ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

5 de março de 2024 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Acesso aos documentos das instituições da União Europeia — Regulamento (CE) n.o 1049/2001 — Artigo 4.o, n.o 2 — Exceções — Recusa de acesso a documentos cuja divulgação possa prejudicar a proteção de interesses comerciais das pessoas singulares ou coletivas, incluindo a propriedade intelectual — Interesse público superior que impõe a divulgação — Normas harmonizadas adotadas pelo Comité Europeu de Normalização (CEN) — Proteção decorrente dos direitos de autor — Princípio do Estado de direito — Princípio da transparência — Princípio da abertura — Princípio da boa governação»

No processo C‑588/21 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 23 de setembro de 2021,

Public.Resource.Org Inc., com sede em Sebastopol, Califórnia (Estados Unidos),

Right to Know CLG, com sede em Dublim (Irlanda),

representadas por J. Hackl, C. Nüßing, Rechtsanwälte, e F. Logue, solicitor,

recorrentes,

sendo as outras partes no processo:

Comissão Europeia, representada por S. Delaude, G. Gattinara e F. Thiran, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

Comité Europeu de Normalização (CEN), com sede em Bruxelas (Bélgica),

Asociación Española de Normalización (UNE), com sede em Madrid (Espanha),

Asociaţia de Standardizare din România (ASRO), com sede em Bucareste (Roménia),

Association française de normalisation (AFNOR), com sede em La Plaine Saint‑Denis (França),

Austrian Standards International (ASI), com sede em Viena (Áustria),

British Standards Institution (BSI), com sede em Londres (Reino Unido),

Bureau de normalisation/Bureau voor Normalisatie (NBN), com sede em Bruxelas,

Dansk Standard (DS), com sede em Copenhaga (Dinamarca),

Deutsches Institut für Normung eV (DIN), com sede em Berlim (Alemanha),

Koninklijk Nederlands Normalisatie Instituut (NEN), com sede em Delft (Países Baixos),

Schweizerische Normen‑Vereinigung (SNV), com sede em Winterthour (Suíça),

Standard Norge (SN), com sede em Oslo (Noruega),

Suomen Standardisoimisliitto ry (SFS), com sede em Helsínquia (Finlândia),

Svenska institutet för standarder (SIS), com sede em Estocolmo (Suécia),

Institut za standardizaciju Srbije (ISS), com sede em Belgrado (Sérvia),

representados por K. Dingemann, M. Kottmann e K. Reiter, Rechtsanwälte,

intervenientes em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, E. Regan e N. Piçarra, presidentes de secção, M. Ilešič (relator), P. G. Xuereb, L. S. Rossi, I. Jarukaitis, A. Kumin, N. Jääskinen, N. Wahl, I. Ziemele e J. Passer, juízes,

advogado‑geral: L. Medina,

secretário: M. Siekierzyńska, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 15 de março de 2023,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 22 de junho de 2023,

profere o presente

Acórdão

1

Por meio do presente recurso, a Public.Resource.Org Inc. e a Right to Know CLG pedem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 14 de julho de 2021, Public.Resource.Org e Right to Know/Comissão (T‑185/19, a seguir acórdão recorrido, EU:T:2021:445), que negou provimento ao recurso de anulação por elas interposto da Decisão C(2019) 639 final da Comissão, de 22 de janeiro de 2019 (a seguir «decisão controvertida»), pela qual a Comissão Europeia indeferiu o pedido das recorrentes de acesso a quatro normas harmonizadas adotadas pelo Comité Europeu de Normalização (CEN).

Quadro jurídico

Regulamento (CE) n.o 1049/2001

2

O artigo 1.o, alíneas a) e b), do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43), sob a epígrafe «Objetivo», tem a seguinte redação:

«O presente regulamento tem por objetivo:

a)

Definir os princípios, as condições e os limites que, por razões de interesse público ou privado, regem o direito de acesso aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho [da União Europeia] e da Comissão (adiante designados “instituições”), previsto no artigo [15.o TFUE], de modo a que o acesso aos documentos seja o mais amplo possível;

b)

Estabelecer normas que garantam que o exercício deste direito seja o mais fácil possível; […]

[…]»

3

O artigo 2.o deste regulamento, sob a epígrafe «Beneficiários e âmbito de aplicação», enuncia, nos n.os 1 a 3:

«1.   Todos os cidadãos da União [Europeia] e todas as pessoas singulares ou coletivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro têm direito de acesso aos documentos das instituições, sob reserva dos princípios, condições e limites estabelecidos no presente regulamento.

2.   As instituições podem conceder acesso aos documentos, sob reserva dos mesmos princípios, condições e limites, a qualquer pessoa singular ou coletiva que não resida ou não tenha a sua sede social num Estado‑Membro.

3.   O presente regulamento é aplicável a todos os documentos na posse de uma instituição, ou seja, aos documentos por ela elaborados ou recebidos que se encontrem na sua posse, em todos os domínios de atividade da União Europeia.»

4

O artigo 4.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Exceções», dispõe, nos n.os 1, 2 e 4:

«1.   As instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção:

a) Do interesse público, no que respeita:

à segurança pública,

à defesa e às questões militares,

às relações internacionais,

à política financeira, monetária ou económica da Comunidade ou de um Estado‑Membro;

b)

Da vida privada e da integridade do indivíduo, nomeadamente nos termos da legislação comunitária relativa à proteção dos dados pessoais.

2.   As instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção de:

interesses comerciais das pessoas singulares ou coletivas, incluindo a propriedade intelectual,

processos judiciais e consultas jurídicas,

objetivos de atividades de inspeção, inquérito e auditoria,

exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

[…]

4.   No que diz respeito a documentos de terceiros, a instituição consultará os terceiros em causa tendo em vista avaliar se qualquer das exceções previstas nos n.os 1 ou 2 é aplicável, a menos que seja claro se o documento deve ou não ser divulgado.»

5

O artigo 7.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Processamento dos pedidos iniciais», dispõe, no n.o 2:

«No caso de recusa total ou parcial, o requerente pode dirigir à instituição, no prazo de 15 dias úteis a contar da receção da resposta da instituição, um pedido confirmativo no sentido de esta rever a sua posição.»

6

O artigo 12.o do Regulamento n.o 1049/2001, sob a epígrafe «Acesso direto sob forma eletrónica ou através de um registo», enuncia, no n.o 2:

«Em especial, os documentos legislativos, ou seja os documentos elaborados ou recebidos no âmbito de procedimentos tendo em vista a aprovação de atos juridicamente vinculativos nos, ou para os, Estados‑Membros, deveriam ser tornados diretamente acessíveis, sem prejuízo do disposto nos artigos 4.o e 9.o»

Regulamento (CE) n.o 1367/2006

7

O artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o 1367/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de setembro de 2006, relativo à aplicação das disposições da Convenção de Aarhus sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente às instituições e órgãos da União (JO 2006, L 264, p. 13), sob a epígrafe «Definições», prevê, no n.o 1, alínea d), i):

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

d)

“Informação sobre ambiente”, qualquer informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou qualquer outra forma material relativa:

i)

ao estado dos elementos do ambiente, como o ar e a atmosfera, a água, o solo, a terra, a paisagem e as áreas de interesse natural, incluindo as zonas húmidas, as zonas litorais e marinhas, a diversidade biológica e os seus componentes, incluindo os organismos geneticamente modificados, e a interação entre estes elementos.»

8

O artigo 6.o deste regulamento, sob a epígrafe «Aplicação das exceções relativas a pedidos de acesso a informação sobre ambiente», enuncia, no n.o 1, primeiro período:

«No que se refere aos primeiro e terceiro travessões do n.o 2 do artigo 4.o do Regulamento [n.o 1049/2001], com exceção dos inquéritos, em especial os relacionados com possíveis incumprimentos do direito da União considera‑se que existe um interesse público superior na divulgação quando a informação solicitada estiver relacionada com emissões para o ambiente.»

Regulamento (CE) n.o 1907/2006

9

O ponto 27 do quadro constante do anexo XVII do Regulamento (CE) n.o 1907/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos (REACH), que cria a Agência Europeia dos Produtos Químicos, que altera a Diretiva 1999/45/CE e revoga o Regulamento (CEE) n.o 793/93 do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 1488/94 da Comissão, bem como a Diretiva 76/769/CEE do Conselho e as Diretivas 91/155/CEE, 93/67/CEE, 93/105/CE e 2000/21/CE da Comissão (JO 2006, L 396, p. 1, e retificação no JO 2007, L 136, p. 3), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 552/2009 da Comissão, de 22 de junho de 2009 (a seguir «Regulamento n.o 1907/2006»), dispõe, tratando‑se das condições de restrição do níquel:

«1.

Não pode ser utilizado:

a)

Em qualquer conjunto de hastes inseridas em orelhas furadas e noutras partes perfuradas do corpo humano, a menos que a taxa de libertação de níquel desses conjuntos seja inferior a 0,2 [micrograma (μg) por centímetro quadrado e por] semana (limite de migração);

b)

Em artigos destinados a entrar em contacto direto e prolongado com a pele, do tipo dos que se seguem:

brincos,

colares, pulseiras e fios, argolas de tornozelo e anéis,

caixas de relógios de pulso, braceletes e fivelas de relógio,

botões de mola, fivelas, rebites, fechos de correr e peças metálicas, quando utilizados no vestuário,

se a taxa de libertação de níquel das partes destes artigos em contacto direto e prolongado com a pele for superior a 0,5 μg [por centímetro quadrado e por] semana;

c)

Nos artigos referidos na alínea b) do ponto 1 com um revestimento que não seja de níquel, a menos que esse revestimento seja suficiente para garantir que a taxa de libertação de níquel das partes desses artigos em contacto direto e prolongado com a pele não exceda 0,5 μg [por centímetro quadrado e por] semana durante um período mínimo de dois anos de utilização normal do artigo.

2.

Os artigos abrangidos pelo ponto 1 não podem ser colocados no mercado se não preencherem os requisitos previstos nesse ponto.

3.

Devem usar‑se as normas adotadas pelo [CEN] como métodos de ensaio para demonstrar a conformidade dos artigos com o disposto nos pontos 1 e 2.»

Regulamento (UE) n.o 1025/2012

10

Nos termos do considerando 5 do Regulamento (UE) n.o 1025/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativo à normalização europeia, que altera as Diretivas 89/686/CEE e 93/15/CEE do Conselho e as Diretivas 94/9/CE, 94/25/CE, 95/16/CE, 97/23/CE, 98/34/CE, 2004/22/CE, 2007/23/CE, 2009/23/CE e 2009/105/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Decisão 87/95/CEE do Conselho e a Decisão n.o 1673/2006/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2012, L 316, p. 12):

«As normas europeias desempenham um papel muito importante no mercado interno, nomeadamente graças à utilização de normas harmonizadas na presunção da conformidade dos produtos que serão disponibilizados no mercado com os requisitos essenciais relativos a esses produtos estabelecidos na legislação da União aplicável em matéria de harmonização. Esses requisitos deverão ser definidos com exatidão, a fim de evitar erros de interpretação por parte das organizações europeias de normalização.»

11

O artigo 2.o deste regulamento, sob a epígrafe «Definições», enuncia, no ponto 1, alínea c):

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

1)

“Norma”, uma especificação técnica, aprovada por um organismo de normalização reconhecido, para aplicação repetida ou continuada, cuja observância não é obrigatória, que assume uma das seguintes formas:

[…]

c)

“Norma harmonizada”, uma norma europeia aprovada com base num pedido apresentado pela Comissão tendo em vista a aplicação de legislação da União em matéria de harmonização.»

12

O artigo 10.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Pedidos de normalização às organizações europeias de normalização», prevê, no n.o 1:

«Dentro dos limites das competências que lhe são atribuídas pelos Tratados, a Comissão pode solicitar a uma ou mais organizações europeias de normalização que elaborem um projeto de norma europeia ou um produto de normalização europeu dentro de um prazo estabelecido. As normas europeias e os produtos de normalização europeus devem ter em conta o mercado, o interesse do público e os objetivos políticos enunciados claramente no pedido da Comissão, e devem assentar numa base consensual. A Comissão determina os requisitos relativos ao conteúdo do documento solicitado e o prazo para a sua aprovação.»

13

O artigo 11.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Objeções formais a normas harmonizadas», dispõe, no n.o 1:

«Caso um Estado‑Membro ou o Parlamento Europeu considerem que uma norma harmonizada não preenche inteiramente os requisitos que visa abranger, previstos na legislação da União aplicável em matéria de harmonização, informam desse facto a Comissão, fornecendo uma explicação detalhada, e a Comissão, após consulta ao comité criado pela legislação correspondente da União em matéria de harmonização, caso esse comité exista, ou após outras formas de consulta de especialistas do setor, decide:

a)

Publicar, não publicar ou publicar com restrições as referências à norma harmonizada em causa no Jornal Oficial da União Europeia;

b)

Manter, manter com restrições ou retirar as referências à norma harmonizada em causa do Jornal Oficial da União Europeia

14

A eventual concessão de financiamento pela União às organizações europeias de normalização para as atividades de normalização é regida pelo artigo 15.o do Regulamento n.o 1025/2012.

Diretiva 2009/48/CE

15

O artigo 13.o da Diretiva 2009/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de junho de 2009, relativa à segurança dos brinquedos (JO 2009, L 170, p. 1), sob a epígrafe «Presunção de conformidade», tem a seguinte redação:

«Presume‑se que os brinquedos que estão em conformidade com as normas harmonizadas ou partes destas, cujas referências tenham sido publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, estão conformes aos requisitos abrangidos pelas referidas normas ou partes destas, estabelecidos no artigo 10.o e no anexo II.»

Antecedentes do litígio

16

Os antecedentes do litígio tal como resultam dos n.os 1 a 4 do acórdão recorrido são os seguintes.

17

As recorrentes são organizações sem fins lucrativos cuja missão prioritária consiste em tornar o Direito livremente acessível a todos os cidadãos. Em 25 de setembro de 2018, apresentaram à Direção‑Geral do Mercado Interno, Indústria, Empreendedorismo e PME da Comissão, com base no Regulamento n.o 1049/2001 e do Regulamento n.o 1367/2006, um pedido de acesso a documentos na posse da Comissão (a seguir «pedido de acesso»).

18

O pedido de acesso dizia respeito a quatro normas harmonizadas adotadas pelo CEN, em conformidade com o Regulamento n.o 1025/2012, a saber, a norma EN 71‑5: 2015, intitulada «Segurança de brinquedos — Parte 5: Jogos químicos excluindo os estojos de experiências químicas»; a norma EN 71‑4:2013, intitulada «Segurança de brinquedos — Parte 4: Estojos de experiências químicas e atividades conexas»; a norma EN 71‑12:2013, intitulada «Segurança de brinquedos — Parte 12: N‑nitrosaminas e substâncias N‑nitrosables»; e a norma EN 12472:2005 + A 1:2009, intitulada «Método de simulação do desgaste e da corrosão para a determinação do níquel libertado pelos objetos revestidos» (a seguir «normas harmonizadas pedidas»).

19

Por carta de 15 de novembro de 2018, a Comissão indeferiu o pedido de acesso, com fundamento no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001.

20

Em 30 de novembro de 2018, as recorrentes apresentaram à Comissão, nos termos do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001, um pedido confirmativo. Por meio da decisão controvertida, a Comissão confirmou a recusa de acesso às normas harmonizadas pedidas.

Recurso para o Tribunal Geral e acórdão recorrido

21

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de março de 2019, as recorrentes interpuseram recurso de anulação da decisão controvertida.

22

Por Despacho de 20 de novembro de 2019, Public.Resource.Org e Right to Know/Comissão (T‑185/19, EU:T:2019:828), o CEN e catorze organismos nacionais de normalização, a saber, a Asociación Española de Normalización (UNE), a Asociaţia de Standardizare din România (ASRO), a Association française de normalisation (AFNOR), a Austrian Standards International (ASI), a British Standards Institution (BSI), o Bureau de normalisation/Bureau voor Normalisatie (NBN), o Dansk Standard (DS), o Deutsches Institut für Normung eV (DIN), o Koninklijk Nederlands Normalisatie Instituut (NEN), a Schweizerische Normen‑Vereinigung (SNV), o Standard Norge (SN), a Suomen Standardisoimisliitto ry (SFS), o Svenska institutet för standarder (SIS) e o Institut za standardizaciju Srbije (ISS) (a seguir, em conjunto, «intervenientes em primeira instância»), foram admitidos a intervir no processo T‑185/19, em apoio dos pedidos da Comissão.

23

Em apoio do recurso por elas interposto, as recorrentes invocaram dois fundamentos. Por meio do primeiro fundamento, sustentaram, em substância, que a Comissão tinha cometido erros de direito e de apreciação na aplicação da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, uma vez que, por um lado, nenhuma proteção por direitos de autor era aplicável às normas harmonizadas pedidas e, por outro, não tinha sido demonstrada a lesão dos interesses comerciais do CEN e dos seus membros nacionais.

24

Por meio do segundo fundamento, as recorrentes acusaram a Comissão de ter cometido erros de direito quanto à inexistência de um interesse público superior, na aceção deste artigo 4.o, n.o 2, último segmento de frase, e de ter violado o dever de fundamentação, uma vez que tinha considerado que nenhum interesse público superior, na aceção desta disposição, impunha a divulgação das normas harmonizadas pedidas e não tinha fundamentado de forma bastante a sua recusa em reconhecer a existência desse interesse público superior.

25

Em resposta ao primeiro fundamento, o Tribunal Geral, após ter recordado, no n.o 29 do acórdão recorrido, que o Regulamento n.o 1049/2001 visa conferir ao público o direito de acesso aos documentos das instituições da União o mais amplo possível e que, em conformidade com o artigo 2.o, n.o 3, deste regulamento, este direito abrange tanto os documentos elaborados por essas instituições como os recebidos de terceiros, entre os quais figura qualquer pessoa coletiva, declarou, nos n.os 30 e 31 desse acórdão, que o referido direito está sujeito a certos limites baseados em razões de interesse público ou privado.

26

Em primeiro lugar, no que respeita à eventual lesão da proteção de interesses comerciais por direitos de autor das normas harmonizadas pedidas e à aptidão dessas normas harmonizadas para serem objeto de proteção por direitos de autor, apesar de fazerem parte do direito da União, o Tribunal Geral, nos n.os 40 a 43 do acórdão recorrido, considerou, em substância, que cabia à autoridade a quem seja submetido um pedido de acesso a documentos provenientes de terceiros identificar indícios objetivos e concordantes suscetíveis de confirmar a existência dos direitos de autor alegados pelo terceiro em causa.

27

A este respeito, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 47 e 48 do acórdão recorrido, que a Comissão pôde, sem cometer um erro, concluir que o limiar de originalidade exigido para constituir uma «obra», na aceção da jurisprudência, e ser assim elegível para essa proteção, era, no caso em apreço, alcançado pelas normas harmonizadas em questão.

28

Além disso, o Tribunal Geral declarou, no n.o 54 do acórdão recorrido, que as recorrentes sustentaram sem razão que, dado que o Tribunal de Justiça estabeleceu, no Acórdão de 27 de outubro de 2016, James Elliott Construction (C‑613/14, EU:C:2016:821), que essas normas faziam parte do «direito da União», o acesso às referidas normas devia ser livre e gratuito, pelo que não lhes é aplicável uma exceção ao direito de acesso.

29

Em segundo lugar, quanto ao argumento relativo à falta de proteção por direitos de autor das normas harmonizadas pedidas, inexistindo «criação intelectual pessoal», na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, necessária para poder beneficiar dessa proteção, o Tribunal Geral considerou, em substância, no n.o 59 do acórdão recorrido, que o mesmo não estava suficientemente fundamentado.

30

Em terceiro lugar, quanto à existência de um erro de apreciação da questão de saber se tinham sido lesados interesses comerciais protegidos, o Tribunal Geral sublinhou, nos n.os 65 e 66 do acórdão recorrido, que a venda de normas é uma componente essencial do modelo económico adotado por todos os organismos de normalização. Tendo em conta que a Comissão podia concluir que as normas harmonizadas pedidas eram objeto de proteção por direitos de autor, ao abrigo da qual eram acessíveis aos interessados após o pagamento de algumas taxas, a sua divulgação gratuita com base no Regulamento n.o 1049/2001 era de molde a afetar concreta e efetivamente os interesses comerciais do CEN e dos seus membros nacionais. O Tribunal Geral acrescentou, no n.o 71 desse acórdão, que o facto de as organizações europeias de normalização contribuírem para a realização de tarefas de interesse público, fornecendo serviços de certificação relativos à conformidade com a legislação aplicável, em nada mudava o seu estatuto de entidades privadas que exercem uma atividade económica.

31

Por conseguinte, o Tribunal Geral, no n.o 74 do acórdão recorrido, julgou improcedente o primeiro fundamento na íntegra.

32

O segundo fundamento das recorrentes divide‑se em três partes.

33

Quanto à terceira parte deste fundamento, relativa à fundamentação insuficiente da recusa de a Comissão reconhecer a existência de um interesse público superior, o Tribunal Geral salientou, antes de mais, no n.o 86 do acórdão recorrido, que, na decisão controvertida, a Comissão tinha referido que o Acórdão de 27 de outubro de 2016, James Elliott Construction (C‑613/14, EU:C:2016:821), não criava uma obrigação de publicação proativa das normas harmonizadas no Jornal Oficial da União Europeia e também não estabelecia automaticamente um interesse público superior que justificasse a sua divulgação. Em seguida, nos n.os 87 e 88 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral também salientou que a Comissão tinha refutado as alegações das recorrentes relativas às obrigações de transparência em matéria de ambiente, que se presumia apresentarem um interesse público superior em relação ao interesse relativo à proteção dos interesses comerciais de uma pessoa singular ou coletiva, e que tinha acrescentado não ter conseguido identificar nenhum interesse público superior que justificasse essa divulgação. Por último, no n.o 91 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral acrescentou que, embora a Comissão fosse obrigada a expor os fundamentos que justificavam a aplicação, no caso em apreço, de uma das exceções ao direito de acesso previstas no Regulamento n.o 1049/2001, não era, todavia, obrigada a fornecer informações que excedessem o que era necessário para a compreensão, pelo requerente do acesso, das razões que estiveram na origem da sua decisão e para a fiscalização da legalidade dessa decisão pelo Tribunal Geral.

34

Quanto à existência de um interesse público superior que exige um livre acesso à lei, o Tribunal Geral constatou, primeiro, nos n.os 99 a 101 do acórdão recorrido, que, no caso em apreço, as recorrentes tentavam subtrair inteiramente a categoria das normas harmonizadas à aplicabilidade do sistema de exceções materiais instituído pelo Regulamento n.o 1049/2001, sem, todavia, fundamentar os motivos concretos que justificariam a divulgação das normas harmonizadas pedidas nem explicar em que medida a divulgação dessas normas deveria ter prevalecido sobre a proteção dos interesses comerciais do CEN ou dos seus membros nacionais.

35

Segundo, o interesse público em assegurar a funcionalidade do sistema europeu de normalização, cujo objetivo é favorecer a livre circulação de mercadorias, garantindo simultaneamente um nível mínimo de segurança equivalente em todos os países europeus, prevalece sobre a garantia do acesso livre e gratuito às normas harmonizadas.

36

Terceiro, o Regulamento n.o 1025/2012 prevê expressamente um regime de publicação limitado às referências das normas harmonizadas e permite o acesso pago a essas normas para as pessoas que pretendem beneficiar da presunção de conformidade que lhes está associada.

37

Quarto, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 104 e 105 do acórdão recorrido, que, na decisão controvertida, a Comissão não cometeu um erro ao considerar que nenhum interesse público superior justificava a divulgação das normas harmonizadas pedidas ao abrigo do artigo 4.o, n.o 2, último segmento de frase, do Regulamento n.o 1049/2001. O Tribunal Geral acrescentou, no n.o 107 desse acórdão, que, além do facto de as recorrentes não indicarem a fonte exata de um «princípio de ordem constitucional» que exige um acesso livre e gratuito às normas harmonizadas, não justificaram de maneira nenhuma o motivo pelo qual estas devem estar sujeitas ao imperativo de publicidade e acessibilidade ligado a uma «lei», uma vez que essas normas não são de aplicação obrigatória, produzem os efeitos jurídicos que lhes são inerentes apenas em relação às pessoas interessadas e podem ser gratuitamente consultadas em certas bibliotecas dos Estados‑Membros.

38

Tratando‑se da existência de um interesse público superior decorrente da obrigação de transparência em matéria de ambiente, o Tribunal Geral constatou, no n.o 119 do acórdão recorrido, que tanto a convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente, assinada em Aarhus, em 25 de junho de 1998 e aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 (JO 2005, L 124, p. 1), como o Regulamento n.o 1367/2006 preveem o acesso do público à informação ambiental quer por pedido quer no quadro de uma divulgação ativa pelas autoridades e as instituições em causa. Contudo, podendo essas autoridades e instituições indeferir um pedido de acesso à informação quando esta estiver incluída no âmbito de aplicação de certas exceções, as referidas autoridades e instituições não são obrigadas a divulgar ativamente essa informação.

39

O Tribunal Geral concluiu, no n.o 129 desse acórdão, que as normas harmonizadas pedidas não se circunscrevem à esfera da informação relacionada com emissões para o ambiente, pelo que não podem beneficiar da aplicação da presunção prevista no artigo 6.o, n.o 1, primeiro período, deste regulamento, segundo a qual a divulgação de normas desta natureza deve apresentar um interesse público superior, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001.

40

Por conseguinte, o Tribunal Geral, no n.o 130 do acórdão recorrido, julgou o segundo fundamento improcedente na sua totalidade, bem como o recurso.

Pedidos das partes no presente recurso

41

No recurso ora interposto, as recorrentes concluem pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido e facultar o acesso às normas harmonizadas pedidas;

a título subsidiário, remeter o processo para o Tribunal Geral, e

condenar a Comissão nas despesas.

42

A Comissão e os intervenientes em primeira instância concluem pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento ao recurso e

condenar as recorrentes nas despesas.

Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

43

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 17 de agosto de 2023, os intervenientes em primeira instância pediram a reabertura da fase oral do processo, nos termos do artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

44

Em apoio desse pedido, alegam que as conclusões da advogada‑geral, apresentadas em 22 de junho de 2023, assentam em numerosas hipóteses não sustentadas por factos, ou mesmo erradas, que exigem, pelo menos, um debate mais aprofundado. Além disso, consideram que um debate aprofundado é tanto mais necessário quanto a advogada‑geral se baseou em hipóteses inexatas e que a abordagem que adotou nas suas conclusões, nomeadamente a de que o sistema de «normalização da União não exige[…] o acesso pago às normas técnicas harmonizadas», cria um risco para o funcionamento desse sistema.

45

Segundo o artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a abertura ou a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

46

Não é o que sucede no caso vertente. Com efeito, os intervenientes em primeira instância e a Comissão expuseram, na audiência, a sua apreciação do quadro factual do litígio. Tiveram, nomeadamente, oportunidade de exprimir o seu ponto de vista sobre a apresentação dos factos tal como figura no acórdão recorrido e no presente recurso, bem como de especificar os motivos pelos quais, em seu entender, o sistema europeu de normalização necessita de um acesso pago às normas harmonizadas pedidas. Assim, o Tribunal de Justiça, ouvida a advogada‑geral, considera que dispõe de todos os elementos necessários para se pronunciar.

47

Além disso, no que respeita à alegação de que as conclusões da advogada‑geral contêm orientações que representam um risco para o funcionamento do sistema europeu de normalização, recorde‑se que o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Regulamento de Processo não preveem a possibilidade de as partes apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral (Acórdão de 25 de outubro de 2017, Polbud — Wykonawstwo, C‑106/16, EU:C:2017:804, n.o 23 e jurisprudência referida).

48

Com efeito, por força do artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, ao advogado‑geral cabe apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requeiram a sua intervenção. A este respeito, o Tribunal de Justiça não está vinculado pelas conclusões do advogado‑geral nem pela fundamentação no termo da qual este chega a essas conclusões. Por conseguinte, o desacordo de uma parte com as conclusões do advogado‑geral, sejam quais forem as questões nelas examinadas, não constitui, em si mesmo, um fundamento justificativo da reabertura da fase oral do processo (Acórdão de 4 de setembro de 2014, Vnuk,C‑162/13, EU:C:2014:2146, n.o 31 e jurisprudência referida).

49

Atendendo às considerações anteriores, o Tribunal de Justiça considera que não há que reabrir a fase oral do processo.

Quanto ao presente recurso

50

Em apoio do presente recurso, as recorrentes invocam dois fundamentos. O primeiro fundamento é relativo a um erro de direito que o Tribunal Geral cometeu por ter declarado que as normas harmonizadas pedidas estão abrangidas pela exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, que visa proteger os interesses comerciais das pessoas singulares ou coletivas, incluindo a propriedade intelectual. O segundo fundamento é relativo a um erro de direito quanto à existência de um interesse público superior, na aceção deste artigo 4.o, n.o 2, último segmento de frase, que impõe a divulgação dessas normas.

51

Importa começar por examinar o segundo fundamento.

Argumentos das partes

52

Por meio do segundo fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que não existia um interesse público superior, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, último segmento de frase, do Regulamento n.o 1049/2001, que impusesse a divulgação das normas harmonizadas pedidas.

53

Em primeiro lugar, as recorrentes acusam, em substância, o Tribunal Geral de ter considerado, nos n.os 98 a 101 do acórdão recorrido, que não tinham demonstrado as razões específicas justificativas do pedido de acesso delas, ao abrigo da existência de um interesse público superior na divulgação das normas harmonizadas pedidas.

54

A este respeito, alegam, antes de mais, que as normas harmonizadas pedidas fazem parte do direito da União, que deve ser livremente acessível. Em seguida, sustentam que essas normas incidem sobre questões fundamentais para os consumidores, a saber, a segurança dos brinquedos. Por último, alegam que essas normas são também muito importantes para os fabricantes e para todos os demais participantes na cadeia de abastecimento, uma vez que existe uma presunção de conformidade com a regulamentação da União, aplicável aos produtos em causa, quando estiverem preenchidos os requisitos previstos nas referidas normas.

55

Em segundo lugar, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter cometido, nos n.os 102 e 103 do acórdão recorrido, um erro de direito ao considerar que o interesse público em assegurar a funcionalidade do sistema europeu de normalização prevalece sobre a garantia do acesso livre e gratuito às normas harmonizadas.

56

Além disso, segundo as recorrentes, a funcionalidade do sistema europeu de normalização não está abrangida pela exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, que apenas diz respeito à proteção dos interesses comerciais das pessoas singulares ou coletivas, incluindo a propriedade intelectual. Ao considerar que o interesse público em assegurar a funcionalidade do sistema europeu de normalização está abrangido por esta disposição, o Tribunal Geral criou erradamente uma exceção, não prevista neste regulamento.

57

Em terceiro lugar, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito, nos n.os 104 e 105 do acórdão recorrido, ao validar a apreciação da Comissão segundo a qual o Acórdão de 27 de outubro de 2016, James Elliott Construction (C‑613/14, EU:C:2016:821), não cria uma obrigação de publicação proativa das normas harmonizadas no Jornal Oficial da União Europeia e também não estabelece automaticamente um interesse público superior que justifique a sua divulgação.

58

A este respeito, as normas harmonizadas pedidas devem ser consideradas documentos legislativos, uma vez que o respetivo processo de adoção constitui um caso de delegação normativa «controlada». Em especial, as referências a essas normas são publicadas no Jornal Oficial da União Europeia e a Comissão impõe aos Estados‑Membros a adoção de cada norma harmonizada como norma nacional, sem alterações, no prazo de seis meses. Além disso, a publicação no Jornal Oficial da União Europeia tem por efeito conferir aos produtos abrangidos pela legislação da União e que cumprem os requisitos técnicos definidos nas normas harmonizadas o benefício da presunção de conformidade com a regulamentação da União.

59

Em quarto lugar, as recorrentes invocam um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral, no n.o 107 do acórdão recorrido, quando referiu que as normas harmonizadas produzem os efeitos jurídicos que lhes estão associados unicamente em relação às pessoas interessadas. Com efeito, esta conclusão é contrária à jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual as normas harmonizadas fazem parte do direito da União.

60

A Comissão, apoiada pelos intervenientes em primeira instância, retorque, a título preliminar, que a argumentação das recorrentes é de tal modo geral, que se pode aplicar a qualquer pedido de divulgação relativo a uma norma harmonizada.

61

Quanto aos motivos especificamente invocados pelas recorrentes, a Comissão salienta, primeiro, que, embora considere que as normas harmonizadas pedidas fazem efetivamente parte do direito da União, isso não significa que elas devam ser livremente acessíveis. Segundo, quanto ao facto de essas normas serem relativas a questões fundamentais para os consumidores, a mesma salienta que esta argumentação é demasiado genérica para prevalecer sobre as razões que justificam a recusa de divulgação dos documentos em causa. Terceiro, o interesse que têm as normas harmonizadas para os fabricantes e demais participantes na cadeia de abastecimento para efeitos do seu acesso ao mercado interno não pode ser qualificado de interesse público superior que imponha a divulgação dessas normas.

62

Além disso, a Comissão alega que o acesso livre e gratuito às normas harmonizadas teria efeitos sistémicos nos intervenientes em primeira instância e nos respetivos direitos de propriedade intelectual e receitas comerciais. A este respeito, o sistema europeu de normalização não pode funcionar sem um acesso pago a essas normas, pelo que a exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001 é aplicável. Em todo o caso, não existe um interesse público superior que imponha a divulgação das referidas normas.

63

Por último, a Comissão esclarece que as normas harmonizadas não são elaboradas no decurso de processos legislativos, mas com base num mandato conferido pela Comissão a um organismo de normalização, na sequência da adoção de um ato legislativo. Além disso, uma vez adotadas por um organismo de normalização, as normas harmonizadas devem ser transpostas para as ordens jurídicas nacionais pelos membros nacionais desse organismo, e em conformidade com as regras processuais internas deste último. Em todo o caso, o acesso direto previsto no artigo 12.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001 também está sujeito à exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, deste regulamento.

64

Por conseguinte, a Comissão considera que há que julgar improcedente o segundo fundamento.

Apreciação do Tribunal de Justiça

65

Por meio do segundo fundamento, as recorrentes sustentam, em substância, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que não existia um interesse público superior, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, último segmento de frase, do Regulamento n.o 1049/2001, que impusesse a divulgação das normas harmonizadas pedidas. Em seu entender, existe, por força do princípio do Estado de direito, que impõe o livre acesso ao direito da União, um interesse público superior que justifica o acesso a essas normas por todas as pessoas singulares ou coletivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro, pelo facto de as referidas normas fazerem parte do direito da União.

66

A título preliminar, há que recordar que o direito de acesso aos documentos das instituições, órgãos e organismos da União, seja qual for o seu suporte, é garantido a todos os cidadãos da União e a todas as pessoas singulares ou coletivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro pelo artigo 15.o, n.o 3, TFUE e pelo artigo 42.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). O exercício deste direito é, no que respeita ao acesso aos documentos do Parlamento, do Conselho e da Comissão, regido pelo Regulamento n.o 1049/2001, que, nos termos do seu artigo 1.o, tem por objetivo, designadamente, «definir os princípios, as condições e os limites» do referido direito, «de modo a que o acesso aos documentos seja o mais amplo possível», e «estabelecer normas que garantam que o exercício [do mesmo] direito seja o mais fácil possível».

67

O artigo 2.o, n.o 1, deste regulamento prevê especificamente o direito de acesso aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão. Nos termos do artigo 2.o, n.o 2, do referido regulamento, essas instituições podem conceder acesso aos documentos, sob reserva desses princípios, condições e limites, a qualquer pessoa singular ou coletiva que não resida ou não tenha a sua sede social num Estado‑Membro.

68

Segundo o artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão e último segmento de frase, do mesmo regulamento, as referidas instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação possa prejudicar a proteção de interesses comerciais das pessoas singulares ou coletivas, incluindo a propriedade intelectual, exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação desse documento.

69

Resulta assim dos termos desta disposição que a exceção nela prevista não é aplicável quando um interesse público superior imponha a divulgação do documento em causa.

70

A este respeito, importa, em primeiro lugar, recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que uma norma harmonizada, adotada com base numa diretiva e cujas referências foram objeto de publicação no Jornal Oficial da União Europeia, faz parte do direito da União, devido aos seus efeitos jurídicos (v., neste sentido, Acórdão de 27 de outubro de 2016, James Elliott Construction,C‑613/14, EU:C:2016:821, n.o 40).

71

Em particular, primeiro, o Tribunal de Justiça já declarou que as normas harmonizadas podem ser oponíveis a particulares em geral, desde que elas próprias tenham sido publicadas no Jornal Oficial da União Europeia (v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Stichting Rookpreventie Jeugd e o., C‑160/20, EU:C:2022:101, n.o 48).

72

Segundo, no que respeita ao procedimento de elaboração de normas harmonizadas, há que salientar que este foi fixado pelo legislador da União no Regulamento n.o 1025/2012 e que, em conformidade com as disposições que figuram no capítulo III deste regulamento, a Comissão desempenha um papel central no sistema europeu de normalização.

73

Assim, há que observar, à semelhança da advogada‑geral nos n.os 23 a 31 das suas conclusões, que, mesmo que a elaboração dessas normas seja confiada a um organismo de direito privado, só a Comissão pode pedir o desenvolvimento de uma norma harmonizada com vista à implementação de uma diretiva ou de um regulamento. Nos termos do artigo 10.o, n.o 1, último período, do Regulamento n.o 1025/2012, a mesma determina os requisitos relativos ao conteúdo da norma harmonizada pedida e o prazo para a sua aprovação. Esta elaboração é supervisionada pela Comissão, que também concede financiamento em conformidade com o artigo 15.o deste regulamento. Em conformidade com o artigo 11.o, n.o 1, alínea a), do referido regulamento, a mesma decide não publicar ou publicar com restrições as referências à norma harmonizada em causa no Jornal Oficial da União Europeia.

74

Terceiro, embora o Regulamento n.o 1025/2012 preveja, no artigo 2.o, ponto 1, que a observância das normas harmonizadas não é obrigatória, os produtos que cumprem essas normas beneficiam, como resulta do considerando 5 deste regulamento, da presunção de conformidade com os requisitos essenciais relativos a esses produtos estabelecidos na legislação da União aplicável em matéria de harmonização. Este efeito jurídico, conferido por esta legislação, constitui uma das características essenciais das referidas normas e torna‑as um instrumento essencial para os operadores económicos, para efeitos do exercício do direito à livre circulação de bens ou de serviços no mercado da União.

75

Mais concretamente, pode ser difícil, se não impossível, recorrerem os operadores económicos a um procedimento diferente do da conformidade com tais normas, como uma peritagem individual, dadas as dificuldades administrativas e os custos adicionais daí resultantes (v., neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 2012, Fra.bo,C‑171/11, EU:C:2012:453, n.os 29 e 30).

76

Por conseguinte, como salientou a advogada‑geral no n.o 43 das suas conclusões, quando uma legislação da União prevê que o cumprimento de uma norma harmonizada dá lugar a uma presunção de conformidade com os requisitos essenciais dessa legislação, isto significa que qualquer pessoa singular ou coletiva que pretenda ilidir utilmente essa presunção relativamente a um dado produto ou serviço tem de demonstrar que esse produto ou serviço não cumpre essa norma ou que a referida norma tem lacunas.

77

No caso em apreço, três das quatro normas harmonizadas pedidas, a saber, a norma EN 71‑5:2015, intitulada «Segurança de brinquedos — Parte 5: Jogos químicos excluindo os estojos de experiências químicas», a norma EN 71‑4:2013, intitulada «Segurança de brinquedos — Parte 4: Estojos de experiências químicas e atividades conexas», a norma EN 71‑12:2013, intitulada «Segurança de brinquedos — Parte 12: N‑Nitrosaminas e substâncias N‑nitrosáveis», fazem referência à Diretiva 2009/48. As referências dessas normas harmonizadas foram publicadas no Jornal Oficial da União Europeia de 13 de novembro de 2015 (JO 2015, C 378, p. 1). Em conformidade com o artigo 13.o desta diretiva, os brinquedos produzidos em conformidade com essas normas gozam da presunção de conformidade com os requisitos cobertos pelas referidas normas.

78

Quanto à norma EN 12472:2005 + A 1:2009, intitulada «Método de simulação do desgaste e da corrosão para a determinação do níquel libertado pelos objetos revestidos», esta refere‑se ao Regulamento n.o 1907/2006.

79

Ora, embora, como resulta do n.o 74 do presente acórdão, a observância das normas harmonizadas não seja, regra geral, obrigatória, esta norma é, no caso em apreço, manifestamente obrigatória, porquanto o Regulamento n.o 1907/2006 prevê, no ponto 27, n.o 3, do quadro constante do seu anexo XVII, que, no que respeita ao níquel, as normas adotadas pelo CEN servem de procedimentos de teste para demonstrar a conformidade dos produtos em causa com os n.os 1 e 2 deste ponto 27.

80

Atendendo às considerações anteriores, há que declarar, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 70 do presente acórdão, que as normas harmonizadas pedidas fazem parte do direito da União.

81

Em segundo lugar, como salientou a advogada‑geral no n.o 52 das suas conclusões, o artigo 2.o TUE prevê que a União se funda no princípio do Estado de direito, que exige um acesso livre ao direito da União para todas as pessoas singulares ou coletivas da União, bem como a possibilidade de os particulares conhecerem sem ambiguidade os seus direitos e obrigações (Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Stichting Rookpreventie Jeugd e o., C‑160/20, EU:C:2022:101, n.o 41 e jurisprudência referida). Esse livre acesso deve, em especial, permitir que qualquer pessoa que uma lei vise proteger verificar, dentro dos limites permitidos pelo direito, se os destinatários das regras enunciadas nessa lei as cumprem de forma efetiva.

82

Assim, pelos efeitos que uma legislação da União lhe atribui, uma norma harmonizada é suscetível de especificar os direitos conferidos aos particulares e as obrigações que lhes incumbem e essas especificações podem ser‑lhes necessárias para verificarem se um determinado produto ou serviço cumpre efetivamente os requisitos dessa legislação.

83

Em terceiro lugar, há que recordar que o princípio da transparência está indissociavelmente ligado ao princípio da abertura, que está inscrito no artigo 1.o, segundo parágrafo, e no artigo 10.o, n.o 3, TUE, no artigo 15.o, n.o 1, e no artigo 298.o, n.o 1, TFUE, bem como no artigo 42.o da Carta. Permite, designadamente, assegurar uma maior legitimidade, eficácia e responsabilidade da Administração perante os cidadãos num sistema democrático (v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Stichting Rookpreventie Jeugd e o., C‑160/20, EU:C:2022:101, n.o 35 e jurisprudência referida).

84

Para o efeito, o direito de acesso aos documentos é garantido ao abrigo do artigo 15.o, n.o 3, primeiro parágrafo, TFUE e está consagrado no artigo 42.o da Carta, tendo este direito sido implementado, nomeadamente, pelo Regulamento n.o 1049/2001, cujo artigo 2.o, n.o 3, prevê que se aplica a todos os documentos na posse do Parlamento, do Conselho ou da Comissão (v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Stichting Rookpreventie Jeugd e o., C‑160/20, EU:C:2022:101, n.o 36).

85

Nestas condições, há que concluir que um interesse público superior, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, último segmento de frase, do Regulamento n.o 1049/2001, impõe a divulgação das normas harmonizadas pedidas.

86

Assim, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, nos n.os 104 e 105 do acórdão recorrido, que nenhum interesse público superior justificava a divulgação, ao abrigo desta disposição, das normas harmonizadas pedidas.

87

Por conseguinte, há que julgar procedente o segundo fundamento e, sem que seja necessário examinar o primeiro fundamento, anular o acórdão recorrido.

Quanto ao recurso no Tribunal Geral

88

Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça anula a decisão do Tribunal Geral. Pode, então, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado. É o que acontece neste caso.

89

Como resulta dos n.os 65 a 87 do presente acórdão, a Comissão deveria ter reconhecido, na decisão controvertida, a existência de um interesse público superior, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, último segmento de frase, do Regulamento n.o 1049/2001, que decorre dos princípios do Estado de direito, da transparência, da abertura e da boa governação, e impõe a divulgação das normas harmonizadas pedidas, uma vez que, devido aos seus efeitos jurídicos, estas últimas fazem parte do direito da União.

90

Nestas condições, há que anular a decisão controvertida.

Quanto às despesas

91

Em conformidade com o artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

92

O artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral nos termos do artigo 184.o, n.o 1, do referido regulamento, dispõe que a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

93

No caso em apreço, tendo as recorrentes pedido a condenação da Comissão e tendo esta ficado vencida, há que condená‑la a suportar as despesas relativas tanto ao processo no Tribunal Geral como ao presente recurso.

94

De acordo com o artigo 184.o, n.o 4, do Regulamento de Processo, quando não tenha ele próprio interposto recurso, um interveniente em primeira instância só pode ser condenado nas despesas do processo de recurso se tiver participado na fase escrita ou oral do processo no Tribunal de Justiça. Quando participe no processo, o Tribunal de Justiça pode decidir que o interveniente suporte as suas próprias despesas. Tendo os intervenientes em primeira instância participado nas fases escrita e oral do processo de recurso no Tribunal de Justiça, há que decidir que suportarão as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

 

1)

É anulado o Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 14 de julho de 2021, Public.Resource.Org e Right to Know/Comissão (T‑185/19, EU:T:2021:445).

 

2)

É anulada a Decisão C(2019) 639 final da Comissão, de 22 de janeiro de 2019.

 

3)

A Comissão Europeia é condenada a suportar as despesas relativas tanto ao processo no Tribunal Geral da União Europeia como ao presente recurso.

 

4)

O Comité Europeu de Normalização (CEN), a Asociación Española de Normalización (UNE), a Asociaţia de Standardizare din România (ASRO), a Association française de normalisation (AFNOR), a Austrian Standards International (ASI), a British Standards Institution (BSI), o Bureau de normalisation/Bureau voor Normalisatie (NBN), o Dansk Standard (DS), o Deutsches Institut für Normung eV (DIN), o Koninklijk Nederlands Normalisatie Instituut (NEN), a Schweizerische Normen‑Vereinigung (SNV), o Standard Norge (SN), a Suomen Standardisoimisliitto ry (SFS), o Svenska institutet för standarder (SIS) e o Institut za standardizaciju Srbije (ISS) suportam as suas próprias despesas relativas tanto ao processo de primeira instância como ao processo de recurso.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.