ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

8 de junho de 2023 ( *1 )

«Incumprimento de Estado — Viagens organizadas e serviços de viagem conexos — Diretiva (UE) 2015/2302 — Artigo 12.o, n.os 2 a 4 — Rescisão de um contrato de viagem organizada — Circunstâncias inevitáveis e excecionais — Pandemia de COVID‑19 — Reembolso dos pagamentos efetuados pelo viajante em causa a título de uma viagem organizada — Reembolso em dinheiro ou sob a forma de viagem organizada de substituição — Dever de reembolsar esse viajante até 14 dias após a rescisão do contrato em causa — Derrogação temporária dessa obrigação»

No processo C‑540/21,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, intentada em 27 de agosto de 2021,

Comissão Europeia, representada por R. Lindenthal, I. Rubene e A. Tokár, na qualidade de agentes,

demandante

apoiada por:

Reino da Dinamarca, representado inicialmente por V. Pasternak Jørgensen e Søndahl Wolff, e, em seguida, por Søndahl Wolff, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

República Eslovaca, representada por B. Ricziová, na qualidade de agente,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal (relatora), presidente de secção, M. L. Arastey Sahún, F. Biltgen, N. Wahl e J. Passer, juízes,

advogada‑geral: T. Ćapeta,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Com a sua ação, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao ter introduzido, através da adoção da zákon č. 136/2020 Z. z. (Lei n.o 136/2020 Rec.), de 20 de maio de 2020 (a seguir «Lei n.o 136/2020»), o artigo 33.o‑A na zákon č. 170/2018 Z. z. o zájazdoch, spojených službách cestovného ruchu, niektorých podmienkach podnikania v cestovnom ruchu a o zmene a doplnení niektorých zákonov (Lei n.o 170/2018 Rec., de 15 de maio de 2018, relativa às Viagens Organizadas, aos Serviços Turísticos Conexos e a Determinadas Condições Aplicáveis à Atividade Turística, que altera e completa determinadas leis), de 15 de maio de 2018 (a seguir «Lei n.o 170/2018»), a República Eslovaca não cumpriu a obrigação que lhe incumbe por força do disposto no artigo 12.o, n.o 2, n.o 3, alínea b), e n.o 4 da Diretiva (UE) 2015/2302 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, relativa às viagens organizadas e aos serviços de viagem conexos, que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 e a Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Diretiva 90/314/CEE do Conselho (JO 2015, L 326, p. 1), lido em conjugação com o artigo 4.o da Diretiva 2015/2302.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2015/2302

2

Nos termos dos considerandos 4, 5, 31, 40 e 46 da Diretiva 2015/2302:

«(4)

A Diretiva 90/314/CEE [do Conselho, de 13 de junho de 1990, relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados (JO 1990, L 158, p. 59)] dá aos Estados‑Membros uma ampla margem de manobra relativamente à sua transposição. Por conseguinte, subsistem divergências consideráveis entre o direito dos vários Estados‑Membros. A fragmentação jurídica gera custos mais elevados para as empresas e cria obstáculos àquelas que pretendem exercer as suas atividades além‑fronteiras, limitando assim as escolhas dos consumidores.

(5)

[…] Importa harmonizar os direitos e as obrigações decorrentes dos contratos relativos a viagens organizadas e serviços de viagem conexos, a fim de criar um verdadeiro mercado interno dos consumidores nesse domínio, estabelecendo o bom equilíbrio entre um elevado nível de defesa do consumidor e a competitividade das empresas.

[…]

(31)

Os viajantes deverão também poder rescindir o contrato de viagem organizada em qualquer altura antes do início da viagem organizada, mediante o pagamento de uma taxa de rescisão adequada, tendo em conta as economias de custos previsíveis e justificáveis e as receitas resultantes da reafetação dos serviços de viagem. Deverão ter também o direito de rescindir o contrato de viagem organizada sem o pagamento de uma taxa de rescisão sempre que circunstâncias inevitáveis e excecionais afetem significativamente a execução da viagem organizada. Isso poderá abranger, por exemplo, situações de guerra, outros problemas sérios de segurança como o terrorismo, riscos significativos para a saúde humana como sejam surtos de doenças graves no destino da viagem, ou catástrofes naturais como inundações, terramotos, ou condições meteorológicas que impossibilitem viajar em segurança para o destino acordado no contrato de viagem organizada.

[…]

(40)

Para ser efetiva, a proteção em caso de insolvência deverá cobrir os montantes previsíveis dos pagamentos afetados pela insolvência do organizador e, quando aplicável, os custos de repatriamento previsíveis. […] Isto significa, de um modo geral, que a garantia tem de abranger uma percentagem suficientemente alta do volume de negócios do organizador no que respeita a viagens organizadas […] Todavia, a proteção efetiva em caso de insolvência não deverá ter de atender a riscos extremamente improváveis como por exemplo a insolvência simultânea de vários dos principais organizadores, caso tal afete desproporcionadamente o custo da proteção, comprometendo assim a sua eficácia. Nesses casos, a garantia de reembolso pode ser limitada.

[…]

(46)

Importa igualmente confirmar que os viajantes não podem renunciar aos direitos conferidos pela presente diretiva e que os organizadores ou operadores que facilitam serviços de viagem conexos não se devem eximir às suas obrigações alegando que apenas intervêm enquanto prestadores de serviços de viagem, intermediários ou em qualquer outra qualidade.»

3

O artigo 1.o da Diretiva 2015/2302 enuncia:

«O objetivo da presente diretiva é contribuir para o bom funcionamento do mercado interno e para alcançar um nível de defesa do consumidor elevado e o mais uniforme possível, através da aproximação de determinados aspetos das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de contratos celebrados entre viajantes e operadores relativos a viagens organizadas e serviços de viagem conexos.»

4

O artigo 3.o desta diretiva dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

6.

“Viajante”, qualquer pessoa que procure celebrar um contrato ou esteja habilitada a viajar com base num tal contrato, no âmbito da presente diretiva;

[…]

8.

“Organizador”, qualquer operador que combine, venda ou proponha para venda viagens organizadas, diretamente, por intermédio de outro operador ou conjuntamente com outro operador […]

[…]

12.

“Circunstâncias inevitáveis e excecionais”, qualquer situação fora do controlo da parte que a invoca e cujas consequências não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis;

[…]»

5

O artigo 4.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Nível de harmonização», prevê:

«Salvo disposição em contrário na presente diretiva, os Estados‑Membros não podem manter nem introduzir no direito nacional disposições divergentes das previstas na presente diretiva, nomeadamente disposições mais ou menos estritas que tenham por objetivo garantir um nível diferente de proteção do viajante.»

6

O artigo 12.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Rescisão do contrato de viagem organizada e direito de retratação antes do início da viagem organizada», enuncia:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que o viajante possa rescindir o contrato de viagem organizada em qualquer altura antes do início da viagem organizada. Caso rescinda o contrato de viagem organizada nos termos do presente número, o viajante pode ser obrigado a pagar ao organizador uma taxa de rescisão adequada e justificável. […]

2.   Não obstante o disposto no n.o 1, o viajante tem direito a rescindir o contrato de viagem organizada antes do início da viagem organizada sem pagar qualquer taxa de rescisão caso se verifiquem circunstâncias inevitáveis e excecionais no local de destino ou na sua proximidade imediata que afetem consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para o destino. Em caso de rescisão do contrato de viagem organizada nos termos do presente número, o viajante tem direito ao reembolso integral dos pagamentos efetuados para a viagem organizada mas não tem direito a uma indemnização adicional.

3.   O organizador pode rescindir o contrato de viagem organizada e reembolsar integralmente o viajante dos pagamentos que este tenha efetuado pela viagem organizada, não sendo todavia obrigado a pagar uma indemnização adicional se:

[…]

b)

O organizador for impedido de executar o contrato devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais e notificar o viajante da rescisão do contrato, sem demora injustificada, antes do início da viagem organizada.

4.   O organizador efetua os reembolsos exigidos nos termos dos n.os 2 e 3 ou, no que diz respeito ao n.o 1, reembolsa todos os pagamentos efetuados pelo viajante ou por conta deste para a viagem organizada, deduzidos da taxa de rescisão adequada. Esses reembolsos são efetuados ao viajante sem demora injustificada e, em todo o caso, no máximo no prazo de 14 dias após a rescisão do contrato de viagem organizada.

[…]»

7

O artigo 23.o da Diretiva 2015/2302, sob a epígrafe «Caráter imperativo da diretiva», dispõe:

«[…]

2.   Os viajantes não podem renunciar aos direitos que lhes são conferidos pelas disposições nacionais de transposição da presente diretiva.

3.   Os viajantes não ficam vinculados por disposições contratuais ou declarações suas que, direta ou indiretamente, configurem uma renúncia ou restrição dos direitos que lhes são conferidos pela presente diretiva ou que visem contornar a aplicação da mesma.»

Recomendação (UE) 2020/648

8

A Recomendação (UE) 2020/648 da Comissão, de 13 de maio de 2020, relativa aos vales propostos aos passageiros e viajantes em alternativa ao reembolso de serviços de transporte e de viagens organizadas cancelados no contexto da pandemia de COVID‑19 (JO 2020, L 151, p. 10), enuncia, nos seus considerandos 9, 13 a 15, 21 e 22:

«(9)

A Diretiva [2015/2302] prevê que, caso uma viagem organizada seja cancelada devido a “circunstâncias inevitáveis e excecionais”, os viajantes têm o direito de obter o reembolso total de quaisquer pagamentos efetuados no âmbito dessa viagem, sem demora injustificada e, em todo o caso, no prazo de 14 dias após a rescisão do contrato. Neste contexto, o organizador pode propor o reembolso do viajante na forma de um vale. Todavia, esta possibilidade não priva os viajantes do seu direito ao reembolso em numerário.

[…]

(13)

Os numerosos cancelamentos que a pandemia de COVID‑19 acarretou conduziram a uma situação insustentável de tesouraria e de receitas para os setores dos transportes e das viagens. Os problemas de liquidez dos organizadores são exacerbados pelo facto de terem de reembolsar o preço total da viagem organizada ao viajante, enquanto eles próprios nem sempre recebem no seu devido tempo o reembolso total dos serviços pré‑pagos que fazem parte da viagem organizada, o que pode resultar, de facto, numa partilha injusta do ónus entre os operadores do ecossistema de viagens.

(14)

Se os organizadores e os transportadores se tornarem insolventes, há um risco de muitos viajantes e passageiros não receberem qualquer reembolso, pois as suas reclamações contra organizadores e transportadores não estão protegidas. O mesmo problema pode surgir num contexto intraempresarial, em que os organizadores recebem um vale a título de reembolso de serviços pré‑pagos da parte dos transportadores, que em seguida se tornam insolventes.

(15)

Tornar os vales mais atraentes, como alternativa ao reembolso em numerário, aumentaria a sua aceitação por parte dos passageiros e viajantes, o que ajudaria a resolver os problemas de liquidez dos transportadores e dos organizadores e poderia em última análise conduzir a uma melhor proteção dos interesses dos passageiros e dos viajantes.

[…]

(21)

No que se refere a eventuais necessidades adicionais de liquidez dos operadores nos setores das viagens e dos transportes, em 19 de março de 2020 a Comissão adotou um quadro temporário relativo aos auxílios estatais a fim de apoiar a economia na atual crise da COVID‑19 […], fundamentado no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), [TFUE], para remediar a grave perturbação da economia dos Estados‑Membros […]

(22)

O quadro temporário aplica‑se em princípio a todos os setores e empresas, incluindo as empresas de transporte e de viagens e reconhece que os transportes e as viagens estão entre os setores mais afetados. Pretende remediar a penúria de liquidez com que as empresas se deparam ao autorizar, por exemplo, os auxílios diretos, os benefícios fiscais, as garantias estatais para empréstimos e os empréstimos públicos subvencionados. […] Neste contexto, os Estados‑Membros podem decidir apoiar os operadores nos setores das viagens e dos transportes a fim de assegurar que os pedidos de reembolso causados pelo surto de COVID‑19 sejam satisfeitos com vista a assegurar a proteção dos direitos dos passageiros e dos consumidores e a igualdade de tratamento dos passageiros e viajantes.»

9

Nos termos do ponto 1 desta recomendação:

«A presente recomendação diz respeito aos vales propostos aos passageiros ou viajantes pelos transportadores ou organizadores, em alternativa ao reembolso em numerário, e sujeitos à aceitação voluntária do passageiro ou do viajante, nas seguintes circunstâncias:

a)

Na eventualidade de cancelamento pelo transportador ou organizador a partir de 1 de março de 2020 por razões ligadas à pandemia de COVID‑19, no contexto das seguintes disposições:

[…]

5)

Artigo 12.o, n.os 3 e 4, da Diretiva (UE) 2015/2302;

[…]»

Direito eslovaco

10

O artigo 33.o‑A da Lei n.o 170/2018, que foi introduzido nesta última pela Lei n.o 136/2020, tem a epígrafe «Disposições provisórias relativas à situação excecional devida ao COVID‑19». Tem a seguinte redação:

«1.   Se, devido à situação excecional decorrente da COVID‑19 na Eslováquia, ou a uma situação semelhante no local de destino ou em qualquer ponto do itinerário da viagem organizada, não for possível fornecer ao viajante os elementos essenciais dos serviços turísticos previstos num contrato de viagem organizada, o operador turístico é autorizado a:

a)

propor ao viajante uma alteração do contrato de viagem organizada; ou

b)

enviar ao viajante uma notificação propondo uma viagem organizada de substituição, se este não aceitar a alteração do contrato de viagem organizada proposta ao abrigo da alínea a).

2.   Se o viajante aceitar a alteração do contrato de viagem organizada a que se refere o n.o 1, alínea a), e o preço da viagem organizada resultante dessa alteração diferir da soma dos pagamentos já recebidos a título do contrato de viagem organizada, as partes devem liquidar entre si a diferença entre o preço da viagem objeto da alteração do contrato de viagem organizada e a soma dos pagamentos recebidos a título do contrato inicial.

3.   A notificação da viagem organizada de substituição é efetuada por escrito e comunicada ao viajante num suporte duradouro da mesma forma pela qual o contrato de viagem organizada inicial foi comunicado ao viajante, salvo acordo em contrário entre as partes. A notificação da viagem organizada de substituição indica nomeadamente:

a)

a quantia dos pagamentos recebidos a título do contrato de viagem organizada;

b)

o facto de os elementos essenciais dos serviços turísticos previstos no contrato de viagem organizada poderem, mediante acordo do viajante, ser alterados no âmbito da viagem organizada de substituição;

c)

o direito de o viajante ceder o contrato de viagem organizada nos termos do artigo 18.o

4.   O viajante que tenha celebrado um contrato de viagem organizada tem o direito de recusar a viagem organizada de substituição, por escrito e no prazo de 14 dias a contar da data de receção da notificação da viagem organizada de substituição, se:

a)

enquanto durar a situação excecional causada pela COVID‑19 na Eslováquia, estiver inscrito no registo dos candidatos a emprego, o que é demonstrado por uma notificação escrita da sua inscrição no registo dos candidatos a emprego;

b)

for trabalhador independente ou uma sociedade unipessoal por quotas que tenha beneficiado de uma ajuda financeira no âmbito de um projeto destinado a promover a manutenção do emprego após declaração de uma situação excecional, de um estado de emergência ou de um estado de exceção e regularização das suas consequências, o que é demonstrado pela confirmação da concessão dessa ajuda;

c)

for um progenitor isolado que tenha obtido o direito a um subsídio de assistência em tempos de pandemia, o que é demonstrado pela confirmação da concessão desse subsídio e por uma declaração sob compromisso de honra relativa ao seu estatuto de progenitor isolado;

d)

estiver grávida à data de receção da notificação da viagem organizada de substituição, o que é comprovado por um atestado médico; ou

e)

for uma pessoa com idade igual ou superior a 65 anos, o que é demonstrado pela indicação da data de nascimento no bilhete de identidade ou em qualquer outro documento de identidade semelhante.

5.   O viajante que tenha celebrado um contrato de viagem organizada tem o direito de recusar apenas uma parte da viagem organizada de substituição, por escrito e no prazo de 14 dias a contar da data de receção da notificação da viagem organizada de substituição, se pelo menos um dos viajantes mencionados no contrato de viagem organizada se encontrar numa das situações descritas no n.o 4.

6.   Se um viajante que celebrou um contrato de viagem organizada recusar a viagem organizada de substituição a que se refere o n.o 4, o operador turístico é obrigado a reembolsá‑lo imediatamente, sem penalização de rescisão, de todos os pagamentos recebidos a título do contrato de viagem organizada e até 14 dias a contar da data de receção da recusa da viagem organizada de substituição. Se um viajante que celebrou um contrato de viagem organizada recusar, ao abrigo do n.o 5, uma parte da viagem organizada de substituição em relação a um ou mais viajantes abrangidos por um mesmo contrato de viagem organizada, o operador turístico é obrigado a reembolsá‑lo imediatamente, sem penalização de rescisão das pessoas que não participam na viagem organizada de substituição, dos pagamentos recebidos a título do contrato de viagem organizada e até 14 dias a contar da data de receção da recusa parcial da viagem organizada de substituição.

7.   O operador turístico deve acordar com o viajante que fornecerá uma viagem organizada de substituição até 31 de agosto de 2021.

8.   Se o preço da viagem de substituição diferir da soma dos pagamentos recebidos a título do contrato de viagem organizada, as partes liquidam entre si a diferença entre a quantia indicada na notificação da viagem organizada de substituição e o preço dessa viagem, no prazo de 14 dias a contar da data em que o operador turístico tiver acordado com o viajante a prestação de uma viagem organizada de substituição.

9.   Se o operador turístico não chegar a acordo com o viajante quanto à prestação de uma viagem organizada de substituição antes de 31 de agosto de 2021, considera‑se que rescindiu o contrato de viagem organizada e reembolsa imediatamente o viajante de todos os pagamentos recebidos a título do contrato de viagem organizada e até 14 de setembro de 2021.

10.   Se, durante o período compreendido entre 12 de março de 2020 e a entrada em vigor da presente lei, um viajante ou um operador turístico tiver rescindido o contrato de viagem organizada nos termos do artigo 21.o, n.o 2, ou do artigo 21.o, n.o 3, alínea b), e o operador turístico, com base nessa rescisão, não tiver reembolsado o viajante de todos os pagamentos recebidos a título do contrato de viagem organizada, aplica‑se o procedimento previsto no n.o 1.

11.   Se, durante o período compreendido entre 12 de março de 2020 e a entrada em vigor da presente lei, o viajante tiver rescindido o contrato de viagem organizada nos termos do artigo 21.o, n.o 1, e se a penalidade de rescisão não tiver sido executada, aplica‑se o procedimento previsto no n.o 1.

12.   Se, apesar da situação excecional resultante da COVID‑19 na Eslováquia, ou de uma situação semelhante no local de destino ou em qualquer ponto do itinerário da viagem organizada, for possível fornecer uma viagem organizada em conformidade com o contrato de viagem organizada, mas o viajante recusar a prestação, deve informar por escrito o operador turístico desse facto pelo menos 30 dias antes do início da viagem organizada; nos primeiros 30 dias a contar da data de entrada em vigor da presente lei, este prazo é de, pelo menos, 15 dias antes do início da viagem organizada. No prazo de 14 dias a contar da data de receção das informações referidas na primeira frase, o operador turístico deve enviar ao viajante a notificação da viagem organizada de substituição a que se refere o n.o 3 e proceder em conformidade com os n.os 7 a 9; não é aplicável o disposto nos n.os 4, 5 e 6.

13.   Enquanto durar a situação excecional causada pela COVID‑19 na Eslováquia ou uma situação semelhante no local de destino ou em qualquer ponto do itinerário da viagem organizada, o operador turístico não pode exigir ao viajante o pagamento de um adiantamento sobre o preço da viagem organizada; esta disposição não se aplica caso o viajante aceite a alteração do contrato de viagem organizada nos termos do n.o 1, alínea a).

14.   A proteção em caso de insolvência de que beneficia o contrato de viagem organizada aplica‑se, mutatis mutandis, ao contrato de viagem organizada mesmo após a sua alteração ou após o envio de uma notificação de viagem organizada de substituição.»

Procedimento pré‑contencioso e tramitação processual no Tribunal de Justiça

11

Por carta de 14 de maio de 2020 dirigida à República Eslovaca, a Comissão informou que tinha recebido informações que indicavam que, no contexto da pandemia mundial de COVID‑19, esse Estado‑Membro preparava medidas nacionais que podiam ser contrárias à Diretiva 2015/2302. A Comissão convidou as autoridades eslovacas a fornecerem informações adicionais sobre o estado de preparação dessas medidas.

12

Por carta de 28 de maio de 2020, a República Eslovaca informou a Comissão de que o Conselho Nacional da República Eslovaca tinha adotado, em 20 de maio de 2020, a Lei n.o 136/2020, que alterou a Lei n.o 170/2018. Esse Estado‑Membro explicou que, por força da Lei n.o 136/2020, as agências de viagens tinham a possibilidade de propor aos seus clientes uma alteração do contrato de viagem organizada decorrente ou, se os clientes recusassem essa alteração, uma viagem organizada de substituição, o que pressupunha que a agência de viagens e o cliente em causa acordassem uma nova viagem organizada antes do final do mês de agosto de 2021.

13

Em 3 de julho de 2020, a Comissão enviou à República Eslovaca uma notificação para cumprir, na qual considerava que, ao introduzir, com a adoção da Lei n.o 136/2020, o artigo 33.o‑A da Lei n.o 170/2018, esse Estado‑Membro não tinha cumprido a obrigação que lhe incumbia por força do artigo 12.o, n.o 2, n.o 3, alínea b), e n.o 4, da Diretiva 2015/2302, lido em conjugação com o artigo 4.o desta última.

14

A República Eslovaca respondeu a essa notificação para cumprir por carta datada de 28 de agosto de 2020. Nesta última carta, embora reconhecendo que a alteração da Lei n.o 170/2018 resultante da Lei n.o 136/2020 derrogava as disposições da Diretiva 2015/2302, esse Estado‑Membro alegou que a adoção da referida alteração se justificava por razões legítimas, uma vez que as empresas com atividade no setor do turismo necessitavam de um prazo adicional para reembolsar progressivamente todos os seus clientes, sob pena de insolvência.

15

Em 30 de outubro de 2020, a Comissão enviou à República Eslovaca um parecer fundamentado no qual, por um lado, acusou esse Estado‑Membro de, ao adotar a Lei n.o 136/2020, não ter cumprido a obrigação referida no n.o 13 do presente acórdão e, por outro, a convidou a tomar as medidas necessárias para dar cumprimento a esse parecer fundamentado no prazo de dois meses a contar da sua receção, a saber, em 30 de dezembro de 2020.

16

A República Eslovaca respondeu ao referido parecer fundamentado por carta datada de 18 de dezembro de 2020. Nessa carta, o referido Estado‑Membro indicou que a alteração legislativa em causa se justificava à luz da situação excecional ligada à amplitude da propagação da COVID‑19 e que o objetivo dessa alteração não era privar os viajantes dos seus direitos, mas sim conceder aos operadores turísticos um prazo durante o qual poderiam resolver todas as suas relações contratuais com os viajantes.

17

Considerando que, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, bem como, aliás, à data da propositura da presente ação, o direito eslovaco continuava a ser contrário à Diretiva 2015/2302, a Comissão decidiu intentar a presente ação.

18

Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 21 de janeiro de 2022, foi admitida a intervenção do Reino da Dinamarca em apoio dos pedidos da Comissão.

Quanto à ação

Argumentos das partes

19

Em apoio da sua ação, a Comissão alega que o artigo 33.o‑A da Lei n.o 170/2018 priva os viajantes do seu direito de rescisão de um contrato de viagem organizada e de receberem um reembolso nos termos do artigo 12.o da Diretiva 2015/2302 e num momento em que sofriam gravemente as consequências da pandemia mundial de COVID‑19. Ora, embora os efeitos da crise de COVID‑19 tenham certamente implicado um risco acrescido de insolvência para vários operadores turísticos, entende que nem a Diretiva 2015/2302 nem nenhum outro ato jurídico da União permitem aos Estados‑Membros derrogar esse artigo 12.o

20

A este respeito, a Comissão sustenta, em primeiro lugar, que o artigo 12.o da Diretiva 2015/2302 era aplicável a esta pandemia e não apenas a situações de amplitude local ou regional. Com efeito, a ocorrência de tal pandemia estaria abrangida pelo conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», que figura neste artigo 12.o e definido no artigo 3.o, ponto 12, da mesma diretiva. O facto de o considerando 31 da referida diretiva se referir, neste contexto e a título de exemplo, ao aparecimento de um surto de doença grave no local de destino não é suscetível de demonstrar que o referido artigo 12.o diz unicamente respeito a acontecimentos locais.

21

Por outro lado, na medida em que este conceito está ligado ao de força maior, este último não pode ser aplicado fora do âmbito definido pela Diretiva 2015/2302.

22

Segundo a Comissão, embora, na adoção desta diretiva, não tenha sido prevista a possibilidade de uma pandemia de uma amplitude como a da COVID‑19, a referida diretiva foi, no entanto, concebida precisamente para fazer face a essas circunstâncias inevitáveis e excecionais. Admitir que a Diretiva 2015/2302 é aplicável em caso de problemas numa escala territorial mais reduzida, mas não em caso de problemas de maior escala ou à escala mundial teria consequências absurdas.

23

Além disso, resulta do artigo 4.o da Diretiva 2015/2302, lido à luz dos seus considerandos 4 e 5, que esta diretiva procede a uma harmonização total das matérias às quais se aplica. Ora, o artigo 33.o‑A da Lei n.o 170/2018 corresponde a uma intenção de proteger os operadores turísticos em detrimento dos consumidores, igualmente afetados pela pandemia mundial da COVID‑19. A este respeito, apesar de a República Eslovaca ter decidido proteger os operadores de viagens organizadas, vários outros Estados‑Membros não o fizeram. Assim, nem todos os viajantes da União podiam ter beneficiado do mesmo nível de proteção, o que teria entravado o duplo objetivo de harmonização e de proteção dos consumidores prosseguido pela Diretiva 2015/2302.

24

A Comissão recorda, por último, no que respeita ao risco imediato de desaparecimento de um grande número de operadores de viagens organizadas, alegado por esse Estado‑Membro, que estes poderiam ter beneficiado de certas medidas de auxílio de Estado.

25

Em segundo lugar, a Comissão alega que a notificação de uma viagem organizada de substituição, conforme prevista no artigo 33.o‑A da Lei n.o 170/2018, equiparável a um vale, não corresponde ao conceito de «reembolso», na aceção do artigo 12.o da Diretiva 2015/2302. Com efeito, um reembolso implica que uma pessoa que tenha efetuado um pagamento recupere a quantia paga em dinheiro, o que lhe permite dispor livremente desta última. Segundo a Comissão, se o legislador da União tivesse tido a intenção de autorizar uma modalidade de reembolso tão específica e desfavorável ao viajante, teria expressamente mencionado essa possibilidade, como fez noutros atos legislativos relativos aos direitos dos passageiros aéreos e aos dos consumidores.

26

Em terceiro e último lugar, a Comissão considera que não pode ser acolhido o argumento de um Estado‑Membro de que a Diretiva 2015/2302 não se aplicava à pandemia mundial de COVID‑19, mas que esta pandemia constituía ao mesmo tempo um caso de força maior que o impedia de cumprir as suas obrigações que lhe incumbiam por força desta diretiva.

27

O Reino da Dinamarca, que apoia inteiramente os pedidos da Comissão, alega designadamente que, ao adotar a Diretiva 2015/2302, o legislador da União optou por instituir uma proteção dos consumidores especialmente elevada na ocorrência de circunstâncias inevitáveis, e excecionais como a pandemia mundial de COVID‑19. Assim, a crise sanitária ligada a essa pandemia não pode justificar uma prorrogação do prazo de reembolso previsto no artigo 12.o, n.o 4, desta diretiva.

28

Neste contexto, o sistema de crédito instituído nesse Estado‑Membro no âmbito do Rejsegarantifonden (Fundo de Garantia para as Viagens), que permitiu às agências de viagens com necessidade de liquidez adicional contrair empréstimos em condições favoráveis para garantir o reembolso dos clientes no prazo de 14 dias previsto nesta disposição, demonstra que era possível, apesar da referida pandemia, reembolsar os consumidores sob a forma de uma quantia em dinheiro nesse prazo.

29

A República Eslovaca conclui pela improcedência da ação da Comissão. Alega, em primeiro lugar, que o artigo 12.o da Diretiva 2015/2302 não se aplica a uma situação de crise sanitária mundial como a pandemia de COVID‑19, uma vez que a ponderação dos interesses dos viajantes e dos operadores turísticos efetuada no momento da adoção desta diretiva foi feita em circunstâncias totalmente diferentes das que marcaram o início da referida pandemia.

30

A este respeito, resulta da redação do artigo 12.o, n.o 2, desta diretiva, lido à luz do seu considerando 31, que, no momento da adoção da mesma diretiva, só foi tomada em conta a eventualidade do aparecimento de uma doença grave «no local de destino ou na sua proximidade imediata». Embora o artigo 12.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2015/2302 não contenha essa indicação, deve, através de uma interpretação sistemática, ser interpretado de forma idêntica. Em contrapartida, o quadro jurídico instituído por esta diretiva não é adequado para responder a uma situação excecional como a pandemia mundial de COVID‑19, como decorre igualmente do âmbito limitado, exposto no considerando 40 da referida diretiva e reconhecido pela própria Comissão, do sistema de proteção dos operadores turísticos em caso de insolvência referido no artigo 17.o da mesma diretiva.

31

Por conseguinte, não é verdade que a Diretiva 2015/2302 tenha sido concebida precisamente para fazer face a circunstâncias como as decorrentes desta pandemia. A este respeito, a República Eslovaca sublinha, referindo‑se designadamente ao Acórdão de 18 de março de 2021, Kuoni Travel (C‑578/19, EU:C:2021:213), que esta diretiva não regula as situações de força maior, as quais, em contrapartida, eram reguladas pela Diretiva 90/314 que a precedeu. Neste contexto, não resulta de modo nenhum do artigo 3.o, ponto 12, da Diretiva 2015/2302 que as «circunstâncias inevitáveis e excecionais» definidas nesta disposição devam apresentar um caráter anormal e imprevisível, como exige o Tribunal de Justiça na sua jurisprudência constante, para que uma circunstância específica possa ser qualificada de caso de «força maior».

32

De resto, segundo esse Estado‑Membro, se não tivesse sido adotada uma regulamentação especial, poderiam ser prejudicados não só os interesses dos operadores turísticos, mas também os dos viajantes, ou seja, os dos consumidores, pondo em perigo as empresas em causa e tornando assim impossível qualquer reembolso.

33

Por conseguinte, face à situação de pandemia mundial e às suas consequências, a República Eslovaca tinha razão ao adotar medidas não abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2015/2302, como o artigo 33.o‑A da Lei n.o 170/2018, a fim de ter em conta uma grande deslocação do ponto de equilíbrio entre os interesses dos viajantes e dos profissionais.

34

Em segundo lugar, a República Eslovaca alega, a título subsidiário, que a notificação de uma viagem de substituição, prevista no artigo 33.o‑A da Lei n.o 170/2018, pode constituir um reembolso dos pagamentos efetuados, na aceção do artigo 12.o da Diretiva 2015/2302. Este Estado‑Membro sublinha que essa notificação era permutável pelo fornecimento de outros serviços de viagem, estava coberta por uma proteção em caso de insolvência, era transmissível a outras pessoas e, se não fosse utilizada durante o período indicado, dava direito ao reembolso sob a forma de uma quantia em dinheiro da totalidade dos pagamentos já efetuados.

35

Com efeito, na linguagem corrente, o termo «reembolso» não visa unicamente a restituição de uma quantia em dinheiro, mas inclui também a indemnização desses pagamentos sob outra forma. Tal interpretação é igualmente corroborada pelo facto de as disposições pertinentes da Diretiva 2015/2302, nomeadamente nas suas versões nas línguas inglesa e alemã, fazerem uma distinção entre a concessão de um reembolso e a restituição desses pagamentos. Além disso, tendo em conta a sistemática geral e a finalidade desta diretiva, é possível interpretar os termos «reembolso» ou «reembolsar» no sentido de que autorizam igualmente uma indemnização dos referidos pagamentos sob uma forma diferente de uma quantia em dinheiro.

36

Além disso, a República Eslovaca observa que o facto de outros atos legislativos da União preverem expressamente outras formas de reembolso não é pertinente, uma vez que esses atos se distinguem da Diretiva 2015/2302, quer pela sua natureza, quer pelos seus domínios e pelos seus objetivos. Na falta de identidade entre as relações jurídicas instituídas por tais atos, a adoção de qualquer ato exige que se proceda a uma nova apreciação do equilíbrio existente entre os diferentes direitos e interesses legítimos de todos os destinatários do ato em causa.

37

Ora, a Diretiva 2015/2302 visa proteger os viajantes e os direitos dos operadores profissionais de viagens organizadas. A este respeito, quando vários direitos protegidos pelo direito da União entram em conflito, é indispensável interpretar os atos em causa no respeito pela conciliação necessária das exigências ligadas à proteção desses diferentes direitos e de um justo equilíbrio entre os mesmos (Acórdão de 31 de janeiro de 2013, McDonagh, C‑12/11, EU:C:2013:43, n.o 62).

38

Em terceiro e último lugar, a República Eslovaca sustenta, a título ainda mais subsidiário, que a situação desfavorável ligada à pandemia mundial de COVID‑19 pode ser considerada um caso de força maior, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

39

Este Estado‑Membro sublinha que, na medida em que tal argumento é invocado a título mais subsidiário, não é de modo nenhum incompatível com o argumento, invocado a título principal, de que a Diretiva 2015/2302 não é aplicável à referida pandemia. Além disso, é errada a alegação da Comissão de que essa diretiva já não permite que o conceito de força maior seja aplicado fora do quadro que regula. Com efeito, há que distinguir a aplicação deste conceito, por um lado, no que diz respeito aos direitos e às obrigações instituídos no âmbito da relação contratual entre o operador e o viajante, previstos pela referida diretiva, e, por outro, como fundamento justificativo de um incumprimento por parte de um Estado.

40

No caso em apreço, estão preenchidas as condições que regulam a invocação da força maior, entendida neste último sentido, decorrentes da jurisprudência do Tribunal de Justiça. De facto, a pandemia mundial de COVID‑19 e a grande limitação do turismo daí decorrente à escala mundial constituem circunstâncias alheias e independentes da vontade da República Eslovaca, que esta última não podia prever nem impedir, mesmo envidando todos os esforços possíveis e dando provas da diligência exigida.

41

Este Estado‑Membro precisa que a falta de liquidez, bem como o risco de insolvência das agências de viagens e de repercussões negativas para todo o setor económico em causa, resultante da evolução dessa pandemia e das medidas a ela relativas, constituíram dificuldades inultrapassáveis que o impediram temporariamente de cumprir as suas obrigações decorrentes da Diretiva 2015/2302. Dito isto, a aplicação do artigo 33.o‑A da Lei n.o 170/2018 foi limitada à duração necessária e cessou, tendo em conta a necessidade de garantir um elevado nível de proteção dos consumidores e de estabelecer um justo equilíbrio entre este e a competitividade das empresas.

42

Quanto à pertinência do exemplo de uma medida de auxílio de Estado, como a que foi adotada na Dinamarca através da mobilização do Rejsegarantifonden (Fundo de Garantia para as Viagens), a República Eslovaca observa que a possibilidade de conceder auxílios de Estado através de um fundo de garantia poderia ter sido limitada pela forma como o sistema nacional de proteção em caso de insolvência era organizado, o que exigiria uma alteração complexa do direito eslovaco, impossível de realizar num período de crise aguda. Por outro lado, os auxílios de Estado devem ter a natureza de uma medida de último recurso (ultima ratio), uma vez que constituem uma interferência substancial na concorrência e no funcionamento do mercado.

Apreciação do Tribunal de Justiça

43

Com a sua ação, a Comissão acusa a República Eslovaca de não ter cumprido a obrigação que lhe incumbe por força do artigo 12.o, n.o 2, n.o 3, alínea b), e n.o 4, da Diretiva 2015/2302, conjugado com o seu artigo 4.o, ao adotar o artigo 33.o‑A da Lei n.o 170/2018, na medida em que este último prevê, em substância, por um lado, que, quando, devido à situação excecional decorrente da pandemia mundial de COVID‑19, não for possível executar um contrato de viagem organizada, o operador está autorizado a propor aos respetivos viajantes uma viagem organizada de substituição em vez do reembolso dos pagamentos efetuados, na aceção deste artigo 12.o, e, por outro, que esses viajantes só tinham então direito a esse reembolso após 31 de agosto de 2021 e até 14 de setembro de 2021.

44

Em primeiro lugar, há que examinar a questão de saber se esta situação excecional é suscetível de ser abrangida pelo conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção do artigo 12.o da Diretiva 2015/2302, de modo que o artigo 12.o, n.o 2 e n.o 3, alínea b), da Diretiva 2015/2302 se pode aplicar às situações previstas no artigo 33.o‑A da Lei n.o 170/2018.

45

Para responder a esta questão, há que recordar que este conceito é definido no artigo 3.o, ponto 12, da Diretiva 2015/2302 como «qualquer situação fora do controlo da parte que a invoca e cujas consequências não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis».

46

O considerando 31 desta diretiva esclarece o alcance do referido conceito especificando que «[i]sso poderá abranger, por exemplo, situações de guerra, outros problemas sérios de segurança como o terrorismo, riscos significativos para a saúde humana como sejam surtos de doenças graves no destino da viagem, ou catástrofes naturais como inundações, terramotos, ou condições meteorológicas que impossibilitem viajar em segurança para o destino acordado no contrato de viagem organizada».

47

Além disso, resulta do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302 que as circunstâncias inevitáveis e excecionais só podem justificar a rescisão pelo viajante, dando‑lhe direito ao reembolso integral dos pagamentos efetuados a título de uma viagem organizada, quando ocorram «no local de destino ou na sua proximidade imediata» e «afetem consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para o destino».

48

Embora, para efeitos da rescisão de um contrato de viagem organizada, a qualificação de um determinado acontecimento de situação abrangida pelo conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção deste artigo 12.o, dependa necessariamente das circunstâncias específicas do caso concreto, nomeadamente dos serviços de viagem concretamente acordados e das consequências desse acontecimento no local de destino previsto, não é menos verdade que, como a Comissão alegou, uma crise sanitária mundial como a pandemia de COVID‑19 deve, enquanto tal, ser considerada suscetível de ser abrangida por este conceito.

49

Com efeito, tal acontecimento escapa manifestamente a qualquer controlo e as suas consequências não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis. Este acontecimento revela, aliás, a existência de «riscos significativos para a saúde humana» referidos no considerando 31 da referida diretiva.

50

A este respeito, não tem pertinência o facto de, à semelhança do artigo 12.o, n.o 2, da mesma diretiva, este considerando ilustrar esses termos recorrendo ao exemplo do aparecimento de uma doença grave «no local de destino», na medida em que tal precisão não visa restringir o alcance do conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais» a acontecimentos locais, mas sim evidenciar que essas circunstâncias têm, em todo o caso, de se manifestar nomeadamente no local de destino previsto e, a este título, afetar consideravelmente a execução da viagem organizada em causa.

51

A este respeito, embora a propagação de uma doença grave no local de destino em causa seja suscetível de ser abrangida por este conceito, o mesmo deve acontecer a fortiori com a propagação de uma doença grave à escala mundial, uma vez que os efeitos desta última também afetam esse lugar.

52

Além disso, uma interpretação do artigo 12.o, n.o 2, e n.o 3, alínea b), da Diretiva 2015/2302 no sentido de que essa disposição se aplicaria unicamente a acontecimentos de alcance local, com exclusão de acontecimentos de maior amplitude, colidiria, por um lado, com o princípio da segurança jurídica, na medida em que, não havendo nenhum critério de delimitação previsto para o efeito nesta diretiva, a demarcação entre estas duas categorias de acontecimentos pode ser fluida e variável, o que teria, em definitivo, por consequência tornar aleatório o direito a beneficiar da proteção conferida pela referida disposição.

53

Por outro lado, semelhante interpretação seria incoerente à luz do objetivo prosseguido pela referida diretiva, que consiste, nos termos do seu artigo 1.o, lido à luz do seu considerando 5, em contribuir para o bom funcionamento do mercado interno e para alcançar um nível elevado de defesa do consumidor que seja o mais uniforme possível [v., neste sentido, Acórdão de 12 de janeiro de 2023, FTI Touristik (Viagem organizada às Ilhas Canárias), C‑396/21, EU:C:2023:10, n.o 29].

54

Com efeito, esta interpretação implicaria que os viajantes que rescindem o seu contrato de viagem organizada invocando o aparecimento de uma doença localmente circunscrita não são obrigados a pagar uma taxa de rescisão, ao passo que os viajantes que rescindam esse contrato devido ao aparecimento de uma doença de dimensão mundial ficam obrigados a pagar essa taxa, pelo que os respetivos viajantes beneficiariam de um nível de proteção menor em caso de ocorrência de uma crise sanitária mundial do que em caso de aparecimento de uma doença localmente circunscrita.

55

No que respeita ao objetivo de proteção dos consumidores, a República Eslovaca alega, todavia, que esta proteção não pode ser dissociada da dos operadores turísticos em caso de insolvência, prevista no artigo 17.o da Diretiva 2015/2302, que não visa a cobertura de riscos extremamente remotos, como a eclosão de uma pandemia mundial. Este Estado‑Membro deduz daqui que a aplicação do direito ao reembolso integral previsto no artigo 12.o, n.o 2 e n.o 3, alínea b), desta diretiva também não deve ser alargada a tais situações.

56

A este respeito, como também é sublinhado nos considerandos 13 e 14 da Recomendação 2020/648, é incontestável que uma crise sanitária mundial, como a pandemia de COVID‑19, é suscetível de confrontar os operadores de viagens organizadas com um risco acrescido de insolvência não coberto pelo seguro subscrito ao abrigo do artigo 17.o da Diretiva 2015/2302, e que esse risco pode afetar o direito dos respetivos viajantes ao reembolso dos pagamentos efetuados a título de uma viagem organizada.

57

No entanto, há que observar que uma interpretação do artigo 12.o, n.o 2, e n.o 3, alínea b), da Diretiva 2015/2302 que tenha por efeito, em tais circunstâncias, negar desde logo aos viajantes o direito a beneficiarem desse direito prejudicaria necessariamente ainda mais a proteção dos interesses destes últimos.

58

No que respeita à distinção que, segundo a República Eslovaca, há que fazer entre o conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais» e o de força maior, uma vez que uma pandemia como a pandemia mundial de COVID‑19 está abrangida, em seu entender, unicamente por este último conceito, importa salientar que, contrariamente ao que alega este Estado‑Membro, tal argumento não tem nenhum fundamento no Acórdão de 18 de março de 2021, Kuoni Travel (C‑578/19, EU:C:2021:213).

59

Com efeito, a situação em causa no processo que deu origem a esse acórdão dizia respeito à Diretiva 90/314, que foi revogada e substituída pela Diretiva 2015/2302. Independentemente da distinção feita por essa Primeira Diretiva entre os conceitos de caso de força maior e de acontecimento imprevisível ou insuperável, evocada no n.o 58 do referido acórdão, há que observar que a Diretiva 2015/2302 não reproduziu nenhum destes conceitos, mas que se refere, neste contexto, apenas ao conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais». Ora, como já foi declarado nos n.os 48 e 49 do presente acórdão, uma crise sanitária mundial como a pandemia de COVID‑19 é suscetível de ser abrangida por este conceito.

60

À luz destas considerações, há que considerar que, contrariamente ao que sustenta a República Eslovaca, o conceito de «circunstâncias inevitáveis e excecionais», na aceção do artigo 12.o, n.o 2 e n.o 3, alínea b), da Diretiva 2015/2302, é suscetível de abranger a eclosão de uma crise sanitária à escala mundial, podendo esta disposição, por conseguinte, ser aplicada às situações previstas no artigo 33.o‑A da Lei n.o 170/2018, a saber, aquelas em que não era possível fornecer ao viajante os elementos essenciais dos serviços turísticos previstos num contrato de viagem organizada «devido à situação excecional decorrente da COVID‑19 na Eslováquia ou a uma situação semelhante no local de destino ou em qualquer ponto do itinerário da viagem organizada».

61

Em segundo lugar, importa examinar a questão de saber se, como alega a República Eslovaca, a notificação de uma viagem de substituição prevista no artigo 33.o‑A da Lei n.o 170/2018 pode constituir um reembolso dos pagamentos efetuados, na aceção do artigo 12.o, n.o 2 e n.o 3, alínea b), da Diretiva 2015/2302.

62

A este respeito, há que começar por constatar que esta diretiva não contém nenhuma definição do conceito de «reembolso».

63

Em seguida, resulta de jurisprudência constante que a determinação do significado e do alcance dos termos para os quais o direito da União não fornece uma definição deve fazer‑se de acordo com o sentido habitual destes na linguagem comum, tendo em atenção o contexto geral em que são utilizados e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (Acórdão de 18 de março de 2021, Kuoni Travel, C‑578/19, EU:C:2021:213, n.o 37).

64

Segundo o seu sentido habitual na linguagem corrente, o termo «reembolsar» faz referência ao facto de devolver a uma pessoa uma quantia em dinheiro que esta pagou ou adiantou a outra pessoa e implica, assim, o facto de esta última restituir esse montante à primeira. Tal sentido resulta por outro lado sem ambiguidade da leitura da redação do artigo 12.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2015/2302 no seu conjunto, que especifica que o reembolso integral visa os «pagamentos efetuados» a título de uma viagem organizada, o que dissipa assim qualquer dúvida quanto ao objeto do reembolso, incidindo este último sobre uma quantia em dinheiro.

65

Daqui resulta que o conceito de «reembolso», na aceção do artigo 12.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2015/2302, se entende como uma restituição dos pagamentos efetuados a título de uma viagem organizada sob a forma de uma quantia em dinheiro.

66

Tal interpretação não é desmentida pelo argumento da República Eslovaca relativo à distinção terminológica que é efetuada, no que respeita a este conceito, nomeadamente nas versões em língua alemã e inglesa do artigo 12.o, n.o 4, da Diretiva 2015/2302, entre, por um lado, uma restituição («reimbursement» em língua inglesa, «Rückzahlung» em língua alemã) dos pagamentos, prevista no artigo 12.o, n.o 1, dessa diretiva e, por outro, um «reembolso» («refund» em língua inglesa, «Erstattung» em língua alemã) destes pagamentos, referido no artigo 12.o, n.os 2 e 3, da referida diretiva, abrangendo tal reembolso, segundo esse Estado‑Membro, também uma indemnização sob uma forma diferente da quantia em dinheiro.

67

Com efeito, não só esta distinção terminológica é perfeitamente compatível com uma interpretação dessas disposições que implica uma restituição sob a forma de uma quantia em dinheiro, mas também, mesmo admitindo que assim não fosse, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a formulação utilizada numa das versões linguísticas de uma disposição do direito da União não pode servir de base única à interpretação dessa disposição ou ter caráter prioritário em relação às outras versões linguísticas, devendo a referida disposição, em caso de disparidade entre as diferentes versões linguísticas de um texto do direito da União, ser interpretada em função do contexto e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (v., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2020, Banca Transilvania, C‑81/19, EU:C:2020:532, n.o 33 e jurisprudência referida).

68

Ora, o contexto do artigo 12.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2015/2302 e o objetivo desta diretiva apenas corroboram a interpretação literal adotada no n.o 65 do presente acórdão.

69

Com efeito, no que respeita, por um lado, ao contexto desta disposição, o facto de, por força do artigo 12.o, n.o 4, desta diretiva, o reembolso dever ser efetuado até 14 dias após a rescisão do contrato de viagem organizada em causa tende a indicar que esse reembolso deve ser feito sob a forma de quantia em dinheiro, na medida em que esse prazo visa garantir que o viajante em causa possa, pouco tempo após a rescisão desse contrato, dispor de novo e livremente do montante que pagou para efeitos dessa viagem organizada. Em contrapartida, a imposição desse prazo seria pouco útil se o referido viajante se limitasse a aceitar um vale ou a outra prestação de caráter diferido, de que, em todo o caso, só poderia beneficiar após o termo desse prazo.

70

Por outro lado, o contexto mais amplo em que a Diretiva 2015/2302 se inscreve, ou seja, o do domínio dos direitos dos viajantes e da proteção dos consumidores, evidencia que, quando o legislador da União prevê, num determinado ato legislativo relativo a este domínio, a possibilidade de substituir uma obrigação de pagamento de uma quantia em dinheiro por uma prestação de outra forma, como, designadamente, a proposta de vales, essa possibilidade está expressamente prevista nesse ato legislativo. É o caso, nomeadamente, do artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91 (JO 2004, L 46, p. 1), que prevê que a indemnização referida no n.o 1 deste artigo 7.o é paga «em numerário», por transferência bancária eletrónica, por transferência bancária ou por cheque, ou, com o acordo escrito do passageiro, através de vales de viagem e/ou outros serviços.

71

A inexistência de qualquer referência, na redação do artigo 12.o da Diretiva 2015/2302, a esta possibilidade tende, deste modo, a confirmar que este artigo visa unicamente reembolsos sob a forma de uma quantia em dinheiro.

72

Por outro lado, o direito ao reembolso conferido aos viajantes pelo artigo 12.o, n.os 2 e 3, desta diretiva responde ao objetivo de proteção dos consumidores prosseguido por esta, recordado no n.o 53 do presente acórdão, pelo que uma interpretação do conceito de «reembolso», na aceção deste artigo 12.o, no sentido de que o viajante em causa tem direito à restituição dos pagamentos efetuados a título da viagem organizada em causa sob a forma de uma quantia em dinheiro, de que poderá dispor livremente, é mais suscetível de contribuir para a proteção dos seus interesses e, deste modo, para a realização desse objetivo do que a interpretação no sentido de que basta que o operador em causa lhe proponha uma viagem de substituição, um vale ou outra forma de compensação diferida.

73

Quanto ao argumento da República Eslovaca de que, em especial numa situação de perturbação total do contrato em causa, é necessário, à luz do considerando 5 da Diretiva 2015/2302 e em conformidade com a jurisprudência resultante do Acórdão de 31 de janeiro de 2013, McDonagh (C‑12/11, EU:C:2013:43, n.o 62), chegar a uma interpretação que permita estabelecer um justo equilíbrio entre a proteção dos consumidores e a competitividade das empresas, basta observar que a interpretação acolhida no n.o 65 do presente acórdão reflete a ponderação dos interesses que o legislador da União pretendeu instituir no que respeita às consequências financeiras decorrentes da rescisão de um contrato de viagem organizada nas situações previstas no artigo 12.o, os n.os 2 e 3 dessa diretiva, disposição que, de resto, não só prevê uma obrigação de reembolso em benefício dos viajantes, como precisa, além disso, que, nesses casos, o operador não está, por sua vez, obrigado a uma indemnização adicional.

74

Tal não prejudica a possibilidade de o viajante parte num contrato de viagem organizada consentir voluntariamente em aceitar, em vez de um reembolso sob a forma de uma quantia em dinheiro, um vale, na medida em que esta possibilidade não o priva do seu direito a esse reembolso, como indicado no considerando 9 da Recomendação 2020/648.

75

Por conseguinte, há que considerar que uma notificação de uma viagem de substituição, como a prevista no artigo 33.o‑A da Lei n.o 170/2018, não constitui um reembolso dos pagamentos efetuados, na aceção do artigo 12.o, n.o 2 e n.o 3, alínea b), da Diretiva 2015/2302, devendo esse reembolso ser entendido unicamente como uma restituição desses pagamentos sob a forma de uma quantia em dinheiro.

76

Em terceiro lugar, resulta destas considerações que é com razão que a Comissão afirma que o artigo 33.o‑A da Lei n.o 170/2018 é contrário ao artigo 12.o, n.o 2, n.o 3, alínea b), e n.o 4, da Diretiva 2015/2302, conjugado com o artigo 4.o dessa diretiva, na medida em que concedia, durante um período compreendido entre 12 de março de 2020 e 31 de agosto de 2021, aos viajantes cuja viagem organizada não pudesse ser executada devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais relacionadas com a pandemia mundial de COVID‑19, apenas o direito a que lhes fosse oferecida uma viagem de substituição em vez de um reembolso integral, sob a forma de uma quantia em dinheiro, dos pagamentos efetuados a título dessa viagem organizada.

77

Por conseguinte, ao ter adotado o artigo 33.o‑A da Lei n.o 170/2018, a República Eslovaca não cumpriu a obrigação que lhe incumbe de adotar, na sua ordem jurídica nacional, todas as medidas necessárias com vista a assegurar o pleno efeito da Diretiva 2015/2302, em conformidade com o objetivo que esta prossegue (v., neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 2022, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho, C‑348/20 P, EU:C:2022:548, n.o 69).

78

A República Eslovaca alega, porém, que a situação desfavorável ligada à pandemia mundial de COVID‑19 constituía um caso de força maior que a impediu de cumprir as suas obrigações decorrentes da Diretiva 2015/2302.

79

No que respeita a tal alegação, importa sublinhar que o Tribunal de Justiça já declarou que o receio de dificuldades internas não pode justificar que um Estado‑Membro não cumpra as obrigações que lhe incumbem por força do direito da União. (v., neste sentido, Acórdãos de 1 de abril de 2004, Comissão/Itália, C‑99/02, EU:C:2004:207, n.o 22 e jurisprudência referida, e de 13 de setembro de 2017, Comissão/Bélgica, C‑591/14, EU:C:2017:670, n.o 44).

80

É certo que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, quando um Estado‑Membro não cumpriu as suas obrigações decorrentes do direito da União, não está excluído que possa invocar, quanto a essa não conformidade, a força maior.

81

A este respeito, segundo jurisprudência constante, embora o conceito de força maior não pressuponha uma impossibilidade absoluta, exige, no entanto, que a não conformidade em causa seja devida a circunstâncias alheias a quem a invoca, anormais e imprevisíveis, cujas consequências não pudessem ter sido evitadas, apesar de todas as diligências desenvolvidas, só podendo, além disso, uma situação de força maior ser invocada relativamente ao período necessário para remediar essas dificuldades. (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de dezembro de 2001, Comissão/França, C‑1/00, EU:C:2001:687, n.o 131 e jurisprudência referida, e de 4 de março de 2010, Comissão/Itália, C‑297/08, EU:C:2010:115, n.o 85 e jurisprudência referida).

82

Ora, importa observar que o artigo 33.o‑A da Lei n.o 170/2018 não preenche manifestamente as condições que regulam a invocação da força maior.

83

A este respeito, primeiro, embora uma crise sanitária com uma dimensão como a da pandemia de COVID‑19 seja alheia à República Eslovaca, bem como anormal e imprevisível, uma regulamentação nacional que liberta, de forma generalizada, sob reserva de certas exceções a favor de categorias de viajantes mais vulneráveis, todos os operadores de viagens organizadas da sua obrigação de reembolso, prevista no artigo 12.o, n.os 2 a 4, da Diretiva 2015/2302, no que respeita aos contratos que não puderam ser executados devido a essa pandemia, não pode, pela sua própria natureza, ser justificada pelas restrições decorrentes desse acontecimento e preencher assim as condições que regulam a invocação da força maior.

84

Com efeito, ao conduzir, de facto, a uma suspensão provisória generalizada dessa obrigação de reembolso, a aplicação de semelhante regulamentação não se limita apenas às situações em que essas limitações, nomeadamente financeiras, se manifestaram realmente, estendendo‑se a todos os contratos que não podiam ser executados devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais ligadas à pandemia mundial de COVID‑19, sem tomar em consideração a situação financeira concreta e individual dos respetivos operadores turísticos.

85

Segundo, não resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que as consequências financeiras a que o dispositivo do artigo 33.o‑A da Lei n.o 170/2018 se destinava a fazer face não podiam ter sido evitadas de outro modo que não fosse através da violação do artigo 12.o, n.os 2 a 4, da Diretiva 2015/2302, nomeadamente através da adoção, em benefício dos operadores turísticos em causa, de certas medidas de auxílio de Estado suscetíveis de serem autorizadas ao abrigo do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, possibilidade que foi recordada nos considerandos 21 e 22 da Recomendação 2020/648 e à qual outros Estados‑Membros recorreram.

86

Neste contexto, embora a República Eslovaca tenha insistido no facto de a adoção dessas medidas de auxílio de Estado ter sido rodeada de especiais dificuldades, dependendo a possibilidade de adotar essas medidas a curto prazo, nomeadamente, das estruturas existentes de organização do setor das viagens organizadas, bem como do tempo necessário para tal adoção, em conformidade com os seus procedimentos internos, há que recordar a este respeito que, nos termos da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um Estado‑Membro não pode invocar dificuldades de ordem interna para justificar o incumprimento das obrigações decorrentes do direito da União (Acórdãos de 25 de junho de 2013, Comissão/República Checa, C‑241/11, EU:C:2013:423, n.o 48 e jurisprudência referida, e de 6 de novembro de 2014, Comissão/Bélgica, C‑395/13, EU:C:2014:2347, n.o 51).

87

Neste contexto, também não pode ser acolhido o argumento apresentado pela República Eslovaca de que a solução que consiste na concessão de auxílios de Estado deveria ser um «último recurso». Com efeito, basta salientar a este respeito que o direito da União permite aos Estados‑Membros, desde que preencham as condições previstas para o efeito, preverem certas formas de auxílios de Estado, nomeadamente as que possam ser consideradas compatíveis com o mercado interno nos termos do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, ao passo que, como resulta do n.o 77 do presente acórdão, este direito não lhes permite especificamente não cumprir a sua obrigação de adotarem, na sua ordem jurídica nacional, todas as medidas necessárias com vista a assegurar a plena eficácia de uma diretiva, no caso, a Diretiva 2015/2302.

88

Há que salientar ainda que os Estados‑Membros tinham igualmente a possibilidade de instituir dispositivos destinados, não a impor, mas sim a encorajar ou a facilitar a aceitação, pelos viajantes, de vales de valor equivalente em vez de um reembolso sob a forma de uma quantia em dinheiro, podendo tais soluções também contribuir para atenuar os problemas de liquidez dos operadores turísticos, como foi assinalado na Recomendação 2020/648, designadamente no seu considerando 15.

89

Terceiro, uma disposição nacional como o artigo 33.o‑A da Lei n.o 170/2018, na medida em que prevê liberar os operadores de viagens organizadas da sua obrigação de reembolso durante um período que pode ir até cerca de 18 meses a contar da notificação da rescisão do contrato de viagem organizada em causa, não foi manifestamente concebida para limitar os seus efeitos ao período necessário para remediar as dificuldades causadas pelo acontecimento suscetível de ser abrangido pelo caso de força maior.

90

Por conseguinte, há que julgar procedente a ação intentada pela Comissão.

91

Atendendo a todas estas considerações, há que declarar que, ao introduzir, com a adoção da Lei n.o 136/2020, o artigo 33.o‑A da Lei n.o 170/2018, a República Eslovaca não cumpriu a obrigação que lhe incumbe por força do artigo 12.o, n.o 2, n.o 3, alínea b), e n.o 4, da Diretiva 2015/2302, conjugado com o seu artigo 4.o

Quanto às despesas

92

Por força do disposto no artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Eslovaca nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

 

1)

Ao ter introduzido, através da adoção da zákon č. 136/2020 Z. z. (Lei n.o 136/2020 Rec.), de 20 de maio de 2020, o artigo 33.o‑A na zákon č. 170/2018 Z. z. o zájazdoch, spojených službách cestovného ruchu, niektorých podmienkach podnikania v cestovnom ruchu a o zmene a doplnení niektorých zákonov (Lei n.o 170/2018 Rec., relativa às Viagens Organizadas, aos Serviços Turísticos Conexos e a Determinadas Condições Aplicáveis à Atividade Turística, que altera e completa determinadas leis), de 15 de maio de 2018, a República Eslovaca não cumpriu a obrigação que lhe incumbe por força do disposto no artigo 12.o, n.o 2, n.o 3, alínea b), e n.o 4, da Diretiva (UE) 2015/2302 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, relativa às viagens organizadas e aos serviços de viagem conexos, que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 e a Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Diretiva 90/314/CEE do Conselho, em conjugação com o artigo 4.o da Diretiva 2015/2302.

 

2)

A República Eslovaca é condenada nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: eslovaco.