais — Admissibilidade — Número ilimitado de procedimentos reiterados — Duração acumulada ilimitada das suspensões do prazo — Irrelevância — Exceção — Violação do princípio da boa administração e do direito a um recurso efetivo

    (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 47.o; Diretiva 2006/112 do Conselho)

    (cf. n.os 39a 44, 46 a 49, 51, 53, 54, 56, 57, 60 e disp.)

Resumo

A Napfény‑Toll Kft., uma sociedade de direito húngaro, tinha deduzido do montante do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) de que era devedora o montante do IVA devido a título de diferentes aquisições de bens efetuadas em 2010 e 2011.

Na sequência de uma inspeção tributária iniciada em dezembro de 2011 pela autoridade administrativa tributária de primeiro grau, uma parte da dedução foi recusada, uma vez que algumas das faturas invocadas para o efeito não correspondiam a nenhuma operação económica real e outras faziam parte de uma fraude fiscal.

Consequentemente, por Decisão de 8 de outubro de 2015, a administração fiscal recorrida exigiu à recorrente o pagamento do imposto em atraso no montante total de 144785000 forints húngaros (HUF) (cerca de 464581 euros), aplicou‑lhe uma coima no montante de 108588000 HUF (cerca de 348433 euros) e uma penalização por mora de 46080000 HUF (cerca de 147860 euros).

Tendo a Napfény‑Toll recorrido hierarquicamente para a autoridade administrativa tributária de segundo grau, esta revogou a decisão administrativa inicial no que respeita à penalidade por mora e indeferiu o recurso quanto ao restante. A Napfény‑Toll interpôs recurso dessa primeira decisão administrativa de segundo grau no Fővárosi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Budapeste‑Capital, Hungria), que a anulou e ordenou a abertura de um novo procedimento.

A autoridade administrativa tributária de segundo grau adotou uma segunda decisão, confirmando, no essencial, a decisão administrativa inicial. Por Acórdão de 5 de julho de 2018, o Tribunal Administrativo e do Trabalho de Budapeste‑Capital, para o qual a sociedade interpôs recurso dessa segunda decisão, anulou‑a e ordenou a abertura de novo procedimento.

Tendo uma terceira decisão da autoridade administrativa tributária de segundo grau confirmado a decisão administrativa inicial, a Napfény‑Toll interpôs recurso desta para o Szegedi Törvényszék (Tribunal de Szeged, Hungria), o órgão jurisdicional de reenvio.

Este refere que, segundo a regulamentação e a prática administrativa nacionais, o prazo em que prescreve o direito de a administração fiscal apurar o IVA está suspenso durante todo o período de fiscalizações jurisdicionais de uma decisão dessa administração, independentemente do número de vezes que o mesmo procedimento fiscal administrativo tenha tido que ser reiterado na sequência dessas inspeções e sem limitação da duração cumulada das suspensões desse prazo.

Por conseguinte, em caso de fiscalização judicial, não há limite temporal para a suspensão do prazo de prescrição, pelo que o direito de a Autoridade Tributária liquidar os montantes de IVA a pagar poderá prolongar‑se por vários anos, ou até por dezenas de anos, como acontece no caso presente.

O órgão jurisdicional de reenvio questionou o Tribunal de Justiça a título prejudicial sobre a compatibilidade dessas regras e da prática daí resultante com os princípios da segurança jurídica e da efetividade do direito da União.

No seu acórdão, o Tribunal de Justiça declara, em substância, que estes princípios não se opõem a uma regulamentação nacional nem a uma prática administrativa que preveja que o prazo de prescrição do direito de a administração fiscal apurar o IVA está suspenso durante todo o período das fiscalizações jurisdicionais, independentemente do número de vezes em que o procedimento fiscal administrativo teve de ser reiterado na sequência dessas inspeções e sem limitação da duração cumulada das suspensões desse prazo.

Apreciação do Tribunal de Justiça

O Tribunal de Justiça refere, a título preliminar, que o direito da União não fixa um prazo de prescrição do direito de a administração fiscal determinar o IVA nem precisa, por maioria de razão, as hipóteses em que esse prazo deve ser suspenso. É certo que o Regulamento n.o 2988/95 ( 1 ) prevê determinados requisitos em matéria de cômputo e de suspensão dos prazos de prescrição dos procedimentos por irregularidades previstos neste regulamento. Todavia, os prejuízos causados às receitas provenientes do IVA não fazem parte do âmbito de aplicação do referido regulamento, uma vez que este imposto não foi cobrado diretamente por conta da União na aceção desse mesmo regulamento.

Por conseguinte, cabe aos Estados‑Membros estabelecer e aplicar regras de prescrição em matéria de direito de a administração fiscal determinar o IVA devido, incluindo as relativas às modalidades de suspensão e/ou de interrupção dessa prescrição. Tal competência deve, porém, ser exercida no respeito do direito da União, que exige a fixação de prazos razoáveis que protejam simultaneamente o sujeito passivo e a administração em causa.

A este respeito, o Tribunal de Justiça observa que, embora a sua jurisprudência já forneça determinadas indicações relativas ao prazo de prescrição do direito de a administração fiscal determinar o IVA devido, essa jurisprudência não responde à questão de saber se esse prazo de prescrição pode ser suspenso durante todo o período das fiscalizações jurisdicionais sem violar o direito da União, nomeadamente os seus princípios da segurança jurídica e da efetividade.

Para responder a esta questão, o Tribunal de Justiça recorda, antes de mais, que o princípio da segurança jurídica, que deve ser respeitado pelos Estados‑Membros no exercício das suas competências, visa garantir a previsibilidade das situações e exige que a situação de um sujeito passivo relativamente aos seus direitos e obrigações para com a Administração Fiscal não seja indefinidamente suscetível de ser posta em causa. Por conseguinte, o sujeito passivo deve poder invocar uma situação jurídica determinada.

Ora, uma vez que, antes do termo do prazo de prescrição previsto para esse efeito, a administração fiscal notificou o sujeito passivo em causa da sua intenção de reexaminar a sua situação fiscal e, portanto, implicitamente, de revogar a sua decisão de aceitar a sua declaração, esse sujeito passivo deixa de poder invocar a situação que surgiu com base nessa declaração.

De resto, as exigências decorrentes do princípio da segurança jurídica não são absolutas. Os Estados‑Membros devem, assim, ponderá‑las com as outras exigências inerentes à sua pertença à União, em especial as de assegurar a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou de atos adotados pelas instituições em aplicação destes últimos. As normas nacionais relativas à suspensão do prazo de prescrição do direito de a administração fiscal apurar o IVA devido devem obter um equilíbrio entre as exigências decorrentes do princípio da segurança jurídica e as que permitem a aplicação efetiva e eficaz da Diretiva 2006/112 ( 2 ).

A este respeito, embora a regulamentação e a prática descritas no caso presente sejam suscetíveis de provocar um prolongamento da duração do referido prazo, não é por isso que são suscetíveis, em princípio, de tornar a situação dos sujeitos passivos em causa suscetível de ser indefinidamente posta em causa. A suspensão que preveem permite, em contrapartida, evitar que a aplicação efetiva e eficaz da Diretiva 2006/112 possa ser posta em perigo pela interposição de recursos dilatórios e, por conseguinte, que esta seja comprometida devido a um risco sistémico de impunidade dos factos constitutivos de infrações a essa diretiva.

Seguidamente, o Tribunal de Justiça examina se essa regulamentação e essa prática violam o princípio da efetividade que enquadra a autonomia processual de que gozam os Estados‑Membros para definir as modalidades de exercício dos direitos que o ordenamento jurídico da União confere aos particulares, quando o direito da União não contenha regulamentação específica a este respeito.

As normas nacionais relativas aos prazos de prescrição dos direitos e obrigações previstos na Diretiva 2006/112, bem como às condições de suspensão desses prazos, constituem modalidades de aplicação das disposições dessa diretiva, sujeitas, a esse título, ao respeito dos princípios da efetividade e da equivalência. Essas modalidades processuais não devem ser articuladas de modo a tornarem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União

Contudo, as normas de suspensão em causa no caso presente não são suscetíveis de tornar impossível na prática ou, pelo menos, excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União. Com efeito, em nada impedem esse sujeito passivo de invocar os direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União, nomeadamente pela Diretiva 2006/112, antes visam, pelo contrário, permitir ao referido sujeito passivo fazer valer utilmente os direitos que lhe são conferidos pelo direito da União, preservando os da administração fiscal.

Ora, não obstante o facto de nem o princípio da segurança jurídica nem o princípio da efetividade se oporem à regulamentação ou à prática administrativa em causa, o sujeito passivo tem direito a que a sua situação seja tratada num prazo razoável, de acordo com o direito a uma boa administração e, em seguida, em caso de recurso jurisdicional, a que, de acordo com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a sua causa seja igualmente julgada num prazo razoável.

Por conseguinte, uma vez reaberto o procedimento de exame da situação de um sujeito passivo à luz das normas do sistema comum do IVA, a duração desse reexame e, sendo caso disso, a duração das fiscalizações jurisdicionais subsequentes não devem ser irrazoáveis à luz das circunstâncias próprias de cada processo.

Ora, pode ser esse o caso quando o procedimento administrativo teve de ser reiterado devido à violação manifesta, pela administração fiscal, de um fundamento decisivo de uma decisão jurisdicional relativa ao referido procedimento administrativo.

Contudo, a duração excessiva de um processo, seja ela administrativa ou jurisdicional, só é suscetível de justificar a anulação da decisão tomada no seu termo no caso de essa duração ter tido influência na capacidade de a pessoa em causa se defender.

Dado que cabe aos sujeitos passivos terem o cuidado de conservar todos os documentos comprovativos relevantes relativos à sua declaração até que as decisões de tributação se tornem definitivas e tendo em conta o papel predominante da declaração e das provas documentais no sistema comum do IVA para efeitos de verificar a exatidão das declarações dos sujeitos passivos, só em circunstâncias excecionais se pode demonstrar que a duração excessiva de um processo administrativo ou judicial é suscetível de ter tido influência na capacidade de a pessoa em causa se defender.


( 1 ) Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995 relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias (JO L 312, p. 1).

( 2 ) Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1).